Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6958/16.0T8LSB-A.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: EXECUÇÃO
DANOS
MÚTUO
DOCUMENTO PARTICULAR
EMBARGOS DE EXECUTADO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/06/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. O pedido de ressarcimento de danos causados pela execução, nos termos do artigo 858.º do CPC, apenas é admissível nos casos em que a execução prossegue sem prévia citação do executado – execução com processo sumário ou dispensa de citação prévia a pedido do exequente.
II. Um documento particular assinado pelo devedor, titulando um mútuo nulo por preterição de forma legal, mantém força executiva quanto ao capital, uma vez que a declaração corporizada no escrito prova a realidade do mútuo, pois exprime a confissão extrajudicial desse facto pelo executado, não têm cabimento em sentido contrário razões de segurança jurídica e os efeitos práticos da restituição por nulidade ou do cumprimento do mútuo são idênticos quanto ao capital – AUJ publicado no Diário da República 35/2018, Série I, de 19 de Fevereiro de 2018.
III. O mesmo título executivo abrange os juros desde a citação, por aplicação do disposto no artigo 1270º, nº 1, do Código Civil, mas não os vencidos entre a data de vencimento aposta no título e a da citação.
IV. A compensação de créditos pode ser deduzida como defesa excipiente em embargos de executado, mesmo que o crédito activo não se encontre titulado por documento com força executiva.
V. O artigo 729.º, alínea h), visa justamente permitir a defesa por compensação que, pela regra geral do artigo 266.º, nº 2, alínea c), do CPC, não seria admissível; caso contrário, a alínea h) daquela norma seria consumida pela previsão da alínea g) - defesa por alegação de facto extintivo provado por documento – com a exigência suplementar de que este documento estivesse munido de força executiva.
VI. Ao conceder ao embargante a dedução de defesa por compensação, o legislador ponderou os equilíbrios entre a tempestividade necessária da execução e os proveitos de justiça material da admissibilidade da compensação, não cumprindo ao intérprete restringir o âmbito da alínea h) do artigo 729.º por considerações de necessária celeridade da execução.
Decisão Texto Parcial:ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO

S (… ) , com os sinais dos autos, instaurou acção executiva com processo ordinário contra C (…), para pagamento da quantia de €277.626,05, tendo apresentado cinco cheques como título executivo.
O Executado deduziu embargos nessa qualidade, alegando, em síntese, que entre exequente e executado foram desenvolvidas parcerias formativas ao longo de mais duas décadas, existindo créditos e contra-créditos entre ambos; que os cheques dados à execução foram emitidos pelo embargante como garantia de pagamentos efectuados pelo exequente, e vieram a ser compensados através da prestação de serviços pelo embargante; que os cheques se encontram prescritos e nunca foram apresentados a pagamento, porque os valores exarados nos mesmos foram objeto de acerto de contas entre as partes, sendo os títulos inexequíveis e inexigível a obrigação exequenda.
Pediu a condenação da exequente a pagar-lhe indemnização civil pelos danos causados pela execução, na quantia de €25.000.00, e, como litigante de má fé, em indemnização não inferior a €25.000,00 e em multa não inferior a 10 UC. 
Foi proferido despacho saneador, sendo decidido, para além do mais que agora não está em causa, absolver o Exequente da instância quanto ao pedido de condenação no ressarcimento de danos ao Executado, quanto à invocada compensação de créditos e quanto à indemnização por danos e julgar improcedente a oposição à execução no que se refere à inexistência de título executivo, prosseguindo no mais os autos para julgamento.
O Recorrente interpôs recurso desta decisão, o qual foi admitido para subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
O Recorrente alegou, apresentando as seguintes conclusões:
I. O Despacho Saneador proferido em 12 de dezembro de 2017 com efeitos de sentença nesta matéria, decisão proferida em 12 de dezembro de 2017, do qual foi o Embargante e recorrente notificado em férias judiciais, absolveu o exequente da instância no que respeita à condenação da exequente no ressarcimento de danos, nos termos do art. 858.º do CPC.
II. Ora, tal normativo apenas se aplica no caso das oposições à execução quanto a execuções que seguem a forma sumária, inexistindo norma similar quanto às execuções que sigam a forma ordinária, como é o caso da presente execução. Termos em que, por verificação de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, se absolve a exequente da instância nesta parte.
III. Também no Despacho Saneador com efeito de Sentença vem a decidir pela absolvição do exequente da instância ao considerar que veio a embargante deduzir oposição à execução alegando possuir um contra-crédito sobre a exequente. Apreciando. A este respeito, afirma-se no Acórdão da RL de 07/04/2016, in www.dgsi.pt, «Nos termos do artigo 847º do Código Civil, a compensação creditória importa a extinção de obrigações: reconhecendo ao pagamento realizado por compensação por parte do executado, por decisão proferida em 12 de dezembro de 2017, do qual foi o Embargante e recorrente notificado em férias judiciais.
IV. Veio ainda o MMº Juiz do Tribunal de Primeira Instância considerar que ao inverso do invocado pelo embargante os cheques dados à execução não se encontravam prescritos, constituindo títulos executivos.
V. Não pode o ora Recorrente conformar-se com semelhante decisão, porquanto é sua convicção que a mesma julgou incorretamente pontos relevantes da matéria alegada pelo Embargante, considerando que a compensação aludida pelo Embargante para justificar o pagamento dos valores peticionados no processo executivo não poderia ser discutida neste tipo de processo executivo.
VI. Entende o ora Recorrente que a interpretação e a aplicação do direito vertidas na douta sentença viola as normas jurídicas que regulamentam os termos do processo civil, independentemente do processo executivo, coarctando em absoluto a defesa do executado, ora embargante e recorrente.
VII. Veio o MMº Juiz do Tribunal de Primeira Instância sobre esta matéria invocar o seguinte:
“Peticiona a embargante a condenação da exequente no ressarcimento de danos, nos termos do art.º 858.º do CPC. Ora, tal normativo apenas se aplica no caso das oposições à execução quanto a execuções que seguem a forma sumária, inexistindo norma similar quanto às execuções que sigam a forma ordinária, como é o caso da presente execução. Termos em que, por verificação de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, se absolve a exequente da instância nesta parte.
VIII. Ora não pode o Embargante se conformar com a decisão proferida, por quanto, pese embora siga o processo a Forma Ordinária, como bem refere, importa igualmente referir que no que respeita aos prejuízos sofridos com a presente acção, foram estes exatamente semelhantes aos que teria na forma de processo Sumário.
IX. O embargante deduziu em sede de citação prévia, os respectivos embargos de executado, embargos estes que não suspenderam o processo executivo, tendo inclusivamente sido efectuada uma penhora de contas bancárias, encontrando-se já penhorado o valor total de 41.645,60€.
X. Foi igualmente ordenada a penhora dos Subsídios do IEFP, os quais foram já objecto de informação por parte deste Instituto referindo que os mesmos são impenhoráveis, mas que a ser mantido o respectivo despacho, irá certamente levar ao encerramento do C.
XI. A situação em crise ocorre apenas e só devido à conduta do Exequente que deverá ser devidamente verificada no âmbito do processo executivo, conforme requerido pelo Embargante.
XII. Acresce que o artigo 858.º do CPC aplica-se no caso das oposições à execução quanto a execuções que seguem a forma sumária, no entanto, aplicando as regras gerais do direito, se o mesmo normativo se aplica no processo sumário, por maioria de razão deverá igualmente aplicar-se no processo ordinário uma vez que em bom rigor o prejuízo e os efeitos são conforme já demonstrado em tudo semelhantes. A não ser assim fica o direito do embargante coarctado num processo que passa por ter os mesmos efeitos e os mesmos prejuízos do seu direito a ser indemnizado pela conduta do exequente.
XIV. Termos em que deve a decisão proferida pelo Tribunal de primeira Instância ser substituída por uma outra que admita o pedido de indemnização do embargante devendo o Exequente responder pelos danos que a sua conduta causou ao Executado, através do arbitramento de uma indemnização não inferior a €25.000.00 (vinte e cinco mil euros), bem como da sua condenação em multa, correspondente a 10% do valor da execução, mas não inferior a 10 UC, que corresponde à quantia de €27.762, 60 (vinte e sete mil setecentos e sessenta e dois euros e sessenta cêntimos), nos termos da leitura conjugada dos incisos 858.º do Código de Processo Civil e 484.º do Código Civil.
XV. Sobre esta matéria do pagamento por parte do Executado dos valores reclamados por compensação de créditos, o MMº Juiz do Tribunal de primeira instância considerou o seguinte:
“Vem a embargante deduzir oposição à execução alegando possuir um contra-crédito sobre a exequente. Apreciando. A este respeito, afirma-se no Acórdão da RL de 07/04/2016, in www.dgsi.pt, «Nos termos do artigo 847º do Código Civil, a compensação creditória importa a extinção de obrigações: reconhecendo-se a existência de um crédito opõe-se um contra-crédito que libera o devedor na sua exacta medida. A compensação depende da verificação dos seguintes requisitos: a. reciprocidade dos créditos; b. que o crédito seja exigível judicialmente (e não proceda contra ele excepção peremptória ou dilatória de direito material); c. que as duas obrigações tenham por objecto coisas fungíveis da mesma espécie ou qualidade. Conforme elucida VAZ SERRA, Compensação, (estudo publicado em 1952), separata do n.º 31 do BMJ, págs. 5 e 6), “a compensação baseia-se na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor. E funda-se ainda em se julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, visto que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse a insolvência da outra parte.” Nos termos do artigo 848º, nº 1 do C.C. a compensação opera-se mediante manifestação de vontade e, feita a declaração de compensação, os seus efeitos produzem-seretroactivamente, considerando-se os créditos extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis (art.º 854.º do Código Civil). A declaração de compensação é uma declaração receptícia (art.º 224.º do C.C.), que tanto pode ser feita por via judicial, como extrajudicialmente. No primeiro caso, pode ser efectuada por meio de notificação judicial avulsa ou por via de acção judicial, seja através da petição inicial, seja através da contestação. Sucede, porém, que no que concerne à invocação da compensação como fundamento de oposição à execução, a jurisprudência vem entendendo, uniformemente, que é necessário que o crédito apresentado pelo executado não seja controvertido. Tem, portanto, o contra crédito de estar judicialmente reconhecido, não podendo carecer de reconhecimento a ser efectuado nos próprios autos de oposição à execução - cfr., a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 27.11.2003 (Pº 03B3096), de 14.12.2006 (Pº 06A3861), e de 14.03.2013 (Pº 4867/08.6TBOER-A.L1.S11); Ac. R.P. de 28.04.2014 (Pº 3/09.0TBGDM-A.P1); Ac. R.C. de 24.02.2015 (Pº 91832/12.3YIPRT-A.C1) e Ac. R.L. de 07.05.2015 (Pº 7520/13.5TBOER-A.L1-8), todos acessíveis em www.dgsi.pt. Como se afirma no supracitado acórdão do STJ de 14.12.2006 “permitir que o executado utilizasse os embargos para ver, neles, reconhecido judicialmente o seu contracrédito, seria abrir o caminho para entorpecer, ou até inviabilizar, a sua actividade de cobrança rápida e eficaz de créditos, como é a específica finalidade da execução para pagamento de quantia certa.” No caso dos autos, a executada/opoent e não alega um contra-crédito firmado no ordenamento jurídico, mas apenas um crédito hipotético, que a opoente alega existir e, por ser controvertido, não pode ser apresentado pela executada, já que o contra-crédito não pode carecer de reconhecimento judicial a efectuar nos autos de oposição. Trata-se, por conseguinte, de um crédito incerto, indeterminado e ilíquido, i. e., ainda não exigível, logo, inadequado para fazer frente à efectivação do crédito exequendo.». Deste modo, subscrevendo o aludido entendimento jurisprudencial, ocorre uma exceção dilatória inominada, insuprível e de conhecimento oficioso e, consequentemente, absolve-se a exequente da instância, nos termos do art.º 278.º, n.º 1, al. e), do CPC”
XVI. Uma vez que considera o Embargante que tal decisão coarcta em absoluto a sua defesa, uma vez que conforme alegado encontram-se integralmente liquidados os valores peticionados, não tendo colocado qualquer acção judicial para o efeito, uma vez que os mesmos tinham sido aceites, respeitando os mais elementares ditames da boa fé e da justiça que todos nos devemos pautar, pelo que impunha-se, na mesma medida, decisão distinta.
XVII. Ora, não pode o embargante, ora recorrente concordar com a decisão proferida, na medida em que alega o executado o pagamento do valor reclamado pelo exequente por compensação.
XVIII. Compensação que se encontra prevista nos termos do Artigo 729 alínea h) do CPC que refere expressamente que é fundamento para a oposição à execução o contra-crédito sobre o exequente, com vista à compensação de créditos.
XIX.     Invoca o MMº Juiz do Tribunal de Primeira Instância que o contra-crédito existente teria de ter sido reconhecido judicialmente, o que com o devido respeito não se concede no caso dos autos.
XX.      Tal argumento seria efectivamente válido se a execução fosse baseada em sentença judicial sendo esta só por si titulo executivo pleno.
XXI.     No entanto o caso dos autos é o de meros quirógrafos que no entendimento do Executado, ora embargante sequer deveriam ser sequer considerados como títulos executivos.
XXII. Não sendo os supostos títulos executivos apresentados oriundos de decisão judicial, por maioria de razão também a compensação invocada não deverá ser exigida com a força de decisão judicial.
XXIII. O embargante veio nos seus embargos de executado, alegar que os títulos de crédito aludidos no ponto precedente foram emitidos pelo C… como garantia de pagamento de adiantamentos efetuados pelo S…, não tendo existido qualquer formalidade associada a semelhante acordo.
XXIV. Tais créditos foram compensados através da prestação de serviços de formação pelo C…, tendo sido emitidas em 31.12.2012 as seguintes notas de débito que foram juntas aos autos: (…..)
XXV.   valores que perfazem o montante de €265.408,00 (duzentos e sessenta e cinco mil quatrocentos e oito euros), que compensa os adiantamentos de capital do Exequente  ao Executado .
XXVI.  A mencionada compensação de créditos, consubstanciada na emissão das mencionadas notas de débito, foi objeto de aprovação em sede de Assembleia Delegada do Exequente , ocorrida em 13 de abril de 2013 e o reembolso dos aludidos adiantamentos foi aprovado no âmbito do balanço contabilístico do Exequente , referente ao ano de 2012.
XXVII. Quer o original da ata da Assembleia Geral, quer o balanço contabilístico relativo ao ano de 2012 do Exequente , referidos no ponto precedente, encontram-se na posse deste, pelo que se requer notificação do Exequente para entregar cópias dos mesmos na secretaria do Tribunal, atento o seu manifesto interesse para o apuramento da verdade dos factos e, bem assim, à boa decisão da causa, nos termos do artigo 429.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. A junção da ata de 13 de abril de 2013, bem como do balanço contabilístico do Exequente relativo ao ano de 2012, visam comprovar a compensação de créditos operada no âmbito das relações entre este e o Executado . Na verdade, e justamente pelo facto de os aludidos adiantamentos já terem sido liquidados, foi pedida pelo C… ao BPI a revogação dos cheques em 29 de outubro de 2015, e confirmada na mesma data pela aludida instituição financeira, em mensagem de correio electrónico.
Em conformidade com o alegado supra, o crédito do Exequente sobre o Executado foi por este devidamente compensado, através da prestação de serviços de formação e da emissão das notas de débito mencionadas no ponto 12 do presente articulado.
No caso sub judice operou a compensação de créditos, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 847.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Civil, porquanto:
i. Ambos os créditos eram, à data, judicialmente exigíveis, não procedendo contra eles exceção, perentória ou dilatória de direito material;
ii. Ambas as obrigações tinham por objeto quantias monetárias, portanto, coisas fungíveis.
A compensação é facto extintivo da obrigação creditícia do devedor, nos termos dos artigos 395.º e 523.º, ambos do Código Civil.
Extinta a obrigação, esta é inexigível, sendo improcedente a presente ação executiva.
Termos em que e conforme alegado deveria ser admitida a respectiva compensação do credito considerando-se pago o credito reclamado pelo Exequente.
Ressalva-se que apenas foi invocada a compensação do credito não tendo sido deduzida qualquer reconvenção, situação diferente que obviamente não seria admitida.
Nesse sentido veja-se o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo 556/08.0TBPMS - A.C1 de 21/04/2015:
Por maioria de razão não sendo o titulo executivo uma sentença e nessa medida não tendo os factos que advieram do titulo executivo sido previamente discutido em processo anterior, sob a forma ordinánia ou em processo de injunção, reserva-se no direito do embargante poder nesta fase invocar essa mesma compensação sem que a ele seja exigido que o mesmo tenha que ter força de decisão judicial
XLIII. Vigorando não só o principio da igualdade entre as partes como também o principio da legalidade.
XLIV. No mesmo sentido veio o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo 67/03.0TBOFR-B.C1, proferido a 24/03/2009, que refere a propósito da invocação da compensação no processo executivo, o seguinte: “1. A compensação constitui uma das formas de extinsão das obrigações prevista os artigos 847 ss do código Civil, tornando-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra, por via judicial ou extra-judicial”
XLV. Ora no caso dos autos, as notas de debito valém como declaração da embargante por via extra-judicial, credora das mesmas sobre o exequente, devedor destas.
XLVI. Notas credito são um credito liquido, determinado e nessa medida exigível, tanto mais que foram devidamente aceites, em virtude não só da sua aceitação nas Assembleias e na documentação contabilística, conforme já alegado, como inclusivamente pela declaração do seu presidente aposta nos cheques em referencia, conforme documentação junta nos respectivos embargos de executado.
XLVII. Termos em que duvidas não poderão existir da sua aceitação à data dos factos e que nessa medida são perfeitamente validas e que deverão ser admitidas como forma de pagamento da quantia peticionada no acção executiva, por parte do exequente.
XLVIII. Pelo que deve a decisão proferida pelo MMº Juiz do Tribunal de 1.ª Instância ser substituída por outra que admita o pagamento do credito peticionado no requerimento executivo, passando esta mesma compensação a fazer igualmente parte dos temas da prova no despacho saneador proferido.
Sobre a invocada prescrição dos títulos executivos, veio o MMº Juiz do Tribunal de Primeira Instancia invocar a seguinte fundamentação para a decisão proferida:
Alega a embargante que os cheques dados à execução, estando prescritos por não apresentação a pagamento no prazo legal, não constituem títulos executivos. Ora, a este respeito, dispõe o art.º 703.º, n.º 1, al. c), do CPC, que os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo, constituem título executivo.
E, compulsado o requerimento executivo, verifica-se que a exequente alega os factos constitutivos da relação jurídica subjacente, pelo que este argumento improcede. Deste modo, os embargos de executado improcedem nesta parte.
Custas pela embargante, na proporção de 1/3, nos termos do art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do RCP.”
XLX. Ora, mais uma vez não pode o Embargante, ora recorrente se conformar com a decisão proferida, na medida em que:
A Exequente propôs a presente ação executiva, tendo apresentado como títulos executivos 5 (cinco) cheques emitidos pelo Executado, dos quais afirma ser a legítima portadora, que se infra enumeram (…)
XLXI. Os títulos de crédito aludidos no ponto precedente foram emitidos pelo C…. como garantia de pagamento de adiantamentos efetuados pelo S…, não tendo existido qualquer formalidade associada a semelhante acordo.
XLXII. Tais créditos foram compensados através da prestação de serviços de formação pelo C…, tendo sido emitidas em 31.12.2012 já referenciadas supra cujos valores que perfazem o montante de €265.408,00 (duzentos e sessenta e cinco mil quatrocentos e oito euros), que compensa os adiantamentos de capital do Exequente ao Executado .
XLXIII. Os cheques juntos aos autos pelo Exequente correspondem a adiantamentos feitos pelo S… ao C…, tendo sido efetuado o encontro de contas que se impunha através da prestação de serviços de formação por este àquele.
XLXIV. O C… emitiu notas de débito correspondentes à prestação de serviços de formação, tendo liquidado os tributos correspondentes.
XLXV. Por essa razão, os cheques juntos ao Requerimento Executivo nunca foram apresentados a pagamento.
XLXVI. Dispõe o artigo 29.º da Lei Uniforme relativa aos Cheques que o cheque deve ser apresentado a pagamento no prazo oito dias contados da data de emissão.
XLXVII. Mais estatui o artigo 52.º da Lei Uniforme relativa aos Cheques Toda a ação do portador contra os endossantes, ou demais obrigados, prescreve após seis meses, contados do termo do prazo de apresentação do cheque.
XLXVIII. É inequívoco que já há muito decorreu o prazo de prescrição legalmente definido, como o próprio Exequente reconhece.
XLXVIII. Pese embora a prescrição não seja impediente da exequibilidade do título, em virtude da autonomia do título executivo em relação à obrigação cartular, é necessário que a obrigação titulada pelo cheque não tenha caráter formal para que possam ser executados os títulos de crédito.
XLXIX. Nestes termos decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (Processo n.º 1072/13.3TBBCHV-A.G1), de 30 de abril de 2015.
XLXX. Ora, Invocou o Exequente a celebração de contratos de mútuo com Executado, como fundamento da emissão dos cheques apresentados à presente execução.
XLXXI. Mesmo fazendo fé no Requerimento Executivo - cujo conteúdo se não aceita, nem concebe -, atentos os valores alegadamente mutuados ao Executado através dos cheques referidos nas alíneas i), iv) e v) do ponto 1 do presente articulado, sempre seria exigível escritura pública ou documento particular autenticado como forma legal do pretenso contrato de mútuo, nos termos do artigo 1143.º do Código Civil.
XLXXII. Pretende o Exequente que os cheques juntos aos autos valham como confissão de dívida, e beneficiar assim do regime estabelecido no artigo 458.º, n.º 1 do Código Civil, com o objetivo de inverter o ónus da prova, dispensando-se de provar a relação fundamental, cuja existência é presumida até prova em contrário.
XLXXIII. Estabelece, no entanto, o n.º 2 do artigo 458.º do Código Civil que o reconhecimento de dívida deve constar de documento escrito, mas tal apenas valerá se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental.
XLXXIV. Ora, o artigo 1143.º do Código Civil é imperativo no que à forma diz respeito, impondo que o contrato de mútuo de valor superior a €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado.
XLXXV. O que significa que para que os títulos de crédito apresentados com o Requerimento Executivo pudessem valer como confissão de dívida, impor-se-ia a apresentação da escritura pública ou do documento particular autenticado de celebração dos contratos de mútuo alegados pelo exequente. 
XLXXVI. Não tendo sido apresentados os contratos de mútuo - por não existirem -, não podem valer os cheques, nem como confissões de dívida, nem como títulos executivos.
XLXXVII. Termos em que não pode o Embargante aceitar que venham os cheques a ser admitidos como títulos executivos perfeitamente válidos e eficazes é nessa medida exigíveis, recorrendo-se desta decisão devendo a mesma ser aditida por uma outra que considere estes mesmos cheques prescritos ou caso assim não se entenda sequer os considere como títulos executivos por vicio de forma, conforme já alegado.
XLXXVII. Por tudo o exposto e caso não seja o proferida decisão no sentido de considerar prescritos ou de nenhuma validade executiva os cheques apresentados, requer muito respeitosamente a V Exas se digne ordenar que seja inserido no objecto do litigio os danos peticionados pela Embargante pela conduta do Exequente e bem assim o pagamento da quantia exequenda por compensação conforme por si alegado nos respectivos embargos.
XLXXVIII. Devendo ser inseridos nos temas da prova a seguinte factualidade:
- A conduta judiciária do Exequente constrangeu o Executado não apenas às despesas inerentes à dedução da presente oposição - designadamente ao pagamento de honorários de mandatário, bem como às inerentes custas judiciais -, mas sobretudo implicou prejuízos à imagem e ao bom nome deste, provocando danos patrimoniais e não patrimoniais?
- O Executado é uma sociedade cumpridora dos seus deveres, enquanto pessoa coletiva cujo objeto consiste, há mais de duas décadas, na formação de trabalhadores do setor da energia e da indústria?
- A imputação de dívidas ao Executado que o Exequente sabia já terem sido liquidadas, afigura-se caluniosa e, nessa medida, prejudicial à imagem de retidão que sempre projetou na sociedade, em face da conduta exemplar que sempre manteve? 
- A imputação de dívidas que já se encontram pagas, agravada pela proposição de ação judicial no sentido de reclamar o seu pagamento, implica afirmar factos inverídicos?
- Os cheques dados à execução foram emitidos pelo C… como garantia de pagamento de adiantamentos efetuados pelo S…, não tendo existido qualquer formalidade associada a semelhante acordo.
- As quantias constantes dos respectivos cheques/ os créditos, foram compensados através da prestação de serviços de formação pelo C…, tendo sido emitidas em 31.12.2012 as seguintes notas de débito: (…..)
que perfazem o montante de €265.408,00 (duzentos e sessenta e cinco mil quatrocentos e oito euros) e que compensa os adiantamentos de capital do Exequente S… ao Executado C…?
- A mencionada compensação de créditos, consubstanciada na emissão das mencionadas notas de débito, foi objeto de aprovação em sede de Assembleia Delegada do Exequente S…, ocorrida em 13 de abril de 2013 e o reembolso dos aludidos adiantamentos foi aprovado no âmbito do balanço contabilístico do Exequente S…, referente ao ano de 2012?
- No que concerne aos cheques juntos ao requerimento executivo nunca foram apresentados à instituição financeira sacada, com o fim de serem levantados?
- E tal porque os valores constantes dos aludidos títulos de crédito foram objeto de acerto de contas entre as partes, em conformidade com a declaração do Presidente do Exequente  (…), aposta nos mesmos?
XLXXIX. Entende o Embargante , ora Recorrente, que a decisão proferida pelo Tribunal a quo violou as normas jurídicas que regulamentam a aplicação do procedimento executivo, com assento legal nos artigos 729.º, alínea h) , 858.º todos do CPC, 1143.º do Código Civil, 458.º nºs 1e 2 do Código Civil, o artigo 29.º e 52 da Lei Uniforme relativa aos Cheques e 392.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
XLXXX. Devendo ter sido dado um outro sentido conforme requerido nos embargos de executado e o presente recurso:
- sendo considerados prescritos os cheques apresentados, ou caso esse não fosse o entendimento do tribunal que estes não fossem considerados títulos executivos;
- ser considerado o credito reclamado pelo exequente devidamente liquidado por compensação.
- Serem devidamente considerados os danos provocados pelo Exequente com a sua conduta para com o executado.
XLXXXI. O que muito Respeitosamente se requer a V Exas.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se que seja conferido provimento integral ao presente recurso e, em consequência, seja anulada a decisão recorrida que ordenou a absolvição da instância do exequente no que concerne à compensação do credito, e bem assim à não admissão do pedido de indemnização pelos danos sofridos pelo Embargante, por terem sido violadas as normas que disciplinam os poderes de cognição do Tribunal e por ter sido incorretamente aplicado os artigos artigos 729.º, alínea h) , 858.º todos do CPC, 1143.º do Código Civil, 458.º nºs 1e 2 do Código Civil, o artigo 29.º e 52 da Lei Uniforme relativa aos Cheques e 392.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Mais se requer a revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que considerou que os cheques juntos como tituloes executivos não se encontravam prescritos tendo força executória.
Decisão que fará a costumada JUSTIÇA!.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Tendo prosseguido os autos principais, foi proferida sentença que julgou os embargos e os pedidos de condenação por litigância de má-fé improcedentes, determinando que a execução prosseguisse.
Desta sentença o Embargante interpôs recurso e, tendo alegado, apresentou as seguintes conclusões:
(……….)
HHH. Poder-se-ão retirar as seguintes CONCLUSÕES: 
* Os 5 (cinco) cheques dados à Execução como Títulos Executivos, visaram garantir, perante a Exequente, o pagamento dos adiantamentos por ela realizados ao C…, no montante total global correspondente aos 6 (seis) cheques juntos a estes autos de embargos de executado, com a referência Doc. n.º 1. 
* O crédito do exequente foi liquidado através de um acerto de contas mutuamente acordado pelas partes, do qual não resultou qualquer formalidade, mas que se encontra plasmado nas 11 notas de débito juntas aos embargos de executado formulados pela recorrente. 
* Igualmente se encontra plasmado nos balancetes do S.., referentes aos anos de 2012 e de 2013, constantes do requerimento apresentado a estes autos pela Executada em 29.11.2016. 
* Não restam quaisquer dívidas quanto ao acerto de contas realizado entre as partes e, nessa sequência, que as quantias peticionas na ação principal não eram devidas à Exequente, quando, em reunião, seguida de um almoço, entre Presidentes de Direção de ambas as entidades, C… e S…A, o legal representante da Exequente, (…) declarou por escrito, em cada uma das cópias dos cheques, que os cheques originais seriam devolvidos após informação à Direção, por se encontrarem regularizados – conforme resulta e se prova, pelo Doc. n.º 1 dos Embargos de Executado,  
* O certo é que, com total má fé, não foram entregues os originais dos cheques e com uso abrupto dos mesmos, foi acionada a ação executiva que corre no âmbito dos autos principais. 
III. A acrescentar ao supra referido, que no entender da recorrente, constitui prova bastante para dar como provados os factos constantes da alínea b) dos factos não provados da douta sentença recorrida; 
JJJ. A Testemunha arrolada pela aqui recorrente, Á (…), que foi membro da Direção do S… até 2014/2015, confirmou que, efetivamente, os montantes peticionados pela Exequente, constantes dos 5 (cinco) cheques que que deram causa ao processo principal, foram liquidados através de acerto de contas entre as partes, provenientes de despesas com os serviços prestados pela Executada ao Exequente, como o eram, as formações, seminários e reuniões de Direção. 
KKK. Para complementar o facto que aqui se impugna, analise-se o DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA DA EMBARGANTE – Á…, cujo depoimento foi gravado em audiência de julgamento realizada em 28 de janeiro de 2018, encontrando-se todo o seu depoimento registado em suporte digital n.º 20190128115218_19051809_2871098, com início a 00:16:25 e fim a 00:39:44, em concreto, os excertos suporá transcritos, do minuto 00:00:26 ao minuto 00:08:12. 
