Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1189/2007-7
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: CUSTAS
TAXA DE JUSTIÇA
EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
ANALOGIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: I- A taxa de justiça devida pela oposição à execução é a prevista no artigo 23.º/1 do Código das Custas Judiciais
II- Depositada taxa de justiça em montante inferior ao devido, situação diversa da omissão de pagamento de taxa, devem os executados/oponentes ser notificados para, em 10 dias, depositarem a taxa de justiça em falta acrescida da multa correspondente, por aplicação analógica das regras constantes dos artigos 512.º-B e 690.º-B do Código de Processo Civil.
III- E só depois de decorrido este prazo sem que o pagamento se mostre efectuado é que o articulado deverá ser devolvido ao apresentante, precludindo o seu direito de praticar o acto

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO
JOSÉ[…] E ISABEL […], executados no processo de execução que lhes move o Banco […]S. A. e em que o título executivo é uma livrança, deduziram, nos Juízos de Execução de Lisboa, OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO, nos termos do art.º 813.º do C. P. Civil e, tendo a execução e a oposição o valor de € 46,765,13, depositaram a taxa de justiça no valor de € 44,50.

O Tribunal a quo proferiu despacho liminar considerando que a oposição à execução é uma acção declarativa e como tal a taxa de justiça inicial é a correspondente a essas acções, fixada pelo art.º 23.º, n.º 1 do C. C. Judiciais, e não aquela que os oponentes depositaram, pelo que o depósito de quantia inferior determina a recusa da petição inicial e a sua devolução aos apresentantes, declarando extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art.º 287.º, al. e) do C. P. Civil.  

Inconformados com essa decisão os AA dela interpuseram recurso, recebido como agravo, pedindo a sua revogação e o prosseguimento dos autos de oposição à execução, formulando as seguintes questões: 

1.ª A expressão “promoção de execuções” a que se reporta o art.º 23.º, n.º 2 do C. C. Judiciais, abrange todas as peças processuais que dão inicio e seguimento ao processo de execução, como se deduz do disposto no art.º 24.º do mesmo Código, entre elas, a oposição à execução (conclusões 1 a 7).

2.ª A não se entender assim, a taxa de justiça inicial devida pela oposição à execução seria a prevista no art.º 14.º, n.º 1, al. l) do C. C. Judiciais, que se reporta a aposições à penhora, uma vez que uma e outra, fazem parte da epígrafe do art.º 813.º do C. P. Civil (conclusão 8).

3.ª Mesmo que a taxa de justiça depositada não fosse a devida, o Mm.º Juiz não devia ter ordenado o desentranhamento da oposição, mas fixar um prazo para pagamento da quantia em dívida, por força do disposto nos art.ºs 150.º-A e 265.º, n.º 2 do C. P. Civil e do princípio do aproveitamento da instância (conclusões 9 e 10).

2. FUNDAMENTAÇÃO

A) OS FACTOS
Os factos a considerar são os acima descritos, sendo certo que a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal se configura, essencialmente, como uma questão de direito.

B) O DIREITO APLICÁVEL

O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes como, aliás, dispõem os art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).

Atentas as conclusões do agravo, supra descritas as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal pela apelante consistem em saber se:

a) A taxa de justiça aplicável é a prevista no art.º 23.º, n.º 1 do C. C. Judiciais (como decidiu o Tribunal a quo) ou a prevista no n.º 2 desse preceito ou prevista no art.º 14.º n.º 1, al. l) do C. C. Judiciais para a oposição à penhora, como, em alternativa, pretendem os agravantes;

b) O Tribunal a quo, devia ter ordenado o desentranhamento da oposição, mesmo que a taxa de justiça depositada não fosse a devida, com fez, ou se devia fixar um prazo para pagamento da quantia em dívida, por força do disposto nos art.ºs 150.º-A e 265.º, n.º 2 do C. P. Civil e do princípio do aproveitamento da instância, como pretendem os apelantes.

Vejamos.

I. Quanto à primeira questão, a saber, qual a taxa de justiça devida pela oposição à execução.

O C. C Judiciais de 1962, com as sucessivas alterações, consagrava no seu art. 22.º n.º 1 a redução da taxa de justiça (para metade) nas execuções por custas e fundadas em sentença de condenação e no n.º 2 do mesmo preceito a redução da taxa de justiça (também a metade) nos embargos ou outros meios de oposição à execução.

O C. C. Judiciais, aprovado pelo Dec. Lei n.º 224-A/96 de 26 de Novembro, manteve no seu art.º 14.º, al. g) esta redução da taxa de justiça, a metade, para os embargos de executado ou outra oposição à execução.

O C. C. Judiciais, na versão actualmente em vigor, não contempla semelhante redução, pelo menos de forma explicita, prevendo no seu art.º 14.º as acções e actos processuais em que a taxa de justiça é reduzida a metade e nelas não incluindo a oposição à execução.

De facto, consagra no art.º 23.º, n.º 1 uma taxa de justiça inicial, “nos termos da tabela do anexo I”, para “promoção de acções e recursos” e no n.º 2 desse preceito, uma taxa de justiça fixa, em 1/4 ou 1/2 UC, para “promoção de execuções”.    

Esta terminologia de promoção de acções e execuções pode parecer algo equívoca, quer porque o termo “promoção” tem, desde há muito, um significado preciso na prática dos Tribunais, designando os requerimentos formulados pelo Ministério Público no âmbito do processo, quer porque o acto que está na génese de uma acção se designa, também nessa prática, por propor, intentar, instaurar, demandar, entre outros, e o acto que está na génese de uma execução se designa, também nessa prática, por requerer, instaurar, executar, entre outros.

Todavia, o legislador não está limitado por tais práticas, nada obstando a que, de forma inovatória, substitua esses termos pelas expressões citadas.

Quanto a estas expressões, neste momento, cumpre-nos averiguar a qual delas se deve reconduzir o processo de oposição à execução.

Relativamente aos embargos de executado/oposição à execução, tendo começado por se discutir se estes deveriam ser sujeito a custas de forma autónoma relativamente à execução (em que o executado/embargante já estava sujeito a custas) e tendo-se concluído pela positiva, aceitou-se também que se justificava uma redução da taxa de justiça, precisamente, por se tratar de uma forma processual dependente de outra, a execução, que já pagava custas.

A oposição à execução tem, contudo, a natureza jurídica de uma acção declarativa invertida, de sinal contrário Mas não é por esta natureza de acção declarativa que se pode determinar a taxa de justiça aplicável, mas pela exegese dos preceitos processuais relativos a custas, máxime, as normas do C. C. Judiciais. , na medida em que sendo deduzida pelo executado contra o exequente, nela se procura, grosso modo, infirmar, a certeza do direito demonstrada pelo titulo executivo, sendo certo que, após a contestação, segue a forma de processo sumário de declaração (art.º 817.º, n.º 2 do C. P. Civil).

A complexidade que os embargos de executado/oposição à execução vêm assumindo, desde há muito, na prática dos Tribunais tem, de certa forma, obnubilado a razão de ser da redução da taxa de justiça a metade, pois se transformam, em grande parte dos casos, numa verdadeira acção declarativa em que tudo ou quase tudo se discute, apesar da quase tipificação legal dos fundamentos de oposição (cfr. os art.ºs 814.º a 816.º do C. P. Civil).

Nesta linha de ideias, se a opção interpretativa quanto à taxa de justiça inicial, é reconduzir a oposição à execução a “promoção de acções” ou a “promoção de execuções”, afigura-se-nos que ela deve ser entendida como uma “promoção de acção”, correspondendo-lhe, por isso, a taxa de justiça própria das acções declarativas.

A este mesmo entendimento aportamos se considerarmos que o art.º 14.º, n.º 1, al. l), do C. C. Judiciais, ao prever a redução da taxa de justiça a metade para a oposição à penhora (sem taxa subsequente), reconduz este incidente da execução (o art.º 863.º-B do C. P. Civil, expressamente qualifica a oposição à penhora como um incidente) a uma “promoção de acção”, por contraposição a “promoção de execução”, aplicando-lhe uma taxa de justiça reduzida a metade e não a taxa de justiça fixa, em 1/4 ou 1/2 UC, correspondente às execuções.

E se assim é quanto à oposição à penhora, que é um incidente da execução, por maioria de razão o será quanto à oposição à execução, que tem a natureza de uma acção declarativa invertida.

Os agravantes parecem querer extrair um argumento de identidade de razão – entre a oposição à execução e a oposição à penhora – do facto de a epígrafe do art.º 813.º do C. P. Civil se reportar a ambas, mas sem fundamento.

O art.º 813.º do C. P. Civil prevê, tão só, a possibilidade de cumulação da oposição à penhora com a oposição à execução, sendo que da análise do disposto no art.º 14.º, n.º 1, al. l) do C. C. Judiciais, se extrai um argumento, por um lado, a favor da diferenciação do regime de custas e por outro, a favor da aplicação à oposição à execução da taxa de justiça própria das acções (art.º 23.º, n.º 1 do C. C. Judiciais) e não da taxa de justiça própria das execuções (art.º 23.º, n.º 2 do C. C. Judiciais).

A taxa de justiça devida pela oposição à execução é, pois, a prevista no art.º 23.º, n.º 1 do C. C. Judiciais.
Improcedem, assim, as conclusões do agravo quanto a esta questão.

II. Quanto à segunda questão, a saber, se o Tribunal a quo, devia ter ordenado o desentranhamento da oposição, declarando extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art.º 287.º, al. e) do C. P. Civil, ou se devia fixar um prazo para pagamento da quantia em dívida.

Começaremos por dizer que não vislumbramos qualquer conexão entre o ordenado desentranhamento da petição de oposição e a extinção da instância, por um lado, e a impossibilidade superveniente da lide, por outro.

Como dispõe o art.º 267.º, n.º 1, do C. P. Civil, “A instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial...”.

O Mm.º Juiz ordenou a entrega da petição aos agravantes por entender que a secretaria a deveria ter recusado por falta de pagamento da taxa de justiça devida e fê-lo em acto seguido ao acto omitido pela secretaria.

Este acto do Juiz, substituto de acto da secretaria, impede o início da instância.

A instância não chegou a iniciar-se, pelo que não pode declarar-se extinta.

E do mesmo modo, se não chegou a iniciar-se não pode extinguir-se por impossibilidade superveniente da lide (art.º 287.º, al. e) do C. P. Civil).

A recorrer-se ao termo “impossibilidade” teria de dizer-se que a instância não chega a iniciar-se pela falta de pagamento da taxa de justiça inicial, mas não que se extinguiu por essa impossibilidade ser superveniente.
O que acabamos de referir, longe de configurar um mero exercício de lógica formal tem, antes, em vista, um correcto posicionar da questão sub judice.
E esta consiste em saber qual o regime legal aplicável quando, como no caso sub judice, a taxa de justiça inicial que foi depositada (e esse depósito comprovado) é inferior à devida.

Trata-se de uma situação omissa pois a lei processual reporta-se, tão só, à omissão total e absoluta do pagamento da taxa de justiça, como tal tratando a não junção do comprovativo desse pagamento.

E como situação omissa deverá ser regulada segundo a norma aplicável aos casos análogos ou segundo a norma que resulte do espírito do sistema (cfr. o art.º 10.º do C. Civil).
O C. P. Civil consagra, a este respeito, duas situações distintas sem que nenhuma delas implique, desde logo, a preclusão do acto processual respectivo.

A primeira reporta-se ao acto de entrega da petição inicial e, consequentemente, do início da instância e a segunda a actos posteriores ao início da instância.  
No âmbito da primeira, o art.º 476.º do C. P. Civil dispõe que o apresentante cuja petição tenha sido recusada pela secretaria por não ter junto o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça, pode apresentar uma outra dentro dos dez dias subsequentes a essa recusa ou à decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data da primeira apresentação.
Tanto a recusa como a sua confirmação por acto do juiz configuram-se como um acto material de rejeição, sem quaisquer efeitos jurídicos emanados directamente dessa recusa, ainda que, apenas, relativos a custas.
Como acima referimos, a instância não chega a iniciar-se e o apresentante não terá que suportar qualquer acréscimo de taxa de justiça ou multa.

No âmbito da segunda, os art.ºs 512.º-B (taxa de justiça subsequente) e 690.º-B (taxa de justiça inicial ou subsequente) dispõem que a secretaria deve notificar o interessado para efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC, sob pena de preclusão do acto processual respectivo.

Quer num caso quer noutro, a omissão de pagamento da taxa de justiça ou da simples junção do documento comprovativo, não implica, desde logo, a preclusão do direito de praticar o acto respectivo.

A “recusa” do art.º 474.º do C. P. Civil não implica tal preclusão, tanto mais que a nova petição aproveita a data da primeira (art.º 476.º), podendo ser apresentada com o depósito da taxa de justiça em singelo, e a “notificação” do art.º 690.º-B também não implica preclusão desde que depositada a taxa de justiça e a multa correspondente.

O acto de apresentação da petição de oposição à execução, deve ser praticado dentro do prazo processual respectivo (art.º 813.º, n.º 1 do C. P. Civil), pelo que a situação resultante de não ter sido depositada a totalidade da taxa de justiça devida apresenta maior similitude com esta segunda situação, legalmente prevista (art.ºs 512.º-B e 690.º-B), do que com a primeira, em que o acto de proposição da acção ainda não produziu efeitos em relação ao réu (art.º 267.º, n.º 2, do C. P. Civil).

Afigura-se-nos, assim, que procedem para a situação omissa as razões justificativas para esta segunda situação, devendo os executados/opoentes ser notificados para, em dez dias, depositarem a taxa de justiça em falta (considerando-se a taxa já depositada) acrescida da multa correspondente Seguimos de perto, neste sentido, o Ac. da R. P. de 20/06/2005, in P.º 3153055, aliás, citado pelos agravantes..
E só depois de decorrido este prazo sem que o pagamento se mostre efectuado é que o articulado deverá ser devolvido ao apresentante, precludindo o seu direito a praticar o acto respectivo.  

De facto, a preclusão do direito a praticar o acto respectivo pelo depósito de quantia inferior à devida, em face da instrumentalidade do direito processual perante o direito substantivo (art.º 2.º, n.º 2 do C. P. Civil) e do principio da economia e do aproveitamento dos actos processuais (art.ºs 137.º, 201.º, 265.º e 265.º-A, 392.º, n.º 3 e 508.º, entre outros, do C.P. Civil), só seria de aceitar se resultasse de norma que expressamente fixasse tal efeito, o que não acontece.

Procedem, pois, as conclusões do agravo quanto a esta questão, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que ordene a notificação dos agravantes para, no prazo de dez dias, procederem ao pagamento da taxa de justiça – fixada pelo art.º 23.º, n.º 1 do C. C. Judiciais – em falta (considerando-se a já paga) e da respectiva multa, sob pena de ficar sem efeito a dedução da oposição e de lhe ser devolvido o articulado respectivo.
 
3. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento parcial ao agravo, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que ordene a notificação dos agravantes para, no prazo de dez dias, procederem ao pagamento da taxa de justiça em falta (considerando-se a já paga) e da respectiva multa, sob pena de ficar sem efeito a dedução da oposição e de lhe ser devolvido o articulado respectivo.

Custas pelos agravantes (art.º 446.º, in fine, do C. P. Civil).  

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2007

(Orlando Nascimento)
(Ana Resende)
(Dina Monteiro)



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1.-Mas não é por esta natureza de acção declarativa que se pode determinar a taxa de justiça aplicável, mas pela exegese dos preceitos processuais relativos a custas, máxime, as normas do C. C. Judiciais.

2.-Seguimos de perto, neste sentido, o Ac. da R. P. de 20/06/2005, in P.º 3153055, aliás, citado pelos agravantes.