Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5052/2005-6
Relator: MANUEL GONÇALVES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
DANOS PATRIMONIAIS
MORTE
TRANSPORTE DE PASSAGEIROS
TRANSPORTE GRATUITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: 1- Na responsabilidade civil extra-contratual, são em princípio indemnizáveis todos os danos sofridos pelo lesado, desde que resultem da violação do direito.
2- No caso de morte, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe às pessoas indicadas no art. 496 nº 2 CC, que o adquirem directa e originariamente, independentemente de qualquer transmissão sucessória.
3- No caso de seguro obrigatório, a cobertura do seguro é alargada aos passageiros transportados gratuitamente mesmo que se encontrem ligados ao tomador do seguro por laços de parentesco.
4- A expressão «danos decorrentes de lesões materiais», constante do art. 7º nº 2 DL 522/85 contrapõe-se a «danos decorrentes de lesões corporais». «Danos decorrentes de lesões materiais» são os causados em coisas.
5-.Os danos «decorrentes de lesões corporais» não se restringem a «danos corporais», pois que destes podem resultar (e normalmente resultam) danos «patrimoniais» e danos «não patrimoniais». Nenhum destes danos, desde que «decorrentes de lesões corporais» se encontra excluído da garantia do seguro, nos termos do art. 7 nº 2 DL 522/85
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

(C), intentou acção sob a forma ordinária, contra PORTUGAL PREVIDENTE COMPANHIA DE SEGUROS SA., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 32.225.021$00.
Como fundamento da sua pretensão, alega em síntese o seguinte:
No dia 4 de Outubro de 1997, o seu veículo, de matrícula 41-...-DX, Nissan Primera, depois de sair da via, capotou, ao Km 101,000 da auto estrada Sevilha-Almeria.
O veículo era conduzido pelo filho do autor, que adormeceu repentinamente.
A responsabilidade civil encontrava-se transferida para a R. mediante apólice nº 35.309.
Do acidente resultaram lesões para (F), esposa do autor e mãe do condutor.
Resultaram ainda lesões no autor e condutor, bem como em (CO), que viajava na parte dianteira do veículo.
O autor sofreu uma dor profunda com a morte da sua esposa, devendo ser-lhe arbitrada indemnização não inferior a 2.000.000$00.
A vítima (F), sofreu dores e teve consciência de que ia morrer, causando-lhe danos não patrimoniais que se computam em 2.500.000$00.
A (F) tinha 61 anos de idade, devendo o valor da indemnização pela perda do direito à vida em 4.500.000$00.
A (F) auferia uma reforma cuja média era de 72.703$00 em 96 e 81.822$00 em 97.
Além disso trabalhava auferindo em média 172.000$00 em 1996 e 225.377$00 em 1997, mensais.
Desde a morte da esposa, o autor toma as suas refeições fora de casa e viu-se forçado a internar a sogra num Lar, despendendo por mês 31.000$00.
Em embalsamento e trasladação da vítima, despendeu 1.713.810$00.
Em consequência do acidente o autor sofreu lesões corporais, tendo estado internado.
Após o acidente teve de deixar de trabalhar, auferindo antes, em média, o vencimento mensal de 450.000$00.
O A. nasceu em 28.02.1933 e ficou com sequelas que lhe determinaram um IPP de 6,85%, tendo direito a 3.000.000$00 de lucros cessantes.
Teve despesas médicas, e com consultas.
O A. pagou a estadia da (C) em Espanha, no valor de 11.603$00.
Para tratar do acidente um cunhado do autor teve que se deslocar a Espanha, tendo este pago 15.475$00 pela estadia.
Também um outro filho se teve que deslocar a Espanha, no que o A. gastou 15.877$00 em estadia.
Em alimentação, no período em que permaneceu em Espanha, gastou 35.786$00.
No aluguer de um veículo, despendeu 3.856$00.
Em chamadas telefónicas feitas durante a permanência em Espanha despendeu 4.507$00 e por chamadas recebidas pagou 45.220$00.
Também o filho do autor teve que se manter em Espanha entre 9 e 21 de Outubro, tendo gasto em chamadas pagas pelo autor a quantia global de 59.482$00.

Contestou a R. (fol. 155), dizendo em síntese o seguinte:
O autor não tem direito a ser ressarcido das lesões que sofreu, e das lesões materiais que para si eventualmente tenham resultado do óbito do seu cônjuge, dado ser o titular da apólice, como resulta do nº 2 do art. 7 DL 522/85 de 31 de Dezembro.
Respondeu o autor (fol. 164).
Realizou- uma audiência preliminar (fol. 247) em que não se tendo obtido a conciliação das partes se seleccionou a matéria assente e a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento (fol. 316 e segs), após o que foi proferida decisão da matéria de facto (fol. 320).
Foi proferida sentença (fol. 322 e segs.) que julgou parcialmente procedente a acção e condenou a R. Seguradora a pagar ao autor a quantia de 25.702.254$00.
Inconformada recorreu a R. (fol. 339), recurso que foi admitido como apelação e efeito devolutivo.

Nas alegações que ofereceu, formulou a apelante, as seguintes conclusões:
a) Como resulta das alíneas d) e g) da matéria de facto assente, o A., ora recorrido era, à data do evento, o tomador do seguro e titular da apólice que garantia os riscos de circulação do veículo «DX» e, como os autos patenteiam, em consequência do acidente de viação ocorrido, o A. sofreu ferimentos e o seu cônjuge (F) faleceu.
b) Assim, os danos ressarcíveis estão limitados pelo disposto no nº 2 e suas alíneas a) e d) e pelo nº 3, ambos do art. 7º do DL 522/85 de 31 de Dezembro.
c) Dado que o evento se ficou a dever a culpa do condutor(L), filho do A., (alínea h) dos factos assentes) os danos não patrimoniais são, por força do disposto no nº 3 do art. 7º do DL 522/85, ressarcíveis e os montantes fixados na douta decisão recorrida estão em consonância com os padrões usuais da jurisprudência pelo que o ora apelante expressamente os aceita.
d) Para determinação dos danos patrimoniais efectivamente ressarcíveis importa ter em consideração o disposto no nº 2 e sua s alíneas a) e l) do citado DL nº 522/85 por um lado, e por outro lado, ver se se adequam à prova produzida.
e) O nº 2 e sua alínea a) do art. 7º do DL 522/85 excluem da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causadas ao titular da apólice.
f) Tal preceito deve ser interpretado, tal como se deixou expresso nas alegações, no sentido de que são excluídos os danos em coisas, são ressarcíveis os danos corporais e eventuais perdas patrimoniais a eles inerentes sofridas pelas próprias pessoas afectadas na sua integridade física (o «paciente» para usar a feliz expressão do Ac da Relação do Porto de 27.01.92 CJ 1992, IV, 262) mas não são ressarcíveis danos patrimoniais sofridos por terceiros ainda que, relacionados com os sofridos pela vítima.
g) Sendo assim, tem o A., (C) direito a ser indemnizado pelo que despendeu em despesas médicas e medicamentosas que vêm elencadas nos art. 22º, 23º, 24º, 25º, 32º (excepto no que se refere a óculos) e 33º no montante global de 217.731$00.
h) No que concerne às perdas salariais constata-se que o A., auferiu, no ano de 1996, 4.202.113$00 de comissões (quesito 27º) e que esteve sem trabalhar entre a data do acidente (04.10.1997) e o dia 1 de Fevereiro de 1998, ou seja, 4 meses, pelo que as suas perdas salariais foram de 350.000$00 mensais (por arredondamento) durante quatro meses.
i) Assim o prejuízo do autor foi, quanto às referidas perdas salariais de 1.400.000$00, pelo que deverá ser este o montante fixado e não o atribuído na douta decisão recorrida, que foi de 1.800.000$00.
j) Não o entendendo assim, a decisão ora sob recurso violou o disposto nos art. 483, 562 e 564 CC.
k) Mas, dado o disposto no nº 2 do DL 522/85, não tem o A., direito a ser reembolsado das despesas apuradas na alínea l) dos factos assentes e nos quesitos 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º da base instrutória, por o primeiro se reportar a despesas com o funeral, o segundo a reboque (logo dano de coisa), o terceiro a despesas de alguém que detinha acção directa contra a seguradora e os demais se reportam a despesas efectuadas por terceiro, que se integram em lesões materiais ou danos relacionados com a morte da vítima mas não sofridos por esta.
l) Assim, ao condenar a R., ora recorrente, a satisfazer tais despesas a douta decisão recorrida violou o disposto no nº 2 e suas alíneas a) e d) do art. 7º do DL 522/85.
m) Peticionou o A. 16.000.000$00 com o dano patrimonial para si resultante da morte de sua mulher (F) mas tal dano não é ressarcível face ao disposto no nº 2 e sua alínea d) do citado art. 7º do DL 522/85 por se tratar de alegada perda patrimonial de terceiro e não da própria vítima, pelo que ao concedê-lo violou a douta sentença ora sob recurso a disposição legal atrás referida.
n) Mas, ainda que assim não se entendesse, nunca o A., terá direito a ser indemnizado por tal montante porquanto a sua pretensão assentava no que alegara no art. 47º da petição e fora levado ao art. 13 da base instrutória, ou seja, que beneficiava também economicamente dos rendimentos da vítima o que lhe permitia sair para passear dentro e fora do país com grande facilidade, matéria esta que o recorrido não logrou provar e, ainda que a tivesse logrado não tem cobertura legal pois os factos em causa não traduzem o conceito de alimentos.
o) Não o entendendo assim, e fixado em 16.000.000$00 a indemnização a arbitrar ao A., com o perda patrimonial emergente da morte do seu cônjuge a douta decisão recorrida violou, também, o disposto no nº 3 do art. 495 e o art. 564 CC:
p) Sem conceber, mesmo a admitir-se que o dano em causa seria ressarcível tem de considerar-se, dado o desafogo material do A., como excessivo o referido valor de 16.000.000$00, devendo, em equidade, tal indemnização ser fixada em 5.000.000$00.
q) Por isso, sempre se constataria a violação do disposto nos já citados art. 495 nº 3 e 564 CC.
r) Deve alterar-se a douta decisão recorrida por forma a que a R., seja apenas condenada nas verbas já fixadas em 1ª instância para ressarcimento dos danos não patrimoniais, acrescidos do montante de 1.617.731$00 ou 8.069,21 euros, a título de danos patrimoniais e respectivos juros legais.

Contra-alegou o apelado (fol. 371), sustentando a manutenção da decisão recorrida.

Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS.
Na sentença sob recurso, considerou-se assente o seguinte factualismo:
1- No dia 4 de Outubro de 1997, quando o A., vindo de Espinho se dirigia para Torremolinos, em férias, e pelas 15 horas e quarenta e cinco minutos, o seu veículo depois de sair da via pela margem esquerda, capotou e volteando sobre si, embateu no solo acabando por se deter já na faixa de rodagem contrária (A).
2- O acidente ocorreu ao Km. 101,000 da auto-estrada Sevilha Almeria, por Granada, a A-92, no término municipal de Estepa, Sevilha (B).
3- No momento do acidente o veículo DX era conduzido pelo filho do A.,Luís (C).
4- O A. havia transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de viação para a seguradora R., através da apólice 35.309. (D).
5- O condutor, nos momentos que precederam o acidente adormeceu repentinamente e mercê disso, perdeu o controlo do veículo, provocando o acidente (E).
6- Pelos factos ocorridos e descritos, foi instaurado o competente procedimento criminal em processo que correu termos pelo julgado de 1ªinstância e instrução de Estepa, em Espanha, o qual foi arquivado por falta de queixa do lesado (F).
7- O A., é possuidor do veículo interveniente no acidente e havia transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidente de viação para a Seguradora Portugal Previdente, a R., por contrato válido e subsistente titulado pela apólice nº 10035309/50 (G).
8- O acidente ficou a dever-se ao comportamento do condutor Luís que conduzia com desatenção e por via disso, não pode controlar o veículo a manter o carro na sua faixa de rodagem, antes tendo saído da mesma e invadido a faixa da auto-estrada no sentido de Sevilha (H).
9- O Luís conduzia com desatenção por estar com sono e sem condições físicas adequadas a manter os sentidos alerta (I).
10- O DX despistou-se, elevou-se no ar 2 ou 3 metros, capotou mais do que uma vez, ao cair embateu num muro já na faixa de rodagem contrária, invadindo-a e veio a imobilizar-se depois de se ter arrastado ao longo das duas pistas dessa mesma faixa. (J).
11- Isto aconteceu mercê da velocidade que vinha animado o veículo DX e do facto do seu condutor que o impediu de controlar o veículo por forma a mantê-lo dentro da sua faixa de rodagem (K).
12- Mercê do acidente e posterior falecimento a vítima (F) teve de ser embalsamada e transladada para Espinho, o que demandou serviços prestados pela Agência Funerária Nª Sª d´Ajuda de Espinho e que orçaram a importância de 1.713.810$00 (L).
13- O A., nasceu em 28.02.1933 (M).
14- A morte de (F) que causou ao A., seu marido grande dor e consternação, porquanto se encontravam juntos havia mais de 30 anos e nutriam grande afecto recíproco. (1).
15- A vítima, sua mulher conjuntamente com o A., dedicavam-se a várias causas de natureza social desenvolvidas na cidade onde residiam, em Espinho, sempre em colaboração de esforços (2).
16- A mulher do A., era pessoa generosa e muito estimada na comunidade onde vivia (3).
17- O A. casou em segundas núpcias com a (F) e mercê de afecto que os anos fez crescer (4).
18- O A. sofreu um desgosto profundo e a memória que dela permanece viva em instituições e em actividades sociais faz com que tal desgosto ainda hoje perdure. (5).
19- A (F) não sofreu morte imediata, manteve-se viva, consciente, embora imobilizada, tendo manifestado sinais de dor e de tristeza (6).
20- A (F) sofreu dores físicas (7).
21- A vítima trabalhava, acumulando, mercê de contrato de prestação de serviços celebrado com a «Casa Inglésias – Comércio de Confecções Lda», na Rua 19, 188 em Espinho e ainda com «Daniel Rodrigues Iglésias, Filhos & C. Ld» com sede na Rua 19, 254 em Espinho, desempenhava em ambas serviços comerciais (8).
22- Aí e em contrapartida dos seus serviços a falecida(F), auferiu durante 3 meses do ano de 1996 na Casa Iglésias a quantia de 300.000$00, sendo que no ano de 1997 auferiu de Janeiro a Setembro a quantia de 744.000$00. (9).
23- A (F) no ano de 1997, trabalhou ainda na oura sociedade Daniel Iglésias acima referida onde auferiu 548.000$00 (10).
24- A (F)auferia mensalmente o rendimento de 172.000$00 em 1996 e em 1997 de 223.377$00 (11).
25- A (F) era uma pessoa saudável, com boa presença, muito conhecida, com óptimas relações e também boa vendedora e muito trabalhadora, pelo que, continuaria a trabalhar naquelas casas pelos nove anos seguintes pelo menos (12).
26- Mercê da perda da (F) o A. viu-se privado do trabalho doméstico que ela também executava o que leva, desde então, a tomar as refeições fora de casa (14).
27- O A. viu-se forçado a internar a sogra, mãe da (F) num lar, visto que não é capaz de a tratar diariamente como necessitava, dado que a Senhora D. Angelina vivia com o casal, estava a acamada e carece de cuidados diários de higiene, tratamento e alimentação (15).
28- Foi por isso internada pelo A., no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Espinho, - 31.000$00 por mês de estadia. (16).
29- O A., em consequência directa e imediata do acidente, sofreu as seguintes lesões corporais: Factura da clavícula direita; fractura da 7ª e 8ª costelas à direita; fractura e colles à direita; entorse – distensão cervical (17).
30- O A. esteve internado no Hospital de Osuna, em Sevilha e depois esteve internado no Hospital de Espinho, entre 6 e 13 de Outubro de 1997, onde foi submetido ao tratamento com ortótese cervical, cruzado posterior e aparelho gessado (21).
31- Posteriormente passou a ser orientado por Medicina Física de Reabilitação tendo tido sessões em número de 58 na Clínica Médica Deangeli entre Janeiro de 1998 até Agosto, sendo 9 em Janeiro, 13 em Fevereiro, 9 em Março, 5 em Abril, 8 em Maio, 8 em Junho, 5 em Julho e 1 em Agosto, ao preço de 4.000$00 ou 5.000$00. (22).
32- Em Outubro e Novembro de 1999, o A., foi tratado em casa por técnicos preparados ao serviço do Centro Social de Félix da Marinha, que vinham prestar-lhe cuidados de higiene e tratamento duas vezes por dia, uma vez que se encontrava incapaz de o fazer pelos seus próprios meios o que lhe custou 20.000$00 por cada mês (23).
33- O A., mercê do choque ficou com dois dentes partidos pelo que esteve a submeter-se a tratamentos estomatológicos entre Janeiro e Fevereiro de 1998, que lhe custaram 45.000$00. (24).
34- O A. teve de pagar a quantia de 87.220$00 aos Bombeiros de Espinho pelo seu transporte em ambulância entre Sevilha e o hospital de Espinho (25).
35- O A., já na situação de reformado desde 20.01.95, exercia as funções de vendedor de produtos da «Sociedade Transformadora de Papeis Vouga Lda» e «Micropack – Fábrica de Embalagens Lda» recebendo em contrapartida do seu trabalho, comissões (26).
36- No ano de 1996 foram-lhe creditadas comissões no valor de 4.202.113$00 e recebeu de pensões a quantia anual de 1.220.100$00 a até à data do acidente recebeu em 1997, de comissões a quantia de 4.022.970$00 e de pensões a quantia de 872.630$00 (27).
37- Após o acidente o A. deixou de trabalhar mercê do seu estado físico até um de Fevereiro de 1998, altura em que recomeçou a sua actividade de comissionista (28).
38- O A., no exercício da sua actividade de comissionista tem de fazer contínuas viagens a visitar clientes e só pôde retomar esse trabalho em Fevereiro, visto que tinha o braço engessado e tinha ainda muitas dores o que de todo o impossibilitou de conduzir (29).
39- Mercê disso deixou de fazer vendas que não mais recuperou tendo os clientes obtido os produtos através de outros fornecedores. (30)
40- Em consequência directa e necessária do acidente o A. ficou com as sequelas seguintes: Atrofia dos músculos do braço; Rigidez na flexão do punho direito; limitação de pronação; limitação conjugada da mobilidade onto-cotovelo, causas que lhe determinaram um IPP de 6,85% (31).
41- O A., mercê do acidente, fez as seguintes despesas: Com uns óculos que partiu, a quantia de 28.450$00; com um RX feito na policlínica em 27.10.97, a quantia de 1.900$00; com um colete comprado na mesma policlínica, a quantia de 5.800$00; uma consulta na policlínica e ecografia em 09.02.98, o valor de 8.000$00 (32).
42- O A., gastou ainda em medicamentos para seu tratamento e por causa dos seus padecimentos, o seguinte: Na farmácia Conceição em 26.10.97, 607$00; na farmácia Paiva, em 25.11, 28.11 e 30,12 de 1997, respectivamente 23.998$00, 1.486$00 e 3.720$00 (33).
43- O A. despendeu com o reboque do seu veículo interveniente no acidente a quantia de 31.224$00. (34)
44- Por causa do acidente, a ocupante (C) pernoitou em Osuna de 4/5 de 5/6 de Outubro de 1997, no Hostal El Molino», tendo o A. pago a respectiva factura no valor de 9.630 pesetas (35).
45- Por causa do acidente, teve que se deslocar a Espanha, Osuna (Sevilha) para acompanhar os sinistrados e tratar da restante burocracia, um cunhado do A., a pedido deste, Sr. (JA), que pernoitou no hotel «El Molino», tendo o A. pago as respectivas facturas no valor de 3.475 pesetas e 9.735 pesetas (36).
46- Também por causa do acidente se deslocou a Espanha, Osuna, o outro filho do A., para auxílio de seu pai,(C), tendo pernoitado 6 noites de 7/10/97 a 13/10/97 no Hotel Pasarela» em Sevilha, e tendo despendido a quantia de 13.177 pesetas (37).
47- E em alimentação, no período que permaneceu em Espanha por causa do acidente, em apoio do pai, à burocracia que precedeu o transporte fúnebre da falecida (F), e em apoio ao irmão Luís ainda hospitalizado e gravemente ferido, em como, o mesmo(C), no Restaurante Hnos. Milan SL, em Sevilha, pelo período de 7/10 a 12/10, gastou uma despesa paga pelo A., no valor de 29.700 pesetas (38).
48- Para deslocação de Osuna a Estepan o A. alugou um carro a «Manuel Mora Fernandez, tendo feito a despesa de 3.200 pesetas (39).
49- Também em consequência do acidente aquele(C), a pedido do A., seu pai, e estando deslocado em Espanha, fez telefonemas para familiares informando-os do acidente, do falecimento da (F), do seu transporte fúnebre, do estado de saúde do A., e do estado de saúde de Luís, recebendo também chamadas, todas elas processadas através de telemóvel Telecel 0931-784707, pelo que entre 5/10 e 6/10 foi paga pelo A., a quantia de 4.507$00 por chamadas realizadas e por chamadas recebidas, as quais também são pagas em parte pelo destinatário, quando no estrangeiro, pagou o A. a quantia de 45.220$00. (40)
50- Ainda por aqueles motivos, o filho do A., manteve-se em Espanha entre 9 e 21 de Outubro, tendo realizado chamadas no valor de 39.392$00 e recebido chamadas no valor de 20.090$00, valores esses que foram pagos pelo A. (41).

O DIREITO.
O âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do recorrente, art. 660 nº 2, 684 nº 3 e 690 CPC. Assim, só das questões postas nessas conclusões há que conhecer.
Atento o teor das conclusões formuladas, e uma vez que o apelante não questiona o dever de indemnizar que sobre si recai, a questão de que deverá conhecer-se tem a ver com a delimitação dos «danos indemnizáveis» e seu «valor».
Em causa está responsabilidade civil extra-contratual. Em tese geral, são indemnizáveis todos os danos, sofridos pelo lesado, desde que resultantes da violação do direito, sejam patrimoniais ou não patrimoniais (art. 483, 562, 564, 495 e 496 CC).
No caso de morte, dispõe o art. 496 nº 2 CC, que «o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado... aos filhos e outros descendentes. O nº 3 do referido preceito, dispõe que nesse caso (morte) «podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização...»
Danos «não patrimoniais» (há quem prefira denominá-los de danos «morais»), são os «prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir, nem frustrando o seu acréscimo» (Galvão Teles – Dir. Obrigações, 2ª edc. pag. 366).
Como danos «não patrimoniais» ocorridos por morte de alguém, costuma referir-se os seguintes: a) Os sofridos pela vítima (dores físicas e morais; b) Os sofridos pelas pessoas indicadas no art. 496 nº 2 CC; c) O dano morte, consubstanciado na perda do direito à vida.
Quanto a estes (danos «não patrimoniais» sofrido pelo de cujus), nomeadamente como surgem na esfera jurídica do seu titular, tem-se dividido a jurisprudência e doutrina. Para uns, tais direitos integram-se na esfera jurídica do «de cujus» e transmitem-se por sucessão aos seus herdeiros. Para outros, são adquiridos directa e originariamente pelas pessoas referidas no art. 196 nº 2 CC, independentemente de qualquer transmissão sucessória.
Esta última tese é defendida nomeadamente por Antunes Varela (Dir. Das Obrigações Vol. I, 10ª edc, pag. 615 e segs; Capelo de Sousa (Lições de Direito das Sucessões, Vol. I, 3ª edc, pag. 298 e segs; Pires de Lima e A. Varela CC. Anotado, Vol. I. 4ª edc. Pag. 500; Antunes Varela RLJ 123º - 191/192. Os argumentos expendidos, pelos defensores desta tese, merecem a nossa concordância, pelos motivos assinalados por Antunes Varela, (RLJ 123º), de que se cita (citação extraída do Ac STJ de 07.10.2003, Relator Afonso Correia, consultável na internet):
«Quem acompanhar atentamente os trabalhos preparatórios do Código Civil, sem nenhuma ideia preconcebida afivelada à cabeça, não poderá deixar de reconhecer que entre a tese da indemnização nascida no património da vítima e transmitida por via sucessória a alguns dos seus herdeiros e a concepção da indemnização como direito próprio, originário, directamente atribuído ao cônjuge... à margem do fenómeno sucessório da herança da vítima, a lei adoptou deliberadamente a segunda posição.
No art. 759 do Anteprojecto geral de Vaz Serra... ao regular-se a questão da «satisfação do dano não patrimonial» e depois de no nº 2 dessa disposição se atribuir aos parentes, afins ou cônjuge da pessoa morta por culpa de outrem uma satisfação ... pelo dano não patrimonial que o facto lhes tivesse causado, prescrevia-se no nº 4 relativamente aos danos não patrimoniais causados ao próprio lesado, o seguinte: «O direito de satisfação por danos não patrimoniais causados à vítima transmite-se aos herdeiros desta, mesmo que o facto lesivo tenha causado a sua morte e esta tenha sido instantânea». (...) Na 1ª Revisão ministerial dos diversos anteprojectos (...) o art. 476 (do livro das Obrigações) continuava ainda a distingir nos nº 2 e 3 entre os danos não patrimoniais causados à vítima da lesão e os danos não patrimoniais sofridos pelos familiares da vítima. E quanto aos primeiros o texto da disposição mantinha de igual modo, com suficiente clareza, a tese transmitida pelo Anteprojecto de Vaz Serra. «O direito de satisfação por danos não patrimoniais causados à vítima, dizia efectivamente o nº 2 desse artigo (476), transmite-se aos herdeiros desta, ainda que o facto lesivo tenha causado a morte imediata», numa clara aceitação da tese da aquisição derivada do direito à indemnização, por via hereditária, mesmo o caso de morte instantânea.
Porém, na 2ª Revisão ministerial, na qual todas as normas seleccionadas pela 1ª Revisão foram como que passadas a pente fino, com vista ao aperfeiçoamento substancial das soluções e à uniformização de critérios própria de toda a legislação codificada, a posição da Lei perante a indemnização da morte da vítima sofreu uma alteração radical.
No art. 498 saído dessa revisão (correspondente ao art. 496 da versão definitiva do Código) deixa de falar-se na transmissão do direito à indemnização (pelo dano morte), não se alude mais à hipótese da morte instantânea e não se chamam sequer os herdeiros a recolher a indemnização colada à herança da vítima.
Tal como na versão final do nº 2 do art. 496 do Código, passou antes a dizer-se que, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos....
Com esta eliminação da referência à transmissão do direito à indemnização, com a substituição dos herdeiros, na titularidade da indemnização, pelo cônjuge e familiares... à margem da sucessão legítima, em termos diferentes da ordem mais normal da vocação sucessória, o legislador quis manifestamente chamar estas pessoas por direito próprio, a receberem, como titulares originários do direito, a indemnização dos danos não patrimoniais, causados à vítima da lesão mortal – e que a esta competiria se viva fosse. E é confrangedor verificar que ainda hoje há julgadores – e julgadores qualificados - que interpretam a aplicam o disposto no nº 2 do art. 496 CC, como se o preceito legal não tivesse história ou o intérprete desdenhosamente fizesse gala de a ignorar ou como se o texto da versão definitiva da disposição coincidisse integralmente com a redacção das normas correspondentes, quer do Anteprojecto de Vaz Serra, quer da 1ª Revisão ministerial».
Em reforço da referida tese, refere-se no acórdão citado que «se este testemunho não fosse bastante, diríamos ainda que o cônjuge aparece aqui como beneficiário da indemnização, ao lado dos filhos ou outros descendentes, quando só com a reforma de 1977, dez anos depois da vigência deste nº 2 do art. 496, ele passou a ser herdeiro».
Do que fica referido resulta que relativamente a «danos não patrimoniais», tais como o «dano morte» são adquiridos originariamente pelas pessoas referidas no nº 2 do art. 496 CC e não por via sucessória.
No caso presente, os danos resultaram de acidente de viação, situação em que é obrigatório o seguro de responsabilidade civil automóvel. Há pois que atender também às normas vigentes neste domínio. É no caso presente demandada a «Seguradora» (apelante).
O seguro obrigatório, foi instituído entre nós com o DL 408/79 de 25 de Setembro. O referido diploma veio a ser revogado pelo DL 522/85 de 31 de Dezembro (depois alterado pelo DL 130/94 de 19 de Maio). Refere-se no preâmbulo deste (DL 522/85) que «a institucionalização do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, revelou-se uma medida de alcance social, inquestionável que, com o decurso do tempo, apenas impõe reforçar e aperfeiçoar... ». Mais se refere que «a adesão de Portugal à Comunidade Europeia obriga a tomada de medidas necessárias ao cumprimento dos princípios contidos na 2ª Directiva do Conselho de 30 de Dezembro de 1983 (84/5/CEE).
Assim, a cobertura do seguro obrigatório automóvel deverá ser desde já, alargada aos passageiros transportados gratuitamente, mesmo que se encontrem ligados ao tomador do seguro ou ao condutor por laços de parentesco».
Entre os considerandos da Directiva da CEE, lê-se: «... é conveniente conceder aos membros da família do tomador do seguro, do condutor ou ... uma protecção comparável à de outros terceiros vítimas, pelo menos no que respeita aos danos corporais».
No art. 1 nº 1 da Directiva (84/5), dispõe-se: «O seguro referido no nº 1 do art. 3º da Directiva 72/166/CEE, deve obrigatoriamente , cobrir os danos materiais e os danos corporais». No art. 3º dispõe-se: «Os membros da família do tomador do seguro, do condutor ou de qualquer outra pessoa cuja responsabilidade civil decorrente de um sinistro se encontre coberta pelo seguro mencionado no nº 1 do art. 1º, não podem, por força desse parentesco, ser excluídos da garantia do seguro, relativamente aos danos corporais sofridos». Por sua vez, dispõe-se no art. 5º que «os Estados membros alterarão as suas disposições nacionais para darem cumprimento à presente Directiva, o mais tardar até 31 de Dezembro de 1987».
Foi no seguimento desta Directiva que foi publicado o DL 522/85 já mencionado. Na sua actual redacção (a mesma que se encontrava em vigor à data do acidente), dispõe-se no seu art. 7º o seguinte: Nº 1 «Excluem-se da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro». Nº2 «Excluem-se também da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados às seguintes pessoas : a) Condutor do veículo e titular da apólice; b) Todos aqueles cuja responsabilidade é, nos termos do nº 1 do art. 8º, garantida, nomeadamente em consequência da compropriedade do veículo seguro; ... d) Cônjuge, ascendentes, descendentes ou adoptados das pessoas referidas nas alíneas a) e b)....
No nº 3 do referido preceito (art. 7º) dispõe-se que «No caso de falecimento, em consequência do acidente, de qualquer das pessoas referidas nas alíneas d) e f) do número anterior, é excluída qualquer indemnização ao responsável culposo do acidente por danos não patrimoniais.
No caso presente, o A. (apelado) é marido da vítima, que seguia no veículo sinistrado, sendo também o tomador do seguro, mas não o condutor. Assim, a garantia do seguro será excluída relativamente aos «danos decorrentes de lesões materiais».
Em tese geral, a exclusão do «tomador do seguro» é natural, atenta a natureza do contrato em causa. Como se refere no Ac STJ de 18.03.97 CJ 97, I, 163) «O seguro de responsabilidade civil automóvel tem natureza pessoal, porquanto o que se segura é a responsabilidade pessoal de todo aquele que possa ser chamado a responder pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões provocadas a terceiros por um veículo terrestre a motor».
A propósito refere Leite de Campos (Seguro de responsabilidade Civil Fundada em Acidentes de Viação. Pag. 70) «como expressamente ressalta dos art. 1º, 5º e 8º, a mesma pessoa não pode figurar, simultaneamente, como beneficiário da garantia do seguro e como beneficiário da indemnização (ou seja, como terceiro, com direito ao recebimento da indemnização por cujo pagamento seria originariamente responsável)».
É uniforme o entendimento da jurisprudência, quanto ao significado do expressão «danos decorrentes de lesões materiais», entendendo-se (esse entendimento tem também a ver com a razão de ser da publicação do DL 522/85, já referida) que a mesma expressão se contrapõe a «danos decorrentes de lesões corporais». (Neste sentido, veja-se: Ac TRP de 04.07.90, CJ 90, IV, 239; Ac TRP de 27.10.92, CJ 92, IV, 262; Ac STJ de 30.10.2001, Relator Lopes Pinto – consultável na internet; Ac STJ de 21.10.2003, Relator Moreira Alves, consultável na internet). Assim, «danos decorrentes de lesões materiais», serão os danos causados em coisas.
Por outro lado, «danos decorrentes de lesões corporais», não se restringem a «danos corporais» ou «danos de natureza não patrimonial», pois que das lesões corporais (morte ou lesão de uma pessoa) podem resultar (e normalmente resultam) danos «patrimoniais» e danos «não patrimoniais». Nenhum destes danos, desde que «decorrentes de lesões corporais», se encontra excluído da garantia do seguro, nos termos do art. 7 nº 2 DL 522/85.
Entende a apelante (para o efeito, cita o Ac do TRP de 27.01.92 CJ 92, IV, 262), que os danos não excluídos, apenas serão ressarcíveis às pessoas «afectadas na sua integridade física – o paciente», não sendo ressarcíveis os danos patrimoniais sofridos por terceiros, ainda que relacionados com os sofridos pela vítima.
Como se refere no Ac do STJ de 30.10.2001 (Relator Lopes Pinto – já citado) «Distingue a lei entre lesões corporais e lesões materiais, isto é, entre morte e lesão de uma pessoa e danos causados em coisas. Da garantia do seguro não foram excluídos os danos (patrimoniais e não patrimoniais) resultantes de lesões corporais (...) Todavia, além de se tratar de danos resultantes de lesão pessoal, sucede que a lei não excluiu a morte da pessoa – a situação do invocado Ac da Relação do Porto de 92.10.27 (CJ XVII/4/263), e em função da qual ali se decidiu não era de falecimento da pessoa, mas apenas de lesões na integridade física da pessoa que sofreu o acidente (a concreta decisão tinha como destinatária uma demandante que contribuíra para o tratamento ou assistência da vítima, seu filho e também demandante). Com isto não se está a reconhecer a terceiros (familiares da falecida) direitos que a falecida, se apenas atingida na sua integridade física, não teria – gozaria do direito a ser indemnizada por lucros cessantes se a lesão impossibilitasse para o trabalho... Como se disse, a garantia do seguro abrange os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de lesões corporais seja o bem jurídico atingido a vida seja a integridade física».
Não merece pois acolhimento o entendimento expresso pela apelante nas suas conclusões referidas em f).

Temos pois que, atento o disposto no art. 7º nº 2 a) e d) e nº 3 DL 522/85, ao apelado assiste o direito a ser indemnizado pelos danos «decorrentes de lesões corporais», (sejam patrimoniais ou não patrimoniais) e não dos danos «decorrentes de lesões materiais» ou seja, danos «provocados em coisas».
Na sentença sob recurso, condenou-se a apelante no pagamento da quantia global de 25.702.254$00 (128.202,30 euros).
Esse valor global corresponde à soma de:
a) 2.000.000$00 corresponde ao dano relativo ao desgosto que o apelado sofreu com a perda da esposa (quesitos 1º, 2, 3º e 4º);
b) 2.500.000$00 relativo à indemnização pelo dano «morte» (quesitos 6º e 7º - na sentença, por manifesto lapso, refere-se que «os quesitos 33º e 34º se enquadram também aos danos não patrimoniais», pois que tais quesitos se reportam a despesas com medicamentos (33) e despesas com reboque (34). A referência que se pretendia fazer, será talvez aos artigos da petição inicial (33 e 34) que têm a ver com a morte da esposa do apelado e dores sofridas);
c) 16.000.000$00 correspondente (segundo se refere na sentença) a 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º e 45º. A referência reportar-se-á, certamente aos artigos da petição inicial, uma vez que só foram formulados 41 quesitos e a matéria constate dos assinalados de 39 a 41, nada tem a ver com lucros cessantes (reportam-se a aluguer de veículo e chamadas telefónicas). Segundo se refere na sentença, teve-se em atenção para sua fixação o «tempo provável de vida da vítima, de forma a apresentar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, até final do período»;
d) 1.800.000$00 correspondente a lucros cessantes, a título de salários não auferidos pelo autor, matéria, segundo se refere na sentença contida nos quesitos 26º, 27º, 28º, 29º e 30º;
e) 402.254$00 relativo a danos patrimoniais. Segundo se refere na sentença tais danos resultarão da matéria constante dos quesitos 15º, 16º, 23º, 25º, 32º (com exclusão do valor dos óculos, de 28.450$00), 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º;
f) 3.000.000$00, relativo a danos não patrimoniais, matéria, que se refere como resultante dos quesitos 17º, 21º, 22º, 24º e 35º.
Nas suas alegações refere o apelante que « o A. tem direito a ser indemnizado quer pelos danos não patrimoniais emergentes do óbito de sua mulher, quer pelos seus próprios danos morais. Por outro lado a douta decisão recorrida fixou montantes que, na perspectiva da recorrente, são adequados ao ressarcimento destes mesmos danos pelo que se conforma com tais montantes». Assim, não se questiona a sentença, na parte em que condenou a apelante, no pagamento dos montantes supra referidos em a), b) e f), respectivamente 2.000.000$00, 2.500.000$00 e 3.000.000$00.

Relativamente à indemnização mencionada em c) (16.000.000$00), alega a apelante que à mesma não tem direito o apelado, por se tratar de perda patrimonial de terceiro ou por não ter logrado provar que beneficiava economicamente dos rendimentos da vítima.
Refere-se na sentença que em causa estão «lucros cessantes». A ressarcibilidade dos lucros cessantes, encontra-se prevista no art. 564 nº 1 CC. Como refere Pires de Lima e A. Varela (CC Anotado Vol. I, pag. 504), «os lucros cessantes correspondem aos ganhos que se frustraram, aos prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património».
No nº 2 do referido preceito, dispõe-se que na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis. Também como se refere no CC Anotado de Pires de Lima e A. Varela (vol. I, pag. 504) estes danos podem representar danos emergentes ou lucros cessantes.
Pelo que anteriormente se referiu (quando se analisou os danos cobertos pela garantia do seguro), é de rejeitar o primeiro argumento da apelante, na medida em que a verificar-se tal dano, era será resultante da morte do cônjuge do apelado.
Já o segundo argumento merece acolhimento. Com efeito, para que se verifique o direito à indemnização, é necessário em primeiro lugar que o seu titular alegue e prove que se trata de «ganho frustrado», em consequência do facto ilícito. Sendo dano futuro é ainda necessário que o mesmo seja previsível. O simples facto da «morte» do cônjuge, não confere ao sobrevivo o direito a indemnização pela cessação da actividade profissional remunerada do falecido. É necessário que o sobrevivo alegue e prove que em consequência da «morte», o seu património também, foi afectado, por de futuro deixar e auferir vantagem patrimonial, de que gozava. Com efeito, como refere Antunes Varela (Das Obrigações em Geral Vol. I, 10ª edc. pag 598) «o dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto...».
No caso presente, tanto o apelado como a sua esposa, falecida, exerciam uma actividade profissional. Alegou o apelado (art. 47, vertido no quesito 13º) «que beneficiava também economicamente dos rendimentos da vítima, pois que deles retirava um melhor nível de vida que lhes permitia sair para passear dentro e fora do país com grande facilidade». Tal quesito mereceu resposta de «Não Provado».
Não tendo logrado o apelado demonstrar que beneficiava economicamente dos rendimentos da vítima, não pode concluir-se que em consequência da morte da mesma (neste aspecto) sofreu qualquer dano. Ora um dos requisitos da responsabilidade civil é a verificação de um «dano», devendo este (Pessoa Jorge – Lições de Direito das Obrigações, pag. 580) revestir as características de «alienidade, certeza, mínimo de gravidade e nexo de causalidade». Referindo-se à «certeza», diz o mencionado mestre. «Só este pode ser reparado; não poderá sê-lo o mero prejuízo possível ou eventual, de verificação incerta».
O recurso merece nesta parte provimento.

Relativamente à indemnização mencionada (supra) em d), (1.800.000$00 correspondente a lucros cessantes por perda de salários), pretende a apelante que esse montante seja fixado em 1.400.000$00.
Para o efeito refere que se deverá atender ao rendimento auferido no ano anterior e que não poderá ser considerado o valor da pensão que ao tempo auferia, por ter continuado a recebê-la.
Em causa estão verdadeiros «lucros cessantes». A matéria de facto que se teve em atenção, na sentença recorrida é a constante dos quesitos (respostas) 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, ou seja:
O A. já na situação de reformado desde 20.01.95, exercia as funções de vendedor de produtos da Sociedade Transformadora de Papeis Vouga Lda e Micropack – Fábrica de Embalagens Lda, recebendo em contrapartida do seu trabalho comissões (26);
No ano de 1996, foram-lhe creditadas comissões no valor de 4.202.113$00 e recebeu de pensões a quantia anual de 1.220.100$00 e até à data do acidente recebeu em 1997, de comissões a quantia de 4.022.970$00 e de pensões a quantia de 872.630$00 (27);
Após o acidente o A. deixou de trabalhar mercê do seu estado físico até um de Fevereiro de 1998, altura em que recomeçou a sua actividade de comissionista (28);
O A. no exercício da sua actividade de comissionista tem de fazer contínuas viagens a visitar clientes e só pôde retomar esse trabalho em Fevereiro, visto que tinha o braço engessado e tinha ainda muitas dores o que de todo o impossibilitou de conduzir (29;
Mercê disso deixou de fazer vendas que não mais recuperou tendo os clientes obtido os produtos através de outros fornecedores (30).
Como refere a apelante, não se mostra alegado nem demonstrado (nem isso é credível que aconteça, atenta a sua natureza) que o apelado, em consequência directa do acidente e das lesões que o impossibilitaram de exercer a sua actividade, deixou de receber a pensão que como reformado auferia desde 1995. Assim, no cômputo da indemnização a título de «lucros cessantes», não pode entrar em linha de conta esse valor. Haverá que atender ao rendimento previsível, em face dos rendimentos anteriormente auferidos, estabelecendo-se uma média, uma vez que o rendimento não é fixo. Ora tendo o acidente ocorrido no início de Outubro de 1997, afigura-se razoável que se quantifique a indemnização, (média mensal) tendo em atenção os rendimentos auferidos nos últimos nove meses desse ano.
Assim, sendo o rendimento global, auferido de Janeiro a Outubro (início) de 1997, de 4.022.970$00, auferia nesse ano o apelado o rendimento médio mensal de 446.997$00. (4.22.970$00:9=446.996$66).
A impossibilidade de exercer a sua actividade verificou-se desde a data do acidente (04.10.97) até 1.02.98, ou seja durante quatro meses.
A indemnização devida a título de lucros cessantes, deverá pois ser fixada em 1.787.988$00 (um milhão setecentos e oitenta e sete mil novecentos e oitenta e oito escudos) (8.918,45 euros).
O recurso merece nesta parte parcial provimento.

Relativamente à indemnização mencionada em e) (402.254$00 – relativa a danos patrimoniais, entende a apelante dever ser a mesma fixada no valor de 217.731$00.
Para o efeito alega que apenas as despesas elencadas nos quesitos 22º, 23º, 24º, 25, 32º (excepto os óculos) e 33º, deverão ser consideradas.
Na sentença atendeu-se, para a fixação da indemnização em causa, às despesas constantes dos quesitos 15º, 16º, 23º, 25º, 32º (excluídos os óculos), 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º e 41º.
No entender da apelante, serão de excluir as despesas mencionadas nos quesitos 15º, 16º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º.
Consistem tais despesas em:
Internamento da sogra, num lar, visto não ser capaz de a cuidar diariamente (15);
Nesse internamento despende o valor mensal de 31.000$00 (16);
Reboque do seu veículo interveniente no acidente, no valor de 31.224$00 (34);
Despesa de hotel pago a (C), no valor de 9.630 pesetas (35);
Despesa paga a um cunhado, pela estadia em hotel, que se deslocou a Espanha para acompanhar os sinistrados (36), no valor de 3.475 e 9.735 pesetas (36);
Despesa paga pela estadia de um filho, que se deslocou a Espanha para prestar auxílio ao pai (37);
Despesas de alimentação do filho, no valor de 29.700 pesetas (38);
Aluguer de um veículo para deslocação entre Osuna e Estepan, no valor de 3.200 pesetas (39);
Telefonemas efectuados através de telemóvel, pelo filho, de Espanha, prestando informações aos familiares, por causa do acidente, no valor de 45.220$00 (40);
Telefonemas efectuados pelo filho, de Espanha, para prestar informações a familiares, no seguimento do acidente (41).
A questão que se levanta, nesta parte, consiste em saber se tais despesas consubstanciam ou não «danos decorrentes de lesões corporais», pois que se se reportarem a «danos decorrentes de lesões materiais», estarão excluídos da garantia do seguro.
É manifesto que na segunda categoria (danos decorrentes de lesões materiais, ou em coisas, não decorrendo directamente de danos corporais), se incluem as despesas a que se referem os quesitos: 15ºe 16º (internamento em lar da sogra); 34º (reboque do veículo sinistrado); 35º (despesas com o hotel de Carla Maria, terceiro em relação ao apelado e esposa falecida, que seguia no veículo); 36º (despesas de estadia de um cunhado do apelado); 38º (despesas com a alimentação do filho); 39º (aluguer de um veículo automóvel). Tais despesas serão pois de excluir.
Já quanto às despesas referidas nos quesitos 37 (despesa com estadia de filho que se deslocou para prestar auxílio ao pai) e 40 e 41 (telefonemas feitos para familiares prestando informações no seguimento da morte e lesões corporais do apelado), afigura-se-nos que têm (decorrem) com as lesões corporais certo nexo, sendo pois de manter.
Assim sendo, a título de danos patrimoniais, decorrentes das lesões corporais resultantes do acidente de viação, haverá que considerar as despesas mencionadas nos quesitos: 22º, 23º, 24º, 25º, 32º (com exclusão dos óculos), 33º, 37º, 40º e 41º.
As referidas despesas perfazem o valor global de 331.310$00 (1.652,57 euros), valor em que deverá ser fixada a indemnização.

Na conclusão k) refere ainda a apelante que o apelado não tem direito ao valor apurado na alínea L) dos factos assentes, valor relativo a despesas de funeral. A referida alínea tem a seguinte redacção: «Mercê do acidente e posterior falecimento a vítima (F)teve de ser embalsamada e transladada para Espinho, o que demandou serviços prestados pela Agência Funerária Nª Sª d´Ajuda de Espinho e que orçaram a importância de 1.713.810$00».
Relativamente a esta matéria, a questão posta reconduz-se igualmente à de saber se em causa estão ou não «danos decorrentes de lesões corporais». Já anteriormente vimos que estes danos podem ser de natureza patrimonial. Á morte segue-se naturalmente o funeral. Entre este e a morte, existe certo nexo de causalidade, podendo pois afirmar-se com segurança, que as despesas inerentes (ao funeral, embalsamento, trasladação do cadáver), «decorrem da lesão corporal», no caso o «óbito».
Entendemos pois que tais despesas não se encontram excluídas da garantia do seguro.
Apesar do que fica referido, a questão, não tem no caso presente relevância. Com efeito, se atentarmos na sentença sob recurso, não foi a apelante condenada no pagamento do montante em causa. Existe nesta parte «omissão de pronúncia» susceptível de inquinar de nulidade a sentença recorrida, art. 668 nº 1 d) CPC. Acontece porém, que tratando-se de nulidade cujo conhecimento não é oficioso (nº 2 e 3 do art. 668 CPC), a parte prejudicada (no caso o apelado), não a invocou, conformando-se com a sentença proferida, da qual não recorreu.

DECISÃO.
Em face do exposto, decide-se:
1- Conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou a apelante no pagamento de: a) 16.000.000$00 a título de lucros cessantes, reportados a vencimentos futuros que deixou de receber da vítima; b) 1.800.000$00, relativo a lucros cessantes, reportado aos salários que deixou de receber; c) 402.254, relativo a danos patrimoniais.
2- Em sua substituição: absolve-se a apelante (R. na acção) do pedido de condenação por lucros cessantes relativos aos salários que a vítima iria auferir (16.000.000$00) no período normal que teria de actividade profissional; Condena-se a apelante no pagamento da quantia de 1.787.988$00 (em vez de 1.800.000$00), (matéria constante dos quesitos 26, 27, 28, 29 e 30), relativa aos salários que o apelado deixou de auferir; Condena-se a apelada no pagamento de 331.310$00 (em vez de 402.254$00), (quesitos 22, 23, 24, 25, 32, 33, 37, 40 e 41), relativa danos patrimoniais.
3- A condenação global é pois de 9.619.298$00 (nove milhões seiscentos e dezanove mil duzentos e noventa e oito escudos), a que corresponde em euros, 47.980,86 (quarenta e sete mil novecentos e oitenta euros e oitenta e seis cêntimos), sendo devidos juros desde a citação
4- Condenar em custas apelante e apelado, na proporção do decaimento.

Lisboa, 29 de Setembro de 2005.

Manuel Gonçalves
Aguiar Pereira
Urbano Dias.