Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6473/11.9TBVFX-A.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
MANDATÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Deduzido o incidente de justo impedimento e ouvida a parte contrária que se lhe opôs, não é admissível uma nova peça processual do requerente “esclarecendo” situações suscitadas na referida oposição e apresentando nova prova.
II - Sentindo-se o ilustre mandatário da Ré indisposto desde segunda-feira, com sintomas que se foram agravando progressivamente, e tendo de entregar o articulado de contestação até sexta-feira, tendo a Ré passado procuração conjunta a dois advogados, seria de exigir, no âmbito de uma conduta medianamente diligente, que o requerente contactasse a Ré ou o colega com vista a assegurar-se da entrega tempestiva dessa contestação.
III - Nada fazendo, aguardando o último dia do prazo, quando o agravamento da doença já não lhe permitiu sair de casa nem exercer a sua normal actividade profissional, o ilustre advogado deu mostras de uma conduta negligente, que exclui o justo impedimento.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes autos em que é Autor A… e Ré Junta de Freguesia de …, veio B…, advogado da Ré, requerer a junção tardia da contestação, alegando justo impedimento nos termos de fls. 65 e 66.
O Autor opôs-se.
A Ré requereu a junção daquilo que designa por “esclarecimento”, após ser notificada da oposição do Autor.
Foi proferido despacho que ordenou que fosse desentranhado e restituído ao apresentante, esse requerimento avulso de 9.02.2012, por entender que o mesmo é legalmente inadmissível nessa fase dos autos e anteriormente, apenas se determinara a audição da parte contrária, a qual se pronunciou, sem que tal pronúncia admita qualquer direito de resposta ou a junção intempestiva de prova, designadamente, documental, nos termos do art. 146° do CPC.
Foi igualmente proferida decisão relativamente ao justo impedimento, não admitindo o requerente a praticar o acto (contestação) fora do prazo.
Inconformada, recorre a Ré, concluindo que:
- Face ao acima exposto é de concluir que o despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo é no seu todo contrário à lei, assentando ainda em presunção passível de ser ilidida;
- Desde logo, e em primeiro lugar, na parte que ordenou o desentranhamento dos autos do requerimento apresentado pela Recorrente em 09-02-2012;
- Isto porque a apresentação de esclarecimentos complementares não está vedada pelo disposto no art. 146º do Código de Processo Civil;
- E a Recorrente no exercício do princípio dispositivo contido no art. 264º do Código de Processo Civil, tinha o direito de alegar todos os factos integrantes da sua pretensão, estando ainda em tempo para o fazer, uma vez que ainda não tinha sido proferida decisão sobre o requerido;
- Até porque o requerimento com esclarecimentos complementares e o documento junto com este, era pertinente e necessário para fundamentar a sua pretensão;
- Só cabendo ao Meritíssimo Juiz a quo ordenar o seu desentranhamento, nos termos do nº 1 do art. 543 o do Código de Processo Civil, se estes fossem impertinentes ou desnecessários, o que manifestamente não foi o caso;
- Acresce que, o despacho recorrido se baseia em mera presunção para não reconhecer a ocorrência de justo impedimento na situação de doença inesperada, aguda e incapacitante que impossibilitou a entrega atempada da contestação e a substituição atempada do mandatário doente por outro colega;
- Não obstante a imprevisibilidade e gravidade da doença que o acometeu estar devidamente atestada por declaração médica junta aos autos;
- A qual também é clara ao atestar que o mandatário em causa estava incapacitado para trabalhar;
- Incapacidade esta que surgiu de forma inesperada e que, pela gravidade que assumiu, o impediu de assegurar a remessa aos autos, dentro do prazo, da contestação, ainda que, eventualmente, pudesse dispor dos meios para o fazer, como se presumiu erradamente na decisão recorrida;
- A verdade porém que está provada nos autos, é que o mandatário padecia de doença aguda, incapacitante e retido na residência, sem reunir condições para trabalhar;
- Sendo irrelevante se tinha ou não tinha acesso aos meios técnicos e tecnológicos necessários, mas a que na verdade não tinha acesso onde se encontrava;
- A incapacidade para trabalhar incluía também a ausência das condições físicas e mentais para poder assegurar a prática atempada do acto jurídico por outro colega, não sendo legítimo presumir que essa capacidade existisse;
- Tal como não é legítimo presumir que o colega do mandatário enfermo estivesse disponível naquele dia para assegurar a defesa da Recorrente de forma responsável e eficaz nos termos da normal diligência a que está profissionalmente obrigado;
- Com efeito, não dispunha do processo pelo que teria que deslocar à residência do mandatário enfermo, o que nem poderia fazer por se encontrar numa diligência na Comarca de Lisboa;
- Por tal facto não pode sequer ser contactado em tempo útil;
- Assim, impõe-se que o justo impedimento tenha impedido o mandatário enfermo de trabalhar, total, e não parcialmente, e que seja reconhecido não s6 como causa impeditiva da entrega atempada da contestação;
- Mas também, impeditiva da substituição atempada do mandatário acometido por doença inesperada, aguda e incapacitante.
Termos em que se requer que seja revogado o despacho recorrido com a consequente anulação da decisão de desentranhamento do requerimento junto aos autos pela Recorrente em 09-02-2012;
Sendo ainda reconhecida a existência de justo impedimento e assim admitida a junção aos autos da contestação apresentada pela Recorrente em 06-02-2012.

