Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
229/14.4T8FNC-C.L1-1
Relator: TERESA HENRIQUES
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
INDEMNIZAÇÃO
PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - A qualificação como culposa de uma sociedade não significa que, a indemnização  consagrada no art.º 189.º, n.º 2, al. a e), do CIRE deva ser imposta automaticamente, sem quaisquer limites e fora de quaisquer exigências ou controlo de proporcionalidade (ou de não desproporcionalidade).
II - Assim, será atendendo e apreciando as circunstâncias do caso (tudo o que está provado no processo: o que levou à qualificação e o que o afetado alegou e provou em sua “defesa”) que o juiz pode/deve fixar as indemnizações em que condenará as pessoas afetadas.
III - E entre as circunstâncias com relevo para apreciar a proporcionalidade ou desproporcionalidade da indemnização a fixar encontram-se os elementos factuais que revelam o grau de culpa e a gravidade da ilicitude da pessoa afetada (da contribuição do comportamento da pessoa afectada para a criação ou agravamento da insolvência): mais estes (os elementos respeitantes à gravidade da ilicitude) que aqueles (os elementos respeitantes ao grau de culpa), uma vez que, estando em causa uma insolvência culposa, o factor/grau de culpa da pessoa afectada não terá grande relevância como limitação do dever de indemnizar, sendo o factor/proporção em que o comportamento da pessoa afectada contribuiu para a insolvência que deve prevalecer na fixação da indemnização.
IV- A indemnização devida pelo afectado, atenta até a alteração de redacção introduzida pela Lei n.º 9/202,11.01, deve corresponder à diferença entre o valor global do passivo e o que o activo que compõe a massa insolvente logrou cobrir, podendo no entanto ser fixada em montante inferior.
Decisão Texto Parcial:I
I.A
Nos presentes autos, que correm por apenso à insolvência da sociedade devedora supra identificada, F… T… deduziu o incidente pleno de qualificação de insolvência contra o recorrente e, ainda, contra M… R… e L… A….
Alegou, em síntese, que:
1) Todos os requeridos foram administradores: i) os 1ºe 2º administradores de facto e de direito e; ii) o 3º de administrador de facto e também técnico oficial de contas (TOC) da devedora;
2) A gestão descontrolada da sociedade provocou à mesma elevados prejuízos que conduziram à insolvência;
3) A devedora não elaborou nem apresentou contas a partir de 2009;
4) E encerrou a sua actividade em 2011 com um passivo superior a €15.000.000,00;
5) O património é inexistente devido à sua dissipação pelos administradores, tendo sido transferido para outras sociedades do grupo ou pessoas especialmente relacionadas com os primeiros;
6) A conduta dos requeridos é subsumível ao disposto nos art.º 186º, n.ºs 1, 2 e 3, CIRE.
Após a prolação do despacho de abertura do incidente de qualificação, o AI e o M.ºP.º pronunciaram-se pela qualificação: i) o primeiro, aderindo aos fundamentos do requerente e acrescentando o art.º 186º n.ºs 1 e 2, al.s f) e g), CIRE(29.04.2015, fax-ref. 600874; ii) o segundo com fundamento no disposto nos art.186º, n.ºs 1 e 2, al.s a) e h) e n.º 3, al. b) CIRE (04.10.2017, ref. 44559368).
O recorrente e os outros requeridos deduziram oposição.
O recorrente alegou, em síntese e no que releva, que:
- A devedora tinha três administradores;
- O requerente do incidente foi desde sempre administrador de facto da mesma tomando decisões em todos os seus assuntos, de gestão, jurídicos, financeiros ou laborais;
- Atenta a data de início do processo de insolvência, 24.09.2014, muitos dos factos alegados pelo requerente devem ser desconsiderados por falta do requisito temporal exigido por lei;
- Até 2010 as contas foram sempre elaboradas, submetidas, e aprovadas, sem qualquer impugnação;
-a posterior falta de entrega e depósito deveu-se às dificuldades financeiras da sociedade para pagar a um ROC que elaborasse o relatório e contas, determinando assim a recusa de aprovação do Fiscal Único da Sociedade;
-O cartão de crédito de que dispunha era do conhecimento de todos e o requerente também tinha um cartão que estava em nome da filha;
-A insolvência da sociedade deveu-se essencialmente à rescisão do contrato com a Apple motivada pela gestão desastrosa
Terminou pedindo a improcedência do peticionado contra si e o reconhecimento do requerente e da filha deste como administradores de facto da sociedade e a afectação destes pela qualificação.
Em sede de audiência prévia, realizada em 06.11.2018 (ref. 46307813) o recorrente reclamou do alcance do objecto do litígio dizendo que «(...) deve constituir igualmente objecto do presente litígio, a questão de saber se o Requerente da insolvência é ou não administrador de facto da insolvente e bem assim, se a situação de insolvência foi criada ou agravada em consequência da sua actuação, enquanto administrador.»
Quanto a este requerimento, e foram vários os efectuados na aludida diligência, foi proferido o seguinte despacho:
«Quanto à reclamação apresentada pelo requerido E…B…:
O incidente de qualificação de insolvência integra um processo público e não um processo de partes. Se é certo que subjacente ao mesmo vigora o princípio do inquisitório, a verdade é que, com os pareceres apresentados pelo Administrador da Insolvência e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e a prolação do despacho a que alude o artigo 188.º n.º 6 do CIRE, consolidou-se a instância quanto aos seus sujeitos processuais, como sejam os possíveis afectados pela qualificação da insolvência.
Ou seja, o processo a partir desse momento, mantém-se imutável relativamente às partes, designadamente à parte passiva.
A alegação de factos em sede de oposição, de que o Requerente é administrador de facto da insolvente, integra excepção peremptória que poderá relevar no eventual afastamento da responsabilidade dos Requeridos relativamente aos factos que lhe são imputados, com a consequente e eventual absolvição do pedido.
Para além do mais, estamos perante um processo incidental com tramitação própria e claramente definida na lei, que não admite a dedução de reconvenção.
De todo o modo, mesmo que assim se não entendesse, o pedido em causa nunca poderia in casu ser admitido como pedido reconvencional, por falta da verificação dos pressupostos exigidos pelo artigo 266º do Código de Processo Civil, que regula a admissibilidade do pedido reconvencional.
Assim sendo, pelos fundamentos expostos e por se entender, como se referiu, que a instância consolidou-se relativamente aos seus sujeitos processuais em momento anterior à apresentação da oposição, indefere-se a reclamação apresentada por E… B…, quanto ao objecto do litígio.»
Após o julgamento foi proferida, em 20.02.2022, sentença com o seguinte dispositivo:
«Atento o supra exposto, e o disposto na previsão contida no artigo 189.º do CIRE, decido:
- Qualificar a insolvência da sociedade Inter…, S.A. como CULPOSA;
- Considerar afectado pela qualificação da insolvência o administrador E… B…;
- Decretar a inibição de E… B… para o exercício do comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 3 (três) anos;
- Determinar a perda por E… B… de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente, condenando-o na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
- Condenar E… B… a indemnizar todos os credores da Insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património, em quantia a apurar em sede de liquidação de sentença.
- Absolver L… A… do pedido.
- Absolver M… R… do pedido.
- Julgar improcedente o pedido de litigância de má fé.» (ref. 51048425)
O requerente recorreu, pretendendo a afectação dos demais requeridos absolvidos.
No entanto o recurso foi rejeitado por falta de interesse em agir pois, na ocasião, já não era credor da massa, o que determinou a inutilidade das contra-alegações dos requeridos absolvidos.
I.B
O apelante recorreu apresentando as seguintes conclusões:
1. º O Recorrente impugna o ponto 35 e a primeira parte do ponto 143.º da matéria de facto provada, por entender que a resposta a dar às questões de facto em referência no ponto 35 deveria ter sido a seguinte:
“- No ano de 2010, a Insolvente elaborou as contas referentes ao exercício anual, mas não as submeteu à Assembleia Geral para aprovação, nem as certificou e depositou na Conservatória do Registo Comercial competente, por não ter meios financeiros para o efeito;
- No ano de 2011, quando cessou a sua actividade comercial, a Insolvente deixou de ter meios humanos e financeiros para elaborar as contas referentes ao exercício anual anterior, pelo que, a partir desse ano deixou de elaborar contas.”
2. º Deveria ser eliminada a referência ao ano de 2010, no ponto 143 da matéria de facto julgada provada.
3. º Os meios probatórios que impunham decisão diversa da proferida foram: i) as declarações de parte do Requerido L… A…, prestadas no dia 15/09/2021; ii) os documentos 15 e 16 juntos à Oposição do Requerido L… A…; iii) as declarações de parte prestadas pelo Requerido M… R…, no dia 22/09/2021.
4. º O ponto 35 da matéria de facto julgada provada é contraditório com o ponto 59 dessa mesma matéria de facto, pois neste ponto consta que L… A…, TOC da sociedade insolvente, remeteu ao ROC o balanço e demonstrações financeiras relativas ao ano de 2010 e no ponto 35 refere-se que as contas de 2010 não foram elaboradas de todo.
5. º O instituto da qualificação da insolvência tem por fim responsabilizar os responsáveis pela insolvência de entidades, quer ao nível sancionatório, quer ao nível indemnizatório.
6.º Para que uma insolvência seja qualificada como culposa, é necessário que se verifiquem os requisitos da responsabilidade civil previstos no art.º 483.º do CC. Ao entender de modo diverso, o Tribunal recorrido violou, quer esta última disposição legal, quer o art.º 186.º do CIRE.
7.º Exige-se que o facto do devedor insolvente ou dos seus representantes “administradores” (ou eventualmente outros sujeitos relacionados: v. art.º 189.º, n.º 2, al. a), do CIRE) seja objectivamente uma causa adequada para a produção lesiva tendo em conta o processo factual que conduziu à situação de insolvência vista como dano da sua atuação, pois é este que assim se integra na referida aptidão geral ou abstrata do facto.
8.º Os factos julgados provados relacionados com a contabilidade não são suficientes para preencher o facto-índice da alínea h) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, mas sim, a alínea b) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE, que apenas faz presumir a culpa grave dos administradores da empresa.
9.º Ao considerar a insolvência da sociedade Inter…, SA, culposa, sem aferir da existência de nexo de causalidade entre o facto julgado provado da al. h) do n.º 2 do art.º 186.º e a situação de insolvência, violou o Tribunal recorrido, os art.ºs 185.º e 186.º do CIRE, assim como o princípio da interpretação conforme à Constituição.
10.º Só existe obrigação de indemnização em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Ao entender o contrário, o Tribunal recorrido violou o disposto no art.º 563.º do CC e, bem assim, o disposto no n.º 4 do art.º 189.º do CIRE.
11. º O Tribunal recorrido violou o disposto no n.º 4 do art.º 189.º do CIRE pois condenou o ora Recorrente a pagar uma indemnização aos credores da insolvência sem ter tido em conta o grau de culpa do administrador, nem da ilicitude do facto, nem do contributo desse facto para a situação de insolvência e impossibilidade de satisfação dos créditos dos credores.
12. º Ao condenar-se o Recorrente no pagamento de um valor que não está relacionado com os factos ilícitos que alegadamente praticou, em termos de nexo de causalidade, por se interpretar a presunção do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE como uma presunção inilidível da culpa e do nexo de causalidade entre o facto e a insolvência e a impossibilidade de os credores satisfazerem os s eus créditos, assim como ao interpretar-se o n.ºs 2 e 4 do art.º 189.º do CIRE como impondo uma obrigação de condenação no pagamento de uma indemnização não conexionada com o grau de ilicitude, nem com o grau de culpa do agente, consubstancia a violação do direito de acesso à justiça consagrado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, doravante designada abreviadamente por CRP e o Princípio da Proporcionalidade ínsito no Princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no art.º 2.º da CRP.
13.º O Requerido e ora Recorrente pediu, em sede de oposição, que, caso a insolvência da sociedade fosse qualificada como culposa, fosse afetado como tal o administrador de facto F… T….
14.º Ficaram provados vários factos no processo, nomeadamente os constantes dos pontos 4.º, 6.º, 9.º, 34.º, 51.º a 62.º, 92.º, 107.º, 111.º a 115.º, 124.º a 134.º que reconduzem F… T… à figura do administrador de facto. Ao não afetar o Requerente como administrador de facto igualmente culpado pela insolvência e responsável solidário com o administrador de direito, está o Tribunal Recorrido, a violar o art.º 186.º, n.º 1 e 189.º n.º 2 do CIRE e o princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa.
15.º Tendo sido formulado, em sede de oposição do Requerido ora Recorrente, o pedido de afetação do Requerente F… T…, na qualidade de administrador de facto da insolvente, o Tribunal “a quo” deveria ter condenado o mesmo nessa qualidade, pois é um dos sujeitos passivos do Incidente de Qualificação, foi requerida, em sede de oposição, a sua afetação e o mesmo, por já ser parte interveniente no processo, exerceu o contraditório relativamente a esse pedido formulado pelo ora Recorrente.
Pelo que,
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue a insolvência da Inter…, SA como fortuita ou, caso assim não s entenda, que se revogue a parte decisória da condenação, substituindo-por outra que avalie o grau de ilicitude e culpa do recorrente e influência da sua conduta para a produção do dano e afete pela qualificação da insolvência, o administrador de facto F… T…, solidariamente com o ora Recorrente.
Em contra-alegações o M.ºP.º pugna pela manutenção do julgado.
O requerente também contra-alegou concluindo que:
A. Vem a presente resposta ao recurso de Apelação interposto pelo Requerido E… B… da sentença que qualificou - e bem - a insolvência da sociedade Inter…, S.A. como culposa por considerar verificada “a previsão da alínea h) do art.º 186.º do CIRE.
B. O recurso interposto pelo Requerido E… B… não pode ser admitido.
C. Isto porque, o Requerido não efectuou o pagamento da taxa de justiça, nem da multa pelos montantes devidos pela interposição de recurso o que corresponde à falta de comprovação do seu pagamento conforme decorre do n.º 2 do artigo 145.º do CPC.
D. Assim, ao não ter efectuado o pagamento da multa devida pela apresentação do recurso após o termo do prazo tal significa que se extinguiu o direito do Requerido a interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
E. Sem conceder, relativamente à impugnação dos pontos 35) e 143) da decisão sobre a matéria de facto a mesma não pode merecer acolhimento dado que nas suas declarações o Requerido L… A… assume que não elaborou as contas referentes ao exercício de 2010.
F. Por outro lado, no ponto 14) da decisão sobre a matéria de facto Tribunal a quo deu como provado – não tendo sido impugnado pelo Recorrente - que o ROC da Insolvente não procedeu à revisão das contas de 2010 dado que estas não lhe foram facultadas.
G. No que respeita à factualidade que o Recorrente pretendia aditar à decisão sobre a matéria de facto a mesma estaria em contradição com o ponto 131) da mesma decisão na qual foi dada como provada que até Maio de 2011 a Insolvente transferiu para o aqui Recorrente e para o Requerido M… R… mensalmente o montante de € 4.000,00 (quatro mil euros) os quais não correspondiam ao pagamento de qualquer vencimento.
H. O montante pago pela Insolvente a dois dos seus administradores ao longo do ano de 2011 seria mais do que suficiente para pagar todas as despesas referentes à preparação, à elaboração e ao depósito das contas da Insolvente referente ao exercício de 2010.
I. Acresce ainda que a testemunha J.S. - ROC da Insolvente - afirmou expressamente no seu depoimento que a razão para que não tivesse certificado as contas referentes ao exercício de 2010 não foi a ausência de dinheiro por parte da Insolvente.
J. No que respeita à suposta contradição existente entre os pontos 35) e 59) da decisão sobre a matéria de facto a mesma também não pode proceder dado que não existe qualquer contradição inconciliável entre estes dois pontos da decisão sobre a matéria de facto.
K. Quanto ao pedido que o Recorrente formula para que o aqui Recorrido seja solidariamente afectado pela decisão que qualificou a insolvência como culposa não pode ser conhecido por este Tribunal dado que o Tribunal a quo não tomou - e bem - qualquer decisão sobre esta matéria.
L. Isto porque (i) o Recorrido não foi identificado pelo Administrador da Insolvência nem pelo Ministério Público como sendo um dos possíveis afectados pela qualificação da insolvência, logo (ii) não foi citado para deduzir oposição e (iii) não consta identificado no objecto do litígio nem nos temas da prova.
M. Sem conceder, da decisão sobre a matéria de facto, não existe a mínima evidência que o aqui Recorrido era administrador de facto da Inter…, dado que o Tribunal a quo não deu como provado - porque não existem - (i) qualquer procuração a seu favor, (ii) qualquer contrato assinado pelo Recorrido, (iii) qualquer ordem de pagamentos feitas a pedido pelo Recorrido, (iv) qualquer ordem para a contratação de trabalhadores ou mesmo (v) qualquer instrução a trabalhadores.
N. Pelo que, mesmo no plano substantivo, o Recorrido nunca poderia ser afectado pela qualificação da insolvência como culposa por não ser administrador da Insolvente desde 2001.
O. Quanto à interpretação que o Recorrente faz do artigo 186.o do CIRE e há necessidade que se verifiquem os requisitos da responsabilidade civil a mesma não é acompanhada pela corrente doutrinária e jurisprudencial dominante.
P. Com efeito, é entendido que as situações tipificadas no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE são de tal modo graves, que o legislador fez presumir, de forma taxativa e inilidível, o carácter culposo da insolvência, com as decorrentes consequências para os administradores da sociedade.
Q. A este respeito bem andou o Tribunal a quo quando considerou que face à matéria dada como provada “a Insolvente não tinha contabilidade para apresentar ao Exmo. Sr. Administrador de Insolvência”; e que “resulta à saciedade”; que após o ano de 2010 a contabilidade da Insolvente deixou de estar organizada.
R. Por outro lado, o incumprimento de manter a contabilidade organizada não poderia ser enquadrada na alínea b) do n.º 3 do artigo 186.º, como parece pretender o Recorrente, dado que não se tratou de um simples atraso na elaboração das contas, antes desde o final de 2010 até à declaração da insolvência que as demonstrações financeiras da insolvente não foram preparadas, para além de que ficou provada a existência de uma faturação paralela sem qualquer correspondência com a venda de bens pela insolvente.
S. Assim, face à matéria de facto dado como provada, a insolvência sempre teria de ser qualificada como culposa.
T. A condenação na indemnização do Recorrente prevista na alínea e) do n.º 2 do artigo 189.o do CIRE, não violou o direito de acesso à justiça, nem o princípio constitucional proporcionalidade ínsito no Princípio do Estado de Direito Democrático.
U. Para a eventualidade de este Douto Tribunal considerar que a insolvência da Inter… é fortuita - o que não se concede e apenas se admite por dever de patrocínio - ou, ainda, que não deve ser conhecido o recurso interposto pelo aqui Recorrido relativamente à verificação das als. a) e i) do n.º 2 e ainda das alíneas a) e b) do n.º 3 ambos do artigo 186.o do CIRE, então, o Recorrido vem, subsidiariamente, ampliar o âmbito do recurso.
V. Dos factos dados como provados nos pontos 8), 20) a 24) da decisão sobre a matéria de facto resulta que foram transferidos vários veículos automóveis para sociedades do grupo ou a pessoas especialmente relacionadas com o aqui Recorrente E… B… sem que tenha existido qualquer contrapartida financeira.
W. Os veículos transmitidos consubstanciariam o único património da Insolvente, pelo que torna-se patente que estão verificados os requisitos da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE que determinaria sempre que a insolvência fosse declarada culposa.
X. Adicionalmente, ao não fornecer os elementos solicitados pelo Administrador da Insolvência, o Requerido L… A… manifestou um comportamento omissivo entre a declaração da insolvência da Insolvente e a emissão do parecer, razão pela qual também se encontra verificada a presunção prevista na al. i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE que igualmente determina que a insolvência deva ser qualificada como culposa.
Y. Também dos factos provados resulta que no verão de 2011 a Inter… encerrou a sua actividade comercial deixando um passivo superior a quinze milhões de euros, sem que os Requeridos tivessem tomada a iniciativa de apresentarem à insolvência a Inter….
Z. A cessação de actividade da Insolvente acrescido da ausência de património móvel ou imóvel registado corresponde à assunção de que a insolvência da sociedade era, se não actual, pelo menos iminente dado o enorme valor do seu passivo e a manifesta impossibilidade de o honrar.
AA. Face ao exposto, deve considerar-se verificada a previsão prevista na al. a) do n.º 3 do artigo 186.o do CIRE e, como tal, deve ser qualificada como culposa atenta a violação do dever de a Inter… se apresentar à insolvência.
BB. Conforme ficou igualmente provado no ponto 143) da decisão sobre a matéria de facto, as contas da Insolvente referentes aos exercícios de 2010 a 2013 não foram elaboradas.
CC. Uma correcta interpretação e aplicação da al. b) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE teria determinado que se encontra verificada a previsão desta norma e, como tal, ser por esta via também qualificada a insolvência como culposa.
DD. Face a tudo o exposto, no âmbito da ampliação de recurso, a sentença recorrida violou os artigos 3.º, 18.º, 83.º, 186.º, n.ºs 2 e 3 todos do CIRE.
I. C
O objecto do recurso é o seguinte:
i) Reapreciação/alteração/contradição da matéria de facto;
ii) Verificação dos pressupostos de que depende a qualificação da insolvência;
iii) Na hipótese de confirmação da decisão de qualificação: apreciação da proporcionalidade/constitucionalidade da sanção;
iv) Violação do princípio do acesso ao direito e aos tribunais.
v) Afectação do requerente F… T… e o princípio da igualdade previsto na Lei Fundamental;
vi) Ampliação do recurso.

II
II. A
A primeira instância fixou a seguinte matéria (a impugnada destacada em negrito):
Provada
1. A acção de insolvência a que estes autos seguem por apenso, deu entrada em Juízo no dia 23 de Setembro de 2014.
2. Por sentença já transitada em julgada e proferida em 17.12.2014, foi declarada a insolvência de Inter…, S.A..
3. A sociedade Inter…, S.A. foi registada junto da Conservatória do Registo Comercial no dia 26.07.1991 [cfr. Insc. 1 AP – 1../…. - Constituição de Sociedade e Designação de Membro(s) de Órgão(s) Social(ais)], tendo por objecto social a “Prestação de serviços a empresas comerciais e industriais, na actividade de representações, importação, exportação e comercialização de equipamento informático (hardware), desenvolvimento e comercialização de programas de informática (software) e ainda na elaboração, planeamento controle e gestão de projectos de sistemas de informação”;, com sede na Rua …, n.º…, … andar Direito, …-... Funchal, Região Autónoma da Madeira, com o capital social de €249.500,00, dividido em 50.000 acções, no valor nominal e unitário de €4,99.
4. Consta registado na Conservatória do Registo Comercial que, por deliberação de 30.12.2004 e para o quadriénio de 2005/2008, o Conselho de Administração da Insolvente era integrado por E… B…, M… R… e M… T…, este último, em substituição de seu pai, F…T….
5. M… R… renunciou ao cargo de administrador com data de 29.07.2011, facto registado em 10 de Agosto de 2011 (Apresentação n.º ../…. às 10:45:35 UTC).
6. M… T…, que nasceu em ...1979, reside nos Estados Unidos da América desde Janeiro de 2006, renunciou ao cargo de administrador com data de 31.10.2006, facto registado em 22 de Dezembro de 2011 (Apresentação n.º …/… às 15:17:41 UTC).
7. A Insolvente obrigava-se com a intervenção de dois administradores; Um administrador e um mandatário da sociedade; Um administrador se se tratar do administrador único ou se, para intervir no acto ou actos, tiver sido designado em acta pelo Conselho de Administração; dois mandatários; Um mandatário, quando mandatado para propor contestar, transigir e desistir em quaisquer acções e comprometerem arbitragem.
8. Em acta de 22 de Agosto de 2011, foi deliberado alterar a forma de vinculação da sociedade, tendo a Insolvente passado a obrigar-se com a intervenção de dois administradores, sendo suficiente a intervenção de um administrador quanto: a actos de gestão corrente, actos ou contratos relativos a matérias laborais, designadamente acordos de cessação de contrato de trabalho, transmissão, por venda ou outro título de veículos automóveis ou quando apenas um administrador esteja nomeado.
9. A Insolvente é detida na sua totalidade pela T…&B…, S.A, que por sua vez está integrada no Grupo St…, detendo a St… SGPS a totalidade do capital social daquelas sociedades.
10. E… B…, pelo menos, desde 2006 exerceu a administração executiva de todas as empresas do grupo, nomeadamente, como presidente do conselho de administração da T..&B…, S.A. e da Inter…, S.A., e Administrador Único das empresas St…, SGPS, S.A., e Propostas Criativas, desde a data da sua constituição.
11. E… B… é administrador das empresas E…, S.A. e C…, Madeira, S.A. desde as datas da sua constituição, em representação da participação social da St… e da T…&B….
12. A gestão dos pagamentos aos fornecedores e credores da sociedade, movimentos financeiros, decisões diárias da insolvente, representação da actividade exercida, afectação dos seus recursos financeiros, satisfação de necessidades, contratação de funcionários, assinatura de documentos e emissão de cheques eram feitos por E… B…, L… A… e M… R…, de acordo e nos termos da divisão de funções referida em 36, 37, 38, 42, 43, 93, 94, 95, 96 e 134.
13. Na lista de credores reconhecidos foi reconhecido a F… T… um crédito no valor de €1.088.760,37, ao qual foi atribuído natureza subordinada.
14. Com data de 6.02.2012, o ROC M.S. emitiu declaração de impossibilidade de proceder à revisão das contas, informando que não lhe foram facultados os documentos de prestação de contas, relatórios de gestão, demonstrações financeiras e anexos relativos ao ano de 2010, nos seguintes termos: “Não pudemos examinar as demonstrações financeiras da Interlog Informática, S.A. do exercício findo em 31 de Dezembro de 2010, em conformidade com as normas técnicas e as directrizes de Revisão/ Auditoria da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, por não terem sido preparadas as referidas demonstrações, nem por nos ter sido facultado o acesso aos documentos e registos contabilísticos do exercício findo nesta data. Nestas condições, não podemos emitir a Certificação legal das Contas nem assegurar que a Empresa deu cumprimento às obrigações legais, designadamente, perante a Administração Fiscal e a Segurança Social”; (documentos constantes de fls. 84 e 84 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
15. A Insolvente encerrou a sua actividade comercial no verão 2011 deixando um passivo superior a €15.000.000,00 (quinze milhões de euros).
16. A sociedade Inter…, S.A. foi representante exclusiva da Apple em Portugal, desde 1987 até 2011, concentrando a quase totalidade dos negócios na representação e distribuição desta marca em Portugal, com um volume de negócio entre 2006 e 2011 de cerca de €200.000.000,00 (duzentos milhões de euros).
17. Por sentença proferida 11.07.2014, no âmbito do Processo Especial de Suspensão e Destituição dos Titulares de Órgãos Socais (Proc. 1979/14.0TBFUN - Secção de Comércio do Funchal-J1), o Administrador E… B… foi suspenso provisoriamente da titularidade desse órgão, tendo sido nomeada N…T…, que por carta datada de 5.11.2014 lhe solicitou a documentação da Insolvente.
18. No âmbito do processo referido em 17. foi proferida sentença de homologação de desistência da instância, tendo a mesma transitado em julgado em 9.04.2015.
19. O Administrador E… B… utilizou cartões de crédito e dinheiro da Insolvente, através de levantamento nas ATM, para pagar despesas pessoais que desde Janeiro de 2007 a Fevereiro de 2011 atingiram o valor de €294.000,00.
20. A Caixa Leasing e Factoring Instituição Financeira de Crédito, S.A. celebrou em 24.09.2007 com a Insolvente um contrato de locação financeira mobiliária, relativamente ao veículo ..-DV-.
21. Em 6.02.2012 a Caixa Leasing e Factoring Instituição Financeira de Crédito, S.A. transmitiu a N… B… o veículo matrícula ..-DV-.., tendo E… B…, na qualidade de administrador da Insolvente, prestado o consentimento, prescindido do direito de preferência e autorizado o cancelamento da locação Financeira.
22. Em 29.04.2016 N… B… transmitiu à sociedade A… B…, Lda, o veículo ..-DV-.. da qual era sócia a filha de E… B…, J… B….
23. O Administrador E… B…, em representação da Insolvente, transmitiu em 9.02.2012 à empresa P… C…, S.A. (da qual era administrador único), a viatura Audi …-OM pertencente à Insolvente e posteriormente em 6 de Março de 2013, na qualidade de representante da sociedade P… C…, S.A., transmitiu a referida viatura para a filha, C… B….
24. Os factos referidos em 21, 22 e 23 não geraram entrada do valor na Insolvente.
25. A E… é uma empresa de direito angolano, que se dedica à comercialização de equipamentos Apple em Angola, constituída com esse propósito e detida a 100% pela St…, S.A.
26. A C… Madeira, S.A. dedica-se à construção e manutenção electromecânica no arquipélago da Madeira e é detida a 49% pela St…, S.A.
27. À data de 30 de Setembro de 2004, os activos da Insolvente eram de €3.094.104,09 e os passivos atingiam €2.693.729,12, e incluíam apenas uma dívida ao BCP de €198.900 e outra de €150.000 ao BPI.
28. A insolvente foi sujeita a avaliação por duas Entidades Independentes, tendo a avaliação sido ratificada pela Sociedade de Revisores Oficiais de Contas A… e P…, SROC, em 2 de Novembro de 2008, pelo valor de €20.800.000.
29. As contas dos anos 2001, 2002, 2003 e 2004, foram aprovadas em acta de AG de 29 de Abril de 2005.
30. Em 2009, no Relatório de Contas elaborado pela administração, a divida referenciada pelos auditores das outras empresas do grupo para com a Inter…, atingia os 5.385,276 euros.
31. A Inter… manteve como cliente a firma Multi…, fornecendo-lhe equipamentos e produtos sem que lhe tivesse sido exigido qualquer garantia, relativamente aos equipamentos que lhe eram entregues e sem pré- pagamento, sendo que existia a prática de exigir garantias aos clientes, condição imposta pela Apple à Inter…, enquanto seu fornecedor, do que resultou um prejuízo de €1.296.697,42.
32. Em 2009 a insolvente enviou equipamento informático para Angola no valor de €2.000.000 sem carta de crédito associada ou outra garantia que lhe permitisse assegurar o recebimento desse valor.
33. A Inter… prestava um serviço de garantias à Apple, reparando equipamentos de revendedores, nomeadamente da F…, o que gerou créditos avaliados em €1.300.000,00, em 2010, que se concluiu não existirem.
34. Em email datado de 1.01.2012 e dirigido a E… B… e com conhecimento a F… T…, L… R… A… e F… P…, a Caixa Geral de Depósitos comunicou, designadamente, o seguinte: “Aproveito desde já esta comunicação para mais uma vez solicitar o envio dos comprovativos de fornecimento à Sonae no valor aproximado de 3 milhões de euros, as quais como é do vosso conhecimento não foi confirmado pelo devedor.”
35. Desde 2010 a Insolvente não elabora nem submete aos órgãos competentes da sociedade as contas de cada exercício anual, pelo que, à data da declaração da insolvência, a Insolvente não tinha documentos contabilísticos para apresentar ao Administrador de Insolvência.
