Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1046/14.7TJLSB.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: ACTUALIZAÇÃO DE RENDA
REGIME TRANSITÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - No regime transitório previsto no NRAU e no artigo 19º-A do DL 158/2006 de 8/8, provando o arrendatário que no ano anterior o valor do RABC (rendimento anual bruto corrigido) do seu agregado familiar foi inferior a 5 RMNA (retribuições mínimas nacionais anuais), não deixa de beneficiar do regime do artigo 35º do NRAU, apesar de não ter cumprido o ónus de remeter ao senhorio o documento comprovativo no prazo fixado na lei.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


M… e J… intentaram contra JA… acção com processo comum alegando, em síntese, que são donas de uma fracção autónoma que foi dada de arrendamento há mais de 30 anos por contrato verbal e, por falecimento da arrendatária, sucedeu-lhe o ora réu, a quem as autoras comunicaram que pretendiam fazer transitar o contrato para o regime do NRAU e actualizar a renda, ao que o réu respondeu, opondo-se à alteração da modalidade do contrato por ter mais de 65 anos e opondo-se à actualização da renda por o seu rendimento mensal não ultrapassar 207,00 euros, juntando, como prova deste último facto, cópia de um recibo do CNP de 2011, que as autoras não aceitaram por ser desconforme com o documento exigido por lei, pelo que actualizaram a renda para 367,00 euros, que o réu não respeitou, oferecendo o pagamento da renda antiga de 77,00 euros, não aceite pelas autoras, que lhe comunicaram a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas e exigindo a entrega da fracção, o que o réu não satisfez.

Concluíram pedindo o reconhecimento da resolução do contrato de arrendamento e a condenação do réu a entregar-lhes o imóvel e a pagar-lhes as rendas vencidas e não pagas, bem como uma indemnização mensal desde a data da resolução do contrato e até à efectiva entrega do imóvel.   
    
O réu contestou alegando, em síntese, que, apesar de na comunicação em que se opôs à actualização de renda, não ter enviado o documento comprovativo emitido pelas Finanças relativo ao RABC do seu agregado familiar, requereu a emissão do mesmo, o qual só lhe foi entregue mais tarde e atesta que o valor do RABC não permite o aumento de renda para o valor pretendido pelas autoras, pelo que a resolução do contrato carece de fundamento e o contestante depositou o montante das rendas correctas, uma vez que as autoras não aceitaram o respectivo pagamento e entraram em mora.

Concluiu pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido.

Saneados os autos, foram apresentadas alegações escritas na sequência de despacho que considerou não haver factos controvertidos para submeter a prova, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu o réu do pedido. 
                                                     
Inconformadas, as autoras interpuseram recurso e alegaram, formulando conclusões onde levantam as seguintes questões:

-A aplicação do regime transitório constante do DL 158/2016, de 8/08 aditado pelo DL 266-C/2012, de 31/12, em concreto do seu artigo 19º-A, não afasta a obrigação da obrigação imposta ao arrendatário no artigo 32º nº2 do DL 6/2006, de 27/2, de requerer ao serviço de Finanças o documento comprovativo do seu RABC.
-O réu não cumpriu essa obrigação no prazo de resposta da carta das apelantes que desencadeou o processo de actualização de renda, só tendo requerido às Finanças o documento comprovativo do RABC em Março de 2013, já depois de receber a carta das autoras comunicando a actualização da renda.
-Não está em causa que o réu beneficiaria do prazo alargado de entrega desse documento, resultante do regime transitório, mas sim apenas o incumprimento da obrigação de requerer tal documento às Finanças e comprovar o cumprimento desse dever na mesma comunicação em que exercia os direitos inerentes à alegação da insuficiência do seu RABC.
-Deverá assim a acção proceder e o réu ser condenado no pedido.    
                                                         
O réu ofereceu contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.  
                                                           
A questão a decidir é de saber se foi legal a actualização da renda operada pelas autoras e, consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas no valor actualizado.
                                                            
FACTOS.

A sentença recorrida considerou provados, os seguintes factos:

1.As AA. são donas e legítimas possuidoras, sem determinação de parte ou direito, da fracção “G”, correspondente, ao segundo andar direito do prédio urbano sito na Av…., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° … e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Alvalade sob o artigo … - cfr. Certidão do Registo Predial Doc. 1.
2.O andar descrito no supra artigo 1°, foi arrendado em data que se desconhece mas seguramente há mais de trinta anos, a B…, por contrato que se crê não ter sido reduzido a escrito.
3.A identificada B… faleceu em 23 de Junho de 2012, tendo o óbito sido comunicado à procuradora civil das proprietárias - Dra…., sobrinha de uma das proprietárias -, por representante do filho da inquilina, A… - cfr. Doc. 2.
4.Seis meses após o falecimento da primitiva arrendatária, o ora Réu, através de carta subscrita pelo seu advogado, veio alegar o direito ao arrendamento, por transmissão, invocando que vivia, em união de facto, com a citada primitiva arrendatária há 12 anos.
5.Em resposta a tal pretensão, e mediante carta datada de 22 de Janeiro, enviada ao ora Réu e subscrita pelas ora AA, foi aceite a transmissão do direito ao arrendamento a favor do mesmo - crf. Doc. 3.
6.Na mesma carta foi ainda o Réu informado que o valor da renda mensal em vigor à data era de 77,00 €, pagável no escritório da procuradora das AA. – Dra….
7.E foi interpelado o Réu para proceder ao pagamento imediato das rendas devidas pelo mês de Janeiro e Fevereiro de 2013, com o acréscimo legal previsto, uma vez que tais rendas deveriam ter sido pagas em Dezembro de 2012 e Janeiro deste ano, respectivamente.

8.Através da mesma carta as AA. desencadearam o processo de transição para o NRAU e de actualização extraordinária da renda nos seguintes termos:
a)O contrato de arrendamento deverá transitar para o regime legal do NRAU, devendo o mesmo passar a ser do tipo de contrato com prazo certo, pelo período de 5 anos.
b)O valor da renda mensal, que actualmente é de € 77,00, deverá passar para os 367,00 €.
O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38° e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da respectiva caderneta predial, cuja cópia se anexou, é de 65.980,00€.

9.Em resposta, por carta enviada à procuradora civil das AA. o R alegou, o seguinte:
a) ter oportunamente pago todas as rendas vencidas;
b) ter mais de 65 anos pelo que se deveria manter a modalidade do actual contrato que é a de contrato de arrendamento a tempo indeterminado;
c) que o seu rendimento mensal não ultrapassa os 207,00 € pelo que não está de acordo com a actualização proposta.

10.Para prova de oportunamente ter pago todas as rendas vencidas, juntou comprovativo de depósito bancário no valor de apenas uma renda, efectuado em 2 de Janeiro de 2013, mas após nova interpelação, pagou o efectivamente devido à data.
11.Para prova da idade invocada juntou cópia simples de registo de nascimento e cópia simples de Bilhete de Identidade.
12.Para prova de que o seu rendimento mensal não ultrapassa os 207,00€ e juntou cópia de um recibo emitido pelo Centro Nacional de Pensões, com data de 08.01.2011.
13.As AA., através da sua procuradora, responderam (...) no que concerne à actualização do valor da renda, a lei é clara quanto ao documento exigido para prova de rendimento familiar do arrendatário que se queira opor a uma proposta de aumento de renda alegando que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA. O documento apresentado por V. Exa. é manifestamente desconforme com o que a lei exige - cfr. art 32° do NRAU. Deste modo, e não tendo sido apresentada no prazo legal prova de RABC, e não aceitando as Senhorias a manutenção do valor actual da renda como proposto pelo inquilino - pelo que não há, assim, acordo -, a renda é actualizada de acordo com os critério previstos nas alíneas a) e b) do n° 2 do art. 35° do NRAU e pelo período intercalar de cinco anos. Por força dos referidos preceitos legal, a renda é, assim, fixada em 367,00€ (correspondente a 1/15 do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38° e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da respectiva caderneta predial, que é de 65.980,00€). E, por fim, Que o valor da renda actualizado é devido a partir de 1 de Maio 2013.
14.A esta carta não foi dada resposta.
15.O Réu dirigiu-se ao escritório da representante civil das proprietárias, no início de Maio, pretendendo pagar apenas 77,00€ de renda referente a Junho.
16.O pagamento não foi aceite.
17.Em Novembro de 2013, as AA. requereram a notificação judicial por via da qual as Senhorias, ora AA., comunicavam ao ora Réu o seguinte: 1. que consideram resolvido o contrato de arrendamento celebrado, referente ao 2° andar direito do prédio urbano sito na Av…., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° … e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Alvalade sob o artigo …; 2. que, para os efeitos previsto no n° 5 do art° 15°-J da Lei n° 6/2006 de 27 de Fevereiro, a supra indicada quantia em dívida, na presente data (04/11/2013), importa o valor de 2.569,00 € (dois mil quinhentos e sessenta e nove euros); 3. deverá ser paga no escritório da sua mandatária, no prazo de oito dias contados desde a data da presente notificação, sob pena execução judicial.
18.Tal notificação viu-se frustrada - cfr. certidão negativa que se junta como Doc. 7, que se junta e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
19.As AA., através da sua procuradora, enviaram, em 7 de Janeiro de 2014, carta registada com aviso de recepção, para a morada do Réu e através da mesma declararam resolvido o contrato de arrendamento em apreço cfr. Doc. 8 que se junta e que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os afeitos legais.
20.Mais foi requerida a entrega imediata do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, tudo nos termos legais - cfr. Doc. 8 junto.
21.Após o envio desta carta, a procuradora civil das AA. - Dra.… -, recebeu uma carta de advogado, datada de 13/01/2014, em representação do Réu, alegando que o Réu tem vindo a fazer o depósito da rendas desde a renda vencida em 1 de Maio e relativa a Junho de 2013 - cfr. Doc. 9.
22.Com esta referida carta foram juntas cópias de documentos, nomeadamente cópias de nove talões comprovativos de depósitos em conta junto da Caixa Geral de Depósitos, cada um no valor de 77,00€ que o Réu invocou serem efectuados por conta das rendas referentes a Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2013, Janeiro e Fevereiro de 2014.
23.O Réu requereu ao serviço de finanças a emissão do documento comprovativo do RABC do seu agregado familiar.
24.O serviço de finanças emitiu tal documento em 16/09/2013.
*

Ao abrigo dos artigos 607º nº4 e 663º nº2 do CPC, vão aditados os seguintes factos:
9-A- A carta enviada à procuradora da autoras referida no ponto 9 tem a data de 11/02/2013 (documento de fls 28 e 29).
13-A- A carta da procuradora das autoras referida no ponto 13 tem a data de 14/03/2013 (documento de fls 35 e 36).
24-A- O documento referido nos pontos 23 e 24, emitido pelas Finanças em 16/09/2013, foi requerido pelo réu em 20/03/2013 e nele consta a declaração de que o RABC do réu no ano de 2012 foi de 5 672,75 euros, inferior a cinco Retribuições Mínimas Nacionais Anuais (documentos de fls 126 e 127).
25- Na carta de 13/01/2014 referida no ponto 21, o mandatário do réu comunicou à mandatária das autoras que não aceitava a resolução do contrato e que tem um rendimento anual de 5 675,75 euros, juntando o documento emitido pelas Finanças em 16/09/2013 (documento de fls 74 e 75).   
*

ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

Como resulta dos factos provados, vigorando entre as autoras e o réu um contrato de arrendamento habitacional, cuja renda mensal era de 77,00 euros, celebrado há mais de trinta anos, ou seja, anterior ao RAU (DL 321-B/90 de 15/10), vieram as primeiras, na qualidade de senhorias, comunicar ao réu, na qualidade de arrendatário, que pretendiam fazer transitar o contrato para o NRAU e que pretendiam actualizar a renda, o que fizeram por carta de 21/01/2013 (pontos 4, 5 e 6 dos factos) e ao abrigo dos artigos 30º e seguintes do NRAU (Lei 6/2006 de 27/12), na redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012 de 14/8, anterior à Lei 79/2014 de 12/12 (e sendo a esta que em seguida se fará referência, na falta de indicação em contrário).

Em resposta, o réu, por carta de 11/02/2013, declarou que se opunha a ambas pretensões, por ter mais de 65 anos de idade e por o seu rendimento mensal não ultrapassar 207,00 euros (pontos 9 e 9-A dos factos).

Nessa resposta, o réu juntou cópia de registo de nascimento e do BI, para provar a sua idade e juntou recibo do Centro Nacional de Pensões de 2011, para provar o montante dos seus rendimentos (pontos 11 e 12 dos factos).

Não aceitando o documento junto pelo réu para prova dos seus rendimentos, as autoras responderam com a carta de 14/03/2013, comunicando a actualização da renda para o valor mensal de 367,00 euros (pontos 13 e 13-A dos factos).

Em 20 de Março de 2013 o réu requereu nas Finanças a emissão do documento comprovativo do RABC (rendimento anual bruto corrigido) do seu agregado familiar, que veio a ser emitido em 16/09/2013 (pontos 23, 24 e 24-A dos factos).

Entretanto, em Maio de 2013 o réu ofereceu às autoras o pagamento das rendas no valor de 77,00 euros, o que estas não aceitaram, tendo este procedido ao respectivo depósito (pontos 15, 16 e 22 dos factos).

Em Novembro de 2013 as autoras requereram a notificação judicial avulsa do réu, com a comunicação da resolução do contrato, do montante que consideravam devido e do prazo em que o mesmo deveria ser pago sob pena de execução judicial e, frustrada a notificação, em 7/01/2014 foi enviada carta registada de resolução do contrato (pontos 17, 18 e 19 dos factos).

O réu respondeu por carta de 13/01/2014, não aceitando a resolução e juntando o documento emitido pelas Finanças em Setembro de 2013, atestando que o RABC era inferior a 5 RMNA (pontos 21 e 25 dos factos). 
        
Haverá então que ponderar se é ou não válida a resolução do contrato, efectuada pelas autoras ao abrigo dos artigos 1083º nº3 e 1084º nº2 do CC e dos artigos 9º nº7 e 10º nº5 do NRAU.

O NRAU, com a referida redacção da Lei 31/2012 de 27/12, contém um regime transitório para os arrendamentos anteriores à sua vigência, prevendo, nos artigos 30º e seguintes, para os arrendamentos habitacionais anteriores ao RAU, a faculdade de o senhorio, se o desejar e nas condições aí previstas, fazer transitar o contrato para o NRAU (com o regime de denúncia livre pelo senhorio) e de actualizar o valor da renda.

O artigo 30º do NRAU permite que o senhorio comunique ao arrendatário a sua intenção de fazer transitar o contrato para o regime do NRAU e o artigo 31º prevê em que prazo deve ser dada a resposta do arrendatário, bem como as várias posições que pode tomar face à comunicação do senhorio, entre as quais as referidas no nº4, ou seja, invocar ter idade superior a 65 anos de idade e ser o seu RABC inferior a 5 RMNA, para os efeitos dos artigos 35º e 36º.

Assim, de acordo com o artigo 35º nº1, se o arrendatário invocar e comprovar que o RABC (rendimento anual bruto corrigido) do seu agregado familiar é inferior a 5 RMNA (retribuições mínimas nacionais anuais), o contrato só transita para o NRAU se houver acordo e, na falta dele, só no prazo de cinco anos a contar da recepção pelo senhorio da resposta do arrendatário, podendo entretanto a renda ser fixada em conformidade com os nºs seguintes do mesmo artigo.

Nos termos do artigo 36º nº1, se o arrendatário invocar e comprovar que tem idade igual ou superior a 65 anos, o contrato só transita para o NRAU se houver acordo e, no que respeita à renda, são aplicáveis os nºs seguintes, nomeadamente o nº7, por força do qual, sendo invocado e provado que o RABC é inferior a 5 RMNA, a renda é fixada de acordo com os nºs 2 e seguintes do artigo anterior, ou seja, do artigo 35º.

Por sua vez, o artigo 32º nº1 impõe que o arrendatário que invocar ter o RABC inferior a 5 RMNA deverá juntar com a sua resposta o documento emitido pelas Finanças, comprovativo do montante do RABC e o nº2 do mesmo artigo impõe que, caso o arrendatário não disponha desse documento, deve mencionar na sua resposta que o requereu às Finanças e deve enviá-lo no prazo de 15 dias após a sua obtenção; o nº3 do referido artigo 32º estabelece que o RABC se refere ao ano civil anterior ao da comunicação e o nº4 do mesmo estatui que, se o arrendatário invocar a idade igual ou superior a 65 anos, deverá logo na resposta juntar documento comprovativo, sob pena de, não o fazendo, não se poder valer dessa circunstância.

No presente caso, o réu, na sua resposta de 11/02/2013 às autoras, não juntou comprovativo do RABC emitido pelas Finanças, nem declarou que já o havia requerido e só veio a requerê-lo em 20/03/2013, depois de receber a carta das autoras a actualizar a renda.

E, tendo sido emitido esse documento pelas Finanças em Setembro de 2013, o réu não alegou nem fez prova de que o enviou às autoras antes da carta de 13/01/2014, já depois de ter recebido a comunicação de resolução do contrato.

O réu não cumpriu, assim, o ónus de comprovar o seu invocado rendimento dentro dos prazos e condições impostas no artigo 32º do NRAU.

Levanta-se, pois, a questão de saber qual a consequência deste comportamento do réu, nomeadamente se o mesmo comporta ou não a preclusão do exercício dos direitos que lhe são conferidos no artigo 35º, já que ficou efectivamente provado que o RABC do seu agregado familiar em 2012 é inferior a 5 RMNA e sendo certo que a actualização da renda pretendida pelas autoras na fixação da renda não satisfaz os parâmetros do nº2 c) do artigo 35º para esta situação (que limita os valores de actualização a percentagens do RABC do agregado familiar do arrendatário).

A sentença recorrida decidiu que não havia preclusão dos direitos do réu, por aplicação do artigo 19º-A do DL 158/2006 de 8/8, com o fundamento de que não existe prova de ter sido ultrapassado o prazo de 60 dias previsto no nº2 do mencionado artigo 19º-A.

O DL 158/2006 aprova os regimes de determinação do rendimento anual bruto corrigido (RABC) e a atribuição do subsídio de renda, tendo-lhe sido aditado, pelo DL 266-C/2012 de 31712, o artigo 19º-A, que prevê um regime transitório para os casos em que a resposta do arrendatário prevista no artigo 31º do NRAU ocorre no ano de 2012, devendo então este remeter obrigatoriamente ao senhorio o documento emitido pelas Finanças com o RABC de 2012, no prazo de 60 dias a contar da notificação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares de 2012, alargando assim, o prazo de quinze dias previstos no artigo 32º e é também aplicável às situações despoletadas no ano de 2013 – como é o caso dos presentes autos – por força do nº9 do mencionado artigo 19º-A do DL 158/2006.

Sendo aplicável este regime transitório ao caso dos autos, a verdade é que o réu, não só nada referiu sobre o assunto na sua resposta de 11/02/2013, como não fez qualquer prova – cujo ónus lhe cabia, nos termos do artigo 342º do CC – de ter sido respeitado o prazo de 60 dias para enviar às autoras o documento comprovativo do RABC, tendo ficado provado apenas que este documento lhes foi enviado só em Janeiro de 2014, depois de o réu ter recebido a notificação da resolução do contrato.

Sobre esta matéria, foi já proferido um muito recente acórdão do Tribunal Constitucional, com o nº277/2016 de 4/5, publicado no DR 122/2016, Série II, de 2016/06/14, o qual decidiu que “Julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 30º, 31º e 32º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei nº31/12, de 14 de Agosto, segundo a qual «os inquilinos que não enviem os documentos comprovativos dos regimes de excepção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto à idade ou grau de deficiência) ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias, mesmo que não tenham sido previamente alertados pelos senhorios para a necessidade de juntar os referidos documentos e das consequências da não junção», por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição”.

Este acórdão tinha como objecto uma situação em que o arrendatário, na resposta a que se refere o artigo 31º do NRAU, invocou os dois regimes de excepção em causa, mas não juntou os respectivos documentos, nomeadamente o documento comprovativo do RABC legalmente exigido, nem o documento comprovativo de já o ter solicitado nas Finanças, mas veio posteriormente juntar este último na carta que enviou ao senhorio na sequência da resposta onde este acusava a falta de junção dos referidos documentos.   

A situação dos presentes autos não é exactamente igual, pois, como já se referiu, o réu só enviou às autoras o comprovativo do RABC em Janeiro de 2014, depois da comunicação da resolução do contrato e mais de 60 dias após a sua emissão pelas Finanças em Setembro de 2013, não havendo prova de que alguma vez enviou o comprovativo de já ter solicitado o documento às finanças.

A fim de melhor avaliar as consequências deste atraso do réu no envio do documento legalmente exigido, vejamos a redacção das duas disposições aplicáveis, do “regime transitório” (artigo 32º do NRAU) e do “regime transitório do regime transitório” (artigo 19-A do DL 158/2006 de 88).

Artigo 32º do NRAU:
1-O arrendatário que invoque a circunstância prevista na alínea a) do nº4 do artigo anterior faz acompanhar a sua resposta de documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar.
2-O arrendatário que não disponha, à data da sua resposta, do documento comprovativo referido no número anterior faz acompanhar a resposta do comprovativo de ter o mesmo sido já requerido, devendo juntá-lo no prazo de 15 dias após a sua obtenção.
3-O RABC refere-se ao ano civil anterior ao da comunicação.
4-O arrendatário que invoque as circunstâncias previstas na alínea b) do nº4 do artigo anterior faz acompanhar a sua resposta, conforme os casos, de documento comprovativo de ter completado 65 anos ou de documento comprovativo da deficiência alegada, sob pena de não poder prevalecer-se das referidas circunstâncias.

Artigo 19º-A do DL 158/2006 (na parte relevante):  

1-Durante o ano de 2012, o arrendatário pode, na resposta a que se refere o artigo 31º da Lei nº6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº31/2012, de 14 de Agosto, comunicar ao senhorio, para efeitos de invocação de que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA e os factores de correcção do RAB relevantes para o apuramento do RABC são os existentes no ano de 2012.
2-No caso previsto no número anterior, o arrendatário remete obrigatoriamente ao senhorio o documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar, no prazo de 60 dias a contar da notificação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares relativo ao ano de 2012, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sob pena de não poder prevalecer-se do regime previsto para o arrendatário que invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA.
3-(…)
4-(…)
5-Sem prejuízo do disposto nos nºs 3 e 4, o arrendatário responde pelos danos que culposamente causar ao senhorio nos seguintes casos:
a) Se não remeter, ao senhorio, o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar relativo a 2012 no prazo previsto no nº2;
b) Se no RABC do seu agregado familiar relativo a 2012 for superior em mais de 20% a cinco RMNA.
6-Nos casos previstos no número anterior, o valor da indemnização não pode ser inferior a seis meses de renda, calculada de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do nº2 do artigo 35º da Lei nº6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 31/2, de 14 de Agosto.
7-As sanções previstas na parte final do nº2 e na alínea a) do nº5 não se aplicam nos casos em que a falta de remessa, a senhorio, do documento o valor do RBC, no prazo aí previsto, não seja imputável ao arrendatário.
8-(…)
9-O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, ao arrendatário que, durante o ano de 2013, invocar que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA enquanto o serviço de finanças competente não puder emitir o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC relativo ao ano de 2012.
10-(…).

Ora, analisando estas disposições legais, desde logo se vê que, no regime transitório geral, a cominação imposta no nº4 do artigo 32º – de que o arrendatário não se pode prevalecer da circunstância de ter completado 65 anos ou de sofrer de deficiência se não acompanhar a sua resposta ao senhorio com os respectivos documentos comprovativos – não é imposta nos nº1 e 2 do mesmo artigo para o caso de o arrendatário não juntar o documento comprovativo do valor do RABC do seu agregado familiar ou de que já o requereu e não juntar este último no prazo de 15 dias após a sua obtenção.

Independentemente do juízo de inconstitucionalidade formulado no acórdão do Tribunal Constitucional acima citado para os casos em que o arrendatário não cumpre o ónus previsto no nº4 do artigo 32º, decorre da leitura deste artigo que o legislador distinguiu essa situação, mais fácil de demonstrar, da situação, de prova mais complexa, prevista nos nºs 1 e 2, em que o arrendatário invoca o valor do RABC do seu agregado familiar, aí não sendo imposta a cominação prevista no nº4.

Daqui se retira que, vindo arrendatário a provar que efectivamente o RABC do seu agregado familiar do ano anterior é inferior a 5 RMNA, embora fazendo-o depois do termo dos prazos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 32º, a única consequência de não cumprir estes prazos é de eventualmente vir a ter de indemnizar danos que tenha causado ao senhorio com tal atraso (cfr neste sentido e na sequência do juízo de inconstitucionalidade formulado, o já citado ac. TC 277/2016).

Tratando-se de uma situação em que o RABC respeita ao ano de 2012, como o caso dos autos, que foi despoletado em 2013, à qual é aplicável o regime transitório especial do artigo 19º-A do DL 158/2006, o nº2 deste artigo prevê como cominação, para o não cumprimento do ónus de remessa obrigatória ao senhorio do documento comprovativo do RABC no prazo de 60 dias aí previsto, não poder o arrendatário prevalecer-se do regime previsto para quem invocou e comprovou que o RABC do seu agregado familiar é inferior a 5 RMNA.

Tal cominação prevista no nº2 do artigo 19º-A, porém – para além de ser contraditória com a do regime geral do artigo 32º nºs 1 e 2 do NRAU, apesar de respeitar aos primeiros anos de vigência de vigência do NRAU, com as dificuldades acrescidas para o arrendatário – é também contraditória com a penalização prevista nos nºs 5 e 6 do mesmo artigo 19º-A.

Para ultrapassar a contradição entre o nº2 e os nºs 5 e 6 do artigo 19º-A, deverá então interpretar-se restritivamente o primeiro, no sentido de que o arrendatário que, fora do prazo legal, venha a comprovar que o seu RABC do ano de 2012 foi inferior a 5 RMNA, deverá beneficiar do regime do artigo 35º nº1 do NRAU, sem que o senhorio possa denunciar livremente o contrato durante 5 anos, podendo ainda invocar os limites do aumento de renda que constam na alínea c) do nº2 do mesmo artigo, mas sujeitando-se, neste último caso, a pagar ao senhorio a indemnização prevista nos nºs 5 e 6 (cfr neste sentido Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano anotado, 3ª edição, páginas 147 a 149).
Sendo assim, o facto de o réu não ter cumprido o ónus de apresentar o comprovativo do RABC do seu agregado familiar, respeitante ao ano anterior, no prazo fixado na lei não faz precludir o direito de, ao abrigo o artigo 35º nº2 do NRAU, se opor à renda que foi fixada pelas autoras, uma vez que ficou demonstrado que, efectivamente, o valor do RABC integra a previsão legal para o poder fazer, sendo certo que o direito de indemnização de que as autoras poderão ser titulares não só não foi reclamado na acção, como não foi comunicado ao réu, não podendo, portanto, ser considerado e cobrado nos valores ora reclamados a título de renda (artigo 805º nº1 do CC).

Conclui-se, portanto, que não se verifica o fundamento de falta de pagamento de rendas, não sendo válida a resolução do contrato e improcedendo as alegações de recurso.   
                                                           
DECISÃO.
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.  
                                                           
Custas pelas apelantes.


                                                      
Lisboa, 2016-10-13


                                                                      
Maria Teresa Pardal                                                              
Carlos Marinho                                                                  
Maria Manuela Gomes


Decisão Texto Integral: