Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
119219/22.0YIPRT.L1-2
Relator: FERNANDO CAETANO BESTEIRO
Descritores: CASO JULGADO
EXCEÇÃO
AUTORIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário:
I. O instituto do caso julgado desdobra-se num duplo sentido: no da proibição de repetição da mesma pretensão ou questão, por via da excepção dilatória do caso julgado; no da vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior.
II. A excepção dilatória de caso julgado não se verifica quando os pedidos formulados nas duas acções ou quando as causas de pedir alegadas em suporte nos mesmos são distintos.
III. A apreciação realizada na sentença proferida no anterior processo, na medida em que versa sobre um pressuposto lógico jurídico da segunda questão a apreciar nestes autos, por força do efeito positivo de caso julgado, impõe-se no mesmo, vinculando o tribunal a assumir o entendimento nela perfilhado para apreciação da pretensão aqui formulada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I.
Monte da Cabeça Gorda – Actividades Turísticas, Lda., intentou, contra Dourodis – Hotelaria e Turismo, S.A., procedimento de injunção, convertido na presente acção declarativa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 20 602,50.
Em síntese, alega o incumprimento da obrigação de pagamento das rendas respeitantes aos meses de Outubro de 2020 a Abril de 2021, por referência a um contrato de cessão de exploração de unidade turística.
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A requerida, a 30-01-2023, apresentou oposição onde, convocando a sentença proferida no processo n.º 2004/20.8T8EVR, arguiu a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado e concluiu pela improcedência da acção.
Alega, em síntese, que:
- a autora intentou contra si (ré) uma acção judicial que correu termos pelo Tribunal da Comarca de Évora sob o nº. 2004/20.8T8EVR – Juiz 2, com fundamento no incumprimento, por si, do contrato de cessão de exploração que invoca na presente acção, no que concerne ao pagamento das rendas da cessão;
- na referida acção, a autora alegou que a ré não pagou a prestação mensal devida pela cessão de exploração comercial relativa ao meses de Julho, Agosto e Setembro de 2020, respetivamente, no valor de € 2 767,50 € (valor com IVA); de € 2 767,50 (valor com IVA) e de € 2 767,50€ (valor com IVA);
- a autora também alegou na aludida acção que, perante tal reiterada conduta de incumprimento, por carta registada com aviso de recepção recebida no dia 24 de Setembro de 2020, denunciou o contrato de cessão de exploração comercial, facultou o prazo de 30 de Setembro de 2020 para a ré entregar o imóvel livre e devoluto de pessoas e bens e que a ré recusou-se a fazê-lo;
- a ré também alegou que viu-se forçada a solicitar o reconhecimento judicial da resolução contratual, bem como o pagamento das rendas devidas nos meses de Julho, Agosto e Setembro, num total de 8.302,50€ (valor já com IVA) e de uma indemnização pela utilização abusiva que a ré vinha fazendo do imóvel, a qual quantificou como prejuízo pelo valor mensal das rendas que seriam devidas acaso o contrato de cessão de exploração comercial vigorasse ou se pudesse livremente dispor do imóvel;
- na aludida acção, autora formulou os seguintes pedidos:
a) serem os autores reconhecidos como únicos e legítimos comproprietários do prédio misto designado por “Monte da Cabeça Gorda” sito nas Alcáçovas, com a área total de 27.250 m2, composto, na parte urbana, por casa de habitação do rés-do-chão com a superfície coberta de 250,00 m2 e casa de habitação do rés-do-chão com a superfície coberta de 340 m2, e composto, na parte rústica, por cultura arvense, oliveiras e sobreiros, confrontando a norte com azinhaga pública e AA, a sul com BB, a nascente e poente com a estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Alentejo sob o n.º …, freguesia das Alcáçovas, inscrito na respectiva predial urbana sob os artigos …6 e …7 e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo …, secção I2, todos da freguesia das Alcáçovas;
b) ser a R. condenada na imediata restituição da posse do imóvel aos A.A., livre e devoluto de pessoas e bens e no mesmo estado de conservação, limpeza e higiene em que se encontrava e como contratualmente estipulado;
c) ser a R. condenada no pagamento à A. sociedade das rendas devidas no meses de Julho, Agosto e Setembro, num total de € 8 302,50 (valor já com IVA);
d) ser judicialmente reconhecida a validade da resolução contratual verificada pela denúncia contratual efectuada pela A. sociedade em virtude do reiterado incumprimento contratual da R.;
e) ser a R. condenada no pagamento de uma indemnização fixada na quantia de € 2 500,00 por cada mês de atraso na entrega do imóvel aos A.A., actualmente já quantificada em € 7 500,00, bem como nos meses subsequentes e até efectiva entrega do imóvel, sendo computados os juros legais devidos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
- contestou a referida acção, tendo alegado a ocorrência de uma alteração superveniente de circunstâncias (causa de força maior) em razão da Pandemia Covid 19 e deduziu pedido reconvencional, invocando nomeadamente a ilicitude da resolução contratual promovida pela autora;
- foi proferida sentença, já transitada em julgado, onde se decidiu o seguinte:
“a) Condenar a ré “DOURODIS - HOTELARIA E TURISMO S.A.”, a pagar à autora “MONTE DA CABEÇA GORDA - ACTIVIDADES TURISTICAS, LDA.”, a quantia de € 8 302,50
b) Condenar a ré no pagamento de juros de mora a incidir sobre a quantia referida em a), excluída do IVA, à taxa comercial em cada momento em vigor, contados, desde 01 de Maio de 2021;
c) Absolver a ré do demais peticionado.
d) Julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, declarar sem valor resolutivo a comunicação escrita remetida pela autora à ré datada de 24 de Setembro de 2020;
- retira-se da sentença que a autora viu julgado improcedente o pedido de resolução do contrato decorrente do alegado incumprimento contratual da ré;
- mais se retira da aludida decisão que a autora viu julgado improcedente o pedido de pagamento de uma indemnização mensal fixada na quantia de € 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) por cada mês de atraso na entrega do imóvel aos autores, quantificada em € 7 500,00, bem como nos meses subsequentes e até efetiva entrega do imóvel, sendo computados os juros legais devidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
- no caso dos autos, as partes são as mesmas, a causa de pedir é a mesma e o pedido formulado – pedido de pagamento dos meses de Outubro de 2029 a Abril de 2021, com a devida actualização de renda - é exatamente o mesmo (que viu julgado improcedente).
- verifica-se caso julgado e ocorre autoridade de caso julgado, excepções que invoca na plenitude dos seus efeitos legais;
- as importâncias peticionadas não são devidas.
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A 23-04-2024, foi proferido despacho onde, além do mais, se determinou a notificação da autora para se pronunciar sobre a matéria de excepção.
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A autora apresentou resposta a 08-05-2024 onde alegou, em síntese, que:
- na acção identificada na oposição, na sentença nela proferida, o pedido de resolução do contrato que invoca nestes autos foi julgado improcedente, o que importa que o mesmo se tenha mantido em vigor, com manutenção dos direitos e obrigações dele emergentes, como a obrigação de pagamento mensal de renda por parte da ré;
- assim, inexiste caso julgado porque o pedido (pagamento de facturas) e a causa de pedir (contrato de cessão de exploração comercial) nada têm a ver com o pedido e causa de pedir da acção identificada na oposição;
- em tal acção, foi pedida a condenação da ré no pagamento de uma indemnização e a causa de pedir era a privação do uso.
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Após realização, a 05-12-2024, de audiência prévia, a ré, a 16-12-2024, apresentou alegações escritas onde, além de reiterar o alegado em sede de oposição, invocou que a declaração resolutória da autora apreciada no processo n.º 2004/20.8T8EVR revela desinteresse na manutenção do contrato em referência nos autos, sendo, por isso, uma declaração antecipada de não cumprimento e, como tal, produziria efeitos de cessação do vínculo contratual.
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A 10-02-2025, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou a ré no pagamento à autora da quantia de € 20 602,50 tendo, igualmente, se decidido:
a. Não conhecer da questão, suscitada pela ré, de que a declaração resolutória da autora apreciada no processo n.º 2004/20.8T8EVR revela desinteresse na manutenção do contrato em referência nos autos, sendo, por isso, uma declaração antecipada de não cumprimento e, como tal, importa a cessação do aludido contrato indevida, com fundamento no art. 573º, n.º1, do CPC;
b. Julgar a excepção dilatória de caso julgado improcedente.
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Inconformada, a ré, a 27-03-2025, interpôs recurso da decisão mencionada, que culminou com as seguintes conclusões (transcrição):
1-O presente recurso traduz o inconformismo da R. face à d. sentença recorrida que condenou a R. no pagamento à Autora da quantia de 20.602,50 € (vinte mil seiscentos e dois euros e cinquenta cêntimos), com fundamento no incumprimento contratual relativo à obrigação de pagamento da renda, respeitante aos meses de Outubro de 2020 a Abril de 2021, por referência a um contrato de cessão de exploração de unidade turística.
2- Em sede de contestação veio a R. invocar a exceção de caso julgado, evitando que nestes autos ocorra contradição com a decisão anteriormente proferida entre as partes no âmbito da ação judicial que correu termos pelo Tribunal da Comarca de Évora sob o nº. 2004/20.8T8EVR – Juiz 2, com fundamento no incumprimento pela R. do invocado contrato de cessão de exploração, no que concerne ao pagamento das rendas da cessão.
3- Com efeito, nessa referenciada ação a A. alegou, além do mais, que a R. não pagou a prestação mensal devida pela cessão de exploração comercial relativa aos meses de Julho, agosto e setembro de 2020, respetivamente, no valor de 2.767,50€ (valor com IVA); de 2.767,50€ (valor com IVA), de 2.767,50€ (valor com IVA), pelo que, denunciou o contrato de cessão de exploração comercial .
4-Nessa sequência, a A. facultou o prazo de 30 de Setembro de 2020 para a R. entregar o imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens, nos termos ajustados contratualmente e a R. recusou-se a fazê-lo.
5- Para o que se viu forçada a solicitar o reconhecimento judicial da resolução contratual, bem como o pagamento das rendas devidas nos meses de Julho, Agosto e Setembro, num total de 8.302,50€ (valor já com IVA), além do pagamento de uma indemnização pela utilização abusiva que a R. vem fazendo do imóvel, a qual quantifica como prejuízo pelo valor mensal das rendas que seriam devidas acaso o contrato de cessão de exploração comercial vigorasse ou se pudesse livremente dispor do imóvel.
6-Nessa referenciada ação a A. formulou os seguintes pedidos: a) serem os A.A. reconhecidos como únicos e legítimos comproprietários do prédio misto designado por “Monte da Cabeça Gorda” sito nas Alcáçovas, com a área total de 27.250 m2, composto, na parte urbana por casa de habitação do rés-do-chão com a superfície coberta de 250,00 m2 e casa de habitação do rés-do-chão com a superfície coberta de 340 m2, e composto,
na parte rústica, por cultura arvense, oliveiras e sobreiros, confrontando a norte com azinhaga pública e AA, a sul como BB, a nascente e ponte com a estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Alentejo sob o n.º …, freguesia das Alcáçovas, inscrito na respectiva predial urbana sob os artigos …6 e …7 e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo …, secção I2, todos da
freguesia das Alcáçovas; (valor com IVA); de 2.767,50€ (valor com IVA), de 2.767,50€ (valor com IVA), pelo que, denunciou o contrato de cessão de exploração comercial.
4-Nessa sequência, a A. facultou o prazo de 30 de Setembro de 2020 para a R. entregar o imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens, nos termos ajustados contratualmente e a R. recusou-se a fazê-lo.
5- Para o que se viu forçada a solicitar o reconhecimento judicial da resolução contratual, bem como o pagamento das rendas devidas nos meses de Julho, Agosto e Setembro, num total de 8.302,50€ (valor já com IVA), além do pagamento de uma indemnização pela utilização abusiva que a R. vem fazendo do imóvel, a qual quantifica como prejuízo pelo valor mensal das rendas que seriam devidas acaso o contrato de cessão de exploração comercial vigorasse ou se pudesse livremente dispor do imóvel.
6-Nessa referenciada ação a A. formulou os seguintes pedidos:
a) serem os A.A. reconhecidos como únicos e legítimos comproprietários do prédio misto designado por “Monte da Cabeça Gorda” sito nas Alcáçovas, com a área total de 27.250 m2, composto, na parte urbana por casa de habitação do rés-do-chão com a superfície coberta de 250,00 m2 e casa de habitação do rés-do-chão com a superfície coberta de 340 m2, e composto, na parte rústica, por cultura arvense, oliveiras e sobreiros, confrontando a norte com azinhaga pública e AA, a sul como BB
Amaral, a nascente e ponte com a estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Alentejo sob o n.º …, freguesia das Alcáçovas, inscrito na respectiva predial urbana sob os artigos …6 e …7 e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo …, secção I2, todos da freguesia das Alcáçovas;
8- Ou seja, a A. viu julgada improcedente a resolução do contrato efetuada em virtude do alegado incumprimento contratual da R, cuja comunicação, datada de 24.09.2020, foi declarada sem valor resolutivo, além de ter visto julgado improcedente o pedido de pagamento de uma indemnização mensal fixada na quantia de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) mensais por cada mês de atraso na entrega do imóvel aos A.A., quantificada em 7.500,00€, bem como nos meses subsequentes e até efetiva entrega do imóvel, sendo computados os juros legais devidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
9- Ora, na presente ação as partes são as mesmas, a causa de pedir é a mesma e o pedido formulado – pedido de pagamento dos meses de Outubro de 2020 a Abril de 2021, com a devida atualização de renda - é exatamente o mesmo (que viu julgado improcedente), pelo que entende a R/Recorrente que se verificam a invocadas exceções de caso julgado e autoridade de caso julgado.
10- Sem prescindir, sempre se dirá que a resolução contratual promovida pela A. naquela referenciada ação foi considerada infundada.
11-A resolução do contrato sem fundamento é ilícita, não produzindo o efeito típico aliado a essa forma de cessação.
12-Todavia, quando a interpretação da declaração de resolução infundada e do comportamento do declarante, realizada de acordo com as regras gerais do direito civil, revela uma intenção de não cumprir o contrato, é aquela que deve ser entendida como uma declaração antecipada de não cumprimento.
13-No caso dos autos, a referida declaração de resolução e o comportamento da A. revelou desinteresse na manutenção do contrato celebrado, sendo que a execução do contrato não se revela excessivamente onerosa para a A., nem tal resulta demonstrado nos autos.
14- No caso em apreço apenas subsistiria o vínculo contratual ilicitamente resolvido se verificados, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) Se o cumprimento das prestações contratuais ainda era possível;
b) Se a parte lesada mantém interesse na execução do contrato;
c) A execução do contrato não é excessivamente onerosa para aquele que o
resolveu ilicitamente.
15- Ora, não se mostrando verificados os referidos pressupostos (das alíneas b) e c)) , a declaração resolutória, embora declarada ilícita, não se mostra afetada de invalidade ou de ineficácia, pelo que, mesmo injustificada, produz efeitos, determinando a cessação do vínculo contratual.
16-De modo que, ainda que fosse devido à A. o valor correspondente à ocupação/exploração durante o citado período, nunca seria a título de preço da contratada cessão de exploração.
17-Assim não tendo decidido, a decisão recorrida violou, entre outros normativos, os artigos 580º; 581º e 619 do CPC.
No termo da peça processual em referência conclui-se pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por decisão que julgue a acção improcedente e a absolvição da ré do pedido formulado.
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Não foi apresentada resposta.
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A 23-06-2025, o recurso foi admitido, como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, o que não foi alterado neste Tribunal,
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II.
1.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635º, n.º4, 636º e 639º, n.º1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º2, parte final, ex vi do art. 663º, n.º2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso é circunscrita às seguintes questões:
1) Saber se se verifica a excepção dilatória de caso julgado;
2) Saber se, por força da autoridade do caso julgado, se impõe a improcedência do pedido formulado pelo autor.
3) Saber se a comunicação efectuada pelo autor à ré importa a extinção do contrato pelos mesmos celebrado e a improcedência do pedido formulado pelo autor, devendo previamente apurar-se se o conhecimento de tal questão é admissível.
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2.
Na sentença impugnada foram tidos como provados os seguintes factos:
1. Em 22 de Janeiro de 2019, a autora acordou com a ré, por escrito, a cedência da exploração do estabelecimento comercial de actividades turísticas e espaço rural, designado de “Monte da Cabeça Gorda”, sito em Lugar e freguesia de Alcáçovas, concelho de Viana do Alentejo, mediante a entrega de contrapartida mensal, que, no ano de 2020, era de 2.250,00, acrescida de IVA e, no ano de 2021, era de 2.500,00, acrescida de IVA.
2. Em 27 de Dezembro de 2022, a Autora emitiu e remeteu à Ré, por correio electrónico, a factura n.º 1 2022/1, com o seguinte teor:

3. A Autora intentou acção declarativa contra a Ré, processo n.º 2004/20.8T8EVR, que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Évora, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, no âmbito da qual foi proferida sentença, em 20-07-2022, transitada em julgado, que, além do mais, quanto ao acordo referido em 1, declarou sem valor resolutivo a comunicação escrita pela autora à ré datada de 24 de Setembro.
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Tem-se, ainda, demonstrada nos autos, pela certidão junta a 16-07-2024 (anexa a requerimento apresentado pela autora), a seguinte factualidade pertinente para a presente decisão:
A. O processo n.º 2008/20.8T8EVR foi intentado, além da aqui autora, por CC e DD;
B. No processo n.º 2004/20.8T8EVR, a autora formulou o seguinte pedido:
a) serem os A.A. reconhecidos como únicos e legítimos comproprietários do prédio misto designado por “Monte da Cabeça Gorda” sito nas Alcáçovas, com a área total de 27.250 m2, composto, na parte urbana por casa de habitação do rés-do-chão com a superfície coberta de 250,00 m2 e casa de habitação do rés-do-chão com a superfície coberta de 340 m2, e composto, na parte rústica, por cultura arvense, oliveiras e sobreiros, confrontando a norte com azinhaga pública e AA, a sul como BB, a nascente e ponte com a estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Alentejo sob o n.º …, freguesia das Alcáçovas, inscrito na respectiva predial urbana sob os artigos …6 e …7 e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo …, secção I2, todos da freguesia das Alcáçovas;
b) ser a R. condenada na imediata restituição da posse do imóvel aos A.A., livre e devoluto de pessoas e bens e no mesmo estado de conservação, limpeza e higiene em que se encontrava e como contratualmente estipulado;
c) ser a R. condenada no pagamento à A. sociedade das rendas devidas no meses de Julho, Agosto e Setembro, num total de € 8 302,50 (valor já com IVA);
d) ser judicialmente reconhecida a validade da resolução contratual verificada pela denúncia contratual efectuada pela A. sociedade em virtude do reiterado incumprimento contratual da R.;
e) ser a R. condenada no pagamento de uma indemnização mensal fixada na quantia de € 2 500,00 mensais por cada mês de atraso na entrega do imóvel aos A.A., actualmente já quantificada em € 7 500,00, bem como nos meses subsequentes e até efectiva entrega do imóvel, sendo computados os juros legais devidos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
C. No processo n.º 2004/20.8T8EVR, alegou-se, como fundamento do pedido supra mencionado, que:
a) os autores pessoas singulares são donos e legítimos proprietários do prédio referido em B), que foi objecto de comodato, a título gratuito, com a sociedade Autora, por contrato de 23-01-2007.
b) a sociedade autora celebrou com a ré contrato de cessão de exploração das actividades turísticas e espaço rural existentes no referido imóvel, cujo prazo de vigência acordado era de 01 de Fevereiro de 2019 a 31 de Janeiro de 2022, mediante o pagamento da renda mensal de € 2 000,00, quantia acrescida de IVA, que passaria para € 2 250,00 no ano de 2020 e para o quantitativo de € 2 500,00 no ano de 2021 e até final do contrato, tudo acrescido de IVA.
c) por aditamento do referido contrato, as partes acordaram que o contrato de arrendamento entre elas celebrado se renovaria automaticamente, por períodos de 1 ano, desde que não denunciado por qualquer das partes.
d) a ré deixou de proceder ao pagamento das rendas referentes aos meses de Abril a Setembro de 2020, radicado no facto da situação pandémica que então se vivia.
e) apesar das tentativas encetadas com vista a alcançar solução de consenso, a ré não procedeu ao pagamento das rendas em dívida.
f) em face do referido, a sociedade autora intentou acção com vista à cobrança dos valores referente aos meses de Abril a Junho, a qual veio a ser julgada procedente e a Ré condenada no seu pagamento.
g) a sociedade autora comunicou à ré a resolução do contrato, por falta de pagamento de rendas.
h) solicitaram à ré a entrega do imóvel livre e devoluto, com o prazo estabelecido até ao dia 30 de Setembro de 2020, mas esta recusou e ocupa-o ilicitamente.
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3.
Passando ao conhecimento da primeira questão supra enunciada.
A recorrente alega a procedência da excepção dilatória de caso julgado, convocando, para o efeito, a sentença proferida no processo n.º 2004/20.8T8EVR e a identidade de partes, causas de pedir e pedidos na mesma e na presente acção.
A sentença recorrida assumiu a improcedência de tal excepção com fundamento na ausência de identidade de causa de pedir e de pedido entre o aludido processo e a presente acção, como se afere do seguinte segmento da fundamentação:
No âmbito do processo n.º 2004/20.8T8EVR, que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Évora, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, foi proferida sentença em 20-07-2022, que transitou em julgado em 30-09-2022, cujo teor, por economia da presente peça processual, se dá aqui por integralmente reproduzido [vide certidão anexa ao requerimento de ref.ª Citius 39969635 de 16-07-2024].
Para o que releva não foi declarada a resolução do contrato entre as Partes [pedido formulado sob a alínea d) e pedido reconvencional sob o n.º 1], a aqui Ré foi condenada ao pagamento das rendas relativas ao período de Julho, Agosto e Setembro de 2020 [pedido formulado sob a alínea c)] e foi absolvida da pretensão indemnizatória fundada na privação de uso / disponibilidade da coisa [pedido formulado sobre a alínea e)].
Aqui [na presente acção] a Autora visa a condenação da Ré ao pagamento das rendas relativas ao período de Outubro de 2020 a Abril de 2021.
Eis que, em verdade, o efeito prático normativo visado é uma consequência lógica normativa e necessária do juízo anteriormente proferido, ou seja, por não ter sido resolvido o contrato então as rendas são devidas no período sequente.
Nessa exacta medida inexiste qualquer relação de identidade com a pretensão indemnizatória fundada na privação do uso / disponibilidade de coisa, que se fundava na pretendida resolução do contrato e na não entrega do estabelecimento cedido [causas e correspondência patrimonial distinta(s)].
Ergo, sem necessidade de maiores considerandos, indefere-se a arguida excepção dilatória.
Para a apreciação da questão em referência, importa reter que, com o trânsito da sentença em julgado, produz-se o caso julgado, como decorre do art. 619º, n.º1, do CPC, que contém a noção de caso julgado material.
Em tal preceito diz-se que, “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 582º (...)”
Pelo instituto referido visa-se evitar que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, obstando a que sobre uma mesma situação recaiam decisões contraditórias.
Está, assim, em causa um meio de garantir a boa administração da justiça, funcionalidade dos tribunais e salvaguarda da paz social, o que só é possível alcançar se sobre os litígios recaírem decisões definitivas. Sem esta protecção, a função jurisdicional seria meramente consultiva; as opiniões – resoluções, na verdade – dos juízes e dos tribunais, não seriam obrigatórias, já que podiam ser provocadas e repetidas de acordo com a vontade dos interessados. Em especial as sentenças, produto mais relevante do poder judicial, deixariam de sujeitar as partes; a sua execução seria sempre provisória; a segurança do tráfico entre os homens ficaria terrivelmente ameaçada. Não está, portanto, em causa a ideia de que a decisão transitada em julgado é expressão da verdade dos factos, mas a segurança jurídica.
A referida força obrigatória da sentença desdobra-se num duplo sentido: no da proibição de repetição da mesma pretensão ou questão, por via da excepção dilatória do caso julgado, prevista nos arts. 577º, al. i), 580º e 581º do CPC, que pode ser sintetizada através do brocardo non bis in idem; no da vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior, a que corresponde o brocardo judicata pro veritate habetur, cujo suporte normativo se alcança no n.º 2 do art. 580 do CPC.
Na perspectiva referida, o caso julgado não tem apenas relevância negativa. Como a Doutrina [Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 305; Castro Mendes, Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil, Lisboa: Ática, 1968, p. 162; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., Lisboa: Lex, 1997, p. 576, e O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, 325, p. 167, Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, p. 703, nota 1; Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Ação Declarativa, Coimbra: Almedina, 2004, p. 394; Lebre de Freitas / Montalvão Machado / Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 325 – 326; Rui Pinto, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Julgar Online, disponível em https://julgar.pt/excecao-e-autoridade-de-caso-julgado-algumas-notas-provisorias/; Lebre de Freitas, “Um polvo chamado autoridade do caso julgado”, ROA, ano 79, n.os 3-4 (jul.-dez. 2019), pp. 691-722] e a Jurisprudência [a título de exemplo, vejam-se os acórdãos do STJ de 30-04-2019, processo n.º 4435/18.4T8MAI.S1, de 14-09-2022, processo n.º 24558/19.1T8LSB.L1.S1, de 02-03-2023, processo n.º 6055/18.4T8ALM.L1.S1, de 12-04-2023, processo n.º 979/21.9T8VFR.P1.S1, de 30-05-2023, processo n.º 3358/20.1T8BRG.G1.S1, e de 04-07-2023, processo n.º 142/15.8T8CBC-C.G1.S1, acessíveis em dgsi.pt] referem, o caso julgado material pode funcionar como excepção, com a referida relevância negativa, ou como autoridade, caso em que a sua relevância é positiva, conforme, aliás, é assumido na sentença recorrida.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa (O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, n.º 325, p. 168), os efeitos do caso julgado material projectam-se em processos ulteriores necessariamente como autoridade do caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão de distinto objeto posterior, ou como excepção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objeto posterior.
Conforme decorre dos arts. 576º, n.º1 e 2, 577º, al. i), e 578º do CPC, a excepção de caso julgado é de conhecimento oficioso, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.
Por força do disposto no art. 580º, n.º1, do CPC, a excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, ou seja, transitada em julgado.
Já o art. 581º, n.º1, do CPC, consagra que a causa se repete quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir.
A identidade de sujeitos verifica-se quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (art. 581º, n.º2, do CPC), isto é, quando sejam portadoras do mesmo interesse substancial, não sendo exigível correspondência física e sendo indiferente a posição que adoptem em ambos os processos.
A identidade de pedido ocorre quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico (art. 581º, n.º3, do CPC), ou seja, quando existe coincidência da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito impetrado.
Importa reter que o pedido, enquanto efeito jurídico pretendido pelo demandante, declarado no efeito prático-jurídico que o autor pretende, não deve ser entendido na pura literalidade em que se declara o petitório, mas com o alcance que decorre da respectiva conjugação com os fundamentos da pretensão arrogada, por forma a compreender o modo específico da pretendida tutela jurídica (cf., neste sentido, o acórdão do STJ de 13-12-2018, processo n.º 642/14.7T8VCT.G1.S1, acessível em dgsi.pt)
A identidade de causa de pedir existe quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, sendo que, nas acções reais, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real e, nas acções constitutivas e de anulação, é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido (art. 581º, n.º4, do CPC).
A causa de pedir deve ser entendida como “o próprio facto jurídico genético do direito, donde se deverá atender a todos os factos invocados que forem injuntivos da decisão, correspondendo, pois, à alegação de todos os factos constitutivos do direito e relevantes no quadro das soluções de direito plausíveis a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5º, n.º 3, e nos limites do art.º 609º, n.º 1, do Código de Processo Civil, independentemente da coloração jurídica dada pelo autor” (acórdão do STJ de 13-12-2018, processo n.º 642/14.7T8VCT.G1.S1, supra mencionado).
O art. 581º, n.º4, do CPC, consagra a doutrina da substanciação, segundo a qual a causa de pedir deve ser preenchida com os factos essenciais causantes do efeito jurídico pretendido.
Ponderando o exposto, entende-se verificada a identidade de sujeitos prevista no art. 581º, n.º2, do CPC, posto que as, aqui, autora e ré figuraram como partes, em igual posição, no processo n.º 2004/20.8T8EVR, cuja sentença se mostra transitada em julgado.
Como se refere na sentença impugnada, a identidade entre a pretensão formulada no aludido processo e na presente acção não ocorre.
Na verdade, no que releva para a presente decisão, no aludido processo n.º 2004/20.8T8EVR, a autora pediu a condenação da ré no pagamento de uma indemnização mensal fixada na quantia de € 2.500,00 por cada mês de atraso na entrega do imóvel, com início em Outubro de 2020, até entrega efectiva, tendo liquidado em € 7 500,00 o valor em débito a tal título no momento em que o processo foi intentado, atinente aos meses de Outubro a Dezembro de 2020.
Tal pedido alicerça-se na resolução do contrato mencionado, por parte da autora, e na ocupação ilegítima do imóvel dele objecto por parte da ré e consequente privação do seu uso pela autora.
Nos presentes autos, a autora pede a condenação da ré no pagamento das rendas respeitantes aos meses de Outubro de 2020 a Abril de 2021, no valor de € 20 602,50 e no seu incumprimento por parte desta, atinente à obrigação de pagamento das aludidas prestações.
Como é bom de ver, o pedido formulado nos presentes autos é distinto do pedido formulado no anterior processo acima mencionado, posto que têm por objecto prestações distintas.
Na verdade, o pedido referido em b) concerne a uma prestação de indemnização, decorrente de ocupação indevida do imóvel objecto do contrato celebrado entre as partes a partir de Outubro de 2020 até entrega do mesmo, ao passo que, como referido, o pedido formulado na presente acção respeita à prestação das rendas referentes aos meses de Outubro de 2020 a Abril de 2021, constituída pelo aludido contrato.
Na esteira do assumido na sentença recorrida, entende-se, pois, que o efeito prático normativo ou a tutela jurídica formulados em cada um dos processos é distinto, não ocorrendo, por isso, a identidade de pedidos.
Acresce que a identidade de causas de pedir, em relação às duas pretensões mencionados, também não se verifica, posto que a alegada no processo n.º 2004/20.8T8EVR integra factualidade atinente à comunicação de resolução do contrato celebrado entre as partes e à consequente ocupação ilegítima do imóvel a que aquele respeita a partir de Outubro de 2020, com a inerente privação do seu uso, e a invocada nestes autos é constituída pela celebração do aludido acordo e no não pagamento das rendas referentes aos meses de Outubro de 2020 a Abril de 2021.
Conclui-se, assim, como assumido na sentença recorrida pela improcedência da excepção dilatória de caso julgado.
*
4.
Conhecendo da segunda questão acima enunciada.
Defende a ré/recorrente que o efeito positivo de caso julgado da sentença proferida no processo n.º 2004/20.8T8EVR importa a improcedência do pedido formulado na presente acção que, como se referiu, se traduz na condenação no pagamento das rendas referentes aos meses de Outubro de 2020 a Abril de 2021.
Na sentença recorrida perfilhou-se entendimento distinto, no sentido de que tal efeito importa que o decidido na aludida sentença deva ser assumido na presente lide, designadamente no que respeita à qualificação jurídica do acordo celebrado entre as partes, efeitos constituídos pelo mesmo atinentes à contrapartida mensal da disponibilização do imóvel seu objeto e sua quantificação, bem como a sua vigência.
Trazendo à colação o acima referido a propósito dos sentidos negativo e positivo do instituto do caso julgado, importa atentar em que a questão da autoridade do caso julgado material respeita, sobretudo, à extensão da auctoritas rei iudicatae à solução das questões prejudiciais, assim denominadas as relativas a relações jurídicas distintas da deduzida em juízo pelo autor, mas de cuja existência ou inexistência dependa logicamente o teor da decisão do pedido, sobre as quais não ocorre decisão, mas simples cognitio.
Como se refere, designadamente, no acórdão do STJ de 12-01-2021, processo n.º 2030/11.8TBFLG.P1.S1 (acessível em https://jurisprudencia.pt/acordao/198429/), louvando-se no aresto aí citado, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado”.
Seguindo o ensinamento de Miguel Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579) “Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.
Por outro lado, o funcionamento do referido efeito positivo do caso julgado, prescindindo embora da identidade dos elementos objetivos – aliás, em rigor, tem como pressuposto que essa identidade não existe, pois caso contrário ocorreria o efeito negativo –, não prescinde da identidade dos elementos subjetivos. Assim, tal efeito apenas se pode admitir perante quem tenha sido parte – num sentido jurídico – na acção em que foi produzida a sentença ou, não o tendo sido, se encontra abrangido por via da sua eficácia directa ou reflexa.
Face ao supra referido, importa, perante duas acções com diferentes pedidos – e que, por isso, escapam à excepção do caso julgado –, apurar-se das relações existentes entre os respetivos objectos.
Entende-se, geralmente, que apenas uma relação de prejudicialidade entre tais objectos permitirá afirmar que o decidido a propósito de um – o prejudicial – se impõe no julgamento do outro – o dependente –, como corolário da proibição de decisões contraditórias.
Tal relação de prejudicialidade tanto pode ocorrer no domínio da mesma relação jurídica julgada com valor de caso julgado, como no domínio de uma relação jurídica conexa com ela, conforme ensina Rui Pinto (Excepção e autoridade de caso julgado – Revista Julgar, Novembro de 2018, p. 38, acessível em http://julgar.pt/excecao-e-autoridade-de-caso-julgado-algumas-notas-provisorias/).
Tenha-se em atenção que não estão em causa os enunciados de facto considerados na acção prejudicial, mas antes o julgamento da relação jurídica que eles constituem. É esse julgamento que se impõe na acção dependente.
Importa, ainda, ter em atenção que não é conveniente adoptar um critério rígido sobre os limites do caso julgado quanto às questões prejudiciais. Como refere Miguel Teixeira de Sousa (“Preclusão e caso julgado”, RFDUL, LVIII, 2017/1, pp. 149-175), “[a] realidade é mais multifacetada do que aquela que é compaginável com a redução da aplicação da proibição de contradição às situações de prejudicialidade de um objecto perante um outro objecto”, daí que a proibição de contradição também possa actuar quando se trate, simplesmente, de evitar que o caso julgado seja contrariado por uma decisão posterior, ou seja, “quando o que importa é obstar a uma nova pronúncia do tribunal contraditória com a anterior.”
Atentando no exposto, tendo em conta o pedido formulado nos autos, de condenação no pagamento das rendas referentes aos meses de Outubro de 2020 a Abril de 2021, e a causa de pedir alegada, celebração do contrato referido no ponto 1 da matéria de facto acima elencada e o não pagamento, pela ré, das rendas mencionadas, entende-se que a sua apreciação demanda o conhecimento das seguintes questões:
a. A determinação da natureza jurídica do contrato mencionado, relação jurídica dele emergente bem como a sua vigência;
b. Saber se, à luz da relação jurídica determinada, a ré se constituiu em incumprimento da prestação de pagamento das rendas reclamadas.
O primeiro segmento enunciado constitui pressuposto lógico jurídico do segundo e foi apreciado na sentença proferida no processo n.º 2004/20.8T8EVR, no sentido de que as partes celebraram um contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial de actividades turísticas e espaço rural, designado de “Monte da Cabeça Gorda”, a que se refere o ponto 1 dos factos provados, e que dele decorre a obrigação de a ré pagar, a título de retribuição pela disponibilização do imóvel por parte da autora (renda), a quantia mensal de € 2 500,00, sendo certo que foi negado provimento ao pedido de reconhecimento da resolução do aludido contrato.
Como assumido na sentença recorrida, a apreciação realizada na sentença proferida no processo n.º 2004/20.8T8EVR, na medida em que versa sobre um pressuposto lógico jurídico da segunda questão a apreciar nestes autos, por força do efeito positivo de caso julgado, impõe-se no mesmo, vinculando o tribunal a assumir o entendimento nela perfilhado para apreciação da pretensão aqui formulada.
Assim, reconhecendo que as partes celebraram o contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial a que se refere o ponto 1 dos factos provados, e que dele decorre a obrigação de a ré pagar, a título de retribuição pela disponibilização do imóvel por parte da autora (renda), a quantia mensal de € 2 500,00, forçoso se mostra concluir, como na sentença recorrida, estar demonstrado o incumprimento, pela ré, de tal obrigação, no que respeita aos meses de Outubro de 2020 a Abril de 2021.
Na verdade, por força do disposto no art. 342º, n.º2, do CC, recai sobre a ré, devedora, o ónus de demonstrar no processo factos que importem, por referência à prestação mencionada, o seu impedimento, a sua suspensão ou a sua extinção, designadamente, neste caso, o respectivo cumprimento.
Não tendo satisfeito tal ónus processual, tem-se o incumprimento das aludidas prestações por demonstrado e, por via disso, assiste à autora o direito de exigir da ré a quantia total de € 20 602,50, referente às rendas referentes aos meses de Outubro de 2020 a Abril de 2021, conforme peticionado.
A decisão impugnada deve, pelo exposto, ser mantida.
Responde-se negativamente à segunda questão acima enunciada.
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5.
Passando à terceira questão acima identificada.
A recorrente, à semelhança do que fez nas alegações subsequentes à audiência prévia, apresentadas a 16-12-2024, invoca a questão de a declaração resolutória da autora apreciada no processo n.º 2004/20.8T8EVR constituir uma declaração antecipada de não cumprimento e, como tal, importar a cessação do contrato celebrado entre as partes (conclusões 10 a 16).
Na sentença recorrida decidiu-se não conhecer da questão mencionada, com fundamento no art. 573º, n.º1, do CPC.
Como se refere na decisão recorrida, a arguição da questão acima identificada ocorreu apenas em sede de alegações subsequentes à audiência prévia, sendo a contestação omissa quanto à mesma.
Ora, por força do disposto no referido art. 573º, n.º1 e 2, do CPC, toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado e as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes a tal peça processual, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.
A questão em referência, que configura matéria de excepção peremptória, não se subsume em nenhuma das excepções supra mencionadas, pelo que a sua formulação nos autos devia ter ocorrido com a contestação.
Não tendo a ré formulado a questão mencionada no articulado devido, ficou precludida a possibilidade de o fazer em momento processual subsequente, designadamente, em sede das alegações apresentadas a 16-12-2024, o que obsta ao seu conhecimento pelo Tribunal, tal como assumido na sentença recorrida.
Razão por que não se conhece da questão acima identificada.
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Conclui-se, assim, pela improcedência do recurso
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6.
Considerando a improcedência da apelação, a recorrente deverá suportar as custas do recurso (art. 527º, n.º1 e 2 do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
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III.
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso interposto pelo autor improcedente e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique.
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Lisboa, 25 de Setembro de 2025.
Fernando Caetano Besteiro
Laurinda Gemas
António Moreira