O Autor contra-alegou sustentando a manutenção do despacho recorrido.

Cumpre apreciar.
Colocam-se aqui duas questões: a decisão de mandar desentranhar o “esclarecimento” junto pela Ré e a decisão que indeferiu o justo impedimento.
O documento em causa é apresentado pela Junta de Freguesia de …, na sequência, como esta refere, da resposta do Autor à invocação de justo impedimento. Nele se refere que o advogado da Ré, Dr. B…, em 3/2/2012, face à doença súbita que o acometeu, não estava em condições físicas e mentais de realizar qualquer tarefa; nem pôde fazer-se substituir pelo seu colega Dr. J…. já que este tem domicílio profissional em Lisboa e se encontra, nesse dia, a participar enquanto mandatário numa Assembleia de Credores no …º juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa.
Refira-se que no seu requerimento em que invoca o justo impedimento, o Dr. B… limita-se a dizer, no tocante à prática do acto por outro advogado, que:
“Ficou assim o signatário impossibilitado por motivo de doença súbita de apresentar a contestação nos autos supra identificados no último dia de que dispunha, sem que tivesse podido em tempo útil diligenciar junto de outro colega que o fizesse por si, ainda nesse mesmo dia”.

Encontra-se junta aos autos uma declaração médica atestando que o Dr. B… apresentava doença aguda em 3/2/2012 que o impossibilitou de desenvolver a sua usual actividade profissional.

Nos termos do art. 146º nº 1 do CPC considera-se justo impedimento “o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto”.
E nos termos do nº 2 do mesmo preceito, a parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova. Em seguida, ouvida a parte contrária, o juiz decidirá.

Isto implica que no requerimento onde se invoca o justo impedimento se indique toda a prova e se apresentem os argumentos que possam fundamentar tal justo impedimento. Não há lugar a novos requerimentos com esclarecimentos adicionais, de resto suscitados pela alegação de factos efectuada pela parte contrária na sua oposição.
Contrariamente ao que refere a recorrente, a apresentação de esclarecimentos complementares está vedada pelo art. 146º nº 1. Todos os esclarecimentos e provas terão de ser prestados no requerimento do justo impedimento ou, no caso da parte contrária, na oposição. Daí o emprego do advérbio “logo” no nº 2 do artigo em análise.
Este preceito não prevê qualquer outra peça processual, visando esclarecer ou rebater situações alegadas pela parte contrária na oposição (no caso dos autos trata-se da questão de a Ré ter junto procuração conjunta a dois advogados, o Dr. B… e o Dr. J….).

Assim o documento em causa, a fls. 74 a 76 dos presentes autos, não é admissível como bem decidiu o tribunal a quo.

Quanto à existência de justo impedimento.
No respectivo requerimento, o Dr. B… refere que durante a semana que antecedeu o dia 3/2/2012 se sentiu indisposto com sintomas que se vieram progressivamente a agravar.
No dia 3, devido a um agravamento súbito teve necessidade de ser assistido por um médico em sua casa, onde estava retido pela doença que o acometeu.
Atento o teor da declaração do médico, o ilustre advogado estava, no dia 3/2/2012 impossibilitado de exercer a sua usual actividade profissional por motivo de doença aguda.

Como refere Lebre de Freitas a respeito do art. 146º na redacção dada pelo Decreto Lei nº 329-A/95, “à luz do novo conceito, basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção (...) Passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário. Um evento previsível pode agora excluir a imputabilidade do atraso ou da omissão.. Mas, tal como na responsabilidade civil contratual, a culpa não tem de ser provada, cabendo à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (...)” - “Código de Processo Civil Anotado”, 1º, pág. 258.

