Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | OLINDO GERALDES | ||
| Descritores: | ERRO NA FORMA DO PROCESSO EXPURGAÇÃO DE HIPOTECA NULIDADE DO CONTRATO ANULAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/06/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | I. Há erro na forma do processo quando inexiste adequação à pretensão jurisdicional formulada. II. Pedindo-se na acção a declaração de nulidade da penhora e da hipoteca voluntária sobre certo imóvel, por ambas terem sido constituídas sobre bem pertencente à demandante e sem qualquer obrigação para com os titulares das garantias, o processo declarativo comum revela-se adequado à pretensão jurisdicional. III. O processo da expurgação de hipotecas e da extinção de privilégios, destinado a facilitar o interesse de terceiro, adquirente de prédio onerado, sem o sacrifício do direito do credor, não se adequa à pretensão da demandante sem qualquer obrigação para com o garante. IV. O efeito normal da declaração de nulidade ou de anulação do acto ou negócio jurídico corresponde àquele que vem definido no art. 289.º do Código Civil. V. A oponibilidade à nulidade ou anulação está subordinada à verificação cumulativa dos requisitos especificados nos n.º s 1 e 2 do art. 291.º do CC. VI. A falta de preenchimento do requisito da propositura e registo da acção sobre a invalidade para além dos três anos após a conclusão do negócio torna o efeito geral da invalidade oponível a terceiro de boa fé. OG | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO A instaurou, em 19 de Maio de 2004, na Vara Mista da Comarca do Funchal, contra B, S.A., e Banco S.A., acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que fosse declarada a nulidade da hipoteca voluntária e da penhora, que incidem sobre o prédio urbano descrito, sob o n.º 898/19920923 (São Gonçalo), na 1.ª Conservatória do Registo Predial do Funchal, e determinado o cancelamento dos respectivos registos. Para tanto, alegou em síntese, que a hipoteca voluntária e a penhora foram constituídas sobre um prédio que lhe pertence, sem que seja sujeito passivo de quaisquer responsabilidades, e a subsistência dos respectivos registos ofende o art. 892.º do Código Civil. Contestou o Réu Banco, invocando um título legítimo para a penhora que a favorece, para concluir pela improcedência da acção. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 26 de Abril de 2007, a sentença, que absolveu da instância o R. Banco, por erro na forma de processo, e declarou a ineficácia da hipoteca voluntária, determinando o cancelamento do respectivo registo. Não se conformando totalmente com a decisão, a Autora recorreu e, tendo alegado, formulou no essencial, as seguintes conclusões: a) O Tribunal não podia concluir que o meio para reagir contra a penhora fosse, única e exclusivamente, a oposição mediante embargos de terceiro. b) A sentença não está correcta e devidamente fundamentada, aplicando-lhe o art. 688.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Pretende a A., com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida e, em consequência, a declaração de ineficácia da penhora e a ordem de cancelamento do respectivo registo. Também inconformado com a decisão, o R. B recorreu e, rematando as alegações, especificou no essencial, as seguintes conclusões: a) A Recorrida deveria ter requerido processo especial de expurgação da hipoteca, nos termos do art. 998.º e seguintes do CPC, pois só nesse processo poderia ver cancelado o registo, salvaguardando os direitos adquiridos do Apelante. b) Deverá a acção ser totalmente indeferida. c) O registo da hipoteca é anterior ao registo da acção de preferência. d) No momento em que foi constituída a hipoteca, o Apelante estava de boa fé - art. 291.º, n.º 3, do CC. e) A procedência da acção de preferência não pode prejudicar os direitos adquiridos pelo beneficiário da hipoteca – art. 291.º, n.º 1, do CC. f) O art. 291.º do CC é de aplicar analogicamente aos casos de ineficácia do negócio. Pretende o R. B, com o provimento da apelação, a revogação da sentença recorrida, julgando-se a acção improcedente. Contra-alegaram, respectivamente, o entretanto denominado R. Banco, S.A., e a Autora, ambos no sentido de ser negado provimento ao recurso contrário. O Juiz exarou depois despacho, considerando não ser de reparar o agravo e que não existiam nulidades a suprir. Cumpre agora apreciar e decidir. Nestes autos, para além da nulidade da decisão, está em causa, essencialmente, o erro na forma do processo, por um lado, e os direitos de terceiro de boa fé, por outro. II. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Foram dados como provados os seguintes factos: 1. O prédio urbano sito na Rua Bartolomeu Dias, n.º s 5 e 5ª, no Funchal, descrito sob o n.º 898/19920923 (Freguesia de São Gonçalo) na 1.ª Conservatória do Registo Predial do Funchal está inscrito a favor da Autora, por decisão judicial. 2. Sobre o mesmo prédio está inscrita a hipoteca voluntária a favor do R. Banco Comercial Português. 3. Sobre o mesmo prédio está inscrita a penhora a favor do R. Banco. 4. Quer a hipoteca, quer a penhora foram constituídas em datas posteriores à da aquisição do prédio pela A. 5. Por sentença, transitada em julgado em 5 de Fevereiro de 2004, foi reconhecida à A. o direito de preferência sobre o prédio. 6. O R. B desconhecia que, aquando da compra ocorrida há cinco anos antes, o vendedor não havia oferecido o direito de preferência à inquilina, ora A. 7. O R. B estava na completa ignorância do que se tinha passado e iria passar. 2.2. Descrita a dinâmica processual relevante e a matéria de facto dada como provada na 1.ª instância, expurgada, designadamente, da matéria conclusiva, como era a expressão “de boa fé” constante do facto n.º 7 da sentença (art. 646.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), interessa agora conhecer do objecto dos dois recursos, delimitados pelas respectivas conclusões, e cujas questões jurídicas emergentes foram já postas em destaque, começando, como se impõe, pelo agravo. 2.3. Como se aludiu, quanto à pretensão da declaração da nulidade da penhora, foi o respectivo demandado absolvido da instância, por erro na forma de processo, depois de se considerar que tal efeito jurídico só podia ser declarado no âmbito do respectivo processo executivo, designadamente nos embargos de terceiro. Desde logo, importa realçar que a decisão recorrida, que a agravante qualifica de nula, invocando o disposto na alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do Código de Processo Civil (CPC), não padece do referido vício formal. Efectivamente, o Tribunal a quo conheceu da pretensão jurisdicional formalizada pela agravante, baseada na nulidade da penhora sobre certo imóvel, concluindo pelo erro na forma do processo, e, nessa sequência, absolvendo da instância. Deste modo, não houve omissão de pronúncia, sendo certo que o conhecimento da pretensão jurisdicional, na qual parece apoiar-se a alegação, ficou prejudicado pela declaração prévia de erro na forma do processo e, sobretudo, pela consequente absolvição da instância (art. 660.º, n.º 2, do CPC). Nestes termos, improcede a arguida nulidade da sentença. Há erro na forma do processo quando inexiste adequação à pretensão jurisdicional formulada pelo demandante. No caso de erro na forma do processo e não se tornando possível a adequação do processo escolhido para outro legalmente admissível, o efeito é o da nulidade de todo o processo, com a consequente absolvição da instância - arts. 199.º, 493.º, n.º s 1 e 2, e 494.º, alínea b), todos do CPC. Como se aludiu, no caso vertente, a agravante veio pedir a declaração de nulidade da penhora e da hipoteca voluntária sobre certo imóvel, por ambas terem sido constituídas sobre um bem que lhe pertence e sem que existisse qualquer obrigação para com os respectivos titulares das garantias. Face ao pedido formulado, o processo declarativo comum, que foi o escolhido, revela-se adequado à pretensão jurisdicional. É certo, quanto à penhora, que a agravante também podia fazer uso da oposição mediante embargos de terceiro, nos termos previstos nos arts. 351.º e seguintes do CPC, processo de natureza declarativa enxertado no da execução e destinado a proteger terceiros. Todavia, esse processo especial, que pode ser mais adequado e útil à tutela do respectivo direito, está subordinado a certas condições, designadamente de caducidade (art. 353.º, n.º 2, do CPC), que podem inviabilizar a sua utilização. Ora, essa circunstância, podendo até ficar a dever-se a algo de aleatório, não podia deixar desprotegido quem, perante uma agressão desconforme ao direito ainda que coberta por uma ordem judicial, tem um direito fundamental constitucionalmente garantido, como é o direito de propriedade. Não intervindo o terceiro no processo de execução, onde a penhora fora decretada, não lhe é oponível, também, o caso julgado formado naquele processo. Por outro lado, é ainda inaplicável o processo especial regulado nos arts. 998.º e seguintes do CPC, desde logo, porque os autos não mostram que a agravante fosse devedora do agravado. Na verdade, o referido processo da expurgação de hipotecas e da extinção de privilégios, justificado por uma razão de ordem económica, nomeadamente a mobilidade dos bens, destina-se a facilitar o interesse do terceiro, adquirente de prédio onerado, sem o sacrifício do direito do credor (ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, I, págs. 275 e 276). Nestes termos, conclui-se não ter havido erro na forma do processo e, por isso, justificando-se o provimento do agravo, é de revogar a decisão proferida traduzida na absolvição da instância. 2.4. Ao abrigo do disposto no art. 753.º, n.º 1, do CPC, cabe agora conhecer do mérito da causa, nessa parte, sendo certo que, pelo teor das alegações apresentadas, é dispensável o convite às partes, para produzirem alegações sobre a questão do mérito (n.º 2 do art. 753.º do CPC). No entanto, por uma questão de facilidade e simplificação na exposição, relega-se esse conhecimento para depois da apelação. 2.5. Relativamente à apelação, importa principiar por dizer, reiterando e remetendo para o que se afirmou no agravo, que a apelada escolheu a forma de processo adequada para a pretensão jurisdicional que submeteu à apreciação. Efectivamente, não estando demonstrado (nem tal foi alegado) que a apelada fosse devedora do apelante (beneficiário da hipoteca), não podia a acção proposta seguir os termos da acção especial para a expurgação de hipoteca prevista nos arts. 998.º e seguintes do CPC. Por isso, sem necessidade de um maior aprofundamento, que seria redundante, reafirma-se a adequação da forma de processo à pretensão jurisdicional apresentada pela apelada. A acção, no que tange à hipoteca, foi julgada procedente. Essa decisão, porém, não merece qualquer reparo, estando em conformidade com o direito substantivo aplicável. Na verdade, não se questiona o efeito da nulidade da hipoteca, decorrente do reconhecimento do direito de preferência à apelada, na aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel que constituía o objecto da garantia hipotecária. O efeito normal da declaração de nulidade ou de anulação do acto ou negócio jurídico corresponde àquele que vem definido no art. 289.º do Código Civil (CC). Contudo, um importante desvio a esse princípio geral é hoje consagrado no art. 291.º do CC, com o fim de proteger o terceiro de boa fé, quando estejam em causa bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 2.ª edição, 1979, pág. 247). Tratou-se, com efeito, de uma solução “original”, que estabeleceu um “compromisso entre os interesses que estão na base da invalidade e os interesses legítimos de terceiros e do tráfico” (MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, 2005, pág. 626). A oponibilidade à nulidade ou anulação está, contudo, subordinada à verificação cumulativa dos diversos requisitos especificados nos n.º s 1 e 2 do art. 291.º do CC (CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3.ª edição, 2001, pág. 479, e P. PAIS DE VASCONCELOS, Teoria geral de Direito Civil, 4.ª edição, 2007, pág. 747 e 748). No caso vertente, porém, não se surpreende o preenchimento do requisito consignado no n.º 2 do art. 291.º do CC, ou seja, da propositura e registo da acção sobre a invalidade para além dos três anos após a conclusão do negócio. A falta de preenchimento desse requisito, ou de qualquer um dos restantes, torna o efeito geral da invalidade oponível a terceiro de boa fé. Também, por isso, é irrelevante que o registo da hipoteca tenha precedido o registo da acção de preferência, instaurada com êxito pela apelada. Nestas condições, vindo a constituição da hipoteca a tornar-se inválida, por força da procedência da acção de preferência, não pode o beneficiário daquela, ainda que de boa fé, opor-se ao efeito geral da retroactividade previsto no art. 289.º do CC, solução que vigorava, para todos os casos, no Código Civil anterior, em conformidade com a regra segundo a qual “as nulidades e anulabilidades operavam in rem e não apenas in personam” (MOTA PINTO, ibidem). Nestas condições, não relevando as conclusões da apelação, não pode o recurso obter provimento, sendo caso para se confirmar a sentença recorrida. 2.6. Agora, no tocante ao mérito da acção (invalidade da penhora), que a 1.ª instância deixou de conhecer, por efeito da declarada absolvição da instância, aplicam-se, mutatis mutandis, as regras expostas para a hipoteca, reiterando-se assim a conclusão a que antes se chegou. Por isso, também nesta parte, a acção deve ser julgada procedente. 2.7. Em face do descrito, pode extrair-se, em síntese, como mais relevante: I. Há erro na forma do processo quando inexiste adequação à pretensão jurisdicional formulada. II. Pedindo-se na acção a declaração de nulidade da penhora e da hipoteca voluntária sobre certo imóvel, por ambas terem sido constituídas sobre bem pertencente à demandante e sem qualquer obrigação para com os titulares das garantias, o processo declarativo comum revela-se adequado à pretensão jurisdicional. III. O processo da expurgação de hipotecas e da extinção de privilégios, destinado a facilitar o interesse de terceiro, adquirente de prédio onerado, sem o sacrifício do direito do credor, não se adequa à pretensão da demandante sem qualquer obrigação para com o garante. IV. O efeito normal da declaração de nulidade ou de anulação do acto ou negócio jurídico corresponde àquele que vem definido no art. 289.º do Código Civil. V. A oponibilidade à nulidade ou anulação está subordinada à verificação cumulativa dos requisitos especificados nos n.º s 1 e 2 do art. 291.º do CC. VI. A falta de preenchimento do requisito da propositura e registo da acção sobre a invalidade para além dos três anos após a conclusão do negócio torna o efeito geral da invalidade oponível a terceiro de boa fé. Neste contexto, o agravo merece obter provimento e, na sua sequência, declarar-se a acção inteiramente procedente, negando-se, por sua vez, provimento à apelação. 2.8. As partes passivas, ao ficarem vencidas por decaimento nos respectivos recursos e também na acção, são responsáveis pelo pagamento das respectivas custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC. 2.9. Antes de concluir, para decidir, permita-se, por uma questão de elementar justiça, que a todos norteia sempre, deixar registadas, designadamente, a elegância, a clareza e a concisão postas na discussão da causa, por partes dos Advogados (também do Juiz), numa manifestação clara e inequívoca de adesão aos ensinamentos publicitados pelo ilustre Advogado ANGEL OSSORIO GALLARDO, na sua magnífica e sempre actual obra A Alma da Toga (El Alma de la Toga), Coimbra Editora, 1956. III. DECISÃO Pelo exposto, decide-se: 1) Conceder provimento ao agravo, revogando-se a respectiva decisão recorrida. 2) Julgar a acção totalmente procedente, declarando-se a invalidade da penhora e determinando-se ainda o cancelamento do respectivo registo. 3) Negar provimento à apelação, confirmando-se a decisão recorrida, na parte correspondente. 4) Condenar ambos os Réus (agravado e apelante) no pagamento das respectivas custas, em ambas as instâncias. Lisboa, 6 de Dezembro de 2007 (Olindo dos Santos Geraldes) (Fátima Galante) (Ferreira Lopes) |