Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2801/2006-7
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PERSONALIDADE JURÍDICA
CONDOMÍNIO
LITISCONSÓRCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: I – Há litisconsórcio simples quando a decisão pode ser distinta para cada um dos litisconsortes e há litisconsórcio unitário quando a decisão tem de ser uniforme para todos os litisconsortes, correspondendo a situações em que não podem ser proferidas decisões divergentes sobre o objecto do processo.
II – O pedido de declaração de nulidade ou de anulação de deliberações de uma assembleia de condóminos é um caso de litisconsórcio unitário por não ser concebível que a mesma deliberação seja válida e subsista quanto a uns e, ao mesmo tempo, seja inválida e deixe de subsistir quanto a outros.
III – É um caso de litisconsórcio simples o pedido de indemnização formulado por um condómino contra os demais pelos danos causados por uma deliberação aprovada na assembleia, na medida em que a decisão a proferir não terá de ser a mesma para todos os litisconsortes.
IV – Numa acção proposta por um condómino contra os restantes, pedindo que se declarem nulas ou se anulem deliberações tomadas na assembleia e se condenem os réus, em solidariedade, a pagarem uma indemnização ao autor, sendo aí lavrada uma transacção por via da qual o autor desiste do pedido quanto a um dos condóminos que aí declara não se opor a que aquele faça da fracção determinado uso, é de homologar o acordo quanto à indemnização e é de rejeitar a homologação quanto ao pedido relativo à validade da deliberação.
V – O art. 6º, al. e) do C. P. Civil, na redacção introduzida pela reforma processual de 1995-1996, veio confirmar a personalidade judiciária do condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
VI – A legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos cabe ao condomínio, representado pelo administrador.

(RRC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
7ª SECÇÃO CÍVEL

I – A.[…], G.[…] e F.[…] intentaram contra M.[…], M.[…], F.[…], M.[…], P.[…], A.[…], A.[…] e C.[…] a presente acção, com processo ordinário, pedindo que se declarem nulas ou se anulem as duas deliberações tomadas na assembleia extraordinária de condóminos do prédio, em regime de propriedade horizontal, sito […] Lisboa, realizada no dia 21 de Setembro de 2000, e se condenem os réus, em solidariedade, a pagarem-lhes uma indemnização de 500.000$00 por mês desde Setembro de 2000 até Outubro de 2001 e a partir de então de 1.000.000$00 por mês e, bem assim, indemnização para ressarcimento de outros prejuízos que causem aos autores, a liquidar em execução de sentença.

Alegaram, em síntese, que são donos da fracção “C” do referido prédio e que na dita assembleia foi deliberado, por maioria dos votos dos presentes, mas com voto contra dos autores, que “não se aprove a alteração ao uso da fracção “C” e consequentemente não se autorize a instalação na referida fracção de clínica ou consultório médico por entender que a referida fracção deve ser destinada a fim exclusivamente habitacional” e que “não se autorize a alteração do arranjo estético do prédio designadamente a afixação de qualquer publicidade nos estores ou nas persianas da fracção “C”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo e a correspondente mudança da sua cor cujo original é verde”; que a primeira deliberação, se entendida no sentido de proibir o funcionamento naquela fracção, rés-do-chão esquerdo, pertencente aos autores, de um consultório médico, é ilegal e anulável, já que o andar em causa, pelo menos desde 1 de Outubro de 1970 nunca foi afectado a habitação, tendo sido utilizado, sucessivamente, como Colégio Infantil, escritório de advogados e, desde Julho de 2000, como consultório médico; a entender-se que se reporta à publicidade que se encontrava já afixada quando teve lugar a assembleia geral, a deliberação referida em segundo lugar é também ilegal, seja porque se trata de matéria sobre a qual a Assembleia Geral de Condóminos não tem competência para deliberar, seja porque a inscrição de mensagens publicitárias é um direito inerente a qualquer actividade industrial, seja, finalmente, porque a publicidade em causa não altera o arranjo estético do edifício; no seguimento de uma outra deliberação anteriormente tomada, o porteiro do imóvel, a mando da administração, passou a exigir às pessoas que se dirigem ao rés-do-chão esquerdo documento de identificação; com tais deliberações e actuação, os réus vêm introduzindo condicionamentos injustificados à livre utilização daquela fracção pelos autores, onde está montado um consultório médico, causando-lhes prejuízos que estes computam em valor não inferior a 500.000$00 mensais até que se complete um ano e, após isso, no valor mensal de 1.000.000$00.

Contestaram alguns dos réus – fls. 101-109, 128-145 e 296-298 -, tendo António […] deduzido, na contestação dos réus Maria[…] e Frederico […] – fls. 128 e segs. -, o incidente da sua intervenção principal espontânea, intervenção que foi admitida.

Além do mais que foi alegado nesses articulados de defesa e que aqui não interessa destacar, foi deduzida, na contestação a que acabámos de aludir, a excepção de ilegitimidade dos réus, por violação do disposto no art. 28º, nº 1 do C. P. Civil, visto não terem sido accionados, nem o administrador do condomínio – a quem cabe, nos termos do art. 1433º, nº 6 do C. P. Civil, a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções -, nem os cônjuges e respectivos comproprietários dos réus.

Defenderam os autores, na réplica apresentada, a não verificação desta ilegitimidade passiva, fundados em que a acção de impugnação deve ser instaurada contra os condóminos que na assembleia se pronunciaram a favor da deliberação impugnada, e não, também, contra os que, não a tendo votado ou não tendo estado presentes, não contribuíram para a sua formação.

Vieram também requerer a intervenção principal provocada dos cônjuges dos 3º e 8º réus, intervenção que foi deferida.

Tendo os autores trazido aos autos o escrito de fls. 553 - onde eles e o réu Manuel […] declararam transigir sobre o objecto da causa - e após os demais réus, notificados para dizerem se a aceitavam, terem vindo ao processo, uns pronunciando-se no sentido da sua não aceitação e outros defendendo a sua nulidade, foi proferido despacho que não homologou essa transacção, sem prejuízo de lhe reconhecer eficácia na parte atinente a custas.
 
Inconformados, agravaram os autores, tendo apresentado alegações onde, dizendo ter sido violado o n° 2 do artigo 298° do C. P. Civil, pedem que se revogue o despacho e se homologue a transacção, formulando as conclusões que passamos a transcrever:

1) O presente agravo foi interposto do douto despacho de fls. 757, que indeferiu a homologação da transacção celebrada ente os A.A., agora recorrentes e o Réu Manuel […], com os recorrentes discordam.

2) Dispõe o despacho recorrido, na parte que interessa, "... visto o disposto no artigo 298°/2 do Cód. Proc. Civil, vai indeferida a requerida homologação da transacção de fls. 553, sem prejuízo da sua eficácia limitada às custas do processo, visto o teor da sua cláusula terceira."

3) Na transacção "O Réu Manuel […] não se opõe e autoriza que a fracção dos A.A. em causa nos autos (fracção "C", correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito […], em Lisboa) seja utilizada para fins terciários, designadamente para consultório médico, aliás em conformidade com a Licença de Utilização n° […] emitida pela Câmara Municipal de Lisboa para a fracção" e "Os A.A. desistem, quanto ao Réu Manuel […], do pedido formulado na acção".

4) Diz o artigo 298° do Código de Processo Civil, com a epígrafe "Confissão, desistência e transacção no caso de litisconsórcio":

"1. No caso de litisconsórcio voluntário, é livre a confissão, desistência e transacção individual, limitada ao interesse de cada um na causa.

2. No caso de litisconsórcio necessário, a confissão, desistência ou transacção de algum dos litisconsortes só produz efeitos quanto a custas."

5) Ora, entendeu o despacho recorrido - como decorre da invocação feita do n° 2 desta disposição legal - que a transacção não seria admissível por se tratar de um caso de litisconsórcio necessário.

6) Mas a proibição do n° 2 - que tem necessariamente de ser conjugada com o artigo 28°/CPC, que define o litisconsórcio necessário - destina-se tão só a evitar que, através de acordo a que cheguem apenas algumas das partes do processo se impeça que a decisão nele proferida tenha o seu efeito útil normal.

7) Aplica-se inteiramente a este caso a doutrina do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-4-1999, CJ (STJ), VII, 1999, Tomo II, 63:

I - O nº 2 do artigo 28° do CPC consagrou o litisconsórcio natural dentro de limites racionais, optando pelo critério da incompatibilidade dos efeitos produzidos que não permita uma composição definitiva entre as partes da causa.
II - Inexistindo essa incompatibilidade, a decisão produz o seu efeito normal, sendo irrelevante a possibilidade de superveniente antagonismo ou conflito teórico de decisões resultante de os interessados não vinculados ao caso julgado serem partes noutra acção com solução diversa.
III - O litisconsórcio necessário, quanto ao conteúdo da decisão, pode ser simples ou unitário: é simples, quando a decisão pode ser distinta para cada um dos litisconsortes; é unitário, quando a decisão tem de ser uniforme para todos os litisconsortes, correspondendo a situações em que não podem ser proferidas decisões divergentes sobre o objecto do processo.
V - O n° 2 do artigo 298°, ao prescrever que, no caso de litisconsórcio necessário, a transacção de alguns dos litisconsortes só produz efeitos quanto a custas, deve ser interpretado como referindo-se apenas ao litisconsórcio unitário.
VI - Assim, é de homologar a transacção em que, embora não tendo intervindo todos os autores, a situação é de litisconsórcio necessário simples. 

8) Ora, na transacção feita, o Réu Manuel […] apenas declarou o que está na sua livre disponibilidade declarar e que também não prejudica a posição diferente assumida e mantida pelos restantes R.R. no processo, nem a decisão que nele vier a ser proferida e que a todos vinculará.

9) E, nessa transacção, "os A.A. desistem, quanto ao Réu Manuel […], do pedido formulado na acção", nada também impedindo que desistam dos pedidos feitos apenas quanto a um dos R.R.

10) Na transacção está assim e unicamente em causa a posição individual de um dos condóminos, em matéria sobre a qual tem toda a liberdade de decidir como entender — e se não pode, nem o pretende, impor a sua vontade aos outros condóminos, não podem também estes limitar ou impedir que tome, nessa matéria, a posição que livremente entender.

Contra-alegaram os réus António […], Maria […] e Frederico […] defendendo a manutenção do despacho recorrido.

Mais tarde, foi proferido despacho saneador que, conhecendo da excepção de ilegitimidade dos réus deduzida nos termos acima descritos pelos réus Maria […] e Frederico […] a julgou procedente, absolvendo, por isso, os réus da instância.

Mais uma vez agravaram os autores, tendo apresentado alegações onde, dizendo ter sido violado o disposto no art. 1433º do C. Civil, pedem a revogação da decisão e o reconhecimento de que está assegurada a legitimidade passiva, formulando, para tanto, as conclusões que de seguida se transcrevem:

1. O presente recurso foi interposto do aliás muito douto despacho saneador que julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, absolvendo os RR. da instância, com o que os recorrentes discordam, pelas razões seguintes:
2. Sendo a presente acção de impugnação de deliberação de assembleia de condóminos, entendeu a decisão recorrida que ela devia ter sido instaurada contra todos os condóminos, representados pelo administrador, quer os que votaram contra e a favor, quer os que se abstiveram e os que não estiveram presentes.
3. Ora, no caso presente, os condóminos que tomaram a deliberação, a favor dela votando, foram os demandados, que são os interessados na sua manutenção, não o sendo os que se abstiveram ou que nela não intervieram.
4. É certo que foram directamente demandados e não através do administrador do condomínio, mas também a isso não obriga o n° 6 do artigo 1433°/CC.
5. Com efeito, não se compreende que a atribuição de poderes de representação judiciária a outrem envolva a negação do direito de o representado intervir pessoalmente na lide, se assim o entender.
6. Além disso, a lei não impõe a representação pelo administrador, na medida em que também permite que a assembleia designe outra pessoa para esse efeito — n° 6 do artigo 1433°/CC — não se compreendendo, nestas circunstâncias, que excluísse a possibilidade de intervenção pessoal dos condóminos que intervieram na deliberação.
7. E, demandados os condóminos e citados para a acção, nada impediria que, se assim o entendessem, viessem a ter a sua representação judiciária representada pelo administrador ou por quem entendessem nomear, sendo este o sentido daquele n° 6.

Contra-alegaram os réus Maria […], Frederico […] e António […] sustentando a improcedência do recurso e sugerindo a possibilidade de este tribunal, ao abrigo do art. 712º, nº 1, als. a) e b) do C. P. Civil, suprir o lapso consistente em se haver considerado, sem que isso corresponda à realidade, o condómino Cláudio […] como administrador.

Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação as enunciadas nas conclusões de cada um dos recursos, já que são elas, como é sabido, que delimitam os respectivos objectos.

E, sendo dois os recursos de que nos cabe conhecer, começaremos, naturalmente, pela apreciação do que foi interposto em primeiro lugar.

II -  Sobre o primeiro agravo:

Para seu conhecimento urge considerar, para além das ocorrências processuais já acima enunciadas em sede de relatório deste acórdão, o seguinte:

No documento de fls. 553, subscrito pelos autores e pelo réu Manuel […], declararam todos eles que “celebram a transacção que consta das seguintes cláusulas:

Primeira: O Réu Manuel […] não se opõe e autoriza que a fracção dos A. A. em causa nos autos (fracção “C”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito […], em Lisboa) seja utilizada para fins terciários, designadamente para consultório médico, aliás em conformidade com a Licença de Utilização nº […], emitida pela Câmara Municipal de Lisboa para a fracção e que os A. A. coloquem publicidade na fachada do prédio.

Segunda: Os A. A. desistem, quanto ao réu Manuel […] do pedido formulado na acção.

Terceira: As custas em dívida a juízo serão suportadas por AA. e R. em partes iguais, prescindindo ambas as partes de custas de parte e da procuradoria, na parte disponível.

No despacho recorrido, a homologação da transacção a que chegaram os autores e o dito réu foi negada, sem prejuízo da sua eficácia limitada às custas do processo, por se haver entendido que, sendo caso de litisconsórcio necessário – daí a invocação do art. 298º, nº 2 do C. P. Civil –, não se ter logrado obter a aceitação dos demais réus quanto à transacção em causa.

É certo que, como argumentam os agravantes contra a decisão emitida, a proibição inserta no nº 2 do citado art. 298º, nº 2 do C. P. Civil – diploma a que pertencem as normas doravante referidas sem menção de diferente proveniência –, a conjugar com o art. 28º, onde se define o litisconsórcio necessário, tem como único objectivo evitar que, através de acordo a que cheguem apenas algumas das partes, se impeça que a decisão proferida no processo produza o seu efeito útil normal.

Mas sustentam também, reiterando a ideia adoptada em acórdão do STJ de 27.4.1999, publicado na Col. Jur. – STJ, 1999, Tomo 2, pg. 63, que o regime instituído nesse preceito apenas abrange os casos de litisconsórcio unitário; este, que a par do litisconsórcio simples, é uma das modalidades que o litisconsórcio, no plano do conteúdo da decisão, pode assumir, verifica-se “quando a decisão tem de ser uniforme para todos os litisconsortes, correspondendo a situações em que não podem ser proferidas decisões divergentes sobre o objecto do processo”. Estar-se-á, diversamente, perante litisconsórcio simples “quando a decisão pode ser distinta para cada um dos litisconsortes”.

Aderiu-se, neste acórdão, ao ensinamento de Miguel Teixeira de Sousa (1) que defende a interpretação restritiva do art. 298º, nº 2, no sentido da sua aplicabilidade apenas quando o litisconsórcio é unitário, recorrendo ao art. 419º, nº 1 do C. Civil como exemplo de hipótese em que a ideia encontra aplicação – aí é a própria lei que admite a desistência do pedido por um litisconsorte necessário, o que se verificará quando a declaração de um dos vários titulares do direito de preferência, no sentido de que não pretende exercer o correspondente direito, tiver lugar no âmbito de acção já pendente.

Entendemos também que este entendimento é de seguir.

Mas há que saber se tem aplicação no caso concreto.

Para tanto, importa recordar os pedidos que na acção foram formulados - que se declarem nulas ou se anulem deliberações tomadas na assembleia extraordinária de condóminos no sentido da não afectação de uma dada fracção autónoma a consultório médico e da não autorização de alteração do arranjo estético do prédio, designadamente por afixação de publicidade, e que se condenem os réus, em solidariedade, a pagarem uma indemnização aos autores.

Na transacção em causa os aqui autores declararam desistir do pedido quanto ao réu Manuel […] e, em contrapartida, este declarou a sua não oposição a que a mesma fracção seja afectada a consultório médico e ali seja afixada a correspondente publicidade.

A desistência do pedido, declarada sem quaisquer restrições, leva a crer, apesar do uso do singular, que com isso os autores, aqui agravantes, pretenderam desistir, quanto àquele réu, de ambos os pedidos formulados.

A situação não é, porém, a mesma quanto aos dois pedidos.

O pedido de indemnização, aliás deduzido com o rótulo de solidário contra diversos responsáveis, integra um caso de litisconsórcio voluntário, já que não tinha que ser deduzido contra todos eles, como resulta dos arts. 517º e 519º do C. Civil.

E também não suscita reservas a afirmação de que, a ser estabelecido aqui um litisconsórcio voluntário, no plano da decisão a proferir esta não terá de ser a mesma para todos os litisconsortes, pelo que litisconsórcio em causa caberá dentro da categoria de litisconsórcio simples.

Impõe-se, por isso, concluir que quanto a este pedido a transacção era possível, regulando definitivamente o litígio, mas apenas no tocante à medida dos interesses de quem na mesma interveio – cfr. nº 1 do art. 298º.

Outro tanto não acontece, porém, quanto ao pedido de declaração de nulidade ou de anulação das deliberações da assembleia de condóminos.

Miguel Teixeira de Sousa aponta como exemplo de litisconsórcio unitário, impondo uma decisão uniforme, a situação dos sócios que propuseram uma acção de anulação de deliberação social, por ser idêntico o seu objecto.

Aí o problema é de legitimidade activa, visto que tal acção, por força do disposto no art. 60º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, é proposta contra a sociedade, e não contra os seus sócios; e o litisconsórcio é, nesse caso, voluntário.

Mas a razão ali invocada é exactamente a mesma que no caso dos autos se verifica e leva a que se qualifique como unitário o litisconsórcio passivo em causa; na verdade, não se concebe que, na parte em que se discute um objecto comum a todas as partes na acção, a decisão possa não ser a mesma para todos, ou seja, não pode a mesma deliberação ser válida e subsistir quanto a uns e, diferentemente, ser inválida, deixando de valer, quanto a outros.

A decisão emitida no despacho recorrido é, pois, correcta no que toca ao pedido de declaração de nulidade ou de anulação de deliberações.

Mas já o não é quanto ao pedido de condenação solidária em indemnização, nada obstando a que, quanto a ele e com o alcance acima indicado, seja homologada a transacção, por ser válida pelo seu objecto e pela qualidade de quem nela interveio.

Nesta conformidade, o agravo em apreciação procede em parte.
 
III – Sobre o segundo agravo:

Como resumidamente se fez constar já em sede de relatório deste acórdão, a propósito da excepção de ilegitimidade que veio a ser julgada como verificada no despacho saneador, dando lugar a este recurso, foi defendido pelas partes, por um lado, que os réus deveriam ser representados no processo pelo administrador, nos termos do art. 1433º, nº 6 do C. Civil e que este não foi demandado, e, por outro lado, que a acção foi proposta, como devia, apenas contra os condóminos que se pronunciaram a favor da deliberação impugnada.

No saneador entendeu-se que a legitimidade passiva para a discussão da validade de deliberações da assembleia de condóminos cabe, individualmente, aos condóminos que as hajam aprovado, aos que se tenham abstido na votação e ainda aos que não tenham estado presentes nem representados, devendo os mesmos ser citados na pessoa do administrador, a quem, nos termos do art. 1433º, nº 6, cabe a sua representação; e, por virtude de não estarem no processo todos aqueles que aí deveriam estar, foi a excepção julgada procedente.

As críticas dirigidas pelos agravantes a esta decisão desenvolvem-se em dois planos, visto defenderem:

- que foi demandado quem o devia ser, não tendo os condóminos que se abstiveram ou não intervieram na deliberação interesse em a defender;

- que a representação judiciária dos condóminos que são réus não pode impedi-los de agirem por si próprios no processo, sendo meramente facultativa.

O nº 6 do art. 1433º do C. Civil, emergente da alteração feita pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25.10, nada tem de inovador visto reproduzir o que já antes constava do texto original do nº 4 do mesmo artigo.

Com base nele defendia-se na jurisprudência que a legitimidade passiva para tais acções cabia aos condóminos – não interessando, neste momento, tomar posição sobre quais, de entre eles, deviam ser demandados –, pese embora devesse intervir na lide, como seu representante judiciário, o administrador do condomínio.

Não era, todavia, um entendimento unânime.

Na verdade, já Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (2), a propósito da extensão da personalidade judiciária, enquanto excepção ao princípio básico da sua coincidência com a personalidade jurídica, a outras entidades como a herança cujo titular não esteja ainda determinado e patrimónios autónomos semelhantes, incluíam nestes últimos os condóminos na propriedade horizontal, indicando como suporte legal deste seu entendimento os arts. 1433º, nº 4- cujo regime hoje consta do nº 6 - e 1437º, nº 1 do C. Civil.

Defendiam, pois, estes autores a personalidade judiciária dos condóminos – obviamente enquanto corpo orgânico sem personalidade jurídica – nas acções onde fosse discutida a validade de deliberações da assembleia de condóminos, o que necessariamente implicaria que nessas acções a legitimidade passiva coubesse a esse corpo – o condomínio -, que era representado pelo seu administrador, em sintonia, aliás, com o que dispunha o art. 22º do C. P. Civil.

Sendo a personalidade judiciária a susceptibilidade de ser parte – nº 1 do art. 5º -, este entendimento conduzia naturalmente à conclusão de que em tais acções era o conjunto de condóminos que assumia a qualidade de parte, pelo que só em relação a ele teria cabimento a discussão sobre a existência de legitimidade processual.

Na verdade, não é correcto – apesar de ir exactamente nessa linha o art. 1437º do C. Civil – falar, a este propósito, em legitimidade processual passiva do administrador. (3) 

O art. 6º, al. e) do C. P. Civil, na redacção introduzida pela reforma processual de 1995-1996, veio confirmar a personalidade judiciária do condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.

O preceito só não é inteiramente claro porque não indica a sede legal desses poderes.

Porém, a nosso ver, é acertado entender que a expressão “poderes”, não correspondendo a qualquer outra que seja usada no Código Civil para definir o que é incumbência do administrador, é suficientemente abrangente para englobar todas as referências àquilo que ao administrador cabe fazer pelo facto de o ser, ou seja, por virtude do exercício das funções próprias do cargo em que está investido.

E, deste modo, somos reconduzidos às acima referidas normas do Código Civil - o actual nº 6 do art. 1433º e o nº 1 do art. 1437º –, visto uma e outra se reportarem àquilo que ao administrador cabe fazer, seja representar o condomínio em tribunal, seja agir em juízo no âmbito das funções que lhe pertencem ou ao abrigo de autorização especial que a assembleia lhe conceda.

Por isso se deve concluir, a nosso ver, que a legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos cabe ao condomínio, representado pelo administrador.

É também este o entendimento defendido, já no âmbito do novo regime, por Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto (4). E em idêntico sentido escreve também Aragão Seia (5).

Proferidas antes da entrada em vigor do actual art. 6º, al. e) do C. P. Civil, não interessa já considerar as decisões jurisprudenciais anteriores a 1 de Janeiro de 1997 - data em que entrou em vigor a mencionada reforma do processo civil.

 E também não pode ser invocado, como preconizando orientação diversa da que consideramos ser a correcta, o acórdão do STJ de 2.2.2006 (6). Na verdade, este acórdão foi proferido sobre caso semelhante ao que aqui se discute, mas em que o recurso fora interposto ao abrigo do nº 4 do art. 678º. E o aresto em causa não apreciou o mérito do recurso, antes o considerou inadmissível, porque entendeu haver sobre a matéria objecto do recurso jurisprudência fixada do STJ, sobre cujo acerto e valor se não pronunciou.

Diversamente, o entendimento que consideramos ser o correcto foi já adoptado em diversas decisões da 2ª instância, designadamente da Relação de Lisboa em 14.5.98 (7) e em 28.03.06 (8) e da Relação do Porto em 7.1.1999 (9), em 5.2.2004 (10) e em 6.2.2006 (11).

Diga-se, aliás, que as orientações que, discutindo quem devia ser réu em tais acções, defendiam, ou a sua propositura contra os condóminos que houvessem aprovado a deliberação impugnada, ou a sua propositura também contra quem se houvesse abstido ou não houvesse intervindo na assembleia em causa, não asseguravam devidamente o acautelamento dos interesses em causa.

Na verdade, uma vez aprovada uma deliberação pela assembleia de condóminos, todos eles ficam vinculados ao seu conteúdo, independentemente da posição que tenham assumido em relação a ela, e têm, naturalmente, interesse em participar na discussão judicial que a seu respeito venha depois a ter lugar. Da relação jurídica aí discutida são sujeitos, não o condomínio por falta de personalidade jurídica, mas todos aqueles que o compõem – os condóminos, sem excepção.

Qualquer daquelas orientações não assegurava o acautelamento desse interesse comum e geral; de facto, mesmo a segunda delas permitiria, por não ser caso de litisconsórcio necessário activo, que na acção não interviessem os condóminos que tendo votado contra a deliberação a não impugnassem judicialmente.

É, no entanto, evidente o seu interesse, seja em demandar, seja em contradizer.

O que se disse leva a concluir, embora com fundamentação diversa da usada na decisão recorrida, que na presente acção foi demandado quem o não devia ter sido e não o foi quem devia tê-lo sido, não estando assegurada a intervenção de quem tem legitimidade passiva, o que inviabiliza o prosseguimento da lide.

O segundo agravo tem, pois, de improceder, sendo de manter, embora com fundamentação diversa a decisão recorrida.

IV – Pelo exposto, decide-se:

A) Conceder provimento parcial ao primeiro agravo, revogando-se o despacho agravado na parte em que negou, quanto ao pedido de indemnização, a homologação da transacção lavrada entre os autores, aqui agravantes, e o réu Manuel José Silva Araújo Teixeira Franco, homologação essa que ora se declara com esse preciso alcance;

B) Na restante parte, negar provimento ao primeiro agravo;

C) Negar provimento ao segundo agravo.

As custas do primeiro agravo serão suportadas pelos agravantes e pelos agravados em partes iguais.

As custas do segundo agravo serão suportadas pelos agravantes.

As custas da acção serão suportadas, em medida correspondente a um oitavo do seu total, pelos autores e pelo réu Manuel Franco nos termos da transacção de fls. 553; no restante, serão suportadas pelos autores.

Lxa. 14 de Novembro de 2006

(Rosa Ribeiro Coelho)
(Arnaldo Silva)
(Graça Amaral)



______________________________
1.-Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, págs. 153, 164-165 e 174

2.-Manual de Processo Civil, pág. 105

3.-Incorrecção em que parece incorrer Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª edição, pág. 346, apesar de a págs. 339 ter falado mais correctamente, em contexto semelhante, em suprimento da incapacidade judiciária do condomínio.

4.-Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, pág. 21.

5.-Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios 2ª edição, pág. 216.

6.-disponível em www.dgsi.pt, processo 05B4296

7.-Col. Jur., 1998, págs. 97-98

8.-www.dgsi.pt, processo 2075/2005-7 (Relator Desembargador Arnaldo Silva)

9.-www.dgsi.pt, nº convencional JTRP00024861

10.-www.dgsi.pt, nº convencional JTRP00035741

11.-www.dgsi.pt, nº convencional JTRP00038792