36. L… A… exerceu funções como Técnico Oficial de Contas da Insolvente entre 2004 e 2015.
37. L… A… foi contratado pela sociedade St… para prestar serviços de contabilidade ao grupo, do qual fazia parte a Insolvente.
38. Todos os documentos financeiros e contabilísticos eram assinados por L… A… como técnico oficial de contas da sociedade Insolvente.
39. M… R… descontava para a Segurança Social.
40. E… B… descontava para a Segurança Social através da sociedade T…&B…, S.A.
41. A operação comercial, a logística e a área administrativa da Insolvente estava centralizada em Lisboa, no seu escritório em Alfragide.
42. O administrador M… R… era o único administrador que residia em Lisboa e era o responsável pela área comercial, pela gestão e estratégia da sociedade Insolvente.
43. E… B… e L… A… eram responsáveis pela área financeira da Inter….
44. A Insolvente para além de ter a sua sede na Madeira, tinha as suas duas contas bancárias, junto da Caixa Geral de Depósitos e do BPI, aí sediadas.
45. Uma vez que a sociedade Insolvente se vinculava com duas assinaturas e os administradores E… B… e M… R… residiam em pontos diferentes do País, a sociedade insolvente decidiu encontrar alguém na Madeira que, conjuntamente com o Administrador E… B…, assinasse e autorizasse ordens de transferências bancárias, facilitando a realização de alguns pagamentos.
46. Em face do referido em 45, o Administrador E… B… contactou L… A… e perguntou-lhe se aceitava ser procurador da sociedade Insolvente para facilitar a realização de alguns pagamentos da sociedade, em virtude do administrador M… R… residir em Lisboa, o que foi aceite.
47. No dia 8 de Novembro de 2006, o conselho de administração da sociedade Insolvente conferiu uma procuração a favor de L… A… com poderes para: “conjuntamente com qualquer um dos administradores assinar cheques, fazer levantamentos e depósitos nas contas em bancos, instituições bancárias, à ordem da sociedade mandante”.
48. L… A… assinava as ordens de transferência bancária para o principal fornecedor da insolvente, a Apple Portugal, até meados de 2011, altura em que a empresa deixou de trabalhar com a Apple.
49. Para que os pagamentos devidos à Apple Portugal fossem realizados, o administrador M… R… enviava, ao cuidado do administrador E… B… e de L… A… o extracto de conta corrente daquele fornecedor e informava a data dos pagamentos a realizar.
50. A Apple Portugal contactou L… A…, na qualidade de TOC da Insolvente, com o conhecimento de M… R… e E… B….
51. Em 6 de Março de 2006, F… T… solicitou a L… A… o envio de orçamentos provisionais.
52. Em 11 de Dezembro de 2006, F… T… solicitou a L… A… o envio do quadro de pessoal da sociedade Insolvente.
53. Em 29 de Outubro de 2007, F… T… solicitou a L… A… o envio dos mapas de salários da sociedade Insolvente.
54. Em 4 de Julho de 2008, F… T… solicitou a L… A… o envio dos mapas de vendas da sociedade Insolvente.
55. Em 28 de Janeiro de 2009, F… T… solicitou a L… A… o envio dos mapas de pagamentos do IVA e IRC da sociedade Insolvente.
56. Em 2 de Novembro de 2009, F… T… solicitou a L… A… o envio dos compromissos bancários da sociedade Insolvente.
57. Em 12 de Novembro de 2009, F… T… solicitou a L… A… o envio das demonstrações de resultados previsionais de 2009 da sociedade Insolvente.
58. Em 21 de Janeiro de 2011, o Revisor Oficial de Contas da Insolvente solicitou a L… A… o envio do balanço e demonstrações de resultados da sociedade Insolvente, referentes ao ano de 2010.
59. Em 25 de Janeiro de 2011, L… A… remeteu ao Revisor Oficial de Contas o balanço e demonstrações de resultados requeridos, com o conhecimento de F… T… e E… B….
60. Em 25 de Março de 2011, F… T… solicitou a L… A… o envio do quadro de pessoal da sociedade Insolvente com a inclusão de dois trabalhadores.
61. Em 29 de Abril de 2011, F… T… solicitou a L… A… o envio do quadro de pessoal da sociedade Insolvente com Antiguidades.
62. Em 11 de Janeiro de 2012, E… B… enviou ao cuidado de uma sociedade de advogados de Lisboa os cálculos de lucros cessantes, com o conhecimento de M… R… e F… T….
63. A documentação contabilística da sociedade Insolvente estava arquivada no escritório da sociedade insolvente em Lisboa, que era arrendado.
64. Com o encerramento da sociedade Insolvente em 2011, o imóvel foi entregue ao senhorio, tendo a documentação existente sido enviada para a sede da T…&B…, S. A. e St…, no Funchal.
65. Na sequência do referido em 17. e 18. as fechaduras das instalações onde se encontravam instaladas as sedes sociais da T…&B… e da Inter…, S.A., foram mudadas.
66. A Inter… vendia e prestava assistência técnica aos produtos vendidos usando, para o efeito, a marca “APPLE”; e demais sinais distintivos da empresa APPLE e exercia funções de marketing, de promoção, de protecção de branding, logística, construção de canal de vendas, serviços de reparação e manutenção.
67. Pelo motivo referido em 66, a multinacional Apple intervinha directamente no âmbito da operação comercial da Inter…, que se encontrava subordinada àquela neste aspecto e em tudo o que ao mesmo dissesse respeito.
68. A totalidade das acções representativas do capital social da Inter… foi adquirida à S…, SGPS, S.A., em duas fases, em 1999 e 2001.
69. E foi na sequência da aquisição referida em 68, que a Inter… passou a ser detida a 100% pela T…&B….
70. A relação comercial entre a Apple e a Inter… assentou em contratos anuais, que se iam renovando, o que durou até 1 de Outubro de 2004, quando passaram a ter a duração de três anos.
71. Desde então, essa relação divide-se em três Fases:
(a) Entre 1 de Outubro de 2004 e 31 de Março de 2008, a relação era regida, essencialmente, pelo Independent Marketing Company Agreement, com última renovação a 1de Outubro de 2004 entre a Apple e a Inter… (sem prejuízo da prorrogação de Dezembro de 2007 até ao início da vigência do próximo acordo);
(b) De 1 de Abril de 2008 a 31 de Março de 2011, a relação era regida pelo APPLE Authorized Distributor Agreement, de 24 de Janeiro de 2008, pelo Value Added Distribution Addendum; Pratices and procedures – APPLE authorization process for Authorized Channel Members; e Sales and Business Policy for APPLE VAD;
(c) A partir de 1 de Abril de 2011, o Apple Authorized Distributor Agreement, com a redação dada pela carta da APPLE de 16 de Agosto de 2010.
72. No âmbito das relações da Inter… com a Apple era esta quem definia, designadamente através de forecasts (previsões de vendas) que aprovava, as quantidades de produtos Apple a comprar pela Inter…, quais os clientes a quem os referidos produtos deviam ser distribuídos, em que proporção e de acordo com que estratégia e a que preço.
73. A Inter.. só estava autorizada a vender a Resellers, nos canais Retail (de grande distribuição) e Prosumer (lojas Apple Premium Resellers e pequenos revendedores), bem como, a utilizadores finais, no caso de vendas online e até à abertura da Apple Online Store, ou a fazer vendas a grandes entidades e só podia fazer vendas no território que lhe fora atribuído.
74. Entre 1 de Abril de 2008 e 31 de Março de 2011, a Inter… beneficiava das seguintes condições comerciais: margem bruta de 10% a 12%, pagamento à Apple a 60 dias, e aquisição de produtos segundo o preço de venda ao público fixado pela Apple, deduzido de um desconto de 15% a 25%.
75. A partir de 1 de Abril de 2008 e até 31 de Março de 2011, às condições referidas em 72 foram acrescidas um conjunto de obrigações e direitos inerentes à gestão da actividade da Apple em Portugal, designadamente, funções de marketing, gestão financeira, vendas, logística, Customer care, incluindo produtos para reparação ou revenda (Service produts) e criação e gestão de uma rede de Authorized Channel Members).
76. Toda a actividade da Inter… estava dirigida e subordinada ao funcionamento da cadeia de distribuição da APPLE, de acordo com as imposições que esta ia fazendo.
77. A Inter… ficou obrigada a passar aos retalhistas os descontos decididos unilateralmente pela Apple, ficando claro que tal incluía a obrigação de conceder aos revendedores o desconto funcional decidido pela Apple.
78. Ficando o território atribuído, que até aí incluía Portugal e PALOP´S, reduzido apenas a Portugal.
79. A partir de 2008, no quadro duma reorganização geral das suas actividades, a Apple começou a promover a transição da relação comercial existente entre a Apple e a Inter… para um novo modelo contratual, que viria a iniciar-se em 1 de Abril de 2011, com a alteração das condições contratuais e das condições operativas aplicáveis à Inter….
80. Em Outubro de 2008, constatando um forte crescimento das suas vendas neste mercado, a Apple deixou de integrar Portugal no grupo de países “Central Europe, Middle East and Africa”; (“CEMEA”), para o passar a integrar no grupo de países “Europe, Middle East and Africa”; (“EMEA”).
81. Os países “CEMEA”; correspondem, na perspectiva da Apple, aos mercados emergentes, não justificando a sua presença directa e nos quais esta opera através de contratos de distribuição renováveis, com parceiros que a representam para todos os efeitos.
82. Os países “EMEA”; correspondem a mercados maduros e/ou de maior impacto de negócio, justificando, para a Apple, uma sua presença directa, estabelecendo esta contratos com distribuidores do tipo do contrato implementado a partir de 1 de Abril de 2011 e celebrando directamente contratos com o canal (Resail e Prosumer) e sendo geridos por equipas de gestão diferentes no interior da Apple.
83. O contrato celebrado em 2008 continuou a ser executado, não obstante Portugal ter passado a ser tratado na categoria “EMEA”.
84. Em Maio de 2007, a Apple constituíra uma sucursal em Portugal, de nome “Apple - Sociedade Unipessoal, Limitada”; e em Setembro de 2009 a Apple passou a fornecer diretamente à F…, retirando à Inter… o seu principal cliente (Reseller), de produtos Apple (único Reseller português considerado “Tier 1”; pela Apple) e, que, enquanto principal cliente da Inter…, representara 25,7% da facturação da sociedade em 2008 e 32,44% em 2009 (anos financeiros Apple), o que correspondia a €10.411.415,34 em 2008 e a €13.041.300,04 em 2009.
85. A partir de 2010, a Apple começou a concretizar medidas de gestão que diminuíam as margens brutas da Inter…, aumentando os seus lucros.
86. Em 2010, e com a aprovação da Apple, a Inter… encetou negociações, primeiro com a empresa V… e, depois, com a empresa T…, a fim de vender o negócio de distribuição.
87. As negociações abortaram no dia 1 de Junho de 2011, data em que a T… informou que não estava interessada no negócio.
88. A partir de 1 de Abril de 2011, as condições comerciais de que a Inter… gozava foram alteradas: Margens brutas reais de 2,5%, (deixando o desconto da Inter… de variar por produto), aquisição de produtos Apple pela Inter… segundo o preço de venda ao público, descontando-se apenas o desconto da INTER…, ou seja, de 2,5%, pagamento pela Inter… à Apple no prazo de 30 trinta) dias, reembolso pela Apple à Inter… do desconto concedido pela Apple directamente aos retalhistas no prazo de 90 dias, suporte, pela Inter…, do custo financeiro do desconto concedido pela Apple aos retalhistas.
89. Desde a data referida em 88. a actividade da Inter… passou a limitar-se à gestão financeira, ou seja, ao risco inerente à compra dos produtos Apple que teria depois que revender, e à logística, ou seja, a Inter… passou a assumir responsabilidades financeiras e a transportar os produtos Apple, perdendo a gestão dos Authorized Channel Members, que lhe permitia celebrar com os Resellers contratos que lhes concediam acesso a essa categoria, com os direitos associados, designadamente a utilização da marca Apple.
90. A Apple passou a celebrar contratos directamente com os seus Resellers autorizados, o que impossibilitou a continuidade do negócio de distribuição de produtos Apple e obrigou a uma redução da actividade da Inter….
91. Em Julho e Outubro de 2007 a Caixa Geral de Depósitos emitiu duas garantias bancárias a favor da Apple, a débito da Inter…, no montante total de 4.500.000,00 Euros (quatro milhões e quinhentos mil euros), as quais foram accionadas.
92. F… T… intervinha na Inter…, era consultado e tomava decisões, negociou contratos de seguros, sendo que, com excepção da condução do negócio na qual a Apple impunha a sua vontade, os actos de gestão diária da Inter…, eram praticados com consulta do Requerente Francisco Taboada, tendo sido parte activa nas decisões da gestão da sociedade relativas à abertura das lojas designadas TB Store, em Lisboa, no Centro Comercial Colombo.
93. M… G… foi contratado como trabalhador da Inter…, na categoria de Director Geral, a fim de dirigir todo o negócio Apple, tendo a Insolvente melhorado os seus resultados. 94. Enquanto esteve ao serviço da Inter… (com inicio em Dezembro de 2002) exerceu principalmente a gestão das relações da Inter… com a Apple, ou seja, promover e coordenar vendas, fazer pagamentos à Apple, fazer a interlocução entre a insolvente e a Apple os clientes de produtos Apple daquela, não tendo (após 2006) quaisquer outras funções, nem de natureza administrativa nem financeira.
95. Com excepção da parte relativa ao negócio APPLE, M… G… foi afastado da administração contabilística e financeira da Insolvente a partir de Novembro de 2006.
96. Toda a matéria interna, as relações formais com accionistas, era da responsabilidade de E… B… que, frequente e informalmente reunia com F… T… com quem tratava tais questões.
97. Como resultado da recuperação feita por M… G…, e aumento da quota de mercado, a Apple, nas suas relações com a Inter…, passou a impor a presença daquele, designadamente quando, no ano de 2006, F… T… o tentou substituir por J.F..
98. M… G… manteve as funções que desempenhava, conduzindo a operação comercial da Inter… e a sua relação com a Apple até 29 de Julho de 2011, data a partir da qual deixou de ter contacto com a Insolvente.
99. A empresa E …, SA, da qual eram administradores F… T… e E…B…, foi criada em Angola em 15 de Outubro de 2008.
100. F… T… cessou funções como administrador na empresa E…, em 3 de Junho de 2009, passando a constar como administrador, L… A….
101. M… G… assumiu a administração da sociedade E… em 21 de Outubro de 2010.
102. A sociedade E… foi criada numa parceria entre a T…&B.. e uma empresa de direito angolano designada In.., SA, detida por uma empresa portuguesa, que era sócia da sociedade C… Madeira da qual F… T… tinha 49% do capital.
103. Até à criação da empresa E… a insolvente fazia negócios com Angola através de um revendedor designado No….
104. Este revendedor passou a ter que emitir uma garantia bancária a favor da E… em Angola, para quem eram enviados os produtos vendidos pela insolvente já que, até aí, os fornecimentos eram feitos a pronto de pagamento ou através de cartas de crédito.
105. Os produtos passaram a ser enviados apenas para a E… e sem qualquer garantia de pagamento.
106. M… G… remeteu emails para a E…, SA, a exigir o pagamento à insolvente de equipamentos fornecidos sem garantia.
107. Por email de 19 de Outubro de 2010 A… T… exigiu o pagamento das dividas à insolvente.
108. Em Novembro de 2010, a E…, SA, por deliberação da assembleia geral, propôs que a T… & B… ficasse com a totalidade do seu capital por conta das dívidas da sociedade à insolvente Inter…, o que foi aceite.
109. Em 2010, ao mesmo tempo que tentava vender o negócio Apple em Portugal à V… e à T…, a Insolvente tentava junto da Apple manter o negócio em Angola, porém como tal não veio a suceder a T… & B… desinteressou-se do negócio.
110. Como a insolvente tinha sofrido prejuízos antes da entrada de M… G…, a Apple pressionou para que fizesse uma restruturação ao nível da sua estrutura de capital.
111. F… T… apresentou a Tâmega - empresa do ramo da construção civil, como possível parceiro estratégico, disponível para permitir um aumento de capital na insolvente.
112. Com a possibilidade da entrada da Tâmega, F… T… conseguiu que a Apple admitisse que a duração do contrato de distribuição passasse de um para três anos.
113. Tendo sido depositada na conta da empresa cheques da Tâmega no valor de €2.500.000,00, o qual posteriormente veio a ser levantado da conta bancária da insolvente sem explicação.
114. Em Outubro de 2007, foram efectuados pagamentos a N… T…, filha de F… T…, que não trabalhava para a Insolvente, no valor de €4.000,00.
115. Aquando da entrada de M… G… na insolvente, em Dezembro de 2002, ficou estabelecido na entrevista realizada com F… T… e E… B…, que o mesmo receberia um prémio anual no valor de 10% dos resultados que fosse capaz de gerar para a insolvente, antes de impostos.
116. Apesar de no primeiro ano de trabalho a insolvente estar recuperada dos prejuízos gerados, encontrava-se descapitalizada, pelo que M… G… aceitou o diferimento desse pagamento, até que, em 2006, foi-lhe proposto que começasse a receber mensalmente €4.000,00 por conta da dívida, o que ocorreu no período compreendido entre Março de 2007 e Maio de 2011.
117. A quantia referida em 116 foi afectada por M… G… ao pagamento do crédito destinado à aquisição da sua casa e foi declarada anualmente na sua declaração de IRS.
118. À data da entrada de M…. G… na insolvente, a Multi… era o seu maior revendedor, e continuou a sê-lo até 2004/2005, quando foram angariados como retalhistas a F…, W…. e a M… M… .
119. A Multi… era uma empresa cumpridora no que diz respeito ao pagamento de facturas dentro dos prazos e, por isso, e até à chegada de M… G… nunca lhe tinha sido exigida garantia de pagamento.
120. Os accionistas do Grupo T…&B… decidiram abrir na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, uma loja Apple Premium Reseller.
121. Em momento anterior ao referido em 119 a Multi… era a única detentora deste tipo de lojas com estatuto privilegiado junto da Apple, tendo uma loja em Lisboa e outra no Porto.
122. Em face do referido em 120, gerou-se um antagonismo entre a Multi… e a insolvente, tendo aquela feito várias queixas à APPLE.
123. Até Maio de 2008 e nos termos do contrato que vigorava, a Apple concedia um montante de 2% sobre o valor das compras que a insolvente lhe fizesse para custear a garantia dos equipamentos, sendo que após essa data esse crédito de 2% terminou passando a ser a Apple a verificar se a reclamação estava dentro da garantia, o que levou a que, por um lado, fosse eliminado o crédito de 2% dado pela APPLE, e por outro, aumentado o débito à insolvente, por parte dos grandes revendedores.
124. Aquando da constituição das sociedades “T…&B.., SA”; e “Inter.., SA”, F… T… e E… B… foram os seus únicos sócios, encontrando-se F… T… impedido de exercer o cargo de gerência da sociedade, atenta a função de preenchimento dos corpos sociais que vinha fazendo na “E…E… da Madeira, SA.”
125. Com a entrada de F… T… no órgão de administração da “S… do Porto Santo, S.A.”, que veio a ser registada pela Ap. ../…., mas deliberada em 02 de Novembro de 2001, o mesmo deixou de poder fazer parte integrante dos órgãos de administração das sociedades, por incompatibilidade legal.
126. Face ao impedimento referido em 125, F… T… colocou como administrador da insolvente o seu filho, que reside e trabalha nos Estados Unidos da América desde 2006.
127. No ano de 2008, foi constituída a sociedade St… - SGPS, S.A, que passou a deter a participação no capital social da insolvente e da sociedade T… & B…, SA., quer ainda da sociedade P… C…, S.A., na qual foram nomeados administradores, E… B… e N… T…, esta em substituição do seu pai, F… T…, por este continuar a se encontrar impedido legalmente.
128. F… T… liderou as negociações entre a sociedade Inter…, SA e a Apple a propósito da renovação contratual, quando esta quis alterar as condições comerciais e financeiras anteriormente acordadas e praticadas pela empresa, e que poderia pôr em risco a sustentabilidade financeira de ambas as sociedades.
129. F… T… interveio em representação da Insolvente e da T…&.B… na negociação com a V…, relativamente à venda do negócio da Inter….
130. F… T…, em representação da Insolvente, dirigiu as negociações mantidas com a Apple, aquando da renegociação do contrato de representação e distribuição para Portugal e Angola e que levaram à cessação do mesmo contrato, com a perda dessa representação, o que ocorreu em meados de 2011.
131. No período compreendido entre Março de 2007 e Maio de 2011, ocorreu de forma contínua e mensal, e com o conhecimento de L… A…, a transferência de duas verbas, cada uma no valor de €4.000,00 (quatro mil euros), da conta de gestão e cobrança de cheques da Inter…, sediada no Banif, para as seguintes contas bancárias com os seguintes titulares:
- E… B… e sua mulher A… B…, que corresponde à cinta n.o 0….
- M… R…, que corresponde à conta n.o 01…
132. As transferências no montante de €4.000,00 (quatro mil euros), tinham carácter de prémio.
133. Ficou combinado que F… T… receberia o equivalente no final do ano.
134. L… A.. era Director Financeiro e TOC da sociedade insolvente, sendo responsável pelas áreas financeira de Contabilidade/Fiscalidade, Gestão de Tesouraria.
135. Não foi entregue ao Administrador da Insolvência a declaração anual IES, acta de aprovação de contas, balanços, demonstração de resultados e anexos ao balanço relativos aos últimos três anos.
136. Através de email datado de 12.01.2015, dirigido a L… A…, o Administrador da Insolvência solicitou os seguintes elementos contabilísticos: Balanço, demonstração de resultados, mapa de amortizações, anexos (A, B, D, R) e balancetes gerais dos últimos três anos, Balancete actual, Inventários e Relatórios de gestão dos últimos três anos, Fichas de Imobilizado, Livros de Actas, Senha Fiscal, Balancete com o fecho das contas até à data da insolvência, Cópia das facturas dos clientes devedores, assim como cópia de todos os documentos de devedores diversos, Senha da Segurança Social, Listagem do Pessoal.
137. Através de email datado de 2.03.2015, dirigido a L… A…, o Administrador da Insolvência reiterou o pedido referido em 136.
138. Através de email datado de 6 de Agosto de 2015 L… A… informou, designadamente: “... passei no final de Julho nos escritórios da T…& B…., na Rua …, constatei que tinham mudado a fechadura, não sendo possível o acesso ao seu interior, a fim de recolher os elementos solicitados neste email. Em contacto com a D. A…P…, foi-me dito que estiveram no escritório em finais de Abril, com o Dr. R…F…, ... levando os documentos que pretendiam, conforme email, de 2.03.2015...”.
139. Em 7.12.2015 o Administrador da Insolvência informou já ter tido acesso às capas de arquivo contabilístico.
140. Nos autos de insolvência foram reconhecidos créditos no valor global de €16.217.275,26 (dezasseis milhões, duzentos e dezassete mil, duzentos e setenta e cinco euros e vinte e seis cêntimos).
141. Foram apreendidos para a massa insolvente o direito de crédito no processo 1541.11.0TVLSV, no valor de €6.216.538,50 e no processo 135/12.7TCFUN, no valor de €40.226.459,16.
142. À data da declaração da insolvência o Sr. Administrador apurou a inexistência de bens móveis e imóveis registados a favor da insolvente.
143. As contas de 2010, 2011, 2012 e 2013 não foram elaboradas, nem submetidas aos órgãos competentes da sociedade, nem submetidas a registo na Conservatória do Registo Comercial.
Dos autos resulta, ainda, o seguinte (cfr.art.11º CIRE e art.º 607º, n.º 4, ex vi art.º 663º, n.º 2, CPC):
Processo principal
145. O AI apresentou relatório de análise e perspectivas em 02.02.2015 e informou no ponto n.º 3 do mesmo que não ainda lhe tinham sido disponibilizados os elementos contabilísticos da sociedade(ref.399271).
146. E pronunciou-se pelo encerramento do estabelecimento comercial e liquidação.
Apenso de apreensão-H
147.Os únicos bens apreendidos para a massa em 24.06.2015 consistem nos eventuais direitos de crédito das acções com o n.º 1541/11.0TVLSB-€6.216.538,50 e n.º 135/12.7TCFUN - €40.226.459,16(auto de apreensão).
Apenso de liquidação-J
148. Em 04.07.2017 o AI informou que na acção intentada contra a Apple com o 2312/16.2T8FNC, esta tinha sido absolvida da instância por verificação da excepção dilatória de incompetência absoluta(ref.2196160).
149. Em 03.12.2019 o AI informou que por Acórdão deste TRL (21.1.2019) proferido nos autos n.º1541/11.0TVLSB.L3, intentados pela Massa contra a T… Lda, e a T… GMBH, estas tinham sido condenadas a pagar à primeira a quantia de €5.740.000,00 e juros a título de responsabilidade pré-contratual por ruptura de negociações(ref.3510529).
150. Foi interposto recurso para o STJ.
151. Em 24.06.2020 a Assembleia de Credores deliberou, por maioria, intentar uma nova acção contra a Apple (48662421).
152. Em 03.09.2021 o AI informou que por Ac.STJ de 08-06-.2021 as Rés T… e Europe tinham sido condenadas a pagar à Massa como indemnização pelos danos sofridos, a quantia que se viesse a apurar em liquidação de execução, sem exceder, €5.740.000,00(ref.4311099).
153. Em 14.06.2022 o AI informou que a Comissão de Credores aceitou a proposta das RR no valor de €4.125.000,00(ref.4750350).
Apenso de reclamação de créditos -B
154. No requerimento de junção da lista inicial de créditos reconhecidos e reconhecidos de 12.02.2015 o AI aludiu à incerteza dos elementos contabilísticos existentes.
155. Na sentença de verificação e graduação de créditos foram reconhecidos e graduados créditos num total de €15.872581
Não provada
A. A partir de 2006, E…B… passou a utilizar dinheiro da Inter… para financiar outras empresas do grupo.
B. As transferências referidas de €4.000,00 destinavam-se ao pagamento de uma moradia localizada no Caminho …, no Funchal, adquirida por E… B….
C. Aquando da entrada de M… G… na insolvente, os accionistas - designadamente F… T… e filhos - auferiam remunerações sem correspectivo, que aquele cortou.
D. O facto referido em 14 deveu-se a dificuldades financeiras em proceder aos pagamentos devidos ao Revisor Oficial de Contas (ROC), para que este elaborasse o relatório de contas.
E. Foi instaurado processo judicial contra a Multi…, que corre termos sob o n.º 1541/11.0TVLSB no Tribunal da Comarca de Lisboa.
II.B
Antes do mais salienta-se que o único fundamento de qualificação é o constante da primeira parte da al.h) do n.º 2 do art.º 186º do CIRE- incumprimento, em termos substanciais, da obrigação de manter contabilidade organizada.

II.B.1. Reapreciação/alteração/contradição da matéria de facto
Pretende o recorrente a alteração dos pontos 35 e 143 e invoca contradição entre a primeira
parte destes o ponto 59.
(…)
Não se verifica assim qualquer contradição.
E não se verifica fundamento para eliminar a referência do ano de 2010 constante do ponto n.º 143. (…)
Em resumo, a matéria de facto permanece inalterada.
As conclusões 1 a  4 a improcedem.

II.B.2. Verificação dos pressupostos de que depende a qualificação da insolvência.
Nos termos do disposto no art.º 185º do CIRE 3 a insolvência é qualificada como culposa ou fortuita, não sendo, porém, a qualificação vinculativa para efeitos da decisão de causas penais ou ações de responsabilidade contra o devedor, terceiros e responsáveis legais.
Alega o recorrente que, para se qualificar a insolvência como culposa, é necessário que se verifiquem os requisitos da responsabilidade civil previstos no art.º 483ºdo CCiv.
A insolvência será culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo (cfr.art.186º nº1)
Nos termos do nº 2 4 \ «Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor, que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzidos lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com ele especialmente relacionadas;
c) Comprando mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade coletiva da empresa, se for o caso, uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário aos interesses deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração (previstos no art.º 83º) até à data da elaboração do parecer referido no nº 2 do artigo 188º.»
E nos termos do n.º 3 do mesmo preceito, «Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.»
Ou seja, para que se verifique a qualificação importa que tenha ocorrido (pelo menos) uma conduta do devedor ou dos seus administradores, de facto ou de direito(na noção do art.6º)que: i) tenha criado ou agravado a situação de insolvência; ii) essa conduta seja dolosa ou com culpa grave; iii) tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, ou seja, nos três anos anteriores ao dia da entrada do requerimento inicial do processo de insolvência na secretaria do tribunal, relevando, para além desse prazo, todos os atos praticados entre aquele dia e a data de declaração de insolvência, nos termos previstos no art.º 4º nº2.
No que respeita à culpa, e atento o texto legal, está excluída a culpa simples. O nº 1 do art.º 186º é, pois, o preceito base, no qual se prevê a exigência, para que a insolvência possa ser considerada culposa, de uma conduta de um administrador, de direito e/ou de facto, dolosa ou com culpa grave que apresente um nexo de causalidade com a situação de insolvência ou com o seu agravamento, cometida dentro de um limite temporal, os 3 anos anteriores ao início do processo.
No nº 2 enumeram-se, de forma taxativa, situações fácticas que levam sempre à caracterização da insolvência como culposa, presunções iure et de iure, inilidíveis, quer de culpa grave, quer de existência do nexo de causalidade entre a conduta tipificada e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Como se disse no Ac.STJ de 06.09.2022 7 « Estabelece o n.º 2 do mesmo artigo, entre o mais, que se considera sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiro (alínea d) desse número) ou tenham incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada (alínea h). Neste n.º 2 estamos perante juízos legais - presunções legais, inilidíveis (absolutas), insuscetíveis de prova em contrário - de culpa e de nexo de causalidade quanto à criação ou agravamento da situação da insolvência. Uma vez verificados os factos integradores das hipóteses contempladas nessas normas, a insolvência tem de ser declarada culposa, mesmo que existam eventualmente outras causas que para ela tenham concorrido.»
Apesar de as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2022,11.01, serem aplicáveis aos processos pendentes (cfr art.ºs 10º, n.º 1 e 12º),o só entrou em vigor em 11.04.2022,em data posterior à prolação da sentença impugnada,02.02.2022.
É que, perante os problemas/dificuldades de prova do dano e principalmente de prova da relação de causalidade entre o comportamento ilícito do(s) administrador(es) e o dano, a responsabilidade (por insolvência culposa) legislativamente consagrada tem justamente o propósito de tornar desnecessária a prova do dano que foi causado pelo comportamento ilícito da pessoa afetada.
Faz parte da gestão saudável de uma atividade económica (como é o caso das sociedades), que se quer e pretende organizada, o registo constante e integral do exercício respetivo e de periódicos acertamentos da sua situação financeira; por outro lado, destinando-se a sociedade a realizar lucros para se repartirem entre os sócios, há toda a conveniência em proporcionar a possibilidade da distribuição periódica de lucros; e como também há interesses de terceiros-credores da sociedade, o interesse tributário do Estado (previsto no art.º 103º CRep.P), o interesse social(consagrado no art.º 64º, n.º 2 da CRep.P) da Segurança Social – tudo concorre para uma exigência de acertamento periódico da situação financeira societária. Daí a exigência de escrituração mercantil, que é o registo dos factos que podem influir nas operações e na situação patrimonial dos comerciantes; cuja obrigatoriedade também decorre dos art.º 29º e 40º, n.º 1, do CCom e que constitui um meio de verificação da regularidade da conduta do comerciante (v. g. no caso de insolvência e em todos os casos em que isso estiver em causa) e que serve de base à liquidação de impostos e à fiscalização do cumprimento das normas tributárias. Escrituração que, porém, não se confunde - não é a mesma coisa - com a sua contabilidade, que é a compilação, registo, análise e apresentação, em termos de valores pecuniários, das operações comerciais. E também o disposto no art.º 62º CCom., que estipula que todo o comerciante é obrigado a dar balanço anual ao seu activo e passivo nos 3 primeiros meses do ano imediato e lançá-lo no livro de inventário e balanços, assinando-o devidamente.
Balanço que constitui a síntese da situação patrimonial do comerciante em determinado momento, através da indicação abreviada dos elementos do activo, do passivo e da situação líquida e respetivos valores. E, ainda, a obrigação legal da insolvente, enquanto sociedade anónima, para além de relatar a gestão e apresentar contas, com estipulado pelo art.º 65º do CSC, dispor de contabilidade organizada nos termos da lei, de forma a permitir o controlo do lucro tributável (cfr. 29º do CComercial e art.º 123º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, CIRC), sendo ainda obrigada a dispor de Revisor Oficial de Contas,ROC(cfr. art.º278º e 413ºCSC).
O recorrente enquanto administrador tinha: i) deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado e; ii) deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores(cfr. art.º 64º,n.º1, CSC).
O encerramento da actividade comercial da sociedade administrada pelo mesmo é irrelevante uma vez que não está provado que tenha sido requerida a respectiva cessação nos termos do art.ºs 8º, n.º 5, 117º e 118º CIRC.
Como já se disse supra, está apenas em análise a al. h) do n.º 2 do art.º 186º,que preconiza que é sempre considerada culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
Este segmento normativo constituindo um conceito indeterminado carece de apreciação casuística do comportamento do(s) administrador(es) envolvido(s), no caso em apreço, o recorrente.
Como se disse no Ac.STJ de 13.07.2021 2 «IV.(...)tratando-se como se trata de uma valoração comportamental tipificada, há que ter em atenção, primacialmente, todo o envolvimento comportamental dos administradores, directamente relacionado com a situação económico-financeira da devedora, de onde possa resultar violações inequívocas do dever de manter a contabilidade organizada da empresa administrada, ou de outros deveres que conduzam a um errada e/ou deficiente percepção ou demonstração da sua real situação económica.»
Da matéria apurada releva o seguinte.
No ponto 14. «Com data de 6.02.2012, o ROC M.S. emitiu declaração de impossibilidade de proceder à revisão das contas, informando que não lhe foram facultados os documentos de prestação de contas, relatórios de gestão, demonstrações financeiras e anexos relativos ao ano de 2010, nos seguintes termos:
“Não pudemos examinar as demonstrações financeiras da Inter…, S.A. do exercício findo em 31 de Dezembro de 2010, em conformidade com as normas técnicas e as directrizes de Revisão/ Auditoria da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, por não terem sido preparadas as referidas demonstrações, nem por nos ter sido facultado o acesso aos documentos e registos contabilísticos do exercício findo nesta data. Nestas condições, não podemos emitir a Certificação legal das Contas nem assegurar que a Empresa deu cumprimento às obrigações legais, designadamente, perante a Administração Fiscal e a Segurança Social”»
No ponto o n.º 35 que «Desde 2010 a Insolvente não elabora nem submete aos órgãos competentes da sociedade as contas de cada exercício anual, pelo que, à data da declaração da insolvência, a Insolvente não tinha documentos contabilísticos para apresentar ao Administrador de Insolvência.»
E no ponto 143 «As contas de 2010, 2011, 2012 e 2013 não foram elaboradas, nem submetidas aos órgãos competentes da sociedade, nem submetidas a registo na Conservatória do Registo Comercial.»
E no ponto 135 «Não foi entregue ao Administrador da Insolvência a declaração anual IES, acta de aprovação de contas, balanços, demonstração de resultados, e anexos ao balanço, relativos aos últimos três anos.»
No ponto 139 consignou-se que «Em 07.12.2015 o AI informou já ter tido acesso às capas de arquivo contabilístico.»
Apreciando.
A divergência de entendimento do recorrente quanto ao decidido resume-se apenas ao ocorrido no ano de 2010, pois aceitou que posteriormente não foram elaboradas quaisquer contas, tanto mais que fundamentou esta omissão de elaboração no encerramento da actividade comercial e na insuficiência de meios para pagar ao ROC [circunstâncias que, no entanto, não se provaram].
Ora a ausência de elaboração de contas desde 2010 [diferente do incumprimento de elaboração no prazo legal, da omissão de submissão à fiscalização ou da omissão de depósito previstos no n.º 3, do cit. art.º] assim como a omissão de entrega ,à data da insolvência, dos elementos referidos no ponto 135,corresponde a um incumprimento substancial da obrigação de manter a contabilidade organizada que não é minimamente mitigada pela circunstância de, posteriormente, o AI ter tido acesso às capas de arquivo contabilístico, pois o incumprimento só se verificou a partir de 2010.
E integra, sem margem para dúvidas, a previsão da citada alínea h) considerando-se assim a insolvência culposa.
Como se disse no Ac. STJ de 05.04.2022 «(...)VI. A al. h) do n.º 2 do art.º 186º do CIRE, verificada a demonstração do preenchimento dos elementos de facto descritos na previsão normativa, abrange a impossibilidade legal do afastamento do nexo de causalidade entre a situação típica descrita e a insolvência da sociedade devedora, ou o seu agravamento, que assim se presume, sendo as garantias de defesa da sociedade e dos afectados devidamente exercidas no momento em lhes é concedida pelo sistema jurídico a ampla possibilidade de contradizer processualmente a subsunção da realidade em apreço na norma legal em referência.»
E no já citado Ac. STJ de 06.09.2022: «IV- Mostrando-se que a sociedade insolvente não apresentou escrita contabilística com reporte a todo um ano, cai-se na hipótese de insolvência culposa, nos termos da al.  h)  do n.º 2, do art.º 186º, do CIRE»
A sociedade não elaborou as contas a partir de 2010 até à insolvência, cerca de 4 anos.
As conclusões 6ª, 7ª, 8ª e 9ª a improcedem.
A conclusão 5ª constitui uma generalidade relativa à finalidade do instituto da qualificação da insolvência e, como tal, não constitui objecto de apreciação por este TRL.
II.B.4. Proporcionalidade/constitucionalidade da sanção cominada.
Na sentença impugnada declarou-se o recorrente afectado pela qualificação e condenou-se o mesmo no seguinte: i) inibição para o exercício do comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 3 (três) anos; ii) perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente, condenando-o na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; iii) obrigação de indemnizar todos os credores da Insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património, em quantia a apurar em sede de liquidação de sentença.
O critério matricial de fixação da indemnização que o legislador impôs decorrente da afectação pela insolvência culposa é o expressamente estabelecido na alínea e), do n.º 2 do art.º 189ºque, na redacção então vigente estipulava o seguinte:« e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados.»
Este preceito específico, foi introduzido pela Lei n.º 16/2012,20.04. e alterado pela já citada Lei n.º 9/2022, 11.01, aplicável aos processos pendentes.
O preceito tem, actualmente a seguinte redação: «e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados.
A alteração consiste na substituição dos segmentos «no» e «até às» e por «até» e «considerando as».
No entanto, como se referiu supra, à data da prolação da sentença (02.02.2022) não se encontrava em vigor, o que só ocorreu em 11.04.2022.
No n.º 4, do citado art.º189º, que permanece inalterado, estipula-se que o juiz deve fixar a indemnização devida ou, se tal não for possível por indisponibilidade dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, deve fixar os critérios a utilizar para a sua quantificação a efectuar em liquidação de sentença.
Insurge-se o recorrente contra a sua condenação no pagamento de uma indemnização aos credores da insolvência sem ter em conta o grau de culpa, a ilicitude ou o contributo para a situação de insolvência e impossibilidade de satisfação dos créditos.
Soveral Martins, refere que, tendo em conta que a responsabilidade entre os afectados é solidária, parece que a fixação do grau de culpa que o art.º 189º, n.º 2, al. a) manda efectuar terá relevo no plano interno, mas não na fixação do valor das indemnizações devidas por cada um dos afectados pela qualificação, sendo uma responsabilidade por dívida de terceiro que resulta da lei em consequência do que justificou que o sujeito em causa fosse considerado afectado pela qualificação. E continua referindo que se verifica uma responsabilidade que não parece depender nem da prova da existência da culpa do afectado pela não satisfação dos créditos nem sequer da prova de um nexo causal entre o respectivo comportamento e essa não satisfação. Acrescenta que daí se aluda a uma dimensão punitiva desta responsabilidade concluindo que o regime pode ser bastante gravoso para os afectados podendo a desproporção, eventualmente, conduzir a um juízo de inconstitucionalidade.
Também Maria do Rosário Epifânio coloca interrogações quanto ao preenchimento dos factos constitutivos da responsabilidade extracontratual.
Catarina Serra aponta uma desconformidade na redaçção do texto legal, enquanto na al. a e) se alude a «montante dos créditos não satisfeitos», no n.º 4 alude-se a «prejuízos sofridos» sugerindo interpretações com recurso a presunções para superar a desconformidade ou evitar a inutilização do n.º 4.
A responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana prevista no CIRE é diferente da responsabilidade civil a que se reposta o art.º 483º do CCiv.
Na última são requisitos necessários: o facto (ou omissão) voluntário praticado pelo agente lesante; a ilicitude(violação de direitos subjectivos alheios ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios; a culpa que se exprime através de um juízo de censura; o dano[patrimonial e/ou não patrimonial, se for o caso] e o nexo de causalidade entre o facto/omissão e o dano.
No CIRE esta responsabilidade é: i) subsidiária [só se verifica em caso de insuficiência do património do devedor]; ii)solidária [entre os afectados pela qualificação] e; iii) limitada pois tem como montante máximo os créditos não satisfeitos e exclui danos não patrimoniais.
Maria do Rosário Epifânio considera que se enquadra na responsabilidade insolvencial extracontratual subjectiva.
Efectivamente entende-se, como entende a maioria da jurisprudência, que a circunstância de se ter taxativamente consagrado por via legislativa a culpa e o nexo de casualidade entre esta e o dano não dispensa o julgador, na atribuição da indemnização (que é unicamente o que aqui está m causa), de fixar o grau de culpa e a gravidade da ilicitude da conduta.
Como se referiu no Ac. STJ de 22.06.2021 16 «I - A qualificação como culposa de uma insolvência - consistindo no escrutínio das condições em que eclodiu ou se agravou uma situação de insolvência - tem em vista “moralizar o sistema”: aplicar certas medidas/sanções ao(s) culpado(s) por tal criação ou agravamento, não permitindo que, havendo culpado(s), o(s) mesmo(s) passem(m) “impune(s)”. II - O que não significa que tais medidas/sanções - maxime, a indemnização consagrada no art.º 189.º, n.º 2, al. e), do CIRE - devam ser impostas automaticamente, sem quaisquer limites e fora de quaisquer exigências ou controlo de proporcionalidade (ou de não desproporcionalidade). III - Assim, no caso de indemnização consagrada no art.º 189.º, n.º 2, al. e), do CIRE, será atendendo e apreciando as circunstâncias do caso (tudo o que está provado no processo: o que levou à qualificação e o que o afetado alegou e provou em sua “defesa”) que o juiz pode/deve fixar as indemnizações em que condenará as pessoas afetadas. IV - E entre as circunstâncias com relevo para apreciar a proporcionalidade ou desproporcionalidade da indemnização a fixar encontram-se os elementos factuais que revelam o grau de culpa e a gravidade da ilicitude da pessoa afetada (da contribuição do comportamento da pessoa afetada para a criação ou agravamento da insolvência): mais estes (os elementos respeitantes à gravidade da ilicitude) que aqueles (os elementos respeitantes ao grau de culpa), uma vez que, estando em causa uma insolvência culposa, o fator/grau de culpa da pessoa afetada não terá grande relevância como limitação do dever de indemnizar, sendo o fator/proporção em que o comportamento da pessoa afetada contribuiu para a insolvência que deve prevalecer na fixação da indemnização. V - Não perdendo o juiz de vista, na fixação das indemnizações, que a responsabilidade consagrada no art.º 189.º, n.º 2, al. e), do CIRE (sobre as pessoas afetadas pela qualificação da insolvência como culposa) tem uma função/cariz misto, ou seja, sem prejuízo da sua função/cariz ressarcitório, tem também uma dimensão punitiva ou sancionatória (da pessoa afetada/culpada na insolvência), pelo que a observância do princípio da proporcionalidade não exige que a indemnização a impor tenha que ser avaliada como justa, razoável e proporcionada, mas sim e apenas, num controlo mais lasso, que a indemnização a impor não seja avaliada como excessiva, desproporcionada e desrazoável.VI..»
No Ac. TRL de 22.02.2022 entendeu-se que «5. O regime legal plasmado no art.º 189.º do CIRE, quanto à indemnização devida aos credores da insolvência, deve ser interpretado, com base numa leitura integrada do texto vertido no seu número 2, alínea e) e número 4 e a exigência de uma leitura conforme ao princípio da proporcionalidade, no sentido de que a indemnização devida pela entidade afetada pela qualificação deverá, em princípio e tendencialmente, corresponder à diferença entre o valor global do passivo e o que o ativo que compõe a massa insolvente logrou cobrir, salvaguardando-se, no entanto, que esse valor possa ser fixado em montante inferior sempre que o comportamento da pessoa afetada pela qualificação justifique essa diferenciação, mormente por ser diminuta a medida da sua contribuição para a verificação dos danos patrimoniais em causa, assim mitigando o recurso àquele critério exclusivamente aritmético e que, por isso, em determinadas circunstâncias, pode ser redutor.»
Também Catarina Serra no recente artigo publicado na Revista Julgar «O factor que pode e deve ser ponderado e tem efeitos sensíveis na modelação do valor da indemnização, imprimindo-lhe proporcionalidade, é um único: a contribuição causal de cada sujeito para a ocorrência dos danos/ a medida da participação efectiva de cada um.(...) A qualificação da insolvência como culposa pressupõe sempre a causalidade(provada ou presumida) entre a conduta e a criação ou o agravamento da insolvência(a causalidade preenchedora da responsabilidade civil).
No caso em apreço constata-se, ainda, que a insolvente concentrava a quase totalidade dos negócios na Apple com um volume de negócio de €200.000.000,00 para o período de 2006/20H (ponto n. 0 15).
Está também assente que a relação comercial entre a Apple que intervinha directamente no âmbito da operação comercial da insolvente e esta última, subordinada à primeira (pontos n.º 66, 67, 72 e 74) foi sofrendo sucessivas alterações, com acréscimo de obrigações (pontos n. o 75,76,78e 79). E a partir de 2010 a Apple começou a concretizar medida de gestão que diminuíam as margens brutas da insolvente (pontos 85 a 90).
Em 2010 a insolvente tentou vender, com a aprovação da Apple, o negócio de distribuição à V… e depois à T….
Em Junho de 2011 a T… informou não estar interessada.
A renegociação do contrato de representação que acabou por culminar na sua cessação em meados de 2011(ponto n.º 130).
A insolvente encerrou a sua actividade comercial no verão de 2011 com um passivo de €15.000.000,00 (ponto Em 01.01.2012 a Caixa Geral de Depósitos, S.A., CGD, solicitou ao recorrente o envio de comprovativos de fornecimento de material à Sonae no valor de €3.000.000,00, pois esta entidade não confirmara o recebimento.
Em 11.07.2014 o recorrente foi provisoriamente suspenso das suas funções por decisão proferida no Processo Especial de Suspensão e Destituição dos Titulares de Órgãos Sociais que correu termos sob o n.º 1979/14.0TBFUN-Seccçao de Comércio do Funchal (ponto n.º 17).
Em 23.09.2014 foi requerida e insolvência da devedora que foi. Decretada em 17.12.2014(pontos n.ºs 1 e 2).
Do apenso de liquidação consta que a T…, foi condenada pelo STJ a pagar à insolvente uma indemnização relacionada com as negociações já referidas e , ainda, que em Assembleia de Credores foi deliberado intentar nova acção contra a Apple visando a condenação desta no pagamento uma indemnização de 40.000.000,00€ [a primeira culminou com a absolvição da instância da R com fundamento na incompetência dos tribunais portugueses.]
Os únicos bens apreendidos para a massa correspondem aos eventuais créditos resultantes do desfecho favorável das acções referidas no ponto n.º 147, sendo que, entretanto, o desfecho de uma foi favorável à Massa em €4.125.000,00 (ponto n.º 153).
Assim o montante indemnizatório que foi fixado na sentença de acordo com o regime então vigente significa, na prática, que o recorrente será responsável pela diferença entre os créditos reclamados e verificados, superiores a €15.000.000,00, e o valor entretanto arrecadado para a massa, ou seja um valor superior a €11.000.000,00.
Este valor é, face à função ressarcitória/punitiva da indemnizatória, e atenta a conduta que foi causa da qualificação, manifestamente desproporcional.
É que que a previsão da alínea h) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE não consubstancia, em termos técnico-jurídicos, uma verdadeira presunção, mas antes, uma autêntica e própria ficção legal. Com efeito, facilmente se compreende que não é o facto de a contabilidade da empresa se encontrar viciada ou gravemente adulterada que tem como consequência imediata ou próxima a situação de insolvência ou o seu agravamento. A saúde financeira do negócio poderá perfeitamente, não obstante o caos contabilístico desorganizadamente mantido, gerar os lucros suficientes para a completa a integral satisfação dos créditos contraídos perante terceiros.
Catarina Serra reconhece que a inobservância do dever de manter a contabilidade organizada, embora dificultando a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor, não gera, nem, em princípio, agrava a insolvência, fazendo assentar o juízo de reprovabilidade de tal conduta na circunstância de a não organização ou desorganização da contabilidade e a falsificação dos respetivos documentos permitir supor que o sujeito tem algo a esconder, que ele terá praticado actos que contribuíram para a insolvência, pretendendo ocultá-los.
Considerando os factos supra descritos entende-se que o grau de culpa e de ilicitude da conduta do recorrente em função do agravamento do estado de insolvência são, em ambos os casos, reduzidos.
E o mesmo se entendeu na primeira instância quando decretou uma medida de inibição de 3 anos, perto do mínimo legal- a moldura situa-se entre os 2 e os 10 anos (cfr. art.º 189º, al. a b).
No tocante ao concreto valor da indemnização, e tendo em conta o que já se expôs, entende-se fixar o mesmo em quantia correspondente a uma percentagem da diferença entre o passivo global e o activo ,tanto mais que haverá uma real possibilidade de ainda ser arrecado mais valor para a massa atenta a deliberação de propositura de uma nova acção contra a Apple, à semelhança do que ocorreu contra a T….
A percentagem que se afigura adequada é de 30% sobre a aludida diferença.
As conclusões do recorrente 9.ª a 13.ª procedem apenas quanto ao montante da indemnização.
II.B.5. Violação do princípio do acesso ao direito e aos tribunais
No que respeita à violação do art.º 20º da Lei Fundamental e atentas a alegações difusas e o que já se expôs, não se vislumbra em que a mesma possa consistir.
O recorrente deduziu oposição e concretamente no tocante às presunções expôs os seus factos. Foi-lhe assim concedida ampla possibilidade de contradizer a subsunção da realidade em apreço na norma legal em referência.
As conclusões do recorrente no que respeita à violação do art.20º da Lei Fundamental improcedem.
II.B.6. Afectação do requerente F… T…
O recorrente alega que o requerente da qualificação deve ser afectado pela mesma atenta a factualidade que invocou o requerido na sua oposição.
A questão foi efetivamente suscitada na oposição, mas foi decidida em audiência prévia e o recorrente não interpôs recurso da mesma pelo que transitou.
Quanto à alegação violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13º CRepP não concretiza o recorrente a sua alegação pelo que nada há que apreciar.
As conclusões 14º a 15º improcedem.
II.B.7. Ampliação do recurso
Atenta a improcedência do recurso no tocante à qualificação, a ampliação é manifestamente inútil.
III
Considerando o que se acaba de expor julga-se parcialmente procedente a apelação e altera-se a sentença impugnada determinando-se que a indemnização corresponde a 30% da diferença entre o passivo global e o activo arrecadado para a massa, valor a liquidar em execução de sentença, mantendo-se o demais sentenciado.
Custas na proporção de 70% para o apelante e 30% para a massa.

Lisboa 24.01.2023
Teresa de Sousa Henriques
Isabel Brás Fonseca
Fátima Reis Silva
Decisão Texto Integral: