Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6681/2006-2
Relator: FRANCISCO MAGUEIJO
Descritores: PRORROGAÇÃO DO PRAZO
TELECÓPIA
DIREITO DE DEFESA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Sumário: 1- O pedido de prorrogação do prazo para apresentação da tréplica com fundamento nos arts 486 nº 5 e 504 do CPC não pode já ser feito no decurso do prazo de 3 dias úteis a que alude o art 145 nº 5 do CPC.
2- Não se aplica às notificações por telecópia (vulgo fax) o disposto no art 254 nº 2 do CPC.
3- Esta interpretação do art 145 nº 5 do CPC não viola o princípio constitucional do direito de defesa previsto nos arts 20 nºs 1 e 5, 202 nº 2 e 205 nº 1 da CRP.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
A recorrente/R requereu ao Tribunal que lhe fosse autorizada a prorrogação do prazo legal para apresentar a tréplica, invocando para o efeito o que considerou como motivo ponderoso.
Este requerimento foi objecto da decisão de fls 38v e 39, pela qual o sr juiz «a quo» lhe indeferiu tal pretensão.
Não se conformando, a R recorreu deste despacho, tendo alegado e concluído, assim:
1. O requerimento de prorrogação de prazo para a entrega de qualquer articulado, no caso dos autos, da tréplica, pode ser efectuada dentro do prazo de três dias úteis a que alude o artigo 145° do Código de processo Civil;
2. A telecopia enviada ao mandatário da Ré com a junção da sua réplica, em 20.12.2005, atentas as férias judiciais do Natal, levaria, numa contagem "grosseira", a que o prazo para a ora Recorrente treplicar terminasse no dia 17 de Janeiro de 2006;
3. Atento o referido artigo 145°, n° 6 do Código de Processo Civil, a Recorrente, tal como o fez, sempre poderia apresentar o requerimento de prorrogação do prazo para apresentar a sua tréplica, no primeiro dia útil seguinte, como o veio a fazer, no dia 18 de Janeiro de 2006;
4. No caso dos autos, o Mmo. Juiz não despachou no prazo de vinte e quatro horas imposto pelo artigo 486°, n° 6 do Código de Processo Civil;
5. No dia 24 de Janeiro de 2006, veio o Mmo. Juiz, por despacho, a considerar intempestivo o requerimento de prorrogação de prazo interposto pela Ré, violando, com tal despacho, de forma clara e nitidamente, o disposto nos artigos 145° n° 6, 3°-A, 503°, 504° e 486° n° 6, todos do Código e Processo Civil;
6. A interpretação do Despacho ora recorrido é violadora dos direitos de defesa da Ré e ora Recorrente, consagrados na Lei Fundamental, Constituição da República Portuguesa (art. 20°, n°1 e n° 5, 202°, n° 2 e 205°, n° 1);
7. Ao julgar como julgou, preso à inexistente questão do prazo, que entendeu mal estar precludido, em boa verdade não julgou o Mmo. Juiz de Primeira Instância, o pedido de prorrogação de prazo que lhe foi formulado e que tinha que julgar;
8. Daí resultando notório prejuízo para os direitos de defesa da Ré;
9. E cometeu, assim, o Mmo. Juiz a nulidade prevista no artigo 668°, n° 1 alínea c) do CPC;
10. De qualquer forma e em boa verdade ainda se diga que, numa contagem rigorosa de prazos para a pratica de actos processuais, a Ré ora Recorrente entregou o requerimento para prorrogação do prazo para replicar em tempo; ou seja, dentro do período de quinze dias previsto na lei (art. 503° n° 2 do Código de Processo Civil);
11. Expedida pela mandatário das Autoras a réplica por telecópia, o prazo para a Ré treplicar (quinze dias) seria adicionado do prazo de três dias a que alude o artigo 254° n° 3 do Código de Processo Civil;
12. Assim sendo, tendo sido expedida a réplica em 20 de Dezembro de 2006 e tendo-se iniciadas as férias judiciais de Natal em 22 desse mês, a notificação da Ré ora Recorreste sempre se consideraria feita, dada a "dilação" dos três dias, no primeiro dia útil seguinte àquelas férias, ou seja, no dia 4 de Janeiro de 2006;
13. Assim, o prazo dito "geral" de apresentação da tréplica pela Ré só terminaria no dia 19 de Janeiro de 2006;
14. Ora, o requerimento de prorrogação de prazo para a tréplica estava, como está, completamente dentro do prazo para a prática daquele acto (art. 503° do Código de processo Civil);
15. O Código de Processo Civil em matéria da data em que se consideram efectuadas ás notificações feitas por via de telecopia é completamente omisso;
16. Estamos, assim perante um lacuna da lei;
17. Que importa resolver, socorrendo-nos, para tanto, ao regime expresso no artigo 10° do Código Civil;
18. O envio por telecópia não é equiparável ao envio por correio electrónico;
19. Neste, existe certificação de recepção bem como do seu remetente, o que não acontece no envio por telecópia;
20. O que nos leva a aplicar a regra expressamente prevista no artigo 254° do Código de Processo Civil para determinar a data em que a notificação deve considerar-se como efectuada, quando estamos, como é o caso, perante um acto processual praticado através de telecópia;
21. Reconhecendo-se, não obstante, que a notificação por telecópia é distinta da notificação por via postal e, também do efectuado por correio electrónico, é de lembrar situações como as seguintes: aparelhos de telecópia avariados, falta de papel e de tinta nos aparelhos receptores, e, fundamentalmente, a confirmação do remetente e a do envio e recepção(que existe nas denominadas comunicações electrónicas, certificadas por terceiros);
22. Assim, embora se admita que a situação não é exactamente análoga, no que respeita à telecopia e no que respeita à notificação por via postal, parece-nos ser de garantir o prazo de três dias para que tal acto produza efeitos como notificação, dado o conjunto legal do nosso sistema de "notificações" e a pratica mais comum utilizadas pelos mandatários, de notificação por via postal.
23. O Douto Despacho recorrido viola, entre outras, as seguintes disposições legais: 20°, n° 1 e n° 5, 202°, n° 2 e 205°, n° Ida Constituição da Republica Portuguesa, 20° e 279°, ambos do C. Civil e os artigos 3°-A 145°, n° 5 e 6 , 150°, 152°, 254°, 260°-A, 486° n° 6, 503°, 504°, todos do Código de Processo Civil.
A recorrida contra-alegou, defendendo o teor do despacho recorrido e a sua manutenção.
O sr juiz «a quo» sustentou o despacho agravado.

Questões
Sendo que as conclusões do recurso delimitam o objecto deste (arts 690 e 684 nº 3 do CPC), há que apreciar e decidir o seguinte: se o pedido de prorrogação do prazo para apresentação da tréplica, com fundamento nos arts 486 nº 5e 504 do CPC pode ser feito no decurso do prazo de 3 dias úteis a que alude o art 145 nº 5 do CPC; se se aplica, por analogia, às notificações por telecópia (vulgo fax) o disposto no art 254 nº 2 do CPC; se o Tribunal «a quo», ao não ter decidido sobre o pedido de prorrogação do prazo cometeu a nulidade do art 668 nº 1 c) do CPC; se a interpretação que o despacho fez do art 145 viola o princípio constitucional do direito de defesa previsto nos arts 20 nºs 1 e 5, 202 nº 2 e 205 nº 1 da CRP.

Os Factos pertinentes à decisão do recurso:
1- Notificada do articulado réplica apresentado pela autora, veio a Ré, a fls 172 dos autos, no dia 18.1.2006 requerer ao abrigo dos artigos 504° e 486°, n° 2, do Cód. Proc. Civil, a prorrogação do prazo para a apresentação da tréplica.
2- A R foi notificada da apresentação da réplica através de fax no dia 20.12.2005 (fls 161 e 162 dos autos).
3- O prazo de 15 dias, contados daquela data e descontado o período das férias judiciais do Natal, terminou no dia 17.01.2006.

O Direito
Começando pela imputada nulidade por omissão de pronúncia
O sr juiz «a quo» decidiu, veremos depois se bem se mal, que o pedido de prorrogação do prazo fora feito já depois de decorrido o prazo da tréplica, em que o podia fazer. Disse muito expressivamente, a propósito, que para se pedir a prorrogação de qualquer prazo é necessário que esse prazo…ainda se encontre a decorrer.
Como concluiu que o pedido já não podia, legalmente, ser formulado, deu a questão de fundo (1) como prejudicada. E fez bem. A proceder diferentemente estaria a emitir pronúncia sobre questão que nenhum efeito teria no processo, postura, por isso, proibida por lei por implicar, no mínimo, violação do princípio da economia processual.
Não há, assim, omissão de pronúncia com violação do art 668 nº 1 d9 do CPC.
A questão do prazo
O prazo para a R/recorrente apresentar a tréplica terminou, como é facto adquirido, no dia 17.01.2006. O requerimento de prorrogação entrou em juízo no dia 18.1.2006. Fora do prazo do art 503 nº 2 do CPC.
Prescreve o art 504 do CPC que os prazos de todos os articulados podem ser prorrogados, nos termos previstos e prescritos no art 486 nºs 4 a 6 do CPC. No nº 6 diz-se que a apresentação do requerimento de prorrogação não suspende o prazo em curso…O que parece logo significar que o requerimento deve ser apresentado antes de o prazo a prorrogar atingir o seu termo.
A recorrente, contra o entendimento plasmado na sentença, defende que no âmbito de tal prazo deve ser considerado o previsto no art 145 nº 5 do CPC. Quer dizer ao de 15 dias (art 503 nº 2 CPC) haverá que somar o de 3 dias úteis ali previsto.
Só que assim parece que se estará a perder de vista nomeadamente o que a lei diz no nº 4 do art 145 do CPC, quando ali se prevê que o acto poderá ser praticado fora do prazo…. Ora se decorridos os prazos normais da lei para apresentação dos articulados passa a estar-se fora do prazo, não é a faculdade concedida nos arts 145 nº 5 e 146, que tem o condão de, como por mágica, situar um pedido de prorrogação feito nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, dentro do prazo.
O escopo perseguido pelo legislador com os arts 145 nºs 4 a 6 e 146 visou tão só viabilizar a realização do direito de defesa em casos de lapsos, esquecimentos e outros circunstancialismos e no de ocorrer justo impedimento da prática do acto. Não permitir que a prorrogação do prazo se some a este e ao paliativo previsto para as pequenas demoras e impedimentos justificados. Também a ser como o recorrente pretende, não se vê como é que poderia ela ser impedido de usar 2 vezes da faculdade prevista nos ditos normativos (arts 145 nº 5 e 146). Uma no termo do prazo e a outra no da prorrogação. Por mais aberto e compreensivo que o legislador se venha mostrando perante a ultrapassagem involuntária dos prazos, teria certamente ido longe de mais se fosse de proceder o entendimento da recorrente, como o correspondente à melhor interpretação do dito normativo legal.
Por outro lado, o prazo do art 145 nº 5 do CPC tem como finalidade evidente e exclusiva viabilizar a prática do acto, no caso a apresentação da tréplica, não outro qualquer fim, como seja, nomeadamente acrescentar simplesmente o prazo e permitir que o pedido de prorrogação ocorra ainda no seu decurso.
Concluímos, assim, como a 1ª instância, que o pedido de prorrogação foi extemporâneo, não cabendo, por isso, dele conhecer. Isso porque, em concreto, o pedido de prorrogação foi apresentado em juízo já depois do termo do prazo da tréplica, não sendo este ou outro acrescentável, para tal finalidade, do prazo previsto no art 145 nº 5 do CPC (2).
A recorrente alega também que deve aplica-se, por analogia, às notificações por telecópia (vulgo fax) o disposto no art 254 nº 2 do CPC. Não tem cabimento esta posição jurídica. A telecópia (fax), como o correio electrónico (e-mail) não comungam das circunstâncias do correio postal. O prazo de dilação fixado na lei (art 254 nº 2 do CPC prefigura uma realidade diferente daquelas só a esta se adaptando. Neste preceito é presumido um determinado período de tempo que o correio postal leva a chegar ao destino. No caso do fax e do e-mail isso não acontece, sendo, em consequência, de afastar qualquer tentação de tratar as ditas situações da mesma forma e aplicar-lhes o mesmo regime legal. Situações fácticas diferentes em que uma não dispõe de regime legal impedem o recurso à analogia para esta. Isso porque, pela diversidade, não procedem nelas razões justificativas da mesma regulamentação (art 10 do CC). De resto é sabido e está confirmado nos autos (fls 161 e 162) que a recorrente foi notificada da réplica no dia 20.12.05, não tendo qualquer cabimento que em tais circunstâncias se reclame da dilação prevista para o correio postal, o qual não se sabe quando chega ao destinatário ao contrário do fax ou do e-mail que permitem a confirmação da data do envio e da recepção pelo destinatário.
A alegada inconstitucionalidade
Só por rotina ou desespero de causa, perdoe-nos a recorrente, é que esta terá trazido à colação a invocada ofensa, pela decisão recorrida, do direito constitucional de defesa previsto nos arts 20 nºs 1 e 5, 202 nº 2 e 205 nº 1 da CRP. Não à discussão, já que não apresentou qualquer argumentação e só na conclusão 6, que não no corpo das alegações, levantou conclusivamente a questão.
Não havendo nada a rebater, limita-se este Tribunal também a concluir pela improcedência da arguição, havendo-se a decisão recorrida respeitadora da lei constitucional.

Tendo em conta todo o exposto acorda-se em, julgando improcedente o recurso, manter inalterada a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 19.10.2006



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1.-Se havia motivo ponderoso para a prorrogação, nos termos do art 486 nº 5 do CPC.

2.-Neste sentido, além do acórdão referido pela recorrida, o de 11.5.01 da RP, proc 0151118 in sítio da dgsi. Em sentido contrário o da RL de 10.12.98, proc 0068946 no mesmo sítio.