Cite-se ainda o Acórdão da Relação de Guimarães, de 23/6/2004 disponível no endereço www.dgsi.pt:
“A doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato”.

Ora, no caso dos autos, não se discute que a doença do Dr. B… tenha sido incapacitante, quer para a prática do acto quer para comunicar com a parte ou com o outro advogado constante da procuração, independentemente de este ter o seu domicílio profissional em Lisboa ou noutro sítio qualquer.
Contudo, é o mesmo ilustre advogado quem afirma, no seu requerimento: “durante toda a semana passada o signatário veio a sentir-se indisposto, com sintomas que se vieram progressivamente a agravar”.
No dia 3/2 o estado de saúde sofreu novo agravamento que impediu o mesmo advogado de sair de casa e de exercer a sua profissão.
Ou seja, a situação de doença já se arrastava há uma semana. E tinha vindo a piorar progressivamente. Perante isto, seria normal que o dr. B… entrasse em contacto com o seu colega que figurava igualmente na procuração conjunta passada pela Ré para o prevenir do seu estado de saúde, da necessidade de entregar o articulado da contestação e do termo do prazo para tal. Seria uma atitude prudente, o tipo de atitude que será de exigir nesta e noutras situações a uma pessoa medianamente diligente.
Passar uma semana doente, com os sintomas a agravarem-se progressivamente e nada fazer, não contactando a Ré ou o colega que com ele era mandatário da mesma Ré, significa expor-se e expor a Ré a um risco desnecessário e injustificado.
Mais a mais, insiste-se, quando a procuração foram passada a dois advogados, o requerente e o dr. J…..

Pouco interessa que o domicílio profissional do dr. J…. seja em Lisboa e que na sexta-feira dia 3/2 estivesse ocupado numa diligência no Tribunal de Comércio de Lisboa. Desde segunda-feira, de acordo com as próprias palavras do ilustre requerente, que o mesmo se sentia indisposto e os sintomas vinham piorando dia a dia. Tinha tido tempo suficiente, quando ainda estava capacitado para exercer a sua actividade profissional, de alertar o colega e de acertar com ele uma estratégia que visasse garantir em tempo a salvaguarda dos interesses do cliente.

Não ignoramos que, na normalidade da vida, no dia a dia, acontece com frequência uma pessoa sentir-se indisposta, doente mas – salvo casos extremos, como sintomas altamente febris ou intensas dores – devido aos afazeres profissionais ir adiando a consulta a um médico. Mas quando se tem de entregar uma contestação e se está a escassos dias do termo do prazo, é de exigir alguma prudência, face às consequências da revelia.
A Junta de Freguesia de …passou procuração, como vimos, a dois advogados – ver fls. 63 verso. Seria de esperar, insiste-se, que, por mera precaução e face aos interesses em jogo, o ilustre requerente contactasse o colega durante essa semana de modo a que, mesmo que a sua situação de doença piorasse drasticamente – como veio a suceder - a contestação fosse entregue antes do termo do prazo.

Não se exigia do requerente uma excepcional diligência, mas tão só uma conduta normalmente prudente. Existem actos num processo cujas consequências da falta da sua prática podem ter efeitos gravíssimos para a parte – falta de contestação, não entrega do requerimento de recurso a tempo, por exemplo. Ao não tomar qualquer atitude que visasse prevenir a entrega tempestiva da contestação, aguardando ainda por cima o último dia do termo, o dr. B… incorreu em manifesta negligência, não sendo aceitável que venha posteriormente invocar o justo impedimento.

Conclui-se assim que:
Deduzido o incidente de justo impedimento e ouvida a parte contrária que se lhe opôs, não é admissível uma nova peça processual do requerente “esclarecendo” situações suscitadas na referida oposição e apresentando nova prova.
Sentindo-se o ilustre mandatário da Ré indisposto desde segunda-feira, com sintomas que se foram agravando progressivamente, e tendo de entregar o articulado de contestação até sexta-feira, tendo a Ré passado procuração conjunta a dois advogados, seria de exigir, no âmbito de uma conduta medianamente diligente, que o requerente contactasse a Ré ou o colega com vista a assegurar-se da entrega tempestiva dessa contestação.
Nada fazendo, aguardando o último dia do prazo, quando o agravamento da doença já não lhe permitiu sair de casa nem exercer a sua normal actividade profissional, o ilustre advogado deu mostras de uma conduta negligente, que exclui o justo impedimento.


Assim e pelo exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

LISBOA, 5/7/2012

António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais