Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8767/15.5T8LSB-A.L1-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: PLANO DE REVITALIZAÇÃO
NORMA IMPERATIVA
VIOLAÇÃO NEGLIGENCIÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: -Havendo violação de norma imperativa sempre, e ainda que “ex vi” do disposto no artigo 294.º do Código Civil, o plano de revitalização será nulo e, em consequência, o juiz deve oficiosamente (artigo 286.º CC) recusar a sua homologação.
-O artigo 215.º do CIRE fulmina com maior rigor os vícios da parte final, sempre conducentes à não homologação, deixando os do início do preceito dependentes da sua qualificação como violação negligenciável e reportada a regras adjectivas.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


1.“A..., SA”, Sucursal em Portugal, o “D...”, e o “Banco S... SA”, credores reclamantes nos autos de Processo Especial de Revitalização, em que é devedora  a “Farmácia ... , ”, recorrem da sentença homologatória do PER.

A primeira recorrente, conclui a sua alegação nos seguintes termos:

1.A sentença de que ora se recorre pronuncia-se sobre questões que não podia tomar conhecimento, ultrapassando em muito os poderes que lhe estão cometidos, do mesmo passo que se abstém de pronunciar sobre questões que lhe foram trazidas ao conhecimento e que influem na boa decisão da causa, pelo que a sentença em crise é nula, nos termos do disposto na al. d) do n.° 1 do art. 615.° CPC, devendo ser substituída uma nova que, cingindo-se ao teor do Plano trazido ao conhecimento dos credores, atentas as exigências legais que conformam qualquer PER e a sua homologação, conclua pela sua não homologação.
2.Por não se conformar com o lastro de conclusões em que o Tribunal a quo culmina, importa sistematizar o leque de contradições insanáveis em que incorre e que não poderão merecer outra solução que não a revogação da sentença em crise.
3.Em primeiro lugar, importa evidenciar a violação do preceituado nos arts. 194.°, 195.° e 196.° perpetrada pelo julgador.
4.Resultam do PER em discussão disparidades incompreensíveis no tocante ao montante de "capital consolidado" que será alvo de pagamento por parte da devedora, mormente no tocante às entidades bancárias.
5.A devedora propõe o pagamento de 498.235,22 € de capital, com início em 01/01/2018, prevendo um período de carência de 24 meses para o capital, num total de 180 prestações mensais, vencendo o capital juros à taxa EURIBOR a 6 meses, acrescido de um Spread de 3%.
6.Só o crédito da recorrente (enquanto entidade bancária que é) ascende a 306.998.72 €.
7.A este valor acrescem 50.759.41 € do S..., 23.496.59 € do D..., mais 5.673.69 € do N... e 314.900.08 € do BCP, num total de 701.828.49 €
8.Paralelamente, relativamente à credora U... (que nas palavras da credora é um dos maiores credores e por isso é alvo de um plano de amortizações especial) contemplou-se o pagamento de um capital de 1.096.327,35 €, a vencer juros a uma taxa de 6%, em 84 prestações mensais, sem qualquer carência de capital.
9.Todavia, resulta da lista provisória de créditos que não há um credor U..., mas sim o credor U... CRL, com um crédito de capital relacionado de 183.051.94 € e o credor U... S. A., com créditos reconhecidos que totalizam um total de capital de 889.973.39 €.
10.Só com a soma dos créditos destes dois credores é que se alcança um capital consolidado de 1.073.025.33 € (um milhão e setenta e três mil e vinte e cinco euros e trinta e três cêntimos), isto é, um valor de capital reconhecido em sede de lista provisória de créditos inferior ao previsto no PER!
11.No PER não está previsto em momento algum que haja lugar a um perdão de capital (tampouco de juros), pelo que, na prática, o que resulta deste PER é um corte de capital e juros nos créditos das entidades bancárias e um incremento de capital a dois credores que não entidades bancárias!
12.O Tribunal a quo concluiu que "Sendo o valor global superior ao valor do capital em dívida às várias instituições bancárias, conforme refere o credor, a diferença corresponderá necessariamente a juros vencidos. Haverá assim um pagamento parcial de juros vencidos e um perdão no remanescente."
13.Prosseguindo com exercícios de futurologia ao decidir que “quanto à distribuição mensal do valor da prestação pelas várias instituições bancárias, na falta de indicação em contrário, será efectuado na respectiva proporção."
14.Estas conclusões não encontram suporte nos autos, quando confrontando a lista provisória de créditos e o teor do PER, muito pelo contrário, resultando ao invés que estamos perante um perdão parcial de capital para todas as entidades bancárias!
15.A este respeito não procederá o argumento de que estamos perante credores de diferente natureza, nomeadamente detentores de créditos garantidos, uma vez que também a ora recorrente detém penhor mercantil a seu favor, conforme documentos juntos com a reclamação de créditos.
16.Atenta a disposição conjugada dos arts. 194.°, 195.° e 196.° do CIRE, bem como os documentos juntos aos autos, resulta com inabalável certeza que a posição da ora recorrente (e demais credores) é intolerável e injustificadamente preterida em função de dois credores, com o fundamento exclusivo do montante dos seus créditos (e não da sua natureza), que permitem, de per si, viabilizar um PER em derrogação de normas imperativas com a aquiescência do Tribunal a quo.
17.A ora recorrente assiste a um perdão não negociado, não evidenciado no PER e que foi expressamente recusado, ao passo que, simultaneamente, assiste a um enriquecimento sem causa de dois credores em "idêntica situação"!

18.Atenta a grotesca violação com que se depara, por exemplar e suficiente, transcreve-se o sumário do Douto Ac. da Relação do Porto, de 15/09/2015:
"I-A consagração do princípio de igualdade de tratamento dos credores, previsto no art. 194° do CIRE, faz com que se procurem soluções de tratamento igual entre créditos iguais e de tratamento diferenciado quando estejam presentes créditos de natureza diferente.
II-O princípio da igualdade não pode ser tido por absoluto, não se impondo, de forma necessária, uma total identidade de tratamento entre créditos idênticos, tal como não se permite toda e qualquer solução de tratamento diferenciado entre créditos de diversa natureza.
III-Não podem, porém, os valores subjacentes ao princípio da igualdade deixar de se correlacionar com critérios de proporcionalidade.
IV-Ocorre violação do princípio da igualdade quando no plano de recuperação se propõe o pagamento integral de dois créditos comuns, quando relativamente aos demais créditos comuns se propõe o perdão de 70% do capital, bem como da totalidade dos juros vincendos."

19.Ainda a este respeito, resulta do PER que o tratamento diferenciado para a Udifar (para uma, sem diferenciação entre as U... constantes da Lista provisória de créditos), conforme supra se evidenciou, se resume... "Um dos maiores credores da empresa é a U..., contemplando o presente Plano um plano de amortização de dívida especificamente para este credor, com um espaço temporal de sete anos, vide Anexo C."
20.Os credores U... CRL e U... S.A. diferenciam-se da ora recorrente exclusivamente em função do valor dos seus créditos.
21.Atente-se, por exemplo, ao decidido no Ac. da Relação de Coimbra, de 17/03/2015, quando refere que "O princípio da igualdade dos credores tolera, pois, a previsão de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante."
22.Salvo melhor entendimento, a devedora, ao não discriminar no PER qualquer justificação ou fundamento para este tratamento diferenciado de credores, evidencia o carácter meramente instrumental conferido a estes dois credores, considerando que o crédito da U... S.A. (1.247.054,99 €), só por si era insuficiente para assegurar a aprovação do PER, carecendo do crédito da U... CRL (254.623,45 €) para obter a almejada maioria perante o total de créditos reclamados (2.911.543,25 €).
23.É inquestionável e patente desconformidade de tratamento entre credores em idêntica situação, padecendo de vício insanável a sentença de que se recorre, por violadora do disposto nos arts. 194.°, 195.°, 196.°, 215.° e n.° 5 do art. 17.°-F, todos do CIRE.
24.Para além disso, também o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre uma questão que lhe foi colocada e que influi directamente na homologação do PER em crise.
25.Com efeito, o julgador absteve-se de pronunciar sobre a impugnação formulada sobre a natureza do crédito da credora U ... CRL, limitando a sua apreciação à natureza do crédito para efeitos de quórum deliberativo.
26.A credora Alliance, no seu articulado de impugnação à Lista provisória de créditos abala a extensão do penhor mercantil enquanto garantia incidente sobre o crédito da credora U... CRL, e requereu que a Exma. Sra. Administradora Judicial Provisória viesse juntar aos autos cópias das reclamações de créditos apresentadas pelas aludidas credoras reclamantes.
27.O Tribunal a quo, verteu o seu entendimento, evidenciando que a natureza dos créditos - à excepção da classificação enquanto subordinados – não contende com o apuramento dos votos, e não determinou a junção aos autos da documentação requerida pela credora impugnante, não se pronunciando relativamente à existência do penhor mercantil a favor da credora U... CRL.
28.Ora, resulta do alegado pela credora impugnante e do documento junto com as reclamações de créditos oferecidas pelas credores reclamantes que o penhor mercantil é uma garantia que reporta exclusivamente ao crédito da credora U... S.A.
29.O que, embora não contendendo com os direitos de voto atinentes à verificação e obtenção de quórum deliberativo, contende para efeitos de conteúdo de plano, rectius, classe de credores, rectius, diferenciação injustificada e violadora do princípio de igualdade ínsito no art. 194.° do CIRE e determinante em termos de violação não negligenciável nos termos do art. 215.° do mesmo diploma!
30.Sem margem para dúvidas resulta que ambas as credoras U..., apesar da diferenciação de créditos, beneficiaram de um tratamento igualitário, como se ambas se tratassem de credoras garantidas, o que é uma violação inadmissível de regras imperativas e que determina, por si só, uma recusa de homologação por respeito aos 194.°. 215.° e n.° 5 do art. 17.°-F do CIRE.
31.Mas mais, a recusa da homologação do presente PER igualmente se impunha por este ser manifestamente inexequível.
32.Resulta que o PER ora homologado não evidencia qualquer sustentação económico-financeira para as demonstrações previsionais sugeridas, nem foi identificada, de forma plausível, uma estratégia com vista à recuperação da devedora.
33.O plano apresentado não evidencia que medidas pretende implementar para passar de uma facturação de 230.316,00 € verificada em 2014, para 1.001.464,00 € em 2020.
34.Ao arrepio dos princípios orientadores da Resolução do Conselho de Ministros n.° 43/2011 o plano oferece um cenário óptimo, totalmente idílico, em que prevê um crescimento de mais de 500% no volume de negócios sem explicitar como vai pagar os produtos para os poder vender não se afigura como credível.
35.De igual modo, o PER considera que o EBITDA - resultados antes de impostos, acrescidos dos valores das amortizações e das provisões – é sempre superior a 20% quando comparado com o volume de negócio.
36.Considerando que uma farmácia portuguesa facturava, em média, 1.029.206€ em 2013, correspondendo o nível de EBITDA contabilístico a 63.692,00 €, o PER deixado à consideração comtempla níveis de EBITDA superiores a 200.000,00 € para um volume de negócios inferior a 1.000.000€, conforme resulta das previsões relativas aos anos de 2017, 2018, 2019...
37.Simultaneamente preconiza uma rentabilidade superior ao triplo da média nacional, sem que sustente esse denominador com nenhuma medida de intervenção em termos de vendas ou mercado...
38.Pelo contrário, o PER apenas refere que a localização geográfica do estabelecimento é "… esta situa-se numa zona geográfica bastante favorecida, encontrando-se numa das principais artérias da cidade de Lisboa, com muito movimento e boas acessibilidades."
39.Do ponto 5., denominado "Medidas de Reestruturação", resulta que "Face às características do sector farmacêutico, a retoma do mesmo deverá estar associada a um cenário de crescimento económico, o que se prevê que aconteça, tendo em conta os dados divulgados relativamente aos últimos trimestres por várias entidades nacionais e internacionais, que revelam taxas de variação positiva do PIB e do investimento da actividade económica.
Por outro lado, tendo em conta que este sector tem sofrido em muito com a crise económica e financeira que o país tem vindo a atravessar, são várias as empresas deste sector que se extinguiram o que pode trazer vantagens em termos de competitividade às empresas "sobreviventes".
Contudo, é importante a empresa adaptar-se à nova realidade do pós-crise e adoptar determinadas condutas, como seja a redução dos custos fixos da empresa."
40.A única medida constante do Plano consiste numa redução de custos, nada sendo oferecido em termos de receitas!
41.Importava que o Tribunal a quo representasse o papel de bastião da legalidade e razoabilidade e, por respeito ao vertido nos arts. 207.°, 215.° e n.° 5 do art. 17.°-D do CIRE, contrariamente ao decidido, recusasse a homologação do PER.
42.Finalmente, é igualmente manifesto que, perante a homologação do PER, a situação da recorrente fica previsivelmente menos favorável, contrariamente ao entendido pelo julgador a quo.
43.Resulta do balanço previsional da devedora que o (único) activo resume-se ao alvará da farmácia, detendo este um valor contabilístico de 700.000,00 €.
44.Perante a homologação do PER, apesar de previsto o pagamento à recorrente em 15 anos, só em 2023 é que é a devedora estima (num cenário ultra optimista) apresentar capitais próprios, o que equivale a um mínimo de 7 anos de absoluta insolvência.
45.Insolvência que corresponde à realidade e que, a ser decretada já, prosseguindo-se com a liquidação do património, permitiria a, pelo menos, uma classe de credores - os garantidos, onde se insere a ora recorrente – a satisfação, ainda que parcial, dos seus créditos.
46.Pelo que, também a este título, resulta com inabalável clareza dos próprios autos a situação deteriorada que a homologação do presente PER representará para a ora recorrente, quando confrontada com um cenário de insolvência.
47.Em suma, homologar o presente PER representará o primado da instrumentalização do instituto e a total derrogação das condições mínimas respeitantes â certeza, transparência e equidade na condução do processo, privilegiando-se a violação das regras que regem o conteúdo do plano porquanto este não evidencia qualquer sustentação económico-financeira, sendo omissas as demonstrações previsionais, não identificando, de forma plausível, uma estratégia com vista à recuperação da devedora que está sim, em verdadeiro estado de falência!
48.Por todo o exposto, mal andou o Tribunal a quo ao homologar o Piano de Recuperação, configurando a sua actuação uma violação do disposto nos arts. 17.°- D 194.°, 195.°, 196.°, 207.°, 215.° e 216.° do CIRE, pelo que se requer ao Venerando Tribunal ad quem que, dando provimento ao presente recurso, revoguem a douta sentença homologatória e substituam-na por uma que, por respeito aos ditames da legalidade e da justiça, recuse a homologação.
Terminou pedindo a revogação do julgado com a consequente não homologação do PER.

O recorrente “D...” concliu assim:
A)No dia 26 de Maio de 2015, foi publicitado no Portal Citius o despacho de nomeação de Administrador Judicial Provisório da Sociedade Devedora FARMÁCIA ..., LDA. no âmbito do processo especial de revitalização que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Lisboa - Inst. Central, 1ª Sec. Comércio - J1, sob o Proc. n.°8767/15.5T8LSB.
B)No dia 22 de Outubro de 2015, o Administrador Judicial Provisório juntou aos autos um requerimento a comunicar "que, na presente data, estão concluídas as negociações encetadas com os credores, tendo sido elaborado o Plano Especial de Recuperação, que se junta, o qual irá ser colocado à votação final, por escrito, de todos os credores reclamante e constantes da lista provisória de créditos, até ao próximo dia 26.10.2015."
C)O Administrador Judicial Provisório não deu conhecimento do Plano Especial de Recuperação a alguns credores, nomeadamente a Recorrente e o Credor Reclamante Banco S...
D)No dia 5 de Novembro de 2015, foi publicitado no Portal Citius o acordo prévio e escrito entre o Administrador Judicial Provisório nomeado e a Recorrida, datado de 15 de Setembro de 2015, a prorrogar por um mês as negociações encetadas.
E)No dia 26 de Novembro de 2015, o Credor Reclamante Banco S... juntou aos autos um requerimento com a Ref.ª 21215841, alegando que teve "conhecimento, via programa Citius, de que o plano teria sido votado, mas nada tendo recebido da parte da Senhora Administradora Judicial Provisória para o efeito, nomeadamente no que toca a forma de votação ou respectivo prazo. Assim, padece o processo de votação de nulidade, porquanto foram preteridas as devidas formalidades legais. Assim, o plano proposto padece claramente de vício, o qual, ainda que venha a ser aprovado pelos credores, impede a sua homologação por sentença. O credor aqui requerente foi prejudicado em relação aos demais credores que receberam o plano para votação, o que viola todos os princípios subjacentes ao processo especial de revitalização. Nestes termos, requer que, ainda que o plano venha a ser aprovado pelos demais credores, não seja objecto de sentença de homologação."
F)No dia 15 de Dezembro de 2015, o Administrador Judicial Provisório juntou aos autos a ata de abertura de votos, sendo um destes votos datado de 2 de Novembro de 2015.
G)Por sentença datada de 24 de Maio de 2015, foi o plano de recuperação homologado, por força do art. 17.°-D /3, a) e b) do CIRE, com o voto favorável de três credores.
H)Entendeu o Tribunal a quo que o voto do credor Banco Santander Totta, S.A. não alterou o resultado da votação, e por conseguinte entendeu que a violação das regras procedimentais é negligenciável."
I)Quando a Recorrente entende que não pôde exercer o direito mais importante que é conferido aos Credores no processo especial de revitalização - que é o direito de voto.
J) Sendo esta falta negligenciável, sob pena de ser subvertida a lógica e os princípios estruturantes do Processo Especial de Revitalização K) Segundo o disposto no art. 17.°-A /1 do CIRE, a finalidade do Processo Especial de Revitalização é a conclusão de um acordo de revitalização entre o devedor e (todos) os credores.
L)Se nem sequer se dá conhecimento (para apreciação e votação) do plano de recuperação a todos os Credores, com que legitimidade se lhes irá impor o mesmo?
M)Pelo tudo o exposto, vem a ora Recorrente invocar a nulidade da votação do plano de recuperação e por conseguinte da sentença de homologação do mesmo, por violação de uma regra procedimental não negligenciável.
Pediu, a final a revogação da homologação do Plano, por nulidade da sentença.

O terceiro recorrente – Banco S... - conclui:
A.A douta decisão aqui em crise decidiu pela homologação do plano de revitalização da devedora, por entender "(...) não ocorrer violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua  homologação,  não  prevendo  este quaisquer condições suspensivas ou quaisquer actos ou medidas que devem preceder a homologação" e por "Também não estarem preenchidos os pressupostos de que depende a não homologação a pedido dos credores".
B.Ora, concluindo-se que o plano em causa padece de alguns vícios por violação das normas procedimentais essenciais à condução deste processo, que obstariam prima fade à sua homologação, outra não poderia ser a decisão do tribunal a quo senão a da sua não homologação.
C.Assim, a douta sentença em crise/ decidiu mal, face à matéria e à fundamentação expendida nos autos, designadamente no que concerne ao normativo legal previsto nos artigos 17°-D, 17°-E e 17°-F, n.° 5, 215° do CIRE e ainda dos artigos 194° a 196° daquele diploma, concernentes aos princípios e espírito subjacente ao Processo Especial de Revitalização que aqui não foram respeitados.
D.No âmbito dos presentes autos, o aqui Recorrente reclamou atempadamente os créditos de que era credor, tendo sido tais créditos devidamente reconhecidos pela Senhora Administradora Judicial Provisória.
E.Sucede que teve o ora Recorrente conhecimento, a fortiori, de que o plano teria sido votado, embora nada tendo recebido da parte da Senhora Administradora Judicial Provisória para o efeito, nomeadamente no que toca a forma de votação ou respectivo prazo.
F.Desde logo se infere daqui, que o piano proposto padece claramente de um vício de nulidade, porquanto foram preteridos formalismos necessários ao processo especial de revitalização, que importam uma violação de um direito conferido ao aqui Credor Recorrente de manifestar o seu sentido de voto que aqui foi preterido.
G.Ora, o credor aqui Recorrente foi prejudicado em relação aos demais credores que receberam o plano para votação, violando todos os princípios subjacentes ao processo especial de revitalização, mormente o princípio do tratamento igualitário entre   credores  tendo  sido  dado   um   tratamento preferencial a uns credores em detrimento dos outros.
H.Desta sorte, escrutinando a razão de ser do processo de revitalização, facilmente se percebe que o mesmo radica essencialmente na vontade dos credores, motivo pelo qual a lei lhes atribui um controlo efectivo do mesmo e que aqui não foi observado nem conferido,
I.Ora, a eficácia e segurança desse comando impõe necessariamente o cumprimento rigoroso das regras respeitantes a publicidade de actos que possam afectar os seus direitos e que no caso sub judice não foram tidos em conta, tendo resultado num claro prejuízo não só para o aqui credor Recorrente, como também para os demais credores que igualmente não foram notificados da apresentação do piano nem da sua votação.
J.Resultando assim numa injustificada e ilegal coerção de um direito fulcral, senão o mais importante, neste tipo de processo, como é o direito de voto.
K.E o tribunal a quo perfilha o mesmo entendimento, embora dele extraia conclusões antagónicas, pois o próprio entende que "independentemente de terem manifestado a intenção de participar nas negociações, todos os credores que constam da lista de créditos apresentada pelo Administrador Judicial provisório (na qual o aqui Recorrente se inclui), e/ou que impugnaram a lista, devem ser notificados do plano e do prazo e modo de votação", não obstante no presente caso tal formalismo não ter sido observado e ter ainda assim decidido pela homologação do plano.
L.Face ao exposto, conclui-se que esta violação terá forçosamente de ser qualificada como não negligenciável, pois resultou dos próprios autos não terem sido escrupulosamente observadas as formalidades necessárias conducentes à conclusão do processo especial de revitalização e por causa não imputável ao ora Recorrente.
M.A inobservância daquelas formalidades obstou assim a que fosse assegurada aos credores a celeridade e justiça na decisão dos processos, a certeza e estabilidade das situações jurídicas, bem como o tempo necessário para a afirmação e defesa dos direitos daqueles, que aqui não foram cotejados.
N.Ao invés, não só o aqui Recorrente como todos os restantes credores deparam-se com uma situação de absoluta incerteza e desconhecimento manifesto, quer quanto à data de emissão, quer de recepção do plano, contagem de prazos correspondente para apresentação do voto e apresentação dos votos dentro do prazo estipulado, ao arrepio do que vem estipulado na lei e em detrimento e desigualdade perante os restantes credores que dele foram notificados e o votaram.
O.Pois é no mínimo estranho que da lista de créditos e credores apresentada pela Senhora Administradora Judicial Provisória constem 71 credores e apenas seis tenham votado o referido plano!
P.E pelo menos dois dos credores que votaram contra o referido plano (A,,, S.A. e Al..., S.A.), fizeram-no fora do prazo estabelecido para o encerramento da votação, uma vez que a AJP colocou ardilosamente o plano a votação no dia 22/10/2015 com data limite até ao dia 26/10/2015, resultando assim num curto prazo de 4 dias para 71 credores tomarem conhecimento do mesmo e proceder à sua votação, já que do mesmo não foram notificados!
Q.Assim, os credores supra referidos tendo tomado conhecimento do referido plano apenas no dia 2/11/2015, também só nessa data emitiram o seu voto contra e porque casualmente consultaram a plataforma Citius, pois só dessa forma se aperceberam da apresentação e votação do plano, já que dele também não foram notificados à semelhança do que aconteceu com o aqui Recorrente.
R.Em face do exposto, resulta que a AJP recebeu e contabilizou dois votos emitidos fora do prazo estipulado para a votação, sem para tanto apresentar qualquer justificação ou critério, reiterando o não cumprimento pelas regras procedimentais atinentes a este processo.
S.Salvo o devido respeito, conclui-se ser tal atitude manifestamente reveladora de uma estratégia reprovável, para votarem apenas os credores necessários à obtenção do quórum deliberativo e constitutivo para a aprovação do plano, tendo para tanto optado convenientemente pelo critério plasmado no artigo 17°-F, n.° 3, b) e bem assim conseguir a almejada e também forçada aprovação.
T.Assim, se o voto do Credor aqui Recorrente, ainda que desfavorável, não afectaria o resultado da votação, conforme entendeu o tribunal a quo, será forçoso concluir que a omissão da notificação dos restantes 64 credores influencia determinantemente a boa decisão da causa, susceptível de alterar o resultado da votação e bem assim da aprovação do plano.
U.Desta forma, conclui-se por uma violação não negligenciável das regras procedimentais, culminada na nulidade do plano sub judice, na medida em que os votos (desfavoráveis) daqueles credores representando 20,014% dos votos num total de €716.708,42, poderiam ter tido uma influência determinante no resultado obtido.
V.Demonstrado que ficou, ser susceptível de interferir com a boa decisão da causa, afectando assim a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger, nomeadamente no que respeita à tutela devida à posição dos credores, dúvidas não restam de ter havido neste procedimento uma lesão efectiva e inadmissível dos direitos daqueles.
W.Concluiu-se pois que, a haver a participação dos restantes credores na votação do plano, não seria decerto obtida a percentagem de votos necessários à aprovação do mesmo, caso votassem contra a proposta.
X.Por isso, ao optar por não cumprir esse comando com todos os credores, ultrapassando as exigidas regras de transparência e equidade, ocorreu uma evidente violação não negligenciável do direito à informação atempada, que obstou assim à participação de todos os credores na votação do plano de recuperação proposto e que teria que conduzir inexoravelmente à não homologação do mesmo.
Y.Conclui-se igualmente que, ao contrário do que vem plasmado na douta sentença e em observância da posição que cada um dos Intervenientes ocupa neste processo, não era ao aqui Credor Recorrente que incumbia diligenciar no sentido de perceber se o plano tinha sido junto aos autos e se havia alguma indicação sobre a votação.
Z.Pelo que não podia tal omissão ser-lhe a si imputada, mas somente à Senhora Administradora judicial Provisória a quem incumbia proceder à notificação do credor, nos termos dos artigos 17°-F e 211° do CIRE.

AA.Face ao exposto, conclui-se que o procedimento adoptado pela Senhora Administradora Judicial Provisória, no sentido de não ter procedido à notificação do Credor aqui Recorrente e demais credores que dele não tomaram conhecimento, é violador das normas procedimentais previstas para o PER.
BB.Razão pela qual o Tribunal a quo deveria ter recusado a homologação do plano de recuperação da devedora nos termos do artigo 215° do CIRE.
CC.Concomitantemente se conclui que o plano aprovado e homologado é manifestamente inexequível, não devendo também por este motivo, ter sido admitido e, consequentemente, homologado, nos termos do disposto no art.º 207.° n.° 1 al c) do CIRE.
DD.De contornos e viabilidade duvidosas quanto à sua concretização, o plano apresentado não esclarece em momento algum quais as medidas que pretende implementar para aumentar a sua facturação de €230.316,00 verificada em 2014, para €1.001.464,00 em 2020.
EE.Conclui-se assim que, um plano que estabelece um crescimento de mais de 500% no volume de negócios, sem explicitar como vai gerar fluxos de caixa necessários ao plano de recuperação, não merece qualquer credibilidade.
FF.O único critério de que a aqui Recorrida se socorre, é o da crise do mercado nacional e internacional por todos já conhecido, para assim justificar o de créscimo do volume de negócios e consequentemente a sua situação de falta de activos financeiros para fazer face as dívidas.
GG.Olvidou-se no entanto de evidenciar as medidas de incremento que se afigurariam necessárias para contrariar esta crise e outrossim viabilizar e concretizar o plano apresentando, já que a única proposta de recuperação da devedora se detém somente na redução de custos com encargos sociais, energia, transportes e combustíveis que claramente não serão suficientes para conferir exequibilidade ao plano.
HH.Não se vislumbrando assim de que forma conseguirá a Devedora almejar um incremento nas receitas e bem assim solver todo o seu passivo, apenas com a redução nos custos, facilmente se conclui desta forma nunca conseguirá gerar lucros ou fluxos de caixa necessários à sua recuperação, tornando assim o plano manifestamente inexequível.
II.Assim, existindo outrossim um vício de conteúdo do plano, violador do disposto nos arts. 207.°, 215.º e n.° 5 do art. 17.º-D do CIRE, deverá também por este motivo a presente sentença ser revogada e, em sua substituição, ser proferida uma sentença que recuse a homologação do PER em apreço.
JJ.Ainda que assim não se entenda, o que por mero absurdo se admite, sempre se dirá que tendo a revitalização por pressuposto evitar os custos inerentes ao desaparecimento de agentes económicos que se encontrem em dificuldades, na putativa hipótese de que ainda é possível mantê-los em actividade, por terem viabilidade e o esforço da recuperação, não pode a referida revitalização ser desfavorável aos credores, como in casu sucede.
KK.Conclui-se pois que, a situação do aqui Recorrente ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.
LL.Em primeiro lugar, devido à diferenciação díspar que é feita entre o maior credor a Udifar e as entidades bancárias, uma vez que para aquela não existe qualquer carência de capitai ao contrário dos 24 meses de carência de capital previstos para as entidades bancárias que as colocam numa situação claramente mais desvantajosa.
MM.Depois, porque o período de ressarcimento do crédito da U... computa-se em 7 anos com data de inicio a 22-01-2015, ao passo que no caso das entidades bancárias eleva-se para mais do dobro (15 anos) com data de início em 2018, sem que para tanto tenha sido apresentado qualquer critério que justifique esta desigualdade, o que por si só demonstra que o plano investe o Recorrente numa posição claramente mais desfavorecida, do que se aquele não existisse.
NN.Cotejando quanto receberiam os credores com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele, facilmente se conclui que aqueles ficariam numa situação bem menos benéfica, do que aquela que lhe adviria da ausência do plano.
00.Conforme demonstrado, o plano de revitalização não é, só por si, bastante para salvaguarda das posições e interesses dos envolvidos, porquanto a consequente liquidação universal do património da devedora afigurar-se-ia mais vantajosa do que um acordo de regularização de dívidas que dado o volume de créditos implícito, poderá estar certamente condenado ao fracasso e bem assim ao incumprimento.
PP.No entanto e porque o resultado da homologação do plano interessava apenas aqueles credores que a votaram favoravelmente por notoriamente beneficiarem de condições muito mais vantajosas que os restantes, conferindo-lhes condições de pagamento bem mais favoráveis que mereceram todo o interesse na sua  aprovação,   o   plano   apenas   foi ardilosamente notificado e apresentado à votação daqueles, em detrimento dos demais que não tomaram sequer conhecimento da ocorrência da votação.
QQ.Todos os credores devem ser tratados de forma igual no desenrolar do PER, bem como, e principalmente, no plano de recuperação, ser assegurando um processo negociai transparente, de tratamento equitativo, que permita a efectiva participação dos credores.
RR.O tribunal a quo decidindo como decidiu, optou por uma ingerência desmedida no que tange à justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger dos credores, na medida em que sendo a própria lei a pôr nas mãos dos credores a decisão sobre o destino do processo, devia o tribunal respeitar esse limite e mostrar assim alguma generosidade na sindicação da bondade do por eles deliberado, na ponderação de que ninguém melhor do que os credores sabe o modo mais adequado para defender os seus próprios interesses, o que in casu não sucedeu.
SS.Cotejando assim o plano apresentado, verifica-se o interesse da Devedora em prever condições interessadamente discrepantes entre os credores, consubstanciando assim uma verdadeira violação do princípio da igualdade, nos termos do disposto no n° 2 do art.° 13° e do n° 2 do art.° 18 da CRP e também do artigo 194° do CIRE, a que se alia uma situação inexoravelmente menos favorável do que aquela que resultaria da ausência do plano em violação do disposto no artigo 216°, n.° 1 do CIRE.
TT.Em face do exposto, fica assim demonstrada uma inequívoca situação de desigualdade entre os credores bancários, que claramente ficaram numa posição de desvantagem, não só no que concerne ao tratamento diferenciando no exercício do direito de voto como em relação aos pagamentos dos créditos, cujo ressarcimento não se afigura legitimamente igualitário nem justo, pelo que se deve decidir pela não homologação do plano de revitalização.

Os recursos não foram contra alegados.

Colhidos os vistos, passamos a decidir, tratando os recursos cada um “per si”, nos aspectos não coincidentes, para melhor enquadramento, e compreensão.

Assim,

2.-Recurso da “A... SA”, Sucursal em Portugal.
2.1.-No primeiro ponto, argui as nulidades da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, respectivamente, omissão e excesso de pronúncia.
Sabido é que ambos se reportam ao balizamento do artigo 609.º daquele diploma, sendo vícios de limite da sentença, que não de teleologia do processo (omissão de actos ou diligências a afectarem a cadeia processual).
A omissão de pronúncia traduz-se no ostensivo olvidar dos poderes de cognição do julgador, melhor explanados no citado artigo 609.º.
Mas aí irreleva o detalhar de todos os argumentos carreados pelas partes ou surgidos aquando da substanciação.
A omissão de motivação implica o silenciar absoluto — que não a mera laboração imperfeita, muito sucinta ou sem apreciação de todos os elementos trazidos pelas partes “(…) “Aqui há um ostensivo ultrapassar de questão que o Tribunal deva conhecer por força do n.º 2 do artigo 660.º [hoje n.º 2 do artigo 608.º e n.º 1 do artigo 609.º], sem que tenha de exaurir tudo o que é trazido aos autos em sede de dialéctica “cfr. v.g. Prof. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado” V. 140; Prof. Paulo Cunha, “Defeitos da Sentença e seus Remédios”, in “O Direito”, 73.º, 98; e “Marcha do Processo Comum de Declaração” II, 397) — Acórdãos do STJ de 10.07. 2008 — proc nº 08A2179 — e de 20 de Junho de 2006 — proc. nº 06A1443.

Já o excesso de pronúncia tem a ver com o conhecimento de questões que as partes não tenham invocado, independentemente de abordagem de fundamentos que possam, ou não, ter sido chamados à lide.
É que o Tribunal sempre pode extrair conclusões de natureza jurídica, ainda que não expressamente alegadas.
Limitando-se a fazê-lo não ultrapassa os limites do artigo 609.º CPC, por ter conhecido de questões cuja apreciação lhe estava vedada (v.g. Acórdãos do STJ de 30.05.2013 — proc. nº 5945/05.9TVLSB.L1.S1; de 19 de Abril de 2012 — proc. nº 9870/05.5TBBRG.G1.S1.
Ora, ao contrário do que pretende o recorrente não ocorre nenhum dos vícios de limite assacados.
A sentença sob escrutínio só conheceu as questões que lhe foram submetidas — até podendo eventualmente ter consideradas “prejudicadas pela solução dada a outras” (n.º 2 do artigo 608.º CPC) enfatizando-se, até, que o tribunal não está limitado à qualificação jurídica que as partes apresentam para fundamentar o pedido.
Improcede, assim, a arguida nulidade da sentença.

2.2.-O recorrente assaca à decisão posta em crise a violação dos artigos 194.º, 195.º e 196.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Vejamos.

2.2.1.-Estamos perante uma sentença homologatória de um Plano Especial de Revitalização.
Trata-se de um instrumento processual que tem como escopo a revitalização dos devedores em situação económica precária ou em sério, e iminente, risco de insolvência, com o objectivo de contribuir para a recuperação de uma pessoa — singular ou colectiva, aquelas sendo agentes económicos — que seja viável económica e financeiramente (veja-se Catarina Serra “O Regime Português da Insolvência”, 176 e “Processo Especial de Revitalização”, R.O.A.-A. 57 – T. 2/3 Abril – Setembro 2012 e, v.g., Acórdão do STJ de 10 de Dezembro de 2015 – 1430/15.978STR.E1.S1; e Isabel Alexandre, “Efeitos processuais da abertura do processo de revitalização”, “II Congresso do Direito da Insolvência”, 235, 236).
Este instituto destina-se, em suma, a permitir ao devedor que se encontra na iminência de se precipitar na insolvência, que, mau grado essa situação, o descalabro financeiro ainda possa ser revertido.
Então, ser-lhe-á permitido (nos termos dos artigos 17-A ss do CIRE) negociar com os credores um acordo tendente à sua revitalização (reanimação económico-financeira).
Busca-se um acordo entre o devedor e os credores, que tem como pressupostos uma situação económica difícil, ou risco sério de insolvência e a possibilidade de recuperação.
Verificados, e vertidos em documentos (a que se refere o artigo 17- C) com o acordo, cumpre ao Juiz proceder à sua homologação ou rejeitá-lo, devendo o devedor comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua reabilitação.
O recorrente, após elencar o passivo da beneficiária do PER, que ascenderá a € 1 073 025,33, refere que o seu crédito é de € 306.998,72 sendo de € 50 759,41 o do recorrente “Banco S...”, de € 23.496,59  o do recorrente “D...” e ainda de € 5 673,69 o do “N...”, senso de € 314.900,08 o crédito do B...
Alega que a credora U... foi contemplada com o pagamento de € 1096.327,35 com juros à taxa de 6%, em 84 prestações mensais e sem qualquer carência de capital.
Afirma que, contudo, da lista provisória de credores constam, não uma única U..., mas “U ... CRL” com o crédito de €183.051,94 e ainda a “U ... SA”, com créditos reconhecidos no total de € 889.973,39, sendo que a respectiva soma é de € 1 073 025,33, crédito que a sentença recorrida sobrepôs aos das entidades bancárias.
E assim foi.

Ora o artigo 194.º do CIRE consagra o princípio da igualdade dos credores, sendo que qualquer desigualdade, ou diferenciação, só é justificável por “razões objectivas”.

E na esteira do Acórdão do STJ de 3.11.2015 – proc nº 863/14.2T8BRR.L1.S1 – também entendemos que, embora esse direito exista, não é absoluto.

Porém, e como se disse, só pode ser afastado se verificadas razões objectivas e sempre considerando o princípio da prioridade na recuperação económica (n.º 1 do artigo 1.º do CIRE), o que aqui não foi sequer alegado (cfr., ainda o Acórdão do STJ de 24.11.2015 – proc. nº 212/14.0TBACN.E1.S1 e, quanto ao princípio da proporcionalidade, o Acórdão do STJ, de 25.03. 2014 – proc. nº 6148/12.1TBBRG.G1.S1).

Mas, repete-se, tais razões não se verificam no caso em apreço sendo que a recorrente foi tratada com notória violação do princípio da igualdade, privilegiando-se um crédito comum perante o seu, igualmente comum, sem que essa discriminação tivesse sido minimamente justificada, nem assente em razões objectivas.

Daí que, e de acordo com o n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, aplicável ao PER com as necessárias adaptações, nos termos do artigo 17-I, n.º 4 (cfr. o Acórdão desta Relação e Conferência de 7 de Abril de 2016 – proc. nº 12662/15.0T8SNT.L1) a situação criada pelo plano é previsivelmente menos favorável à recorrente da que resultaria da ausência de qualquer plano.

Tem, assim, razão o apelante “A... SA” quando pede a recusa da homologação.
        
3.-Recursos do “D...” e  do “Banco S...”.

3.1.-Como resulta das conclusões da alegação destes recorrentes, e se colhe dos autos, o Administrador Judicial Provisório não deu conhecimento do PER, ao “Banco ...”.
O acordo prévio foi publicitado no Portal Citius, em 5 de Novembro de 2015, mas datado de 15 de Setembro anterior, prorrogando, por um mês, as negociações encetadas.
O credor reclamante, e ora recorrente “Banco S...” requereu a não homologação do plano, em 26 de Novembro de 2015, alegando que o mesmo fora votado sem o seu conhecimento prévio ou posterior; que foi prejudicado em relação aos demais credores.
O Administrador Judicial Provisório juntou a acta de abertura de votos, em 15 de Dezembro de 2015, sendo que um dos votos tem a data de 2 de Novembro anterior.
Porém, entendeu a sentença apelada que o voto do “Banco S...” não alteraria o resultado da votação, pelo que a violação das regras procedimentais é negligenciável.
E é por entender que a preterição referida não é negligenciável que o recorrente defende que a homologação do plano tem de ser revogada.
Tudo está, então em densificar o conceito de “não negligenciável” do artigo 215.º do CIRE.
O referido artigo, com a epígrafe de “não homologação oficiosa” dispõe que a homologação será recusada “no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano, ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação”.

Existem, assim, dois tipos de vícios.

Os elencados na parte final que relevam sempre: - Incumprimento de prazo regulador das condições suspensivas do plano ou omissão de actos ou de execução de medidas que devem preceder a homologação.
O segundo tipo consiste na violação não negligenciável – que deve ser lida como não culposa – de regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao conteúdo.
O “negligenciável” reporta-se, como se insinuou, à imputação do facto ao agente, que não à natureza menor da norma (“regra”) preterida.
Ou seja, havendo violação de norma imperativa sempre, e ainda que “ex vi” do disposto no artigo 294.º do Código Civil, o plano será nulo e, em consequência, o juiz deve oficiosamente (artigo 286.º CC) recusar a sua homologação.
Contudo o artigo 215.º do CIRE ao proceder ao “distinguo” acima referido entre os dois tipos de vícios, fulmina com maior rigor os da parte final, sempre conducentes à não homologação, deixando os do início do preceito dependentes da sua qualificação genética como negligenciável (culposa ou anódina) e reportada a regras adjectivas (“procedimentais”).

No nuclear, embora seguindo diferente dogmática, assim entendem Carvalho Fernandes e João Labareda (“Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2.ª ed. 826) ao escreverem:

“Dir-se-á, com efeito, que são mais negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente são desconsideráveis as infracções que atingem simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento da protegida”.

A sentença, e como acima se disse, considerou despicienda / negligenciável a não intervenção do recorrente “Banco S...” por, ainda que presente, o resultado final não seria influenciado.

Contra este segmento também se insurge o recorrente “D...”.

Ora, e independentemente dos “cálculos” que a douta sentença se serviu para fundar a irrelevância da violação da lei, o certo é que a mesma ocorreu e não é negligenciável.

A presença processual de alguém que deve estar na lide não pode ser considerada irrelevante por razões eventuais ou hipotéticas.
Tal “geometria no espaço” não é lícita já que o ausente sempre poderia carrear argumentos que convencessem os restantes (ou, quiçá, os fizessem mudar de posição) na dialéctica processual.

Não se afere a necessidade ou irrelevância da presença de um membro de um colégio (v.g. assembleia de condóminos; júri de um concurso; órgão de uma sociedade) com base em critérios aritméticos antecipadores da deliberação final (cfr., de certo modo, a propósito, a declaração de voto apendiculada ao Acórdão do STJ (Secção do Contencioso), de 27.04.2016, proc. nº 3/15.0YFLSB).

Procede, pelo exposto, o núcleo central da argumentação dos recorrentes “D...” e “Banco S...”.

Decisão.

4.-Termos em que acordam os juízes que compõem este Tribunal em dar provimento aos recursos e revogar a sentença que homologou o PER respeitante à requerente.
Custas a cargo da requerente.



Lisboa, 29 de Setembro de 2016.



Maria Manuela B. Santos G. Gomes
Fátima Galante
Gilberto Jorge
Decisão Texto Integral: