Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1889/15.4T8CSC.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
CONSENTIMENTO
DEVER DE INFORMAR
ILICITUDE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: – O ato médico de extração de um dente a um paciente, por implicar uma ação invasiva, com necessária e inevitável lesão do corpo de uma pessoa, mesmo que no caso concreto fosse tecnicamente adequado a solucionar o problema de saúde do doente e a melhorar o seu bem-estar, é ilícito se não for realizado com o consentimento do lesado (Art.s 70.º e 340.º do C.C. e Art. 156.º do C.P.).
– O médico, antes de realizar essa intervenção, tem o dever de esclarecer o seu paciente sobre o diagnóstico, a terapêutica e o prognóstico da sua doença e sobre os aspetos relevantes do ato, dos seus objetivos e consequências funcionais, permitindo que o doente possa consentir em consciência.
– O consentimento do lesado deve ser pessoal, livre, consciente e esclarecido e não se pode ser meramente presumido quando o paciente está presente no ato e na plena posse das suas faculdades físicas e intelectuais.
– Tendo o paciente autorizado a extração de um dente para solucionar um problema de saúde dentário pensando que iria ser extraído o dente 36, porque para si era o mais frágil, mas acaba por constatar que o médico dentista extraiu o dente 37 por ser aquele que no caso concreto estava a causar a infeção, fica claro que o médico não cumpriu o dever de esclarecimento prévio que sobre si impendia.
– O consentimento do lesado, neste caso, não é válido, porque enfermava de erro na declaração, motivado pelo incumprimento devido do dever de esclarecimento por parte do médico, que lhe permitiria decidir de forma livre, consciente e esclarecida sobre a intervenção a que foi sujeito.
– O médico que assim atuou, na pressuposição de que havia consentimento do lesado, agiu também ele com erro sobre esse pressuposto de facto, de que se verificaria uma causa de justificação da ilicitude.
– Este outro erro afasta apenas o dolo do agente, tendo por referência o disposto no Art. 16.º n.º 2 do C.P., mas não a ilicitude do seu comportamento, porque subsiste a responsabilidade pelo incumprimento negligente de deveres de diligência, prévia e objetivamente imputáveis ao médico.
– Nos termos do Art. 338.º do C.C. – que regula situações de erro sobre pressupostos de facto que a existirem excluiriam a ilicitude, aqui aplicável extensivamente ao caso do consentimento do lesado –, o médico lesante que age na falsa pressuposição do consentimento esclarecido do doente, ficará obrigado a indemnizar o prejuízo causado, salvo se o erro for desculpável.

SUMÁRIO: (art.º 663º nº 7 do CPC) – Da responsabilidade exclusiva do relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRELATÓRIO:


Felicidade... veio intentar ação de condenação, em processo declarativo comum, contra Cristina... e a Clinica E., S.A., que depois requereu a intervenção principal provocada da M. Seguros..., S.A..

Pede a condenação solidária das R.R. ao pagamento de €23.858,89, acrescidos de juros de mora e das demais despesas futuras em que a A. venha a incorrer em virtude dos tratamentos dentários a que venha a ser sujeita decorrentes da situação invocada na petição inicial, tudo com fundamento em erro médico e falta de consentimento ao tratamento dentário a que foi sujeita na Clínica, aqui 2.ª R., por atos realizados pela 1.ª R., Cristina..., como médica dentista.

Citadas as R.R. contestaram separadamente impugnando os factos alegados pela A., sustentando que não se verificam os pressupostos da obrigação de indemnização, por terem sido cumpridos os deveres de informação relativamente aos riscos da intervenção médica em causa, que foi executada de acordo com a “legis artis”. Concluíram ambas pela improcedência da ação, sendo que a 2.ª R., veio invocar ter transferido a sua responsabilidade civil para uma Companhia de Seguros, através de apólice que identificou, tendo requerido a sua intervenção provocada.

Deferido ao incidente assim suscitado, foi citada a Interveniente M. Seguros..., S.A., que confirmou a existência do contrato de seguro referido pela 2.ª R., mas invocou a existência duma franquia de 10% com o mínimo de €500,00 e o máximo de €5.000,00, sendo que dos termos da apólice eram também excluídos os riscos relativos a responsabilidade civil profissional dos médicos que trabalhavam na clínica. No mais, impugnou os factos e concluiu pela improcedência da ação.

Findos os articulados, foi dispensada a realização de audiência prévia, fixando-se o objeto do litígio e os temas de prova, logo se admitindo os meios de prova requeridos e designando-se data para a realização da audiência final.

Produzida a prova, veio então a ser proferida sentença que, julgando a ação improcedente, absolveu os R.R. do pedido.

Dessa sentença recorre a A., constando do final das suas alegações as seguintes conclusões:
A.Vem o presente recurso interposto da douta decisão que absolveu as RR. do pedido deduzido pela A., ora recorrente;
B.O pedido vinha essencialmente fundamentado na responsabilidade civil das RR., com base em erro médico e falta de consentimento para o efeito,
C.Entende o R. que, face à prova produzida, salvo o devido respeito, a decisão deveria ter sido a da condenação das RR.
- Da matéria de facto dada como provada que deveria ter sido dada como não provada ou respondida em termos diversos:
D.O Ponto 3 da Matéria de Facto deveria ter a seguinte resposta:
“A Ré procedeu à realização de uma destartarização e radiografia, tendo sido aconselhada a agendar uma consulta para, aproximadamente, dali a um ano”
E.Tal alteração resulta das declarações prestadas pelas partes, bem como pela testemunha Manuel..., as únicas com conhecimento direto dos factos.
F.Sendo que do depoimento da recorrente e da testemunha indicada, que mereceram crédito por parte do douto tribunal recorrido, apenas resulta o ora exposto, conforme devidamente identificado e transcrito em sede de alegações, para as quais se remete por facilidade e economia de exposição.
G.Os Pontos 4, 5, 6 e 7 da Matéria de Facto provada deveriam ter sido dados como não provados, ressalvado o exame efetuado (radiografia) e a destartarização (com caracter normal e não na duração referida).
H.Com especial destaque se mencione o facto de a R. ter, segundo tal matéria, identificado uma periodontite crónica nesta fase (atente-se ao número 40 das alegações para percebermos a primeira vez em que a mesma é suscitada), bem como a deteção de perda óssea nos referidos dentes 35 a 38.
I.Trata-se de uma tentativa por parte da A. de fazer o tribunal crer que desde o início apontou ao problema de saúde mencionado, em toda a zona da boca e que não se focou num dente específico.
J.Ora, desde logo um elemento probatório absolutamente fulcral passa pelas referidas radiografias, juntas como doc. 1 da contestação da R.
K.É manifesto e evidente que a radiografia incidiu sobre um dente apenas – o dito 36 (o dente que se apresenta na imagem ao meio), não se percebendo, com todo o devido respeito, como pode o tribunal ficar convencido com as explicações da A. acerca do posicionamento da imagem, quando resulta até da experiência comum que, se de facto, a incidência do dito exame fosse sobre uma zona, ainda que a imagem focasse preferencialmente um dente, jamais ele ficaria perfeitamente centrado na mesma em detrimento dos demais,
L.E não logrou a mesma fazer prova de que realmente não foi possível recolher outra imagem.
M.É patente em diversos momentos, inclusivamente das declarações da ora recorrida, 1ª R. a incidência no dente 36, conforme devidamente transcrito em sede de alegações, que aqui, por economia de exposição não se transcreve, mas se dá por reproduzido (alegações 25 a 29).
N.Parece ter o douto tribunal ficado convencido que as radiografias efetuadas foram suficientes, mesmo apenas se vendo totalmente um dos, alegadamente, 4 dentes afetados, o que salvo o devido respeito não se pode acompanhar,
O.Pois assim sendo, um elemento probatório que, na modesta perspetiva sufragada, mostra clamorosamente que era um dente específico – o 36 – que estava em avaliação e tratamento, apenas acompanhado de declarações da R. (pelo menos com relevância como se procurará demonstrar a demais prova trazida pela R. nada acrescentou à descoberta da verdade) seria suficiente para fazer toda a prova de ausência da responsabilidade da mesma R., o que não se concebe.

P. O facto 9 deveria ter tido resposta diversa, como se sugere:
9.- A Autora apresentava-se com um abscesso debaixo do dente 36, tendo a Ré prescrito um antibiótico para o efeito.

Q.De facto deixa a Autora bem claro nas suas declarações transcritas em alegações que se dão por reproduzidas (36 e 37), visto que apenas resulta das mesmas um abscesso e não uma infeção específica.

R.O ponto 11 da Matéria de facto também deveria ter resposta diversa, sugerindo-se a seguinte:
11.- A Ré efetuou uma radiografia ao dente 26, bem como uma destartarização, tendo sido a autora informada de que iam aguardar com vista a verificar a evolução do dente e apresentada a solução de extração do dente 36.”

S.Nos artigos 39 a 41 que se dão por reproduzidos consta expressamente a afirmação da recorrente do que sucedeu, facto que não foi convenientemente colocado em causa pela prova produzida pelas recorridas, que acabam por corroborar, julga-se modestamente, tendo resultado apenas a destartarização e então apresentada a solução de extração do dente 36.

T.Os factos 12 e 13 deveriam ter sido dados como Não Provados.
U.Além de não ter sido produzida prova cabal sobre os mesmos reafirma-se aqui o que já se disse no que concerne à radiografia (em especial alegações 18 a 33 do presente recurso), apelando-se à análise dos elementos concretamente juntos aos autos e demais prova produzida, da qual resulta que a R. não logrou demonstrar que não conseguiu radiografar os dentes 37 e 38, mas antes que não o fez intencionalmente, uma vez que sempre visou o dente 36.

V. Entende-se ainda que o facto 14 deveria ter sido dado como Não provado ou, em alternativa, caso esta Veneranda Instância assim não entenda ter a resposta:
“14.- Em Dezembro de 2014 a Ré foi contactada por V..., tendo a Ré referido que a solução mais segura seria a extração do dente”.

W.Dando-se por reproduzidas as alegações acerca das passagens concretas que justificam a alteração, designadamente 47 e 53 a 56, lembre-se que a problemática do aborto espontâneo é prévia, apesar de pouco relevante nesta sede.

X.No entanto dos depoimentos mencionados, referentes à testemunhas V... e à própria 1ª R., ora recorrida, resulta que a extração seria apenas de um dente!
Y.Os factos dados como provados 16, 17, 18 e 19 deveriam ter sido dados como Não Provados.
271.-Dando-se como reproduzidas as alegações sob o número 61 a 66 para efeito de prova que justifica resposta diversa, resulta das mesmas que não houve qualquer exame a não ser o descrito de voltar a verificar com os dedos a sobrelevação do dente concluindo pela facilidade em extrair o mesmo.
272.-Bem como não explicou qualquer cuidado de higiene previamente relativo ao dente 38.
Z. Aliás, conseguimos aqui verificar mais um indício em como foi a R. quem se equivocou, pois a própria testemunha V... deixa claro no seu testemunho referenciado nas alegações 70 a 73.
AA.E na própria visão da recorrente, transcrita na alegação 76 relativamente à necessidade, comunicada posteriormente, de extrair o dente 38.

273.- Também o ponto 21 merecia resposta diversa, sugerindo-se:
“21.- A R. procurou confirmar qual o dente que devia ser alvo de exodontia, enquanto a A. se apresentava chorosa, tendo aquela, de seguida, explicado que era de facto o dente que tinha retirado, mas que procederia à exodontia do dente nº 36 por também lhe parecer pertinente, procedimento a que a Autora anuiu”
BB.São elucidativas as transcrições dos artigos 78 a 80, bem como 83 a este propósito, elucidando que foi à recorrida que o procedimento pareceu oportuno e que a recorrente apenas anuiu ao mesmo.
274.- Novo facto, a introduzir após o 21: Após a exodontia do dente 36 a Ré informou a A. de que era melhor proceder também à exodontia do dente 38, tendo perante a recusa da A. em aceder à mesma, explicado o procedimento de higienização.
275.- Para a A. nunca existiu qualquer tipo de dúvidas de que o dente 36 era o dente a extrair e apenas por decisão unilateral da R. foi feita a extração do dente 37, à revelia da A.
CC. Sendo que a introdução de tal facto surge essencialmente na sequência do exposto para a remoção dos factos 16 a 19 da matéria provada.
DD. Da generalidade dos factos provados resulta que a recorrida acaba por revelar que a opção acerca do 37 foi sua, mas também que a recorrente nunca pretendeu a extração do mesmo, tendo esta reagido com perplexidade, atestada pelas testemunhas.
EE. Também sendo claro para a testemunha Manuel... que era o único dente em causa (o 36) tendo o assunto sido amplamente debatido antes da intervenção e acompanhando este a esposa às consultas prévias à extração.
FF.O lapso visível para todos, inclusivamente para a R., após a extração deveria ter sido prevenido e evitado pela própria R.
GG.Note-se, no que concerne à prova produzida, que a 1ª R., ora recorrida, arrolou como testemunhas, além da testemunha em comum, 3 colegas de profissão, que com a mesma têm relação profissional e até pessoal,
HH. Que não são peritos, nem como tal foram arrolados.
II. Bem como uma pessoa, que trabalha para as RR., que pareceu merecer reduzida credibilidade, considerando a relação hierárquica e as declarações prestadas.
JJ. Pelo que a prova produzida deve ser considerada nos termos que aqui se destacam.
- Em especial no que concerne à motivação
KK. Afirma o douto tribunal bem que a ora recorrente se dirigiu única e exclusivamente para realizar o tratamento no dente intervencionado, não se podendo acompanhar quando se diz que a mesma confirmou que lhe foi comunicado que estaria perante um foco de infeção de uma zona concreta,
LL. Na verdade, tal constatação é muito posterior ao alegado pela 1ª R., tendo sido a realidade já devidamente esmiuçada, pelo que aqui não se abordará novamente em demasia,
MM. Apenas resumir que sem prejuízo do exposto relativamente à infeção numa zona, em momento algum foi esclarecido quais os dentes concretos que abrangia,
NN.Ou seja, só no momento, em termos de consultas, imediatamente anterior ao da extração do dente a questão da infeção se colocou,
OO.Contrariamente ao afirmado é perfeitamente normal realizar destartarizações por rotina, sendo tal facto de conhecimento comum, sendo ainda que não foi feita prova pela 1ª R. de que tal facto fosse parte do tratamento para a referida doença,
PP.E muito menos, insista-se que a ora recorrente, disso tenha sido informada,
QQ.Nos pontos 8 e 9 da matéria de facto, o tribunal já parece valorar o depoimento da testemunha Joana..., quando o certo é que já foi amplamente demonstrado que tal não foi o propósito da consulta, sem prejuízo do resultado.
RR.Sendo ainda de notar que, no momento imediatamente seguinte, a que se referem os pontos 10 a 13 da matéria de facto também já aqui se disse e transcreveu o relevante,
SS.Não se verificou qualquer explicação dos testes, apenas se referiu um possível cenário, se efetuou um tratamento e sugeriu uma eventual extração de um dente concreto,
TT.Com base em todas as informações que foram prestadas a ora recorrente toma a decisão de extrair apenas um dente! Isso é claro e está assente.
UU. Visto que o seu processo de decisão se fundou em vários pressupostos que apenas estavam relacionados com aquele dente em concreto,
VV. Note-se que, “de uma assentada” a recorrente teria que retirar 3 (três) dentes, sendo fácil de nos apercebermos que em momento algum ela ganhou noção de tal realidade,
WW. Sem prejuízo de algum receio relativamente a intervenções dentárias, devidamente justificado pela ora recorrente é esta uma pessoa perfeitamente normal e capaz, não tendo os recorrentes em momento algum logrado colocar a personalidade da mesma em causa,
XX.Se prestarmos toda a atenção ao relato dos factos e conjugarmos com as regras de experiência comum, vemos que não é exequível entender como adequada a atuação da 1ª R., ora recorrida, especialmente face às obrigações da sua profissão.
YY. Atente-se ainda na forma como uma extração de dois dentes é cobrada (ponto 22 da matéria de facto), bem indiciando que algo não está correto,
ZZ.Tal como resulta outra estanha oferta, constante da matéria dada como assente (ponto 29) que foi feita à ora recorrida após o sucedido,
AAA.Em termos probatórios bastou-se, parece-nos modestamente, e com todo o devido respeito, o douto tribunal com a referida realidade factual, mal explicada pela 1ª R, quando na verdade também não podemos olvidar, por exemplo que estamos numa era informática, perante uma clinica que certamente coloca ao dispor meios tecnológicos,
BBB. Certamente seria fácil à 1ª R. ora recorrente, demonstrar através, por exemplo, de prints informáticos, devidamente datados e inalterados a introdução de todo aquele quadro clínico da ora recorrida, detetado de forma antecipada,
CCC.Sendo certo que a generalidade dos danos alegados são dados como provados pelo douto tribunal.
DDD.Numa última referência à matéria e consequente motivação também parece resultar com alguma segurança que o referido problema de periodontite afinal não existia nos termos descritos, conforme relatado pela recorrente e testemunha Manuel... relativamente à realização dos implantes que veio a ter lugar.
- Do Direito:
EEE.É à 2ª R. que os consumidores se dirigem com vista à celebração de tais contratos.
FFF.No entanto, perante o consumidor apresentam-se como uma só entidade que se vinculou à prestação dos serviços supra identificados.
GGG.E tendo inclusivamente os responsáveis da 2ª R. se encarregado da resolução do problema, tendo inclusivamente oferecido uma consulta gratuita, mas acabando por não solucionar o problema.
HHH.O facto de a recorrida se ter dirigido para ser consultado por um profissional específico em nada afasta a responsabilidade em causa, visto que se trata de algo muito comum na área médica o paciente procurar o seu médico de confiança,
III.Determinante há-de ser o benefício económico da 2ª R. com tal prestação ocorrida, que efetivamente existiu,
JJJ.Termos em que a 2ª R. e a chamada são responsáveis.
276.- No que concerne à responsabilidade da primeira não se pode concluir que o ente 37 apresentasse maior desgaste ou que devesse ser alvo de intervenção,
277.- A verdade é que é certo que o pretendido pela A. foi a intervenção num dente específico, o que não foi feito, tendo sido efetuada outra intervenção não autorizada.
278.- E desde logo é sempre certo que se verificou um facto ilícito, pois ou o diagnóstico não foi devidamente realizado induzindo a recorrente em erro.
279.- Ou o tratamento não se reconduziu ao diagnóstico realizado e comunicado,
280.- Sendo certo que face à matéria provada, da forma que se defende que deveria tê-lo sido, jamais se poderá entender que houve uma comunicação clara e precisa
281.- E que foram prestadas todas as informações necessárias à recorrente.
282.- E muito menos que tenha havido qualquer tipo de acordo para a prestação de serviços médicos naqueles termos já melhor descritos.
283.- A amplitude da obrigação não consistia somente em diagnosticar e tratar o problema com o dente 36, mas ainda em não executar procedimentos sobre qualquer um dos outros dentes.
284.- Ao executar o procedimento que estava planeado para o dente 36 no dente 37 a 1ª R., ora recorrida, violou os termos contratualmente estabelecidos.
285.- Ora, nos termos do artigo 799º nº 2 do C.C. a culpa é apreciada nos termos da responsabilidade civil, ou seja, na falta de outro critério pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias concretas de cada caso (487º nº 2 do C.C.).
286.- Neste caso estamos perante profissionais, pelo que o dever é especialmente reforçado, devendo ter-se em consideração a atuação de um profissional em circunstâncias semelhantes e com qualificações profissionais idênticas.
287.- Ora, uma médica dentista com um grau de competência e sensatez médias não poderia ter cometido tal “erro” ao ponto de extrair o dente errado.
288.- Desde logo, face às legis artis da profissão se verifica que houve uma atuação descuidada, no mínimo, negligente.
289.- Visto que a reconstituição natural não é possível, deve ser a indemnização fixada em dinheiro, nos termos do artigo 566º nº 1 do C.C.
KKK.- No que concerne aos danos não patrimoniais deverá sempre ter-se em conta o disposto o artigo 496º do C.C., devendo fixar-se uma indemnização compensatória.
LLL.- Devem ter-se em conta critérios de equidade, atendendo ao grau geral de culpabilidade das RR., à situação económica das partes e à gravidade do dano.
MMM.- Considerando os danos sofridos e inspirando-nos nas decisões jurisprudenciais julga-se como €21.000,00 (vinte e um mil euros) como adequada a fixação do dano não patrimonial.
NNN.- A que deverão acrescer os danos patrimoniais oportunamente fixados.
Com estas conclusões pede a procedência do recurso e a revogação da decisão proferida, que deveria ser substituída por outra que altere a matéria de facto nos termos propostos e condene as RR. na totalidade do pedido.

As R.R. apresentaram todas contra-alegações.

Assim, da resposta ao recurso apresentada pela 1.ª R. resultam as seguintes conclusões:
I– O recurso de apelação interposto é intempestivo devendo como tal ser rejeitado.
II– Não é excogitável a concluso de que a A. foi aconselhada a agendar consulta para dali a um ano por se afigurar completamente incoerente e desconexo com os factos apurados e com o procedimento médico dentário que se provou ter sido realizado, a destartarização, primeira fase de uma intervenção prolongada e cuidada em contexto de consulta. Pelo que a R. pugna pela manutenção do ponto 3, bem como nos pontos 4 a 7, da matéria de facto nos exatos termos descritos na sentença, por corresponder à realidade dos factos provados.
III– Pois que, resulta, sem necessidade de maiores considerações, das imagens constantes do exame complementar de diagnóstico (radiografia) junto aos autos, a perda óssea na zona dos dentes n.º 35.º a 38.º, que associado à observação minuciosa realizada pela R., permite concluir pelo diagnóstico realizado e comunicado a A. de periodontite crónica. Ademais, sempre se adiantará que a marcação ou não de nova consulta não é em si mesmo um facto relevante nem coloca em causa o procedimento médico levado a cabo na consulta seguinte.
IV– Por não corresponderem à verdade as alegações de facto constantes do recurso da A. relativas aos pontos 9 e 11 da matéria de facto dada como provada, a R. pugna pela manutenção dos referidos pontos nos exatos termos dispostos na douta sentença ora recorrida.
V– Os pontos 12, 13 e 14 da matéria de facto dada como provada devem permanecer inalterados atenta a prova produzida em sede de audiência de julgamento e supra exposta.
VI– A citação do depoimento da R. feita pela A. nas suas alegações de recurso no que tange ao dito ao minuto 00:26:45 (ponto 53. das alegações de recurso) está descontextualizado, pois na verdade a R. pretende referir-se ao facto de não ser boa prática e em rigor, constituir uma violação dos deveres deontológicos a que se encontra adstrita, adiantar informações e explicações a terceiros, ainda que amigos de infância, quanto ao procedimento a levar a cabo num paciente.
VII– Os pontos 16, 17, 18 e 19 da matéria de facto dada como provada devem permanecer inalterados, atenta a prova produzida e explanada supra.
VIII– Uma vez que, como resulta do material probatório junto aos autos, a extração do dente 37 decorreu sem problemas e conforme previamente informado, compreendido e aceite pela A., por ser este dente o que mais se encontrava comprometido periodontalmente, deverá o ponto 21 da matéria de facto dada como provada permanecer inalterado.
IX– Fio em atenção à situação clínica, às preocupações e anseios transmitidas pela A. que a R. adequou a sua atuação clínica, erradicando de forma absoluta os focos de dor, inflamação e infeção, pela exodontia de ambos os dentes (36 e 37) com o consentimento informado expresso, livre, prévio e esclarecido, contrariamente ao que a A. pretende agora fazer crer, pelo que a introdução de um novo ponto na matéria de facto dada como provada só se nos afigura pertinente se for neste sentido.
X– A afirmação da responsabilidade civil contratual depende da verificação prévia dos seguintes pressupostos cumulativos: facto voluntário, ilícito, culposo, produção de dano e aferição de nexo de causalidade entre o facto e o dano, sendo que o legislador estabelece uma presunção de culpa ilidível pelo lesante.
XI– A prestação de cuidados pelo médico consiste na denominada obrigação de meios, pois o médico não responde pela obtenção de um determinado resultado.
XII– A R. atuou com o cuidado, a perícia e os conhecimentos compatíveis com os padrões por que se regem os médicos sensatos, razoáveis e competentes, tendo informado adequadamente a doente acerca dos tratamentos e obteve desta o consentimento.
XIII– Inexiste qualquer violação do dever de informação pendente sobre a R. que coloque em crise a validade e eficácia do consentimento prestado pela A.
XIV– A A. nunca colaborou com a R. no sentido de promover a sua própria saúde, como é seu dever, não se disponibilizando para cumprir o plano de tratamentos ou as recomendações da R., procurando-a, apenas, em situações de urgência.
XV– No caso sub judice inexistiu qualquer omissão ou falta de dever de cuidado ou de diligência por parte da R., tal como se pode concluir pelos factos abundantemente relatados supra.
XVI– Pelo que, por não se verificam quanto à R. os pressupostos de que depende a responsabilidade civil contratual.
Pugnou assim pela improcedência do recurso de apelação interposto pela A. e pela confirmação da decisão proferida pelo tribunal a quo.

Das contra-alegações da 2.ª R. resultam as seguintes conclusões:
1.– Entende a 2.ª Ré, que a instância recorrida fez uma correta aplicação do direito aos factos que vieram a resultar provados, motivo, pelo qual, não padece a decisão impugnada de qualquer vício formal ou substancial.
2.– Os parcos pontos em que a alegação a que se responde, faz referência à 2.ª Ré, não encontram na prova produzida em sede de audiência de julgamento, qualquer respaldo.
3.– Conforme o sentenciado pelo tribunal a quo, das declarações de parte da Autora e Ré, bem como do depoimento da testemunha Manuel..., não se vislumbra qualquer proposta formulada pela Autora para contratar os serviços médicos da 2.ª Ré, e tão pouco, a aceitação desta a tal desiderato.
4.– Ao invés, daquela prova apenas se alcança uma proposta de contratar, formulada pela Autora, cujo único destinatário foi apenas a 1.ª Ré, Dr.ª Cristina..., proposta que veio a ser por esta aceite.
5.– Na verdade, a Autora não se deslocou às instalações da 2.ª Ré, porque tenha sido por esta angariada ou, para receber cuidados de saúde na Clinica E. por um médico dentista indiferenciado que aí prestasse a sua colaboração.
6.– Motivo, pelo qual, entre a Autora e a 2.ª Ré não foi estabelecida qualquer relação contratual, seja a que titulo for.
7.– Cabendo à 2.ª Ré, nos presentes autos, o papel de entidade locadora do espaço médico, e à 1.ª Ré, a prestação de serviços médicos em sentido estrito.
8.– Assim, bem andou a instância recorrida ao considerar provada nos pontos 1, 8, 10 e 15, a factualidade de que “a Autora foi às instalações da Ré, Clinica E., S.A. para ser consultada pela Ré, Cristina...”.
9.– Acresce que, as Rés não celebraram qualquer contrato de trabalho ou prestação de serviços, apenas existindo entre ambas, um acordo de parceria,
10.– mediante o qual, a 2.ª Ré cede uma parte do seu espaço, alguns equipamentos médicos e ainda alguma logística administrativa, ficando a Clinica E. com uma parte do valor entregue pelos clientes da 1.ª Ré, conforme foi dado como provado.
11.– Configuração jurídica que não é abalada pelo nome da 1.ª Ré integrar o denominado corpo clinico, porquanto tal deve-se à obrigatoriedade imposta ERS em publicar todos os médicos existentes nas instalações da 2.ª Ré,
12.– nada tendo que ver com qualquer relação laboral ou similar, nem tão pouco, o contrário resultou provado.
13.– Isto é, entre as Rés apenas existe uma locação de um espaço para o exercício da atividade da 1.ª Ré, cedência essa paga pela 2.ª Ré, mediante as consultas que realiza aos seus pacientes.
Nestes termos, defendeu a improcedência da apelação e a confirmação da decisão proferida pelo tribunal recorrido.
Finalmente, a Seguradora chamada também contra-alegou e, mesmo não apresentando conclusões, sustentou que o tribunal fez uma boa apreciação da prova produzida, sem privilegiar nenhuma das partes, respeitando a prova documental e as regras de experiência comum. No mais reforçou que não se verificou responsabilidade civil da sua segurada, sendo que da apólice de seguro junta aos autos não resulta a cobertura do risco em causa nos autos, com foi evidenciado pela sentença recorrida. Em suma, concluiu que a sentença não enferma de vício ou irregularidade, devendo a apelação ser julgada por improcedente.
De referir que o tribunal a quo admitiu o recurso apresentado pela A., considerando o mesmo tempestivo.
*

II–QUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a)- A impugnação da matéria de facto;
b)- A verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por ato médico praticado pela 1.ª R.; e
c)- A imputação de responsabilidades à 2.ª R. e à interveniente.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
*

III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:

1.–Em 25 de Outubro de 2013, a Autora dirigiu-se às instalações da Ré, Clinica E., S.A para ser consultada pela Ré, Cristina....
2.–Na referida consulta, a Autora declarou ser uma pessoa receosa face a tratamentos dentários.
3.–A Ré, Cristina..., procedeu à realização de um exame objetivo, cujo resultado foi inconclusivo, não tendo sido possível identificar um dente específico no qual estivesse localizada a origem da dor que a Autora sentia; mais, realizou testes de vitalidade, que foram inconclusivos.
4.–A gengiva do terceiro quadrante estava edemaciada, apresentava hemorragia à sondagem, bolsas profundas e furcas expostas nos dentes n.º 36, n.º 37 e n.º 38.
5.–A Ré, Cristina..., efetuou radiografias periapicais; tendo detetado perda óssea desde o dente n.º 35 ao dente n.º 38, mas com maior profundidade nos dentes n.º 36 e 37 e, ainda, acumulação de cálculo em cada um dos dentes referidos.
6.–A Ré, Cristina..., concluiu que se tratava de periodontite crónica, pelo que o respetivo tratamento abrangeria três fases: higiénica (hábitos de higiene oral, com vista à remoção da placa bacteriana e o tártaro que a protege), cirúrgica (atendendo à profundidade das lesões, procurando-se ganhar acesso às lesões ou até regenerar os tecidos em causa) e de manutenção (monitorização dos resultados obtidos, procurando manter as superfícies dentárias livres de placa bacteriana através de uma higiene oral correta).
7.–A Ré, Cristina..., aconselhou a Autora a realizar uma destartarização, tendo esta acedido, procedimento, este, que demorou cerca de uma hora.
8.–Em 7 de Novembro de 2014, a Autora dirigiu-se às instalações da Ré, Clinica E., S.A. para ser consultada pela Ré, Cristina....
9.–A Autora apresentava-se com uma infeção na zona identificada na primeira consulta, tendo a Ré, Cristina..., prescrito amoxicilina e ácido clavulânico – 875 + 125 mg.
10.–Em 21 de Novembro de 2014, a Autora dirigiu-se novamente às instalações da Ré, Clinica E., S.A. para ser consultada pela Ré, Cristina....
11.–A Ré, Cristina..., observou clinicamente a Autora identificando um abcesso periodontal, tendo comunicado tal diagnóstico à Autora, e que ficou de forma geral ciente do que havia a fazer.
12.–Após várias tentativas, a Ré, Cristina..., conseguiu radiografar o dente n.º 36, não tendo conseguido radiografar na totalidade o dente n.º 37 e 38, constatando perda óssea entre os dentes n.º 36 e n.º 37.
13.–Mais, realizou testes de vitalidade cujo resultado foi inconclusivo, tendo efetuado nova destartarização.
14.–Em 15 de Dezembro de 2014, a Ré, Cristina..., foi contactada por V..., na qualidade de amiga em comum com a Autora, que referiu que esta tinha sofrido um aborto espontâneo, e que a mesma lhe tinha transmitido que queria uma solução para os episódios recorrentes de dor, por pretender engravidar de novo e não deseja passar por dores ou infeções dentárias numa possível futura gravidez, tendo a Ré referido que a solução mais segura seria a extração dos dentes envolvidos na infecção.
15.–Em 17 de Dezembro de 2014, a Autora foi às instalações da Ré, Clinica E., S.A. para ser consultada pela Ré, Cristina..., e proceder-se à exodontia.
16.–No âmbito da referida consulta, a Autora declarou à Ré o desejo de engravidar e referiu que tinha dormência e desconforto na zona do terceiro quadrante.
17.–A Ré, Cristina..., procedeu à realização de um exame objetivo à zona em questão, tendo identificado uma bolsa profunda e edemaciada na região lingual do dente n.º 37.
18.–A Ré, Cristina..., referiu à Autora que após a extração do dente em questão, o dente n.º 38 iria ficar “sozinho”, pelo que iria necessitar de uma melhor higienização cujo procedimento explicou.
19.–A Ré, Cristina..., procedeu à extração do dente n.º 37, sendo que aquando do respetivo procedimento ao afastar a gengiva lingual do dente n.º 37 com o sindesmótomo comunicou à Autora a drenagem abundante hemorrágica que saiu da bolsa, apresentando a referida zona cálculo.
20.–No final da extração a Autora, em conversa com a Ré, Cristina..., referiu que “finalmente tinha sido extraído o dente anteriormente intervencionado” – dente n.º 36 -, tendo, então, a Ré explicado que a extração ocorrida tinha sido a do dente n.º 37 e não a do dente n.º 36.
21.–A Ré, Cristina..., procurou confirmar qual o dente que devia ser alvo de exodontia, enquanto a Autora se apresentava chorosa, tendo aquela, de seguida, explicado que era de facto o dente que tinha retirado, mas que, apesar de não ser absolutamente necessário, procederia à exodontia do dente n.º 36, procedimento a que a Autora anuiu.
22.–Na data referida foi emitida fatura em nome da Ré, no montante total de €22,00, relativo a “consulta (exame clínico) ”.
23.–Após consulta, a Autora dirigiu-se para a sua residência, chorando; teve dificuldades em dormir e ficou deprimida.
24.–Em 19 de Dezembro de 2013, a Ré, Cristina..., remeteu o relatório médico relativo à história clínica da Autora, a solicitação do cônjuge da Autora, do qual consta:
“Situação Clínica:
Abcessos periodontais de repetição no terceiro quadrante, periodontite crónica generalizada.
Quadro de mobilidade periodontal das peças 36, 37 e 38, de classe II para III, com abcessos purulentos de repetição de foco principal no espaço interproximal de 36 e 37.
Motivo da última consulta (17/12/2014): exodontia para eliminação de focos de infeção, para prevenção de novos abcessos e necessidade constante de antibioticoterapia, com vista a uma recuperação do tecido ósseo para posterior reabilitação com implantes.
Radiografia de outubro mostra perda óssea significativa causada por acumulação severa de cálculo, tanto na peça 36 como na peça 37.
Paciente referiu desconforto e sensação de dormência na região do terceiro quadrante.
Radiografia de novembro mostra dente 36 após novo abcesso no terceiro quadrante, em que é visível uma extrema perda óssea na raiz distal deste dente e na região mesial do dente 37. Não estão visíveis lesões radiotransparentes nos ápices do dente 36 que comprovem necrose da polpa. O dente não apresenta tratamento endodôntivo.
Na consulta de exodontia o dente 37 apresentava bolsa periodontal lingual com edema lingual, com drenagem abundante de exsudado sanguinolento pela bolsa, pelo que foi o dente que considerei com uma inflamação mais aguda. Justificou-se também a exodontia do dente 36 pela sua inflamação crónica.
Para a colocação e implantes é necessário um ambiente livre de microrganismos e uma quantidade razoável de tecido ósseo são. Dentes periodontalmente comprometidos levam a uma perda óssea contínua e irreversível, exigindo uma manutenção periodontal e tratamentos frequentes de curetagens radiculares, que não sendo possíveis tornam preferível a exodontia dos dentes afetados para travar a perda óssea.

25.–Em 23 de Dezembro de 2014, a Autora efetuou um exame de ortopantomografia.
26.–Na mesma data, a Autora solicitou à Ré, Clinica E., S.A. uma reunião com o seu diretor, não tendo obtido resposta, pelo que, em 29 de Dezembro de 2014, se dirigiu às suas instalações, tendo falado com AC... que a encaminhou para o diretor operacional, Carlos....
27.–Em virtude da reunião, foi agendada nova consulta para o dia 10 de Janeiro de 2015 com João Branco, tendo-se, nessa data, a Autora dirigido às instalações da Ré, Clinica E., S.A.
28.–Na referida consulta, João... aconselhou a Autora em termos de higiene oral, tendo prescrito um escovilhão de 0.8mm e aconselhou-a a nova consulta, a 24 de Fevereiro de 2015.
29.–A referida consulta não foi faturada.
30.–Em 13 de Janeiro de 2015, a Autora remeteu carta para a Ré, Clinica E., S.A., cujo assunto era “Reclamação por serviço prestado na Medicina Dentária”, tendo, em 16 de Janeiro, em resposta à referida carta, sido agendada reunião, que veio a ter lugar no dia 20 de Janeiro de 2015.
31.–Em 19 de Janeiro de 2015, a Autora deslocou-se à outra clínica, Clínica de Serviços Dentários, Dr. C., Lda., para obter um orçamento com vista à colocação de implantes, tendo-lhe sido referido que existe um período de recuperação após a extração dentária, antes de poder colocar implantes.

32.–Nessa data foi-lhe apresentado o seguinte orçamento:
- Cirurgia para colocação de mais do que 1 implante (por implante) (1.6, 2.6, 3.6, 3.7, 4.6), no valor de €600,00/cada;
- Cirurgia para elevação do seio maxilar com janela lateral e utilização de aloenxerto (1.6,2.6), no valor de €600,00 /cada;
- Coroa aparafusada sobre implante (1.6, 2.6, 3.6, 3.7, 4.6), no valor de €650,00/cada.

33.–Em 20 de Janeiro de 2015, foi realizada uma reunião entre a Autora, Carlos... e Álvaro..., em representação da Ré, Clinica E., S.A..
34.–Em 23 de Janeiro, a Ré, Clinica E., S.A.. remeteu e-mail à autora com um plano de tratamentos e um orçamento.
35.–Em 28 de Janeiro de 2015, a Autora remeteu reclamação junto do Conselho Deontológico e Disciplinar da Ordem dos Médicos Dentistas.
36.–Em 10 de Fevereiro de 2015, Álvaro..., diretor clínico da Ré, Clinica E., S.A.. e a Ré, Cristina..., remeteram à Autora carta em resposta à reclamação por esta apresentada.
37.–A Autora procedeu à colocação de quatro implantes.
38.–Em 25 de Março de 2015, foi emitida por parte da Clínica C... a fatura em nome da Autora no montante total de €3.600,00, discriminando-se os seguintes valores:
- Cirurgia para colocação de um implante (1.6), no valor de €600,00;
- Cirurgia para colocação de um implante (2.6), no valor de €600,00;
- Cirurgia para colocação de um implante (3.6), no valor de €600,00;
- Cirurgia para colocação de um implante (3.7), no valor de €600,00.
39.–Decorrente do tratamento referido (colocação de implantes), a Autora procedeu à toma de antibióticos, v.g. iboprufeno, amoxicilina + ácido clavulânico, 875 mg + 125 mg, deflazacorte, cianocobalamina + piridoxina + tiamina, 0,2mg + 200 mg + 100 mg, tendo despendido o valor de €49,28.
40.–Em 9 de Abril de 2015, a Autora dirigiu-se às urgências do Hospital de Cascais, constando do respetivo resumo do episódio de urgência que:
“Triagem (…) recorre ao SUGO por perda hemática vaginal de sangue vivo em pequena quantidade + álgias pélvicas intermitentes.; DUM: 19/03; IO: 2042; AP: 25/03 – excisão de dente e colocação de 2 implantes dentários. Nega alergias (…)
41.–A Autora ficou perturbada no seu descanso, tendo dificuldades em dormir, sofrendo dores (pelo decurso do tempo de cicatrização), sentindo vergonha, desmotivação, angústia e constrangimento ao falar (inclusive no rendimento apresentado em ação de formação do IEFP num curso de Espanhol/Alemão), sentido dificuldades em mastigar, perdendo peso (cerca de 5kg), ficando deprimida, reservada, tendo-se isolado nas suas relações sociais e familiares (com o seu cônjuge e filhas).
42.–A intimidade conjugal da Autora foi afetada, tendo abandonado o seu propósito de engravidar.
43.–A Autora não frequentou o ginásio desde 16 de Dezembro de 2014 até ao dia 26 de Janeiro de 2015.
44.–A Autora, desde 22 de Setembro de 2014 até 12 de Junho de 2015, inclusive, encontrava-se em situação de desemprego, apenas tendo procurado posteriormente emprego.
45.–A Autora sente receio, angústia e frustração, pela sujeição à manutenção e tratamentos regulares decorrentes da colocação de implantes.
46.–A Ré, Clinica E., S.A. presta cuidados de saúde, tendo acordado com a Ré, Cristina..., médica dentista, inscrita na Ordem dos Médico Dentistas (OMD), a cedência do seu espaço, imagem, logística administrativa e funcional, esquipamentos e outros meios complementares de diagnóstico mediante a repartição dos valores entregues pelos clientes desta última (uma percentagem do montante entregue).
47.–Mais acordaram que seria a Ré, Clinica E., S.A. a proceder à faturação do valor final aos clientes, sendo que esta mensalmente entregaria à Ré, Cristina..., o valor acordado.
48.–A Ré, Cristina..., no âmbito do acordo referido goza de total autonomia técnica, respeitando orientações de carácter geral e abstrato emanadas pela administrações da Ré, Clinica E., S.A. e do respetivo Diretor Clínico, que visam dar cumprimento a regras emanadas por organismos públicos que regulam e tutelam a atividade das unidades privadas de saúde.
49.–Em 28 de Novembro de 2002, a Ré Clinica E., S.A. acordou, por escrito, com M. Seguros..., S.A., mediante apólice n.º 6..., a transferência da responsabilidade decorrente exclusivamente de lesões materiais ou corporais causadas involuntariamente a pacientes ou terceiros pela exploração do estabelecimento de saúde mediante a entrega de contrapartida anual, com duração de um ano a continuar pelos seguintes.
50.–Do âmbito do referido acordo constam, entre outras, as seguintes circunstâncias: utilização das instalações e respetivos equipamentos; intoxicação alimentar de produtos preparados no respetivo estabelecimento; queda total ou parcial de tabuletas, anúncios ou reclamos luminosos existentes nas instalações; responsabilidade de enfermeiros ou auxiliares ou paramédicos dependentes da Ré, Clinica E., S.A.), excluindo-se a responsabilidade decorrente do exercício profissional de médicos que prestam serviço na respetiva clínica.

Tudo visto, cumpre apreciar.
*

IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Da impugnação da matéria de facto.
Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documentos superveniente, impuserem decisão diversa.

Nos termos do Art. 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que, ao Recorrido, por contraposição, caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.

A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.

No caso concreto a A. pretende a alteração da matéria de facto relativamente a um conjunto de circunstâncias que importará considerar, nomeadamente:
– O ponto 3 dos factos provados deveria ser alterado e os pontos 4 a 7 deveriam ser dados por não provados.
– O ponto 9 também deveria ser alterado.
– O ponto 11 igualmente deveria ter outra redação e os pontos 12 e 13 deveriam ser dados por não provados.
– O ponto 14 deveria ter resposta diversa.
– Os pontos 16 a 19 deveriam ser dados por não provados.
– O ponto 21 deveria também ter resposta diversa.
– Propõe o aditamento de matéria de facto após o ponto 21 e em substituição dos 17 a 19 não provados.

Vejamos então dos fundamentos da pretensão assim formulada de forma discriminada.

1.1– Dos pontos 3 a 7 dos factos provados.

A sentença recorrida deu como provado nos pontos 3 a 7 que:
“3.- A Ré, Cristina..., procedeu à realização de um exame objetivo, cujo resultado foi inconclusivo, não tendo sido possível identificar um dente específico no qual estivesse localizada a origem da dor que a Autora sentia; mais, realizou testes de vitalidade, que foram inconclusivos.”
“4.- A gengiva do terceiro quadrante estava edemaciada, apresentava hemorragia à sondagem, bolsas profundas e furcas expostas nos dentes n.º 36, n.º 37 e n.º 38.”
“5.- A Ré, Cristina..., efetuou radiografias periapicais; tendo detetado perda óssea desde o dente n.º 35 ao dente n.º 38, mas com maior profundidade nos dentes n.º 36 e 37 e, ainda, acumulação de cálculo em cada um dos dentes referidos.”
“6.- A Ré, Cristina..., concluiu que se tratava de periodontite crónica, pelo que o respetivo tratamento abrangeria três fases: higiénica (hábitos de higiene oral, com vista à remoção da placa bacteriana e o tártaro que a protege), cirúrgica (atendendo à profundidade das lesões, procurando-se ganhar acesso às lesões ou até regenerar os tecidos em causa) e de manutenção (monitorização dos resultados obtidos, procurando manter as superfícies dentárias livres de placa bacteriana através de uma higiene oral correta).”
“7.- A Ré, Cristina..., aconselhou a Autora a realizar uma destartarização, tendo esta acedido, procedimento, este, que demorou cerca de uma hora.”

O tribunal a quo fundamentou a sua resposta sobre estes factos em conjunto, iniciando com uma apreciação abrangente sobre toda a prova produzida do modo que se passa a transcrever: «O Tribunal formulou a sua convicção através da análise da prova documental carreada aos autos, das declarações de parte da Autora e da Ré, Cristina..., da livre apreciação da prova testemunhal, criticamente e à luz das regras da experiência. Concretizando.

«Prima facie, refira-se que o caso judicando se reconduz problematicamente à assunção de duas versões distintas, por parte da Autora e por parte da Ré, Cristina..., cuja viabilidade e suficiência probatória de cada uma delas condicionou a corroboração fáctica do alegado nos respetivos articulados.

«Dir-se-á, portanto, que é notória a construção da realidade fáctica alegada, por cada uma das partes, consoante a perceção que tiveram do âmbito da relação entre si (consultas e respetivo tratamento médico dentário), pelo que tal condicionamento nas respetivas declarações de parte foi tido em conta, face aos demais elementos probatórios constantes nos autos e produzidos em sede de audiência.

«Concludentemente, como infra se especificará a versão trazida aos autos por parte da Autora, reproduzida nas suas declarações de parte, funda-se na perceção de que se dirigiu à respetiva consulta única e exclusivamente para o tratamento de um dente anteriormente intervencionado (dente n.º 36), contudo, em verdade, e, de resto, decorrente das suas declarações, a mesma referiu e confirmou que lhe foi comunicado em momento prévio que estaria perante um foco de infeção numa zona concreta (que abrangia o dente n.º 36, o dente n.º 37 e o dente n.º 38).

«Tal circunstância consubstancia o fundamento motriz da corroboração fáctica da realidade alegada, pois permitiu ao Tribunal compreender o âmbito de cada uma das consultas, bem como de toda a relação relatada entre as partes. Não se olvidando, nesta sede, que uma coisa é a perceção do que é dito a alguém no âmbito de uma consulta em contraste com o conhecimento técnico da contraparte (que procura explicitá-lo) e o tratamento levado a cabo.» (cfr. fls 245 verso)

Depois debruça-se a decisão corrida especificamente sobre os pontos 1 a 7 da matéria de facto referindo que esses factos foram: «corroborado(s) através da conjugação das declarações de parte da Ré, Cristina..., e da Autora, dando-se prevalência àquela primeira, atenta a descrição e explicitação da consulta, os procedimentos levados a cabo (exames, testes), diagnóstico efetuado, tratamento adequado e conselhos dados à Autora. Não se pode, nesta sede, resumir que a Autora tão-somente foi realizar uma destartarização, porquanto a causa de tal tratamento, ou o que levou a Ré, Cristina..., a proceder a tal tratamento tem que ser tido em conta.

«Por fim, resultou identicamente de tais declarações em correlação com o depoimento de Joana..., na qualidade de assistente da Ré, Cristina..., que esteve presente nas consultas realizadas à Autora, o receio transmitido pela Autora à Ré, Cristina..., a propósito de tratamentos médico dentário.

«O Tribunal não considerou relevante a circunstância, referida pela Autora e resultante do depoimento de Manuel..., na qualidade de cônjuge da Autora, de que a Ré apenas disse que aquela deveria voltar à consulta cerca de um ano depois, por uma dupla ordem de razões: o facto em si, marcação de consulta, não é relevante para o juízo a proferir e, por outro lado, de tal facto, a sua corroboração ou não corroboração, não se retira ou põe em crise o ocorrido nas consultas posteriores (diagnóstico, tratamento, extração, etc.).

«Paralelamente, o Tribunal também não atendeu à referência de que a Autora não levou a cabo o tratamento aconselhado pela Ré, pois objetivamente apenas resulta que um ano depois a mesma se dirigiu à consulta desta, apresentando desconforto, o que é um dado objetivo para novo diagnóstico, tratamento e intervenção médica.

«Ainda, não se atendeu à circunstância contraditória entre o depoimento de Manuel... e o depoimento de Joana... sobre se se encontrava mais alguém no gabinete da Ré, Cristina..., aquando da consulta realizada, por irrelevante, porquanto os depoimentos em questão, no que toca à consulta de 25 de Março de 2013, não se apresentam como realidades excludentes. No mais, apenas a corroboração, resultante das referidas declarações e depoimentos, de que a Autora foi às instalações da Ré, Clinica E., S.A. para ser consultada pela Ré, Cristina..., e não que se tinha dirigido àquela clínica para ser consultada por qualquer médico, entre eles a Ré.» (cfr. fls 246 a 246 verso).

A Recorrente não concorda com o julgamento de facto relativo ao ponto 3 em função do que resultou das declarações prestadas pelas partes e do depoimento da testemunha Manuel..., que seriam as únicas com conhecimento direto dos factos. Entende, em suma, que não se justificava que o Tribunal a quo apenas tenha valorado as declarações da R..

Para tanto, pretende realçar que a A., no seu depoimento do dia 25 de Novembro de 2016 (aos minutos 00:02:25 e 00:02:30) disse: “cheguei à consulta, disse o que sentia… que se não lavasse os dentes sentia o dente e ia fazer uma destartarização, portanto uma consulta de rotina”. E ao minuto 00:03:03, que: “A Dra. Cristina fez um Raio-X ao dente”.

Já da testemunha Manuel..., que disse ter estado presente na consulta, releva que o mesmo disse no seu depoimento do 19-12-2016 (aos minutos 00:03:10 e 00:03:26) que: “A Dra. Cristina efetuou a destartarização e disse que devia fazer uma consulta de rotina anualmente”; e ao minuto 00:03:40 que a Ré não informou de qualquer periodontite. O que coincide com as declarações de parte da A. (ao minuto 00:05:30) quando a mesma referiu: “ Devia fazer destartarização, porque realmente os dentes naquela parte estavam com bastante tártaro, que eu pelo menos à vista não via, não tinha sangramento de gengivas, não tinha nada portanto e ficou combinado voltar mais ou menos dali a um ano”.

É em função destes depoimentos assim realçados e do facto de não haver motivo para dar maior credibilidade às declarações da R., que a A. propõe que seja dado por provado que: “A Ré procedeu à realização de uma destartarização e radiografia, tendo sido aconselhada a agendar uma consulta para, aproximadamente, dali a um ano”.

Nesta sequência, a Recorrente considera ainda que esses factos afetam naturalmente os pontos 4 a 7 da matéria de facto provada, que no seu entender deveriam ser dados por não provados, ressalvado que foi efetuado o exame (radiografia) e a destartarização (com caracter normal e não na duração referida).

Para esse efeito, refere ser essencial a radiografia junta pela R. como doc. 1 da sua contestação da R. (cfr. fls 172) que incidiu apenas sobre o dente 36 (o dente que se apresenta ao meio da imagem) e não sobre toda a zona afetada, não tendo sido feita prova dos pretensos percalços na recolha dessa imagem, tal como foi alegado pela R., que até ficou satisfeita com a imagem assim recolhida. Assim, na opinião da Recorrente, o que resultaria dessa prova é que sempre foi o dente 36 o dente a tratar.

Realça a propósito que isso resulta do depoimento da própria R. do dia 25-11-2016., nomeadamente aos minutos 00:07:35 e 00:07:45, onde diz que: “Esse foi sempre o dente onde eu depositei mais atenção, mesmo para se estabelecer a relação se esse dente seria mesmo a causa da dor”. Ou ao
minuto 00:19:30 (até ao 00:19:45) onde refere que: “ voltei a incidir toda a minha atenção no dente 36, precisava mesmo de ver
se esse dente não teria sinais de necrose.”. E aos 00:19:50 e 00:20:00, quando diz: “Eu precisava mesmo de tirar o raio-x ao 36”.

A R. também terá dito que a decisão de extrair o dente 37 é sua depois das observações e exames que fez (minutos 00:36:30 a 00:36:40), mas realça a Recorrente que não foram feitos exames concretos a toda a zona que vai do dente 35 a 38.

Por outro lado, no entender da Recorrente, o tribunal não poderia ficar convencido que as radiografias realizadas eram suficientes, quando em causa estava uma decisão grave que implica a extração de 3 dentes duma assentada e a própria R. admitiu que se poderiam ser usados outros métodos de diagnóstico, como seria o caso da ortopantomografia, que a própria R. referiu como possível (ao minuto 00:49:08 do seu depoimento), ainda que indicasse ser contraproducente em face do nível de radiações a que sujeita os pacientes.

A Recorrida, 1.ª R., contrapôs que a consulta no dia 25 de Outubro de 2013, não era uma consulta de rotina e reportava-se a queixas de dor no 3.º quadrante do maxilar inferior esquerdo, tendo explicado no seu depoimento todos os exames que realizou (anamnese, exame objetivo, o teste de vitalidade e o exame complementar de diagnóstico radiológico) – tudo entre os minutos 00:02:59 e 00:07:22 –, sendo com base neles que excluiu o diagnóstico de necrose pulpar e concluiu tratar-se de periodontite crónica. O que prontamente transmitiu à A. de modo inteligível e adequado, que lhe havia referido ser uma pessoa receosa de tratamentos dentários. Depois, aos 00:09:00 e 00:09:37, referiu que explicou à A. a terapêutica a aplicar, pedindo a sua especial colaboração no que tangia à higienização da zona afetada, considerando que esse tipo de problema exigia a cooperação do paciente, tendo o plano de tratamento sido aceito e compreendido pela A., recomendando uma destartarização para remover o cálculo acumulado nos dentes.

Assim, de todo o contexto do depoimento da R. seria incoerente concluir que a A. foi aconselhada a agendar consulta para dali a um ano, devendo assim manter-se a redação do ponto 3 dos factos provados.

O mesmo sustentou a Recorrida quanto aos pontos 4 a 7 da matéria de facto, pois decorrem das imagens constantes do exame complementar de diagnóstico (radiografia), juntas aos autos, a perda óssea na zona dos dentes n.º 35.º a 38.º, que associado à observação minuciosa realizada pela R., permite concluir pelo diagnóstico realizado e comunicado a A. de “periodontite crónica”.

Ouvida a prova em audiência percebemos que o tribunal a quo tenha dado especial relevância às declarações de parte da R., porque foram muito precisas e objetivas. Trata-se de depoimento que impressiona pela sua segurança, sendo pleno de detalhes técnicos que só uma médica dentista que interveio pessoalmente no caso e observou a paciente poderia fornecer, conjugados depois com a cópia ampliada das radiografias de fls 172 e 176, ambas referentes à zona dos dentes 35 a 37, que aparecem na imagem.

As alegações da Recorrente apresentam extratos do depoimento da R. que estão troncados e descaracterizam o sentido global das suas declarações. Analisado esse depoimento na sua globalidade percebe-se que as preocupações da R. fossem o dente 36, porque era o mencionado nas queixas apresentadas pela A., só que o exame posteriormente realizado demonstrou que o problema não era só do dente 36, mas da zona óssea que abarcava além daquele também os dentes 37 e 38, como resulta da gravação entre os minutos 6:00 e 8:40.

Não vemos como as declarações de parte da A., ou do seu cônjuge, tenham posto em causa os factos que concretamente foram dados por provados nos pontos 4 a 7, mesmo considerando que a A. pudesse ter a perceção de que o problema era só no dente 36, por ter sido objeto de reconstrução e intervenção ocorrida há já alguns anos.

Quanto ao pormenor que a A. pretende ver dado por provado por referência ao ponto 3 dos factos provados, relativo ao conselho dado para agendar consulta dali a um ano, ele foi referido pela A. e pelo seu cônjuge, mas de facto não se coaduna com o diagnóstico da R., nem com a premência do tratamento que passava por um controlo da higienização e por consultas regulares, conforme resultou das suas declarações a partir dos minutos 15.

Julgamos assim não haver motivos fundados para alterar a matéria de facto em causa, sendo a apreciação da prova pela primeira instância correta e adequada ao que podemos ouvir e apreciar.

1.2– Do ponto 9 dos factos provados.
De seguida a Recorrente sustenta que o ponto 9 dos factos provados deveria ser alterado.

Desse ponto consta como provado que:
“9.- A Autora apresentava-se com uma infeção na zona identificada na primeira consulta, tendo a Ré, Cristina..., prescrito amoxicilina e ácido clavulânico – 875 + 125 mg.”
Mas a Recorrente pretende que fique provado que: “9. A Autora apresentava-se com um abscesso debaixo do dente 36, tendo a Ré prescrito um antibiótico para o efeito.” Sustenta essa alteração, porque foi isso que resultou explicitamente do seu próprio depoimento em audiência, a partir do minuto 00:07:00.
A Recorrida, 1.ª R., veio dizer que o alegado pela Recorrente não corresponderia à verdade, referindo que a prescrição médica é a dada por provada, como resulta das declarações da R. aos minutos 00:18:30 e 00:18:55, sendo que o tratamento farmacológico era adequado ao tratamento de abcesso periodontal de que a A. sofria, mas não se distinguia o problema do dente 36 dos restantes.
Importa ainda relevar que a sentença recorrida apresentou motivação da sua convicção para o ponto 9 em conjunto com o ponto 8, referindo que essa matéria: «resultou das declarações de parte da Autora e da Ré, Cristina... e, ainda, do depoimento de Joana..., das quais se extraiu que aquela se dirigiu à consulta desta para ser receitado antibiótico a propósito de uma infeção que sentira.» Depois especifica-se que: «Nesta sede não se atendeu à referência feita por parte da Autora de que a Ré teria referido que o dente n.º 36 estaria ligeiramente acima dos outros, por contraditório face aos restantes elementos probatórios constantes nos autos e produzidos em sede de audiência, v.g. documentos juntos com requerimento de ref.ª 21237422 e 21237523, referentes a radiografias aos dentes n.º 35, 36 e 37, como infra se explicitará» (cfr. fls 246 verso). É mais à frente que o Sr. Dr. Juiz que prolatou a sentença explica que desde o início do tratamento o objetivo era procurar a origem do problema e que a R. sempre explicou que o que estava em causa era a zona e não um dente concreto (cfr. fls 247).
Posto isto, não vemos como é que só com base nas declarações da A. se pode concluir que o problema era apenas no dente 36. Admitimos que a A. poderia ter a perceção da zona onde sentia dores ou que lhe era mais sensível, mas não poderia ter a veleidade de ter a certeza absoluta de que o problema era apenas no dente 36. Para isso era preciso tivesse conhecimentos técnicos, que evidentemente não possuía.
De referir que a A. mencionou que, após a intervenção da R., consultou pelo menos 2 clínicas, mas não juntou aos autos qualquer relatório médico dessas entidades de onde pudesse resultar a conclusão médica inequívoca de que nunca sofreu de “periodontite óssea crónica” na zona dos dentes 35 a 38. De facto, não percebemos, o motivo pelo qual não tomou essa iniciativa. Impunha-se aqui também alguma pro-atividade por parte da A. no esclarecimento do tribunal, por forma a afastar as justificações que a R. apresentou para os seus atos.
Assim, o mais que poderemos admitir e reconhecer é que existiu uma clara assimetria entre a perceção que a A. tem dos factos e a avaliação que a R. ia fazendo do que observava e podia concluir em função dos seus conhecimentos técnicos, sendo que essa situação foi devidamente ponderada pelo Tribunal a quo de forma que não nos pode merecer reparo.
É patente que ambas as partes foram construindo a realidade de acordo com a sua convicção, o que se refletiu nas suas declarações, sendo que da prova produzida pode-se concluir que objetivamente o problema da A. não se circunscrevia ao dente 36, mas a zona óssea que também o incluía.
Diremos assim que a redação do ponto 9 está conforme com o que foi possível apurar em audiência de julgamento, apesar das contradições apontadas.
É natural que se tivesse dado alguma prevalência às declarações da parte que melhores conhecimentos técnicos tem, porque o depoimento da R. foi aqui muito objetivo e específico, traduzindo uma realidade muito técnica. O que, no final, se reflete na redação dada ao ponto 9, que a nosso ver não deve ser alterada.

1.3– Dos pontos 11 a 13 dos factos provados.
Segue-se a impugnação dos factos n.º 11 a 13.
O tribunal deu por provado que:
“11.- A Ré, Cristina..., observou clinicamente a Autora identificando um abcesso periodontal, tendo comunicado tal diagnóstico à Autora, e que ficou de forma geral ciente do que havia a fazer.”
“12.- Após várias tentativas, a Ré, Cristina..., conseguiu radiografar o dente n.º 36, não tendo conseguido radiografar na totalidade o dente n.º 37 e 38, constatando perda óssea entre os dentes n.º 36 e n.º 37.
“13.- Mais, realizou testes de vitalidade cujo resultado foi inconclusivo, tendo efetuado nova destartarização.”

A A. pretende que sejam dados por não provados os factos 12 e 13, sendo que a redação do 11 deveria ser alterada, por forma a que fique dado por provado que: “11. A Ré efetuou uma radiografia ao dente 36, bem como uma destartarização, tendo sido a autora informada de que iam aguardar com vista a verificar a evolução do dente e apresentada a solução de extração do dente 36.”

A Recorrente pretende ver consagrada esta alteração de redação igualmente só com base no depoimento da A., que a partir do minuto 00:07:55 esclareceu que antes de fazer a destartarização fez um raio-x ao dente 36, porque ele continuava sobrelevado, tendo-lhe sido dito pela primeira vez que tinha “periodontite crónica”, que percebeu ter a ver com a densidade óssea e que era uma coisa “muita má” e tinha “sequelas enormes”. Mais à frente esclareceu ainda que foi informada que iam aguardar para ver como o dente se ia comportar, “mas o melhor seria extrair para não prejudicar o resto”.

Por outro lado, quanto aos pontos 12 e 13 reforçou o que já havia dito a propósito da radiografia junta a fls 172, que se centra no dente 36, não tendo a R. feito prova de que não conseguiu radiografar os dentes 37 e 38.

A Recorrida, 1.ª R., veio dizer não corresponder à verdade o facto que a Recorrente pretende ver dado por provado no ponto 11. Desde logo, porque a A. só regressou à consulta um ano depois, contra as indicações da R., e por causa de um episódio de dor, pretendendo a A. nessa segunda consulta obter prescrição médica contra a dor, o que foi satisfeito, conforme decorre das declarações da R. aos minutos 00:18:30 e 00:18:55. Mais, findo o tratamento farmacológico, a A. apresentou-se novamente em consulta, onde a R. realizou a observação clínica dada por provada, aí constatou uma perda óssea exuberante entre os dentes n.º 36 e 37 e uma ausência de lesões periapicais.

Sobreleva em particular que a R. disse aos minutos 00:24:03 e
00:24:10 que: «
o dente 36 por estar restaurado, não se istinguia nos seus sintomas dos outros»; que o seu diagnóstico foi de
periodontite crónica e explicou à A. que havia sofrido um abscesso
periodontal «
na zona do osso» e que «tínhamos de voltar a higienizar muito bem» (minutos 00:24:17 e 00:24:50). Tendo sido feita a destartarização nessa consulta, como resultou do seu depoimento (minutos 00:24:03 e 00:24:10) e da testemunha Joana..., assistente dentária presente na consulta (depoimento de 19 de Dezembro de 2016 aos minutos 00:01:50 e 00:02:10).
Também considera que fez prova de que a radiografia à zona bocal foi conseguida a custo e que apenas após várias tentativas se logrou imagem razoável da zona abrangente dos dentes 36, 37 e 38 (declarações da R. aos minutos 00:21:47 e 00:22:10, corroborado pelo depoimento da testemunha Joana... aos minutos 00:02:57 e 00:03:23, quando referiu que «a Senhora, muito nervosa, muito ansiosa. Uma paciente um bocadinho complicada»).

A sentença recorrida fundamentou estes factos todos em conjunto com ponto 10, referindo que: «resultou corroborado, em primeiro lugar, através das declarações de parte da Ré, Cristina..., que explicitou os testes realizados, bem como o respetivo diagnóstico (infeção entre os três dentes, n.º 36, 37 e 38, comunicando o abcesso que detetou, a necessidade de higiene e o foco na manutenção dos dentes) e, ainda, através das declarações de parte da Autora que referiu, frise-se, que lhe foi explicado de forma geral o que havia a fazer no que toca ao tratamento em questão (face ao diagnóstico observado – periodontite crónica).»

Posto isto, percebe-se uma vez mais que foi relevado o confronto entre as declarações de parte, dando-se um especial relevo àquela que evidentemente maiores e mais especializados conhecimentos tinha sobre a matéria. A questão da divergência entre as partes sobre se o problema era do “dente 36” ou da “zona” onde esse dente se inseria já foi anterior apreciada e foi resolvida pelo Tribunal a quo de forma que nos parece adequada, compreendendo-se perfeitamente a valoração que foi feita da prova. Nessa medida, as alterações propostas não podem ser acolhidas, ainda que seja evidente que se verificou uma diferente perceção do problema por parte da A. relativamente ao que a R. objetivamente configurou em função da sua análise médica do caso.

1.4– Do ponto 14 dos factos provados.
Segue-se a impugnação da matéria do ponto 14, do qual consta como provado que:
“14.- Em 15 de Dezembro de 2014, a Ré, Cristina..., foi contactada por V..., na qualidade de amiga em comum com a Autora, que referiu que esta tinha sofrido um aborto espontâneo, e que a mesma lhe tinha transmitido que queria uma solução para os episódios recorrentes de dor, por pretender engravidar de novo e não deseja passar por dores ou infeções dentárias numa possível futura gravidez, tendo a Ré referido que a solução mais segura seria a extração dos dentes envolvidos na infeção.”

A Recorrente, para além de explicitar que a gravidez e o aborto foram situações inesperadas ocorridas em novembro, pretende aqui apenas por em causa o esclarecimento dado por provado de que a R. teria referido que a solução mais segura seria a extração “dos dentes envolvidos na infeção”. Isto porque das suas declarações resulta que a mesma só pensou em tirar um dente. Pelo que, ou o facto deveria ser dado todo por não provado, ou deveria apenas ficar provado que em dezembro de 2014 a R. foi contactada por V..., tendo a R. referido que a solução mais segura seria a extração “do dente”, e não a extração “dos dentes”.

A Recorrida contrapõe que no seu depoimento ao minuto 00:25:07 frisou que o problema não era num dente, mas «no osso entre os dentes» e que «a extração é que acaba por ser o tratamento adequado para a pessoa não ter mais infeção naquela zona».

A decisão recorrida fundou a sua convicção nesta parte em conjunto quanto aos pontos 14 a 22, daí decorrendo o seguinte: «O processo de tomada de decisão para a extração por parte da Autora, a propósito de um aborto espontâneo que tivera, foi corroborado por referência as declarações de parte da Autora, da Ré, Cristina..., e, ainda, dos depoimentos de V..., na qualidade de amiga da Ré, Cristina..., desde a infância, e, há cerca de 4 anos, da Autora e de Manuel.... Da consulta em causa: as versões relatadas por parte da Autora e por parte da Ré, Cristina..., não são realidades excludentes em si. Vejamos.

«A Autora refere que após a extração efetuada pela Ré, Cristina..., e por lhe ter dito que ficou contente que tivesse sido extraído o dente anteriormente intervencionado (dente n.º 36) gerou-se uma confusão no gabinete da Ré, tendo esta ido confirmar ao computador, enquanto a Autora chorava, tendo a Ré informado que de facto tinha retirado o dente que diagnosticara como principal foco de infeção e que poderia extrair, também, o dente n.º 36, a que a Autora acedeu.

«Com relevo, apesar de a Autora ter insistido nas suas declarações que foi à consulta para extração do dente n.º 36, a mesma referiu que lhe tinha sido comunicado anteriormente que podia ser uma zona infecionada, mas que não se apercebeu de tal facto pois não tinha sintomas de nada, tendo percebido que o grau de incidência estaria no dente n.º 36.

«Ora, tal realidade (a confusão gerada) resulta identicamente das declarações de parte da Ré, Cristina..., que explicitou a respetiva dinâmica da consulta, explicitando à Autora os procedimentos levados a cabo (exame objetivo), que detetou mobilidade nos três dentes, que verificou e identificou o principal foco de infeção localizado no dente n.º 37, referindo à Autora que o dente 38 (siso) iria ficar sozinho pelo que a melhor maneira de higienização era a utilização de uma compressa (o que, frise-se, a Autora, também, referiu nas suas declarações de parte, no que toca ao dente n.º 38).

«Mais, referiu que procedeu à extração do dente em causa e que posteriormente notou a confusão da Autora ao referir que, ainda bem, que tinha sido retirado o dente anteriormente intervencionado.

«Com relevo referiu que, desde o início do tratamento, reportado à primeira consulta o objetivo era procurar a origem do problema, e que sempre explicou que era uma zona e não um dente em concreto e que, enquanto diagnóstico, identificou o dente n.º 37, pois era a causa da agudização da dor que a Autora sofria, tendo explicitado, em confronto com as cópias das radiografias juntas aos autos, que o dente n.º 37 apresentava uma maior perda óssea, encontrando-se numa posição inferior face aos restantes e não que o dente n.º 36 estivesse elevado face aos restantes – os documentos em causa apresentam-se como dado objetivo que, correlacionado com o diagnóstico em causa (periodontite, perda óssea), permitiu ao Tribunal aferir que aquele dente (n.º 36) se encontra numa posição idêntica (em linha) aos demais e que o dente n.º 37 se apresentava em posição inferior.

«Concludente e objetivamente resulta de tais declarações que houve de facto uma confusão entre o comunicado pela Ré, Cristina..., e a perceção e compreensão da Autora do objeto de tal comunicação, contudo a referência à higienização do dente n.º 38 (dente do siso) indica que o dente a que a Ré, Cristina..., se referia não era o dente n.º 36 (anteriormente intervencionado), mas o dente n.º 37, que efetivamente foi extraído em primeiro lugar.

«Tal conclusão é coerente e concordante, ainda, com o depoimento de V..., enquanto testemunha presencial, que acompanhou a Autora à consulta, e apesar de ter referido que não estava atenta ao desenrolar da consulta, referiu que a Ré, depois da extração do primeiro dente, foi verificar ao raio-x e confirmou que “o dente que tinha que sair saiu”, tendo dito que “o dente que a Autora falava também teria que sair” e o depoimento de Joana... que referiu que foi explicado à Autora qual o foco principal da infeção e que teria que proceder posteriormente a uma melhor higienização do dente n.º 38 (siso); referindo procedimentalmente a extração, e que, quando a Autora se levantou referiu que “ainda bem que tinha sido retirado o dente anteriormente intervencionado” (dente n.º 36), tendo a mesma ficado alterada quando a Ré, Cristina..., referiu que tinha sido retirado o dente n.º 37, tendo, de seguida, sido proposta extração do dente n.º 36 e a Autora anuído.

«Nesta sede não se atendeu ao depoimento de Helena..., na qualidade de sócio-gerente de uma clínica na qual a Ré, Cristina... exerce funções, e ao depoimento de Vanessa..., na qualidade de colega de curso da Ré, Cristina..., por terem conhecimento indireto de tal factualidade. Contudo, não é despiciendo referir que de tais depoimentos resultou, confrontados com as radiografias constantes dos autos, que o diagnóstico da Ré, Cristina..., no que toca ao foco primordial da infeção seria o dente n.º 37 (encontrando-se numa posição inferior), pelo que concordavam com o mesmo.»

Sem prejuízo da abrangência da fundamentação assim exposta, estando em causa no ponto 14 apenas o segmento constante da parte final da sua redação, parece-nos claro, sem prejuízo da divergência de entendimentos existente entre A. e R., que do conjunto da prova resulta que a extração foi a solução proposta pela R., a qual foi transmitida à amiga comum. Por outro lado, mesmo que para a A. a extração fosse reportada a um único dente, mais concretamente ao intervencionado (dente 36), para a R. a extração foi configurada por referência à zona da infeção, pois só desse modo o problema seria definitivamente solucionado. Como este facto, na redação dada, se reporta à opinião médica da R. (e só desta) transmitida à amiga comum, julgamos que só poderia ser dado por provado o que consta do ponto 14.

1.5– Dos pontos 16 a 19 dos factos provados.
A Recorrente pretende ainda que sejam dados por não provados os factos 16 a 19 da matéria de facto provada.
Resulta provado nesses pontos a seguinte matéria:
“16.- No âmbito da referida consulta, a Autora declarou à Ré o desejo de engravidar e referiu que tinha dormência e desconforto na zona do terceiro quadrante.
“17.- A Ré, Cristina..., procedeu à realização de um exame objetivo à zona em questão, tendo identificado uma bolsa profunda e edemaciada na região lingual do dente n.º 37.
“18.- A Ré, Cristina..., referiu à Autora que após a extração do dente em questão, o dente n.º 38 iria ficar “sozinho”, pelo que iria necessitar de uma melhor higienização cujo procedimento explicou.
“19.- A Ré, Cristina..., procedeu à extração do dente n.º 37, sendo que aquando do respetivo procedimento ao afastar a gengiva lingual do dente n.º 37 com o sindesmótomo comunicou à Autora a drenagem abundante hemorrágica que saiu da bolsa, apresentando a referida zona cálculo.
A fundamentação do Tribunal  a quo relativamente à sua convicção sobre esta matéria é a que já deixámos expedida em 1.4 do presente acórdão.
A Recorrente pretende por em causa esta factualidade, por resultar das suas declarações de parte e ainda do depoimento da sua amiga, que esteve presente nessa consulta, que também ela logo ficou com a perceção de que tinha sido extraído o dente que a A. não pretendia ser retirado.
Salvo o devido respeito, parece-nos que a Recorrente errou o alvo da sua impugnação, porque das alegações assim apresentadas não se consegue perceber em que é que esses factos determinam a conclusão necessária de que os pontos 16 a 19 deveriam ser dados por não provados.
Estes factos efetivamente não refletem a questão do alegado erro na extração do dente na versão apresentada pela A.. Mas, na verdade, mesmo que houvesse erro, tal não determinaria necessariamente que os factos 16 a 19 deixassem de ser verdadeiros.
Julgamos que a questão suscitada pela impugnação da matéria de facto nesta parte, não é tanto sobre a conclusão de que esses factos deveriam ser dados por não provados, mas mais que a A. pretenderia que fossem dados por provados os factos que correspondiam à sua versão.
A questão do erro na extração só aparece aflorada de forma indireta no ponto 20 e 21 dos factos provados, sendo que relativamente ao primeiro a Recorrente logo expressou o entendimento de que o mesmo deve permanecer provado, propondo uma alteração de redação quanto ao segundo, sobre o que adiante nos pronunciaremos.
No mais, só poderemos dizer que, pelas razões que o tribunal a quo explicitou, com as quais fundamentalmente concordamos, a A. não logrou provar que o problema fosse exclusivamente do dente 36.
A prova relativamente à localização do problema foi contraditória e assente em declarações de parte divergentes e depoimentos testemunhais que na sua maioria não possuíam os necessários conhecimentos técnicos. Salvou-se dessa contradição unicamente a objetividade da situação clínica da A., observada e retratada pela R., tendo por referência as radiografias de fls 172 e 176.
Neste contexto, não vemos motivo para alterar os factos dados por provados, embora estes factos acabem por não esgotar a totalidade da realidade que se verificou na consulta onde se verificaram as extrações dos dentes 37 e 36.

1.6–Do ponto 21 dos factos provados.
Temos de seguida a matéria do ponto 21 dos factos provados, que a Recorrente entende dever ter outra redação.
No ponto 21, com a fundamentação que deixámos exposta no ponto 1.4 do presente acórdão, o tribunal deu por provado que:
“21. A Ré, Cristina..., procurou confirmar qual o dente que devia ser alvo de exodontia, enquanto a Autora se apresentava chorosa, tendo aquela, de seguida, explicado que era de facto o dente que tinha retirado, mas que, apesar de não ser absolutamente necessário, procederia à exodontia do dente n.º 36, procedimento a que a Autora anuiu.” (sublinhado nosso)
A Recorrente apenas pôs em causa o segmento acabámos de sublinhar, pretendendo por em evidência que “dente 36” é que era necessário extrair.
Para esse efeito realça o seu depoimento quando se pronunciou acerca do final da intervenção (minuto 00:16:00 a 00:17:40), dizendo: “Achei que ela estava a brincar comigo (…) Não, o que eu me queixei que era o 36, que era o que estava arranjado, que era o que estava sobrelevado, o outro estava perfeito, não tinha cáries, não tinha nada. (…) Ela entretanto foi ao computador, está a ver o computador, eu entretanto sentei-me a chorar, completamente, como é que isto me foi acontecer, como é que é possível… A Dra. Cristina pediu-me imensas, imensas, desculpas pela falta de informação, que afinal eu também um dia ia ter que tirar este (37) porque ele também já não estava bem, mas que já agora que estava ali tirava o 36 porque ele também já não estava bem e eu acabei por aceder a muito custo, porque já que estava ali, o meu problema era no 36, fui-me sentar para extrair o 36… e a Dra. Cristina ainda me perguntou… eu peço desculpa… disse que não sabia se tinha que dar mais anestesia… e não deu… entretanto tirou o 36, foi superfácil de tirar. Eu entretanto estava em estado de choque, não queria acreditar no que me aconteceu, não conseguia falar mais, dei o dinheiro à minha amiga para pagar e o papel e quando vim para casa ela chegou à receção ela pagou e eu vim para casa todo o tempo a chorar.”

Todos esses factos, segundo a Recorrente, são corroborados pela testemunha Manuel... (minutos 00:23:10 a 00:25:00). Sendo claro que o dente 36 não era necessário, porque isso foi referido pela R. (do minuto 00:38:35 e o minuto 00:39:10), quando disse: “considerei que também justificava-se plenamente, tendo em conta o que a paciente me expunha e tendo em conta a perda óssea, achei que sim, que tinha lógica também tirar o 36.”

A Recorrida contra-alegou sustentando não ser verdade que a exodontia do dente 36 pareceu oportuna à R. e a que a A., na sequência, terá anuído, porquanto o que se passou foi que no final da extração, que decorreu sem qualquer problema, e sem que nada o fizesse antever, a A. afirmou que o dente que queria ver extraído era o 36, já restaurado, tendo a R. explicado que a extração ocorrida tinha sido a do dente 37 conforme previamente informado, compreendido e aceite pela A., por ser este dente o que mais se encontrava comprometido periodontalmente, conforme resultou do seu depoimento entre o minuto 00:31:29 e 00:32:00. O que foi confirmado pela testemunha Joana... no seu depoimento entre o minuto 00:09:29 e 00:10:02.

Contrapostas as posições e ouvidas atentamente as declarações das partes em audiência, o que nos parece resultar do confronto destes depoimentos é que a extração do dente 36 seria de todo o modo inevitável. A própria R., a partir do minuto 37 das suas declarações, apesar de referir que não tinha pensado tirar esse dente (o dente 36), também referiu que sabia que esses dentes estavam perdidos, só que normalmente tem-se uma abordagem conservadora, fazendo a extração de forma mais faseada no tempo. Por isso, perante a confirmação de que era vontade da A. extrair o dente 36, a R. resolveu efetuar essa extração, já que aquela ainda estava anestesiada.

Portanto, a questão da extração do dente 36 era de mera oportunidade. Nessa medida, ao dar-se por provado que a extração do dente não era “absolutamente necessária”, é no sentido de que ainda não era absolutamente necessária naquele momento, mas seria em todo o caso inevitável. Fazendo-se essa precisão, o ponto 21 pareceria dever permanecer provado.

No entanto, existe ainda outro ponto que nos parece essencial, ainda neste contexto, que a matéria de facto não reflete de forma clara. É que, apesar de tudo, ficamos convencidos, pela reação imediata da A. à notícia sobre qual o dente que tinha sido retirado, que era sua convicção íntima que o dente inicialmente extraído pela R. fora o dente intervencionado. O seu depoimento nesta parte pareceu-nos sincero, pois só assim se consegue explicar a reação de choro que a própria R. admitiu que logo se verificou.

Por outro lado, também parece claro que a R. se limitou também a verificar que extraiu o dente que efetivamente quis extrair, como resultou do seu depoimento.

Julgamos de todo o modo que não está suficientemente evidenciado no ponto 21 dos factos provados o que efetivamente se apurou, nomeadamente o motivo para o facto da A. se apresentar chorosa, ainda que este facto venha na sequência do ponto 20.

Assim sendo, julgamos que deveria ser alterada a redação do ponto 21 que deverá passar a ter o seguinte teor:
“21.- Surpreendida com a reação da A. a essa revelação, a Ré, Cristina..., foi confirmar que o dente alvo de exodontia fora aquele que efetivamente tinha pretendido extrair, enquanto a Autora se apresentava chorosa por pensar que tinha autorizado a extração do dente que tinha sido objeto de intervenção (o dente 36). De seguida, a Ré explicou à A. que o dente que tinha retirado era o dente 37, mas que se a A. quisesse também poderia proceder à extração do dente 36, considerando que o mesmo também estava afetado e mais tarde teria que ser retirado, tendo a Autora dito que queria que fosse tirado o dente 36, o que efetivamente logo foi feito pela R.”.

1.7– Do aditamento aos factos provados.
A Recorrente, considerando que a matéria dos pontos 17 a 19 deveria ser dada por não provada, propõe um aditamento aos factos provados, a inserir após o ponto 21, que deveria ter o seguinte teor:
“Após a exodontia do dente 36 a Ré informou a A. de que era melhor proceder também à exodontia do dente 38, tendo perante a recusa da A. em aceder à mesma, explicado o procedimento de higienização.

A Recorrida, 1.ª R., veio responder a esta pretensão alegando que a exodontia do dente 37 resultou de observação e análise
atenta da situação clínica apresentada pela A., sendo esta a solução de medicamente se impunha e foi devidamente transmitida à paciente, ora recorrente. Mas como a A. persistia que o dente 36

deveria ser extraído, e uma vez que a extração deste dente era
indicada, a R. procedeu à exodontia do dente 36, tendo esses procedimentos sido realizados com o consentimento informado expresso, livre, prévio e esclarecido, contrariamente ao que a A. pretende agora fazer crer.


Diga-se que não se vê no que é que esta oposição afete o pedido de aditamento da matéria de facto proposto pela A., que se reporta ao dente 38.

Esta resposta apenas faz realçar que deveria ser dado por provado o que agora deixámos consignado na nova redação dada ao ponto 21, que reflete o que efetivamente se passou em função do descrito pelas partes em audiência, quando prestaram o seu depoimento.

Sem prejuízo, quanto ao aditamento proposto pela Recorrente, ele é efetivamente infirmado no contexto das declarações de parte da R., que esclareceu a A. que o dente 38 ficava sozinho, informando-a igualmente sobre os procedimentos de higiene adequados a essa situação (conforme depoimento aos minutos 29:20). Ora, isso é contraditório com a proposta de exodontia do dente 38, na sequência da extração do dente 36 e também não nos parece de todo consentânea com o alegado “drama” ocorrido com a tomada de consciência pela A. de que tinha sido extraído o dente 37.

1.8– Da apreciação conjunta das alterações.
A Recorrente, depois da impugnação especificada da matéria de facto, faz ainda um longo périplo sobre a motivação do tribunal, sem daí extrair qualquer pretensão concreta.
Não nos iremos pronunciar sobre apreciações genéricas e inconclusivas que aí se fazem sobre a apreciação da prova, mas podermos apenas dizer que já evidenciámos que a questão fundamental que a A. poderia opor à matéria de facto provada é que da mesma não resulta evidenciado que “erro” efetivamente se verificou na extração do dente 37.
No fundo o Tribunal a quo relevou a confusão gerada pela divergência verificada entre a A. e a R. na formação da sua convicção na resposta que deu à matéria de facto provada, mas os factos provados não retratam a real divergência tal como ela resultou provada em audiência de julgamento.
Julgamos que a nova redação do ponto 21 dos factos provados corrige essa deficiência, em conformidade com a convicção com que ficámos da prova produzida.
Resumindo e concluindo, a matéria de facto deverá manter-se com exceção do ponto 21 que deve ficar com a redação mencionada em 1.6 do presente acórdão.

Da responsabilidade civil por ato médico.
Debruçando-nos agora sobre o mérito da causa, recordemos que a presente ação tem por fim o exercício do direito a indemnização por factos ilícitos relativos a ato médico.
A sentença recorrida absolveu do pedido a 2.ª R. e a seguradora interveniente logo de início. A primeira, porque era só a entidade locadora do espaço onde a 1.ª R. exerceu os atos médicos em causa nos autos. A segunda, porque a apólice de seguro que justificou o seu chamamento excluía a sua responsabilidade do seu âmbito de cobertura.
Quanto à 1.ª R., a sentença reconheceu que foi celebrado um contrato de prestação de serviços médicos entre aquela e a A., mas não restrito à extração ou tratamento do dente 36, tal como inicialmente invocado. Nesse pressuposto julgou que não ficou provado que tivesse existido incumprimento, não havendo assim ilicitude ou culpa, excluindo no final a responsabilidade da R., que igualmente foi absolvida do pedido.
A Recorrente considera que a 2.ª R. e a chamada são responsáveis, porquanto aquela age perante o consumidor como oferecendo um serviço, que foi o contratado, dele tirando benefícios económicos.
Por outro lado, considera que o serviço pretendido pela A. reportava-se efetivamente à solução do problema de um dente específico, sendo que a intervenção realizada pela 1.ª R. não foi autorizada e o diagnóstico induziu a A. em erro, ou o tratamento não correspondeu ao diagnóstico realizado e comunicado. Pelo que, verificando-se erro médico, haveria obrigação de indemnização, devendo proceder a pretensão formulada na petição inicial.
Contrariando esta posição, qualquer das recorridas sustentaram a manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos.
Inevitavelmente a apreciação da procedência da pretensão apresentada na petição inicial passa pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil relativamente à 1.ª R., que é a autora material dos factos que a A. entende serem os causadores dos danos cuja reparação pretende.
Começaremos assim por considerar a responsabilidade civil da 1.ª R., já que da verificação da mesma dependerá inevitavelmente a eventual responsabilidade das restantes R.R..
Em primeiro lugar, poderemos desde já adiantar que, relativamente à 1.ª R., está em causa uma alegada situação de responsabilidade civil de natureza contratual, ainda que não se exclua a possibilidade de cumulação de tipos de responsabilidade.
De facto, parte a A. da existência de uma relação contratual, ainda que os regimes de responsabilidade civil se possam sobrepor no caso concreto, porque a fonte da obrigação de indemnização tanto se reporta ao incumprimento contratual, como à lesão de um direito absoluto.
Efetivamente, a responsabilidade civil, da qual emerge a obrigação de indemnização, tanto pode resultar da falta de cumprimento de obrigações emergentes de contratos, negócios jurídicos unilaterais ou de obrigações emergentes da lei – fala-se então de responsabilidade contratual ou obrigacional –, como da violação de direitos absolutos ou da prática de certos atos que, embora lícitos, causem prejuízos a outrem – fala-se então em responsabilidade extracontratual (Vide: Antunes Varela in “Das Obrigações Em Geral”, Vol. I, 5ª Ed., pág. 473).
Na verdade os pressupostos de ambos os tipos de responsabilidade civil acabam por ser muito semelhantes, sendo que a doutrina tem vindo a defender maioritariamente que se podem cumular ambos os regimes que concorrem para a solução do caso concreto (neste sentido: Rui Alarcão in “Direito das Obrigações”, 1983, Ed. Policopiada, pág. 211 a 212; Carlos Mota Pinto in “Cessão da Posição Contratual, 1982, pág. 411; João Álvaro Dias in “Procriação Medicamente Assistida e Responsabilidade Médica”, 1996, pág. 231; Miguel Teixeira de Sousa in “Concurso de Títulos de Aquisição da Prestação – Estudos Sobre a Dogmática da Pretensão e do Concurso de Pretensões”, 1988, pág.s 136 e ss e 313 e ss; e Menezes Cordeiro in “Da responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais”, LEX, 1999, pág. 491 e 492).
Partiremos, no entanto, da consideração da responsabilidade contratual, por comodidade de apresentação e por se nos afigurar mais favorável à pretensão da A., nomeadamente por dela resultar a facilidade da culpa do devedor ser presumida (Art. 799.º do C.C.).
A responsabilidade contratual tem o seu quadro legal essencialmente nos Art.s 798º e ss do C.C., onde se estabelece desde logo a regra geral de que «o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor» (Art. 798º do C.C).
Portanto, a responsabilidade civil contratual pressupõe sempre uma relação jurídica de natureza creditícia, resultando a obrigação de indemnização da violação de deveres decorrentes desse vínculo obrigacional originário.

Os pressupostos da responsabilidade civil contratual ou obrigacional são assim:
a)- a falta de cumprimento duma obrigação, seja por incumprimento absoluto e definitivo, seja por mora, seja por mero cumprimento defeituoso;
b)- a ilicitude, que resulta da constatação da desconformidade objetiva entre a conduta devida e o comportamento observado pelo devedor;
c)- a culpa, que resulta de um juízo de censurabilidade e reprovabilidade, baseado no reconhecimento de que o devedor deveria e poderia agir doutro modo;
d)- o dano, correspondente ao prejuízo sofrido essencialmente no património do credor; e
e)- o nexo causal entre o comportamento ilícito e culposo e o dano considerado (Vide: Antunes Varela in “Das Obrigações Em Geral”, Vol. II, 4ª Ed. pág.s 87 e ss).
Esta é a abordagem mais tradicional aos pressupostos da responsabilidade civil que nós também perfilhamos, por se nos afigurar a mais conforme com a letra e o espírito da lei, ainda que reconheçamos que existe uma parte da doutrina, que supomos ser minoritária, que sustenta que a nossa lei consagrou um sistema de responsabilidade contratual semelhante ao estabelecido no direito francês, também conhecido como o sistema da “faute napoleónica”.

Sucintamente, diremos que essa parte da doutrina defende que o Art. 799º do C.C. não se traduz numa mera presunção de culpa, mas sim numa presunção de ilicitude, de culpa e de causalidade, à semelhança da “faute” do direito francês, bastando ao credor invocar um incumprimento e provar que houve danos, pois é ao devedor que depois compete provar o cumprimento e que se verificou qualquer causa de justificação ou de excusa para não cumprir (Vide: Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Civil Português – II Direito das Obrigações – Tomo III Gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil”, ed. 2010, pág. 391 a 392).

Quer-nos parecer que o Código Civil português de 1966 terá sido muito mais sensível às influências do BGB alemão e do Código Civil Italiano, tendo preconizado desde logo uma conformação geral em rotura com o anterior Código Civil de 1867, também conhecido por Código de Seabra. Esse sim, mais claramente influenciado pelo Código de Napoleão.

O Código Civil português de 1966 vem na esteira da introdução paulatina em Portugal da pandectística alemã pela mão de Guilherme Moreira no início do século XX, sendo o regime da responsabilidade civil claramente influenciado pela evolução doutrinária alemã, cuja origem alguns apontam ter tido início em Jhering, no que se refere à sistemática e rigor analítico dos comportamentos delituais, nomeadamente distinguindo de forma muito vincada as matérias próprias da ilicitude daquelas que se reportam apenas à culpa, funcionando assim cada uma delas como pressupostos autónomos e distintos da responsabilidade civil (vide, a propósito: Antunes Varela in “Das Obrigações Em Geral”, Vol. I, 5.ª Ed., pág.s 545 e ss).

É com base na evolução desses estudos doutrinários que imputam à ilicitude os elementos de natureza mais objetiva dos comportamento delituais, reservando os elementos de natureza mais subjetiva para a culpa, que permitiram chegar à conclusão de que a apreciação da licitude é prévia à consideração da culpa, porque para factos lícitos a questão da censurabilidade nem sequer se coloca. Sendo que existem factos ilícitos que não determinam a obrigação de indemnização, precisamente por se excluir a culpa, nomeadamente pela verificação duma causa de excusa ou de desculpação.

Portanto, no quadro legal estabelecido no Código Civil vigente continua a fazer sentido, como sempre fez, presumir a culpa, como o Art. 799º do C.C. ou, noutras sedes, os Art.s 491º, 492º e 493º do C.C. fazem, sem que tal implique, lógica e necessariamente, uma presunção simultânea de ilicitude ou da causalidade, que são pressupostos da responsabilidade civil perfeitamente autónomos.

Poderemos admitir que numa simples ação de dívida, a invocação e prova do não pagamento praticamente resume o ónus de prova do credor, para os efeitos do funcionamento da responsabilidade contratual estabelecida no Art. 798º do C.C., dando assim a aparência dum sistema de responsabilidade civil muito simplificado semelhante à “faute napoleónica”. Mas, tal resulta da própria simplicidade da causa, em que a responsabilidade civil quase se confunde com a mera exigência do cumprimento da obrigação que não foi cumprida. Para outros casos, mais complexos, como sejam as situações de responsabilidade contratual por cumprimento defeituoso, esse sistema já não se justifica, podendo levar a soluções injustas de “cripto responsabilidade” que não respeitam as regras gerais do ónus de prova que constam do Art. 342º n.º 1 do C.C., nem o sentido exato com que foi estabelecida a presunção de culpa no Art. 799º do C.C. (vide, entre outros, a este propósito: Menezes Leitão in “Direito das Obrigações - Vol. II – Transmissão e extinção das obrigações, não cumprimento e garantias do crédito”, 3.ª Ed., pág.s 243 a 246 e anotação n.º 480).
Nessa medida, importa fazer um esforço analítico dos comportamentos delituais relevantes para efeitos da consideração da responsabilidade civil contratual ou obrigacional, distinguindo a ilicitude da culpa e ponderando o nexo causal, imputando ao credor o ónus de prova de todos os factos constitutivos do seu direito, tal como estabelece o Art. 342º n.º 1 do C.C., com exceção da culpa, que se presume, nos termos do Art. 799º do C.C..

Vejamos então, “per se”, todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual com vista a verificarmos se assiste à A. o direito que se arroga.

2.1– Do incumprimento da obrigação:
Como vimos o primeiro pressuposto da responsabilidade civil em causa nos autos é o que dá corpo e justifica a diferença de base de aplicação do regime da responsabilidade contratual ou obrigacional relativamente à responsabilidade extracontratual.
A responsabilidade obrigacional pressupõe sempre a existência de uma relação jurídica creditória, em que se verifica uma concreta obrigação emergente de um contrato, de um negócio jurídico unilateral ou de uma específica disposição legal de que resulta que alguém está na posição de credor relativamente a outrem, que por sua vez fica na posição de devedor de certa prestação.
No caso concreto esse vínculo obrigacional resulta de um contrato de prestação de serviços médicos, mais especificamente de serviços médicos de dentista.
Esse contrato não tem regulamentação legal própria típica, reconduzindo-se à categoria genérica dos contratos de prestação de serviços (Art. 1154.º do C.C.), subordinada às regras supletivas do contrato de mandato, com as devidas adaptações (Art. 1156.º do C.C.), para além das regras de natureza administrativa e deontológica próprias do ramo de atividade considerado.
Relativamente à prestação específica que foi contratada pela A., temos de concordar no essencial com o que a propósito foi expedido na sentença recorrida: Não podemos concluir da prova produzida que a prestação exigida pela A. se referia apenas à extração do dente n.º 36.
Dos factos emergentes da prova produzida resultou que estamos perante um tratamento médico dentário que visava uma zona infecionada que incluía os dentes 36, 37 e 38 e não apenas um dente em concreto objeto de infeção.
As queixas apresentadas pela A. determinaram um exame e consequente diagnóstico que passou pela identificação dos dentes que constituíam o foco de infeção que não é consentâneo com a visão restritiva da relação contratual apresentada pela Recorrente.
Na verdade o diagnóstico foi de periodontite (perda óssea) crónica na zona dos dentes molares do terceiro quadrante, desde o dente 35 ao 38, sendo que até se terá verificado, no dia em que ocorreram as exodontias, que o dente 37 era o que estaria com bolsa periodontal lingual com edema lingual. Ou seja, era aquele que estava com maior perda de estrutura em redor do dente, o que provocava inflamação da gengiva e sangramento. Essa constatação terá determinado o diagnóstico da R. e a prioridade no tratamento por referência ao dente 37.
A prestação médica assim realizada não estava excluída do que a A. pretendia desde o início, que era solucionar o problema de saúde dentária que motivou as sucessivas consultas verificadas e, portanto, a ação da R. não extravasou o âmbito do serviço contratado.
Como refere a sentença recorrida: «não é expectável que a Autora quisesse que fosse extraído unicamente o dente n.º 36, tendo em conta que quando se dirigiu à consulta em causa a mesma foi alvo de avaliação, diagnóstico e proposta de terapêutica em função de tal avaliação e diagnóstico, sendo que esta referiu que lhe tinha sido comunicado que se tratava de uma zona infecionada. Assim, não resultou apurado que fosse o dente n.º 36 o principal foco de infeção, o que resultou, sim, é que foi observado que o dente n.º 37 apresentava um maior desgaste, pelo que o mesmo deveria ser alvo de intervenção. Em conclusão ajuíza-se que o âmbito da relação contratual não pode ser restritivamente reconduzida ao tratamento do dente n.º 36 e à sua extração, por falta de suporte fáctico nesse sentido, o que invalida estarmos perante um qualquer erro médico, talqualmente alegado pela Autora, no sentido de a Ré, Cristina..., ter procedido à extração de um dente que não deveria ser alvo de intervenção face ao querido pela Autora e proposto.»
Em suma, o objeto dos serviços solicitados prendia-se com o diagnóstico, proposta de tratamento e eventual cura da situação infeciosa que motivou a procura pela A. dos cuidados médicos que a R. oferecia prestar, de acordo com os conhecimentos técnicos que possuía para o efeito e as melhores práticas que eram devidas no caso.
Assim, o incumprimento verificado não pode ser encontrado na conclusão de que a R. extraiu o “dente errado”, nem que a R. executou a extração de forma defeituosa, ou que realizou um resultado que não era o esperado.
Como realça o Sr. Conselheiro Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues (in “Responsabilidade Civil por Erro Médico: Esclarecimento / Consentimento do doente” – texto de base de exposição de intervenção no CEJ, de 12 de novembro de 2010), por detrás duma situação de acidente ou complicação decorrente de ato médico pode estar um erro de perceção ou cognitivo (erro de diagnóstico, de profilaxia ou de terapêutica decorrente da ausência de conhecimentos técnico científicos), a errada interpretação da sintomatologia do paciente e dos dados laboratoriais, imagiológicos ou clínicos (representação deformada ou distorcida da realidade) ou erro de execução (manejo indevido de instrumentos na realização do ato clínico ou cirúrgico ou a troca de produtos farmacológicos no tratamento do paciente). Só que a questão suscitada pelo caso dos autos é completamente diversa.

No caso nada disso se verificou, em face dos factos provados, pois a R. executou a intervenção de forma tecnicamente acertada, com base em diagnóstico correto, exame objetivo da sintomatologia e acerto no tratamento ou terapêutica aconselhada e prosseguida, tendo alcançado o resultado pretendido, só que fê-lo numa situação em que a paciente estava em erro sobre o objeto da sua intervenção.

Neste contexto, estabelece o Art. 150.º n.º 1 do C.P. que as intervenções e os tratamentos que, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina, se mostrem adequados e forem levados a cabo, de acordo com a legis artis, por um médico, com intenção de prevenir, diagnosticar, debelar ou minorar doença, sofrimento, lesão ou fadiga corporal, ou perturbação mental, não se consideram ofensa à integridade física. Mas o Art. 156.º n.º 1 do C.P. refere depois que, as pessoas indicadas no Art. 150.º que, em vista das finalidades nele apontadas, realizarem intervenções ou tratamentos sem consentimento do paciente, são punidas com pena de prisão.

Realce-se que, para se compreender a diferença entre as duas situações tuteladas pelas duas previsões normativas mencionadas, o Art. 150.º do C.P. está inserido no capítulo III relativo aos “crimes contra a integridade física”, enquanto que o Art. 156º do C.P. está no capítulo IV que se reporta aos “crimes contra a liberdade pessoal”.

De facto, a intervenção médica do dentista que consiste a extração de um dente tem como consequência necessária uma manobra invasiva, que põe em causa a integridade física do paciente. De tal modo que, a pessoa assim intervencionada, tem o direito de não permitir que outrem opere lesão no seu corpo, sem o seu consentimento (Art. 70.º n.º 1 e 340.º n.º 1 do C.C.).

Evidentemente que, para haver consentimento do lesado a ato médico desta natureza, esse consentimento tem de ser pessoal, livre e esclarecido. O que tem como pressuposto que o médico, por ser o possuidor dos conhecimentos técnicos e científicos que permitem a conclusão sobre a adequação do ato proposto ao fim pretendido alcançar, cumpra o seu dever de esclarecimento prévio do paciente.

Uma vez mais, o Código Penal vem esclarecer no seu Art. 157.º que: «o consentimento só é eficaz quando a paciente tiver sido devidamente esclarecido sobre o diagnóstico e a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção ou tratamento, salvo se isso implicar a comunicação de circunstâncias que, a serem conhecidas pelo paciente, poriam em perigo a sua vida ou seria suscetíveis de lhe causar grave dano à saúde, física ou psíquica».

A informação que assim incumbe ao médico prestar, deve ser o mais clara e completa possível, por forma a que o paciente possa tomar conhecimento dos procedimentos essenciais de que vai ser alvo, ficando plenamente ciente dos riscos que corre, dos objetivos e necessidade da intervenção. Só desse modo, o paciente, que normalmente não possui conhecimentos médicos bastantes, pode tomar uma decisão verdadeiramente livre, esclarecida e consciente.

Conforme resultava do Art. 44.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos então em vigor (aprovado pelo Regulamento n.º 14/2009 de 13/1) «1- O doente tem o direito a receber e o médico o dever de prestar o esclarecimento sobre o diagnóstico, a terapêutica e o prognóstico da sua doença.
«2- O esclarecimento deve ser prestado previamente e incidir sobre os aspetos relevantes de atos e práticas, dos seus objetivos e consequências funcionais, permitindo que o doente possa consentir em consciência.
«3- O esclarecimento deve ser prestado pelo médico com palavras adequadas, em termos compreensíveis, adaptados a cada doente, realçando o que tem importância ou o que, sendo menos importante, preocupa o doente.
«4- O esclarecimento deve ter em conta o estado emocional do doente, a sua capacidade de compreensão e o seu nível cultural.
«5- O esclarecimento deve ser feito, sempre que possível, em função dos dados probabilísticos e dando ao doente as informações necessárias para que possa ter uma visão clara da situação clínica e optar com decisão consciente.»
Nos termos do Art. 45.º do mesmo diploma regulamentar, esclarece-se ainda que: «1 - Só é válido o consentimento do doente se este tiver capacidade de decidir livremente, se estiver na posse da informação relevante e se for dado na ausência de coações físicas ou morais.
«2- Sempre que possível, entre o esclarecimento e o consentimento deverá existir intervalo de tempo que permita ao doente refletir e aconselhar-se.
«3- O médico deve aceitar e pode sugerir que o doente procure outra opinião médica, particularmente se a decisão envolver grandes riscos ou graves consequências.»

Todas estas matérias são atualmente reguladas, e do mesmo modo, pelo Regulamento 707/2016 (publicado no Diário da República n.º 139/2016, Série II de 2016-07-21), nomeadamente nos seus artigos 19.º a 23.º.

Ora, no caso concreto dos autos, o que resulta da matéria de facto provada é que a A. pensou que a R. ia extrair o dente 36, tendo anuído a esse facto, que já esse dente tinha sido objeto de reconstituição e intervenções anteriores e, portanto, era um dente com fragilidades por si conhecidas. Só que, quando se apercebeu que a R. havia tirado o dente 37, teve uma reação emocional imediata, não querendo aceitar o que lhe tinha acontecido.

Sendo estes os factos, por mais que a R. tenha dito que esclareceu a A. sobre o procedimento médico que realizou, uma coisa nos parece clara: a R. não disse à A. que o dente que ia extrair para solucionar o seu problema era o dente 37, que até então não tinha sido objeto de qualquer reconstituição.

Concluímos assim que este é o único incumprimento verificado. A R. violou o dever de esclarecimento, o qual era fundamental para obter o consentimento do lesado que determinaria a necessária conclusão de que a sua intervenção médica era lícita (Art. 340.º n.º 1 do C.C.).

Esse dever de esclarecimento decorre do Art. 157.º do C.P., das obrigações emergente do cumprimento do contrato de prestação de serviços (Art. 1161.º n.º 1 al.s b) e c) “ex vi” Art. 1154.º), da necessária observância dos deveres de informação emergentes do princípio da boa-fé (Art. 762.º n.º 2 do C.C.) e dos deveres deontológicos impostos aos profissionais médicos (v.g. Art.s 44.º e 45.ºdo Código Deontológico da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Regulamento n.º 14/2009 de 13/1, então em vigor).

2.2–Da ilicitude.
A ilicitude traduz-se na verificação de um comportamento violador dos direitos de outrem, por se agir de maneira desconforme ao que era objetivamente devido nos termos da lei, sem que se verifique qualquer causa justificativa da ilicitude, nem esteja em causa o exercício regular de um direito ou o cumprimento de um dever (Vide: Pessoa Jorge in “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1999, pág. 62 e ss).
Estando em causa uma alegada situação de negligência médica, a ilicitude deveria resultar da constatação da desconformidade objetiva dos atos efetivamente realizados com os que eram devidos, considerados de acordo com os conhecimentos técnicos da ciência médica (legis artis) existentes à data.
No caso, em termos estritamente técnicos, o ato realizado pela R. é conforme aos conhecimentos da ciência médica aplicáveis ao caso.
A extração do dente 37 era adequada para resolver o problema de saúde dentária da A. que motivou a consulta e a prestação dos serviços médicos solicitados à R., sendo que o resultado verificado é conforme com o fim pretendido, sem que se tenha verificado qualquer deficiência de execução que não esteja compreendida nos normais riscos e sequelas deste tipo de intervenção.
No entanto, a ilicitude de um ato médico não se resume à correção técnica da intervenção verificada, porquanto implicando esse ato a invasão e lesão do corpo do paciente, ainda que com finalidade curativa, não pode ser afetada a integridade física alheia sem o consentimento do lesado (Art.s 70.º n.º 1 e 340.º n.º 1 do C.C.).
Evidentemente que existem situações em que se pode recorrer ao instituto do “consentimento presumido”, estabelecido no Art. 340.º n.º 3 do C.C..
No Código Penal também se estabelece igualmente que o ato médico destinado ao tratamento do paciente, realizado sem consentimento do lesado, não é punível se não se verificarem circunstâncias que permitem concluir com segurança que o consentimento seria recusado (Art. 156.º n.º 2 do C.P.).
Por outro lado, o Art. 39.º do C.P. também equipara o consentimento presumido ao consentimento efetivo, mas condiciona-o às situações em que o agente atua em condições que permitam razoavelmente supor que o titular do interesse juridicamente protegido teria eficazmente consentido no facto, se conhecesse as circunstâncias em que este foi praticado.

O Regulamento 14/2009 de 13/1 regulava o “consentimento implícito” para ato médico estabelecendo o seguinte: «O médico deve presumir o consentimento dos doentes nos seguintes casos:
«a)- Em situações de urgência, quando não for possível obter o consentimento do doente e desde que não haja qualquer indicação segura de que o doente recusaria a intervenção se tivesse a possibilidade de manifestar a sua vontade;
«b)- Quando só puder ser obtido com adiamento que implique perigo para a vida ou perigo grave para a saúde;
«c)- Quando tiver sido dado para certa intervenção ou tratamento, tendo vindo a realizar-se outro diferente, por se ter revelado imposto como meio para evitar perigo para a vida ou perigo grave para a saúde, na impossibilidade de obter outro consentimento.»

O Art. 340.º n.º 3 do C.C. refere apenas que a lesão tem-se por consentida quando esta se deu no interesse do lesado e de acordo com a sua vontade presumível.

Menezes Leitão (in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 5.ª Ed., pág.310)) entende que este normativo remete para o instituto da gestão de negócios (Art. 464.º e ss do C.P.C.), havendo que considerar uma situação de assunção da gestão de negócio em termos de respeito pelo interesse do lesado e de acordo com a sua presumível vontade, o que exclui a ilicitude da conduta do gestor.

No mesmo sentido Antunes Varela (in Ob. Loc. Cit., pág. 513) acrescenta ainda que: «esta presunção tem um especial campo de aplicação no caso das intervenções cirúrgicas em que o doente não está em condições (de discernimento ou de livre determinação) de dar o seu consentimento ou de permitir o alargamento da intervenção a outros órgãos afetados».

Julgamos assim que o consentimento presumido só funciona nos casos em que o lesado não está presente, ou não está em condições de pessoal, livre e conscientemente poder prestar o seu consentimento no caso concreto. O que não era o caso dos autos, pois a A. estava no local e na plena posse das suas faculdades físicas e mentais, dependendo da sua vontade que a intervenção se pudesse realizar.

Para dizer a verdade, na perspetiva da R., esta agiu com o consentimento da A., pois esta tinha consentido na extração de um dente, percebendo perfeitamente que essa intervenção era necessária para a cura do problema de saúde dentária de que padecia. No entanto, a A. pensou que a R. ia extrair o dente 36, por ser aquele que tinha sido objeto de reconstrução e, portanto, estaria em pior estado de conservação. Só que a R. tinha verificado que o dente que estava naquele momento a causar maior problema era o n.º 37, tendo assim dado prioridade à extração daquele que era a causa mais próxima da infeção.

Em consequência, a A. julgou ter autorizado a extração do dente 36, pois nunca pensou que a extração do dente 37 pudesse ser equacionada. Por seu turno, a R. julgou que aquela a tinha autorizado a tirar o dente 37, sem se ter apercebido que era vontade da A. a extração do dente 36.

Em resultado, verificou-se a extração do dente 37 com base em erro da declaração de consentimento do lesado, tendo a R. agido também em erro sobre os pressupostos de facto que a existir excluiriam a ilicitude do seu comportamento.

O erro na declaração do consentimento do lesado foi causado pelo incumprimento do dever de esclarecimento que estava a cargo da R., que assim deveria ter clarificado qual o dente que concretamente ia intervencionar.

O erro do lesante é sobre o facto de existir uma vontade livre e esclarecida por parte da lesada em consentir na lesão emergente do tratamento que concretamente ia realizar.

Verifica-se assim um encadear de erros cujo tratamento legal importa fazer para efeitos da consideração da ilicitude do comportamento da R..

De facto, o erro de declaração do consentimento do lesado resultou necessariamente do incumprimento prévio do dever de informação que compete à R.. O que faz indiciar a ilicitude do seu comportamento no seu conjunto.

O incumprimento do dever de informação nestas condições traduz-se numa desconformidade objetiva entre o comportamento devido pela R. e o efetivamente realizado, o qual foi relevante para o resultado que se veio a verificar.

O consentimento do lesado é uma causa de justificação da ilicitude, pois nos termos do Art. 340.º n.º 1 do C.C., o ato lesivo dos direitos doutrem é lícito se o lesado consentir na lesão. Mas, o consentimento prestado com erro, não corresponde à expressão de uma vontade sã, enfermando de vício que afeta a validade da declaração, não podendo o declaratário deixar de reconhecer a essencialidade da relevância desse erro no caso concreto (Art.s 250.º a 252.º e 247.º do C.C.).

Portanto, a R. agiu na presunção de que havia consentimento efetivo do lesado relativamente à extração do dente 37, o que de facto não correspondia à verdade.

Curiosamente, a nossa lei civil não dá tratamento legal específico para as situações de erro sobre os pressupostos de facto que a existirem determinariam a exclusão da ilicitude no caso do consentimento do lesado.

O Código Civil apenas regula o erro acerca dos pressupostos de facto da ação direta ou da legítima defesa, no seu Art. 338.º, deixando de fora o erro sobre os pressupostos de facto do estado de necessidade (Art. 339.º do C.C.) ou do consentimento do lesado (Art. 340.º do C.C.).

Ainda assim, não temos a mínima dúvida em considerar extensiva às demais causas de justificação da ilicitude o disposto no Art. 338.º do C.C..

Veja-se que a mesma matéria é regulada no Art. 16.º n.º 2 do C.P., aí se estabelecendo que o erro sobre o estado de coisas que, a existir, excluiriam a ilicitude do facto ou a culpa do agente, aplica-se o preceituado no n.º 1. Ou seja, a consequência legal é a exclusão do dolo.

Joga aí um papel particular o conflito entre as teorias da culpa restrita e da dos elementos negativos do facto ilícito (Vide: Cavaleiro Ferreira in “Lições de Direito Penal I”, 2.ª ed., 1987, pág. 93 e ss; Eduardo Correia in “Direito Criminal”, Vol. I, 1993, pág.s 413 e ss; Germano Marques da Silva in “Direito Penal Português – Parte Geral II – Teoria do Crime”, 1998, pág.s 208 e ss; Teresa Beleza in “Direito Penal”, Vol. 2.º, AAFDL, pág.s 305 e ss), que não interessará considerar no quadro estrito da responsabilidade civil, porquanto aqui tanto é ilícito o comportamento doloso, como o meramente negligente.

Sem prejuízo, o que se pode verificar é que o regime jurídico do erro sobre os pressupostos de facto duma causa de justificação no Direito Penal não deixa de salvaguardar os limites da censurabilidade do comportamento do agente que age de forma que subjetivamente é conforme ao direito, mas objetivamente não o é.

Como realça Figueiredo Dias (in “O Problema da Consciência da Ilicitude no Direito Penal”, 4.ª Ed., pág.s 434 a 435) neste caso fica só em aberto a eventual violação de um dever pessoal de cuidado, informação, esclarecimento ou diligência – «o tipo de censura da negligência».

O que significa que, no quadro do Direito Penal, se estiver em causa um crime cujo bem jurídico que mereça tutela em caso de negligência, excluído o dolo nos termos do Art. 16.º n.º 2 do C.P., o agente será punido pelo crime na forma negligente. Sem prejuízo, de se considerar, noutro nível de análise (relativo apenas à culpa), que o agente atuou sem consciência da ilicitude do facto, considerando-se então que age sem culpa, desde que o erro não seja censurável (Art 17.º n.º 1 do C.P.). No caso de erro censurável, restrito à falta de consciência da ilicitude, o agente é punido pelo crime doloso, mas com pena especialmente atenuada (Art. 17.º n.º 2 do C.P.).

A propósito dos atos médicos arbitrários, o Código Penal também teve o cuidado de estabelecer uma norma especial neste campo, cominando com uma pena relativamente mais leve o caso do agente representar falsamente os pressupostos do consentimento, em caso de negligência grosseira (v.g. Art. 156.º n.º 3 do C.P.).

Apelámos aqui em especial ao Direito Penal, porque a ilicitude deve sempre ser ponderada em função do ordenamento jurídico considerado na sua globalidade, de tal forma que um facto ilícito de natureza criminal será sempre também, em princípio, um ilícito cível, desde que dele decorra a lesão do direito doutrem de que resultem danos suscetíveis de reparação por via indemnizatória (Art. 562.º e ss do C.C.).

Regressando ao Art. 338.º do C.C., é neste estabelecido que se o titular do direito agir na suposição errónea de se verificarem os pressupostos que justificam a ação direta ou a legítima defesa, o mesmo continua obrigado a indemnizar os prejuízos causados, salvo se o erro for desculpável.

Portanto, quer por força dos Art.s 16.º n.º 2 e 17.º do C.P., quer por força do Art. 338.º do C.C., aplicado extensivamente ao caso específico do erro sobre o estado de coisas que a existirem excluiria a ilicitude por se verificar consentimento do lesado, a conclusão é a mesma: o erro sobre os pressupostos de facto duma causa de justificação não afasta a possibilidade do comportamento ser ilícito por mera negligência. Mas se o erro assim verificado for desculpável, deixa de haver obrigação de indemnização por ausência do pressuposto da culpa.

Dito isto, em face do caso concreto, mesmo sendo certo que se verificou erro da R. sobre o facto de haver consentimento do lesado relativamente à extração do dente 37, tal não exclui a ilicitude do seu ato, sem prejuízo de a sua responsabilidade poder ser excluída se for considerado que o erro verificado era desculpável.

2.3– Da imputação subjetiva (culpa):
Quanto à imputação dos factos à 1.ª R., começaremos por dizer que não há qualquer dúvida sobre a autoria material do ato médico que tivemos oportunidade de considerar ilícitos, pois a extração do dente 37, sem o consentimento livre e esclarecido da A., foi executada pessoalmente por aquela, tendo agido com discernimento e liberdade de determinação na sua conduta (Art. 488º do C.C.), pelo que o seu comportamento pode ser objeto de um juízo de censura.
No caso concreto, considerando que estamos perante responsabilidade contratual, a culpa até se presume (Art. 799.º do C.C.), mesmo sendo certo que os critérios de fixação da culpa são os mesmos que os estabelecidos na responsabilidade extracontratual, nos termos do Art. 487.º n.º 2 e 488.º do C.C..
Distinguido o pressuposto da ilicitude da culpa, diremos que enquanto na primeira está em causa a divergência objetiva entre o comportamento devido, por exigência da lei, e aquele que efetivamente foi realizado, enquanto que na segunda importará apreciar se era possível e exigível ao agente agir doutro modo.
A diligência de um “bom pai de família” é o critério legal que serve de parâmetro de conformidade da exigibilidade do comportamento com o direito (Art. 487º n.º 2 do C.C.), embora aqui necessariamente corrigido pelas particularidades que resultam do exercício específico da profissão de médico, que importam para o agente conhecimentos científicos e técnicos muito específicos, que doutro modo não se imporiam ao cidadão comum.
Tivemos a oportunidade de realçar que a R. agiu em erro sobre a verificação efetiva do consentimento do lesado sobre o concreto ato médico que realizou, o qual, se existisse, excluiria a ilicitude do seu comportamento (Art. 340.º n.º 1 do C.C.).
Esse erro não exclui a ilicitude do incumprimento, mas poderá eventualmente excluir a culpa, se o erro verificado for desculpável (Art. 338.º do C.C.). Mas o juízo da desculpabilidade entra em confronto direto com a presunção de culpa (Art. 799.º do C.C.) e, portanto, competiria à R. o especial ónus de demonstrar que não era possível agir doutro modo, nem lhe era exigível outro comportamento nas concretas condições verificadas (Art. 344.º n.º 1 do C.C.).
Pensamos que a R. não cumpriu esse ónus de prova, porque é inevitável considerar o comportamento da A. e a sua reação imediata perante a constatação do erro em que incorrera.
Tudo nos leva a concluir que caso a R. tivesse cumprido o dever de informação de forma plena e adequada no momento anterior à extração do dente 37, a A. teria resistido a consentir nessa intervenção.
Pelo menos, nesse momento, parece-nos claro que a vontade da A. era no sentido de não consentir nessa operação. Ainda que seja certo que a extração do dente 37 fosse inevitável e, mais tarde ou mais cedo, teria que ser ponderada se a A. quisesse solucionar definitivamente o problema da infeções recorrentes naquela parte da sua dentição.
Em suma, os factos provados permitem-nos considerar que se a R. tivesse permitido que a A. formasse a sua vontade de consentir na lesão de forma livre, consciente e esclarecida, como lhe era possível e exigível fazer, a extração do dente 37 não se teria verificado naquele momento, sendo que esse facto contribuiu decisivamente para a reação emocional da A. que logo se seguiu.
Já quanto ao dente 36 temos de reconhecer que seria sempre extraído, como efetivamente foi, não se verificando quanto a este qualquer ilicitude, pois nessa parte houve consentimento expresso da A. (Art. 340.º n.º 1 do C.C.).
Podemos assim dizer que a R. agiu de forma negligente, sendo a sua conduta suscetível de um juízo de censura, que é pressuposto da consideração da culpa, mesmo ponderando o facto de que era tecnicamente adequado que a R. tivesse procedido à extração do dente 37 para solucionar o problema de saúde de que a A. sofria.
A questão nada tem a ver com a correção técnica da intervenção ou sequer com o facto de ter havido ofensa da integridade física da A., já que o ato médico realizado, em si, foi correto, bem executado e adequado ao resultado pretendido, tendo por fim a cura e a melhoria do bem-estar da pessoa doente. O problema é que esse resultado foi obtido com violação objetiva da autodeterminação pessoal e da liberdade de decisão do paciente, sendo esse é também um bem jurídico que merece tutela do direito (v.g. Art. 70.º do C.C. e Art. 156.º n.º 1 do C.P.).
A R. agiu com culpa, porque lhe era exigível e possível respeitar esse direito da A., não se podendo desculpar a sua omissão do dever de esclarecimento, mesmo que o seu comportamento fosse bem intencionado e adequado a prevenir e debelar a doença e o sofrimento da sua paciente.

2.4.–Os danos.
Como é claro, a obrigação de indemnização depende necessariamente da existência de danos ou prejuízos decorrentes de factos ilícitos culposos.
Os danos constituem a perda “in natura” que o lesado sofreu nos seus interesses materiais, espirituais ou morais em consequência do facto lesante e que o direito tutela.
No caso dos autos, foram alegados danos patrimoniais e não patrimoniais, num total de €23.585,89, a que acrescem danos futuros a liquidar em execução de sentença.
Desse valor líquido do pedido formulado na petição inicial, €21.000,00 são só por danos não patrimoniais.
Os 2.585,89 de danos patrimoniais (artigo 128.º da petição inicial) referem-se à extração de 3 dentes (€2.500,00 – Artigo 116.º da p.i.) e a despesas de farmácia com medicamentos (€85,89 – Artigos 125.º a127.º da petição).
Sucede que a prova produzida não permitiu a demonstração de parte substancial dos danos invocados.
De referir também que os danos patrimoniais acabam por não ter relevância por força da apreciação que se impõe fazer no quadro do pressuposto do nexo de causalidade.
Antecipando um pouco essa matéria, diremos que essencialmente a A. invocou como danos patrimoniais a liquidar em execução de sentença as despesas com tratamentos dentários que viesse a ser sujeita por força da extração dos dentes pela R..
Ora, como já vimos, a extração do dente 36 foi consentida pela A., logo não é ilícita e dela não resulta qualquer obrigação de indemnização para a R..
Quanto à extração do dente 37, ela era devida para solucionar definitivamente o problema de saúde dentário da A., sendo a sua ocorrência, mais tarde ou mais cedo, inevitável. Portanto, não se tratam de danos consequentes do ato médico da R., mas apenas e só da situação clínica dentária da própria A.. O que exclui da equação os danos patrimoniais futuros, por não serem resultada direto e necessário da ação da R..
Na mesma linha se encontram os danos contabilizados em €2.500,00 (relativos à extração dos dentes 36 a 38) que vem mencionada no artigo 116.º da petição inicial. De facto, para além, dessa extração ser medicamente adequada e correta, corresponde a ato médico devido que sempre teria de ser realizado, sendo inevitável que a A. ficasse com esses espaços sem dentes por força das exodontias.
A opção pela colocação de implantes, ou de outro tipo de aparelhos dentários, teria sempre de ser equacionada pela A., não resultando essas despesas da responsabilidade da R..
Também os medicamentos que a A. teve de adquirir para efetuar todas essas operações seguintes (implantes) são uma contingência própria da condição de saúde dentária da Recorrente, não podendo a R. ser por esses factos responsabilizada.
Restam assim apenas os danos não patrimoniais.
Muito do alegado na petição inicial é completamente despropositado e não pode ser reconduzido ao facto ilícito e culposo que objetivamente pode ser imputado à R..
Já assentamos na conclusão de que os atos médicos realizados pela R. eram devidos e destinavam-se à cura da situação clínica da A. relativa às situações de infeção de que se queixava no seu maxilar.
A intervenção de extração dos dentes que se verificou, não só era devida, como era inevitável. Tal como inevitáveis seriam sempre as dores e incómodos que resultam desse tipo de tratamentos que deveriam sempre ser feitos. Pelo que, danos dessa natureza não relevam para a obrigação de indemnização, porque são socialmente aceitáveis e adequados à situação verificada, estando assim excluídos da obrigação de reparação, por não merecem tutela do direito (Art. 496.º n.º 1 do C.C.).
O exposto estende-se igualmente às dores e incómodos sofridos com os implantes que a A. resolveu colocar, pelos quais a R. também não tem de responder.
As questões dos danos relativos ao abandono da intenção da A. de engravidar e as relacionadas com o tempo em que não procurou emprego, são tão descabidas que nem merecem mais comentário.
Em suma, os danos efetivamente imputáveis ao comportamento da R. são apenas os que resultam da privação da liberdade de escolha da A. e da situação de choro e angústia associada a ter sido retirado um dente contra a sua vontade “não esclarecida”.
É esse dano que é objetivamente imputável ao comportamento da R., o qual pela sua gravidade merece tutela do direito (Art. 496.º n.º 1 do C.C.). No entanto, evidentemente que o pedido de indemnização no valor de €21.000,00 é manifestamente excessivo, até porque nele se compreendem alegadas situações que extravasam a responsabilidade da R..
A indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no Art. 494.º do C.C. (Art. 496.º n.º 3 do C.C.).
Nos termos do Art. 494.º do C.C., fundando-se a responsabilidade em mera culpa, a indemnização é fixada equitativamente, em montante inferior ao que corresponde aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
No caso, apesar do comportamento da R. não ser desculpável, até certo ponto é compreensível, porque agiu convencida que a A. tinha autorizado aquela intervenção médica, que era a adequada ao tratamento da infeção que naquele momento concreto se verificava. Não teve foi o cuidado de explicar de forma que tivesse ficado bem clara para a A. que iria extrair o dente 37.
A A. reagiu de forma muito emotiva a essa situação, quando percebeu que não tinha sido extraído o dente que pensava ser o que lhe estava a causar as infeções de que se queixava. Para mais, essa reação emocional, que motivou o choro, dificuldade em dormir e ainda que tenha ficado deprimida (facto provado 23), ainda se arrastou no tempo em face da descrição resultante da matéria de facto.
É verdade que, sobre certo ponto de vista, tratou-se duma reação desproporcionada, mas ela justifica-se em parte devido à personalidade da A., que era pessoa que se provou ser muito receosa relativamente a tratamentos dentários. Facto de que a R. tinha conhecimento, como a mesma confessou logo nas suas declarações de parte. O que era mais uma razão para ter particulares cuidados com o esclarecimento e tratamento desta paciente em concreto.
Deste modo, ponderados todos estes fatores, consideramos que aos danos não patrimoniais atendíveis deverá corresponder uma indemnização de €1.000,00.

2.5.– Nexo de causalidade entre facto e dano.
Em sede de danos (2.4 deste acórdão) já tivemos oportunidade de tecer considerações relativas aos que não poderiam ser objetivamente imputáveis ao comportamento ilícito e culposo da 1.ª R.. Pelo que, restará agora apenas concluir que os danos não patrimoniais que concretamente foram relevados são eles consequência direta e necessária do ato ilícito considerado (Art. 563º do C.C.).
Referimo-nos particularmente às consequências emocionais que para a A. resultaram da falta de cumprimento do dever de esclarecimento por parte da R., quando a primeira se apercebeu que tinha sido extraído um dente que ela nesse momento não queria tirar, nem estava devidamente advertida para esse efeito.
Qualquer pessoa colocada no lugar do lesante poderia prever como consequência normal e possível da sua conduta os danos assim verificados e que tivemos oportunidade de relevar.

3.– Da responsabilidade civil da 2.ª R. e da chamada.
Já referimos que a relação jurídica estabelecida entre a A. e a 1.ª R. é de natureza contratual, fundando-se num contrato de prestação de serviços, tal como o mesmo é definido, em termos gerais, no Art. 1154º do C.C., sujeito supletivamente ao regime jurídico do contrato de mandato (Art. 1156º do C.C.).
A 2.ª R. foi demandada por ser a titular da clínica onde foram prestados os serviços médicos dentários realizados pela 1.ª R. e que obrigam ao pagamento de indemnização.
Ficou provado (facto 1) que a A. dirigiu-se às instalações da 2.ª R. para ser consultada especificamente pela 1.ª R..
Também ficou provado que a 2.ª R. presta cuidados de saúde, tendo para o efeito acordado com a 1.ª R., a cedência de espaço, imagem, logística administrativa e funcional, equipamentos e meios complementares de diagnóstico mediante uma repartição dos valores entregues pelos clientes desta médica dentista (facto 46).
Por outro lado, a cobrança dos serviços prestados aos clientes era feita pela 2.ª R., havendo mensalmente um encontro de contas (facto 47).
Finalmente, apesar de haver autonomia técnica por parte da 1.ª R., esta estava subordinada às orientações gerais da administração da 2.ª R. e do respetivo Diretor Clínico, visando dar cumprimento a regras emanadas de organismos públicos que regulam e tutelam a atividade (facto 48).
Dito isto, a 2.ª R., dona da clínica, não se limitava a facultar um espaço para a 1.ª R. prestar serviços médicos a terceiros estranhos aos serviços da primeira. Mesmo sendo certo que não havia uma relação jurídica de comitente - comissário entre a 2.ª e a 1.ª R., nos termos estabelecidos no Art. 500.º do C.C., porque falhava o requisito da subordinação jurídica.
A 1.ª R. não era efetivamente uma trabalhadora assalariada da 2.ª R., limitando-se a prestar serviços médicos aos seus clientes, gozando para o efeito de plena autonomia técnica. Ainda assim, estava subordinada às orientações do diretor clínico da 2.ª R..
Sucede que os clientes que se dirigiam à clínica considerada, não se limitavam a ser clientes dos médicos a quem concretamente recorriam. Eram, simultânea e necessariamente, clientes da dona da clínica, já que a 1.ª R. não poderia realizar a sua prestação, sem recurso aos equipamentos e meios técnicos que eram disponibilizados pela 2.ª R..
A marquesa onde os clientes são colocados nas consultas de medicina dentária, com todos os respetivos aparatos técnicos existentes no consultório, os computadores, as máquinas de tirar radiografias, que comprovadamente foram utilizados nas várias consultas que a A. fez na clínica, foram proporcionados pela 2.ª R., e não pela 1.ª R..
Também o preço que a 2.ª R. cobra aos clientes da 1.ª R., não era composto só pela retribuição devida à médica dentista, mas também pelos equipamentos, meios de diagnóstico e outros serviços proporcionados pela dona da clínica. Nessa medida, existe uma relação contratual de prestação de serviços onerosa entre a A. e a 2.ª R., que inclui necessariamente os serviços prestados pela 1.ª R..
Os serviços prestados pela 1.ª R. não eram desgarrados dos que a 2.ª R. pretendia proporcionar aos clientes da clínica de que era dona.
A 2.ª R., enquanto dona duma clínica médica, pretendia proporcionar serviços médicos a quem os solicitasse, mediante o pagamento de um preço, que a própria cobrava, ainda que depois tivesse de entregar à 1.ª R., mensalmente, o valor acordado.
A 1.ª R. encontrava-se assim integrada na empresa comercial que a 2.ª R. montou para prestar serviços médicos a terceiros. Pelo que, quando agia no exercício da sua profissão integrada nessa empresa, atuava como auxiliar da prestação que os clientes da clínica lhe solicitavam, no quadro legal do Art. 800.º do C.C..
É evidente que a 2.ª R. queria proporcionar serviços de medicina dentária através de médicos, como a 1.ª R., que assim eram integrados nessa empresa ou no modelo de negócio que montou.
Nessa medida, a 2.ª R. responde pela prestação defeituosa da 1.ª R., realizada no quadro da sua oferta ao público de serviços médicos, como se tais atos tivessem tido sido por si praticados (Art. 800º n.º 1 do C.C.).
Verificando-se que o comportamento da 1.ª R. é ilícito e culposo e que causou danos suscetíveis de reparação indemnizatória, por força do Art. 800º n.º 1 do C.C. a prestação da 2.ª R. é tida igualmente como correspondendo ao incumprimento objetivo e ilícito do contrato de prestação de serviços, para efeitos de responsabilidade civil (Art.s 798º e ss do C.C.), já que não se verifica qualquer causa de justificação da ilicitude por parte da 2.ª R..
A culpa, neste contexto, também se presume relativamente à 2.ª R. (Art. 799º do C.C.), sendo que os danos verificados são os mesmos que considerámos relativamente à conduta da 1.ª R., não se suscitando qualquer dificuldade quanto ao estabelecimento do nexo causal.
Já no que se refere à chamada, Companhia de Seguros, temos de considerar que estamos perante um contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual imputável ao tomador do seguro por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes exclusivamente de danos materiais e corporais causados involuntariamente a pacientes ou a terceiros em consequência da exploração do estabelecimento de saúde de que a 2.ª R. é proprietária, tal como titulado pela apólice n.º 6000391100912 (cfr. doc. de fls 195 e ss).
O que se verifica também é que no final da apólice é excluído expressamente «a responsabilidade civil profissional dos médicos que aí prestem serviço» (cfr. cit. doc. a fls 195).
Ao que tudo indica, o propósito dessa exclusão é precisar que apenas estão incluídos no âmbito de cobertura a responsabilidade civil profissional dos médicos que não fazem parte dos quadros da empresa do tomador do seguro.
Isso resulta claro, porque imediatamente antes dessa exclusão é feita a menção de que está incluído na cobertura a «responsabilidade civil imputável a enfermeiros ou pessoal auxiliar ou paramédicos dependente da clínica E. enquanto no desempenho das suas funções exclusivamente ao serviço da mesma.»
Interpretar a apólice doutro modo não faria qualquer sentido, pois a exclusão assim estabelecida com uma abrangência diferente da indicada seria complemente nula, por se traduzir numa declaração que determinaria por falta de objeto do contrato seguro, já que haveria ausência total do risco segurado (v.g. Art. 44.º n.º 3 da Lei n.º 72/2008 de 16 de abril, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro).
Assim sendo, em face da exclusão da responsabilidade da chamada relativamente aos médicos que apenas prestam serviços na clínica (cfr. doc. de fls 195), não vemos como possa a chamada ser condenada no pedido.

4.– Em suma da obrigação de indemnização.
Decorre de tudo o exposto que a 1.ª R. é a autora material dos factos ilícitos e culposos que obrigam à indemnização. Logo é a principal responsável pela obrigação em causa.
A 2.ª R. responde pela obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade contratual como se os atos praticados pela 1.ª R. tivesse sido realizados pessoalmente por si (Art. 800º n.º 1 do C.C.).
A responsabilidade civil de ambas as R.R. é solidária (Art. 497º n.º 1 do C.C.), sem prejuízo do disposto no Art. 497.º 2 do C.C. no quadro das relações internas.
Devendo os obrigados reconstituir a situação que existia se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação (Art. 562.º do C.C.), e constatando-se que a reparação dos danos causados ascende a €1.000,00, deverão as R.R. ser condenadas no pagamento desse valor a título de indemnização.
A A. reclama ainda o pagamento de juros de mora contados da citação, o que mereceria acolhimento legal no Art. 805º n.º 1, conjugado com o Art. 804.º, 806.º, 559.º do C.C. e Portaria n.º 291/2003 de 8/4.
No entanto, porque apenas foi arbitrada indemnização por danos não patrimoniais, os mesmos estão atualizados à data da prolação da presente decisão. Pelo que, os juros só serão contabilizados desde esta data, nos termos do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de justiça n.º 4/2002, publicado no Diário da República n.º 146/2002, Série I-A de 2002-06-27.
*

V– DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, nos seguintes termos:

– Procede parcialmente a impugnação da matéria de facto da sentença recorrida, alterando-se apenas a redação do ponto 21 dos factos provados que passa a ter o seguinte teor:

“21.- Surpreendida com a reação da A. a essa revelação, a Ré, Cristina..., foi confirmar que o dente alvo de exodontia fora aquele que efetivamente tinha pretendido extrair, enquanto a Autora se apresentava chorosa por pensar que tinha autorizado a extração do dente que tinha sido objeto de intervenção (o dente 36). De seguida, a Ré explicou à A. que o dente que tinha retirado era o dente 37, mas que se a A. quisesse também poderia proceder à extração do dente 36, considerando que o mesmo também estava afetado e mais tarde teria que ser retirado, tendo a Autora dito que queria que fosse tirado o dente 36, o que efetivamente logo foi feito pela R.”.

b)- Procede parcialmente a apelação quanto ao mérito da causa, revogando-se a sentença recorrida na parte que absolveu as 1.ª e 2.ª R.R. do pedido e substituindo-se essa decisão pela condenação solidária das R.R., Cristina... e Clinica E., S.A., a pagar à A., Felicidade..., uma indemnização de €1.000,00 por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa de juros legal de 4 % (Portaria n.º 291/2003 de 8/4), a contar da data de prolação do presente acórdão.

Mantém-se o demais decidido.

- Custas pela Apelante e pelas Apeladas, que foram objeto de condenação, na proporção do respetivo decaimento (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
*



Lisboa, 6 de fevereiro de 2018


                             
(Carlos Oliveira)                             
(Maria Amélia Ribeiro)                             
(Dina Monteiro)