LLL. Relativamente às formações e seminários que eram prestados ao S…, quando questionado se os mesmos não eram financiados por fundos europeus, a Testemunha afirma que não eram financiadas na sua totalidade, sendo que, a entidade a quem era prestado o serviço, teria que pagar o remanescente e, bem assim, as despesas com as deslocações, estadias, alimentação entre outras, Cf. excertos transcritos, do minuto 00:11:52 ao minuto 00:12:37; do minuto 00:18:07 ao minuto 00:19:02. 
MMM. Pelo que, outra conclusão não se pode retirar se não a de que: a exequente e executada ajustaram entre si proceder a um acerto de contas no que diz respeito às quantias inscritas nos cheques, combinando nessa sequência, que tais quantias não eram devidas à exequente. 
NNN. Assim, se impunha ao Tribunal “a quo”, face à produção de prova em sede de audiência, nos termos das declarações de parte e o depoimento da testemunha Á…, nos termos dos excertos supra transcritos, corroborada com a prova documental, dar como provado na douta decisão recorrida que,  “exequente e executada ajustaram entre si proceder a um acerto de contas no que diz  respeito às quantias inscritas nos cheques, combinando nessa sequência, que tais quantias não eram devidas à exequente. ----"
OOO. No entanto, com uma clara ausência de uma apreciação crítica da prova produzida, sobretudo, da prova documental constante dos presentes autos, da qual não é feita quaisquer referências, entendeu a Meritíssima Juiz “a quo” que “não foi possível ao Tribunal convencer-se no sentido de considerar provado qualquer outro facto, para além dos elencados nos factos dados como provados.”
PPP. Ressalve-se, desde já, que está a recorrente ciente do princípio de liberdade de apreciação de prova de que goza o Julgador e que resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 5 do Código do Processo Civil. 
QQQ. Todavia, saliente-se, também, que está em causa é a ausência de uma avaliação crítica da prova, que permita à recorrente alcançar a motivação para a prova dos factos ora impugnados e aferir da sua bondade.
RRR. Porquanto, o julgamento da matéria de facto ignorou, por completo, a matéria alegada e provada pela recorrente a respeito do acerto de contas e, consequentemente, da inexistência de qualquer dívida, quando, inclusive, resulta por escrito, semelhante declaração de regularização de dívida, nos termos da prova documental apresentada aos autos pela Executada.
SSS. O Tribunal “a quo”, tendo descrito a prova produzida em audiência sem qualquer correlação entre os diversos meios de prova em análise, optou por dar credibilidade às declarações de parte prestadas pelo Legal representante da Exequente e os depoimentos das testemunhas por aquela arroladas, 
TTT. Quando delas não resulta a credibilidade suficiente, pois, limitaram-se a uma contradição do alegado pela Executada nos seus articulados, sem que, para o efeito, tivessem quaisquer limites. Tanto que, 
UUU. Em sede de Audiência de Julgamento, o Presidente da Direção do S…, prestou declarações de parte do S…, enquanto seu legal representante e, quando questionado sobre o acerto de contas mutuamente acordado entre as partes e do pedido dos cheques originais, uma vez que se encontravam as descritas quantias regularizadas, na sequência do deliberado em Assembleia Geral e do que se encontra plasmado nos balancetes dos anos de 2012 e 2013, aquele refere que  «foi bastante pressionado».
VVV. Mais acrescenta que, declarou na cópia dos cheques que iria devolver os originais após aprovação pela Direção, uma vez que se encontravam regularizados, como uma «maneira de empurrar com a barriga para a frente e se libertar da situação».
WWW. Neste sentido, analise-se as DECLARAÇÕES DE PARTE DO LEGAL REPRESENTANTE DA EXEQUENTE –(…), cujo depoimento foi gravado em audiência de julgamento realizada em 28 de janeiro de 2018, encontrando-se todo o seu depoimento registado em suporte digital n.º 20190128101550_19051809_2871098, com início a 00:41:01 e fim a 01:27:32, em concreto, os excertos do minuto 00:44:57 ao minuto 00:47:19
XXX. O mesmo declarante, em sede de declarações, quando questionado pela Ilustre Mandatária e seguidamente pela Meritíssima Juiz “a quo”, quanto à reunião que ocorreu entre ambos, legais representantes do S…e C…,  de onde resultou a sua declaração escrita, oposto na cópia dos cheques em poder do Executado, A.. refere que a reunião ocorreu na nova sede do S… e foi seguida de almoço entre ambos -  conforme excerto supra transcrito, do mencionado depoimento, do minuto 00:58:57 ao minuto 00:59:52. 
YYY. Ora, quem é que depois de pressionado e ameaçado, nos termos que o legal representante do S… diz ter sido, vai, logo de seguida, almoçar com o “inimigo”, como se nada tivesse acontecido (?). 
ZZZ. Denota-se, aqui, nitidamente, uma seria contradição e uma clara falta de credibilidade no depoimento do Declarante que tudo inventou, apenas e só, para contrariar de forma falsa, abusiva e de má fé, a defesa da Executada, explanada nos presentes autos de embargos de executado. 
AAAA.   O Presidente da Direção do S…, em Declarações de Parte, diz ainda que ouviu a Direção. Mais afirmando que a Direção não consentiu a entrega dos cheques originais – Cf. Excerto transcrito em sede de alegações, do minuto 00:47:19 ao minuto 00:48:14. 
BBBB. Se, efetivamente, existisse a intenção de “forjar” as contas, conforme refere o Declarante, com certeza que o Presidente da Direção do C…, quando tinha acesso ao cofre onde se encontravam depositados os cheques que serviram de título à ação principal, tê-los-ia retirado, por forma a que aqueles não fossem depositados no banco ou servissem de base à prepositura de um processo judicial, conforme sucedeu. 
CCCC.    Se o não fez, foi porque considerou que a situação se encontrava resolvida e considerava a relação Exequente / Executada de não dívida. 
DDDD.  Acresce ainda que, a Direção do S… não anui na entrega dos cheques originais, mas aprovou em Assembleia Geral o acerto de contas consubstanciado pela emissão de 11 Notas de Crédito do Executado ao Exequente e aprova os balancetes financeiros de 2012 e 2013, onde se encontra plasmado que a dívida foi liquidada.  ESTRANHO, se considera!
EEEE.    A mesma Direção, também não anui na entrega do cheque que o Legal representante do S… diz ter sido liquidado e se encontra no rol dos 6 (seis) cheques onde, em cada um deles, foi escrito pelo seu punho, que foram liquidados – cf. Excerto do minuto 00:56:11 ao minuto 00:56:34; do minuto 01:13:40 ao minuto 01:15:02. 
FFFF.   Em face de tudo o que foi referido anteriormente, poder-se-á apenas concluir que, 
GGGG.  Com conteúdo desprovido de credibilidade, o S…, representado pelo seu legal representante, tentou, apenas e tão só, contrair o alegado pela Embargante nos seus articulados e descredibilizar, através de fundamentos vazios e julgadores, toda a prova documental apresentada pela Executada e constante nos presentes autos de embargos de executado. 
HHHH.  Termos em que, não resulta nem poderá resultar quaisquer dúvidas, salvo douta e melhor opinião, que a exequente e executada ajustaram entre si proceder a um acerto de contas no que diz respeito às quantias inscritas nos cheques, combinando, nessa sequência, que tais quantias não eram devidas à exequente. 
IIII. Assim, impõe-se a eliminação da alínea b) da matéria de facto não provada e, seguidamente, dar como provado que: Exequente e executada ajustaram entre si proceder a um acerto de contas no que diz respeito às quantias inscritas nos cheques, combinando nessa sequência, que tais quantias não eram devidas à exequente. ----" 
IV – DA ALTERAÇÃO DA RESPOSTA À MATÉRIA DE FACTO
JJJJ.  Recorde-se quais os concretos pontos da matéria de facto impugnados no presente recurso.
A – Do elenco de factos provados:
“2)  A exequente entregou à embargante as quantias inscritas nos cheques dados à execução, obrigando-se a embargante a proceder à restituição de tais quantias nas datas constantes de cada um dos cheques; --"
B – Do elenco de factos não provados: “ b) exequente e executada ajustaram entre si proceder a um acerto de contas no que diz respeito às quantias inscritas nos cheques, combinando nessa sequência, que tais quantias não eram devidas à exequente. ----" 
KKKK.  Da reapreciação dos meios de prova acima referidos – prova documental, declarações de parte e prova testemunhal –, ter-se-á, forçosamente, que concluir pela alteração da resposta a estes factos nos seguintes termos:
LLLL.    Impõe-se a alteração da redação dada ao ponto 2 da matéria de facto provada, nos termos seguintes: “2) A Exequente entregou à embargante as quantias inscritas nos cheques dados à execução.” 
MMMM. E dar como não provado que: “Obrigou-se a embargante a proceder à restituição das quantias inscritas nos cheques dados à execução nas datas constantes de cada um dos cheques”.  
NNNN. Mais se impõe: a eliminação da alínea b) da matéria de facto não provada e, seguidamente, dar como provado que: Exequente e executada ajustaram entre si proceder a um acerto de contas no que diz respeito às quantias inscritas nos cheques, combinando nessa sequência, que tais quantias não eram devidas à exequente. " 
OOOO.  Com efeito, dando-se como provado que as partes ajustaram entre si proceder a um acerto de contas no que diz respeito às quantias inscritas nos cheques dados à ação principal, combinando nessa sequência que tais quantias não eram devidas,  PPPP. Tal facto, implica uma decisão final necessariamente diferente da que foi tomada, a qual deve ser revogada e substituída por outra que considere os embargos procedentes, por provados e, em consequência, determine a extinção dos autos principais, com as demais consequências jurídicas que daí advenham. 
V – DO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
QQQQ. É manifesto que a alteração da matéria de facto, a proceder nos termos requeridos pela recorrente, fará, forçosamente, alterar a decisão de Direito da douta sentença proferida. 
RRRR.  Provando-se a factualidade supra transcrita, quanto exequente e executada ajustaram entre si proceder a um acerto de contas no que diz respeito às quantias inscritas nos cheques, combinando nessa sequência, que tais quantias não eram devidas à exequente, 
SSSS. Apurou-se o cumprimento da Executada e, consequentemente, provou-se a existência do facto extintivo do direito do credor, pelo cumprimento realizado através do acerto de contas, nos termos dos artigos 395.º e 523.º, ambos do Código Civil.  
TTTT. Extinta a obrigação, esta é inexigível e, consequentemente, é improcedente a ação executiva que corre termos no processo principal. 
UUUU.    Sem prescindir, não se abdicará de alegar a não aplicação da presunção legal ínsita no artigo 458.º, n.º 1 do Código Civil. 
VVVV.    Em abono da verdade, os cheques juntos aos autos não são suscetíveis de despoletar a aplicação a aplicação de presunção legal, porquanto, deles consta uma declaração subscrita pelo Presidente do S…, nos termos da qual: Os cheques serão devolvidos após informação à Direção até ao fim de 2015 (regularização já efetuada).
WWWW. A declaração citada no ponto procedente não consta dos títulos de crédito juntos aos autos, mas desonera a recorrente da obrigação de pagar, porquanto, a obrigação se considera cumprida, em razão do acerto de contas acordado pelas partes, conforme se logrou provar. 
XXXX.     Uma vez que a declaração refere que já se encontra regularizada a situação, a junção dos cheques aos autos não permitem lançar uso da presunção legal ínsita no artigo 458.º, n.º 1 do Código Civil.
YYYY.    Em bom rigor, a aplicação de uma presunção legal não é suscetível de convocação para efeitos de fixação da matéria de facto.
ZZZZ. Razão pela qual não há lugar a inversão do ónus da prova no que concerne à causa jurídica dos cheques, não ficado destarte o credor dispensado de provar a relação jurídica fundamental.
AAAAA.   Destarte, a prova do crédito que o Exequente alega não foi feita, não sendo exigível ao Executado o cumprimento de semelhante ónus. 
BBBBB.    Prova que o Exequente não fez, na expectativa de que a simples alegação de um contrato de mútuo que não existe o viesse constranger à prova de um facto negativo, o que consubstancia uma conduta processualmente reprovável. Deste modo, 
CCCCC. Impõe-se, igualmente, a alteração da DECISÃO FINAL da Douta Sentença proferida e de que ora se recorre. 
DDDDD. Dando-se como provados os supra mencionados factos, encontram-se verificados os requisitos das mencionadas normas legais, existindo, assim, razão necessária e suficiente para procedência dos embargos de executado e, em consequência, a extinção da ação executiva principal.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas., mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder integralmente, alterando-se a matéria de facto, nos termos como se encontra impugnada e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se por outra que considere extinta a ação executiva principal, com as demais consequências que daí advenham. 
Com o que se fará a costumada JUSTIÇA!
O Recorrido apresentou contra-alegações, defendendo o bem fundado do julgado.
Os autos de embargos e os de recurso do despacho saneador foram distribuídos nesta Relação no mesmo dia e ao mesmo Colectivo, tendo sido determinada a incorporação e o julgamento conjunto, após consulta e anuência das partes.
Cumprido o demais legal, cumpre apreciar e decidir, já que a tal nada obsta.

II) OBJECTO DO RECURSO
Tendo em atenção as conclusões do Recorrente - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, são as seguintes as questões a decidir, sem consideração, no elenco, das relações de prejudicialidade:
A) Recurso do despacho saneador (antigo apenso C).
1. Do pedido de ressarcimento de danos nos termos do artigo 858.º do CPC.
2. Da natureza executiva dos cheques apresentados pela Exequente.
3. Da admissibilidade da defesa por compensação.
4. Da alteração dos temas da prova.
B) Recurso da sentença final (apenso A).
1. Da reapreciação da decisão de facto.
2. Da decisão de mérito.

III) FUNDAMENTAÇÃO

A) Do recurso do despacho saneador

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos pertinentes nesta sede são os enunciados em sede de relatório e os seguintes que resultam da tramitação dos autos:
1) A execução de que os embargos são apenso foi instaurada em 11 de Março de 2016 e segue a forma de processo ordinário para pagamento de quantia certa.
2) Na execução de que os embargos são apenso foram apresentados como títulos executivos os cheques n.º 6736492053, emitido em 20/12/2007, no valor de €51.000,00, n.º 0347514499, emitido em 01/08/2008, no valor de €5.234,65, n.º 5836492054, emitido em 15/09/2008, no valor de €3.920,00, n.º 1136492070, emitido em 29/10/2009, no valor de €78.000,00, n.º 0236492071, emitido em 10/12/2009, no valor de €80.000,00.
3) Os cheques referidos em 2) nunca foram apresentados a pagamento.
4) No requerimento executivo consta ainda que os cheques referidos em 2) foram emitidos pelo facto de a Exequente ter feito empréstimos à Executada, destinados a apoio de tesouraria (uma vez que a Executada tem como única fonte de rendimentos subsídios do IEFP), nos referidos montantes, ao longo dos anos em causa, empréstimos esses acordados a pedido e no interesse da Executada, tendo a Exequente disponibilizado os valores acordados indicados nos cheques, que a Executada nunca devolveu, estando assim em dívida o capital de €218.154,65, acrescido de juros de mora vencidos, calculados à taxa em vigor para as relações civis, desde a data da emissão de cada cheque, até à data de entrada do requerimento executivo, no valor total de €59.471,40.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Do pedido de ressarcimento de danos nos termos do artigo 858.º do CPC
A Ex.ma Senhora Juiz em primeira instância absolveu a Embargada da instância quanto a este pedido por entender que a norma invocada apenas é aplicável em sede de processo sumário.
A decisão é do seguinte teor:
Peticiona a embargante a condenação da exequente no ressarcimento de danos, nos termos do art.º 858.º do CPC.
Ora, tal normativo apenas se aplica no caso das oposições à execução quanto a execuções que seguem a forma sumária, inexistindo norma similar quanto às execuções que sigam a forma ordinária, como é o caso da presente execução.
Termos em que, por verificação de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, se absolve a exequente da instância nesta parte.
O Recorrente refere a respeito:
O artigo 858.º do CPC aplica-se no caso das oposições à execução quanto a execuções que seguem a forma sumária, no entanto, aplicando as regras gerais do direito, se o mesmo normativo se aplica no processo sumário, por maioria de razão deverá igualmente aplicar-se no processo ordinário uma vez que em bom rigor o prejuízo e os efeitos são conforme já demonstrados em tudo semelhantes. A não ser assim fica o direito do embargante coarctado num processo que passa por ter os mesmos efeitos e os mesmos prejuízos do seu direito a ser indemnizado pela conduta do exequente.
O artigo 858.º do CPC estatui que se a oposição à execução vier a proceder, o exequente, sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal, responde pelos danos culposamente causados ao executado, se não tiver actuado com a prudência normal (…).
Inclui-se a norma no capítulo II relativo ao processo sumário e tem origem na do anterior artigo 819.º do CPC, na redacção do Decreto-Lei 38/2003, de 8 de Março, que, sob a epígrafe responsabilidade do exequente determinava: procedendo a oposição à execução sem que tenha tido lugar a citação prévia do executado, a exequente responde pelos danos a este culposamente causados (…), quando não tenha agido com a prudência normal (…).
A razão de ser da norma foi, como entendemos que ainda é, a de prevenir a execução temerária que, não sendo sujeita ao contraditório prévio possibilitado pela citação, cause danos ao executado. Na pretérita norma do artigo 819.º, era patente a assunção pelo legislador de que o contraditório prévio permitia afastar os casos de lide temerária e imprudente.
No actual artigo 858.º não é feita qualquer referência à ausência de contraditório prévio, inscrevendo-se a norma simplesmente no âmbito do processo sumário. O que resulta idêntico, já que esta forma processual prescinde genericamente da citação prévia, instituindo uma dispensa legal de citação que impossibilita o contraditório.
Ilustrativa de que é essa a opção do legislador é o constante do artigo 727.º n.º 4, do CPC, que manda aplicar em processo ordinário o regime do artigo 858.º, com as necessárias adaptações quando seja dispensada a citação prévia. Refere Rui Pinto[1] que não pode deixar de se aplicar [a norma do artigo 858.º] – por maioria de razão – ao caso do art.º 727.º, em que é o próprio exequente que estimula a falta de aviso prévio ao devedor.  
Ou seja, tendo razão o executado quanto à aplicação da norma fora do âmbito do processo sumário, necessário se torna que, nesse caso, se verifique a situação efectiva de dispensa de citação.
Ora não foi isso o que se passou nos autos, em que a tramitação seguida foi a tramitação típica do processo ordinário, por isso que a citação prévia teve lugar e, aliás, deu origem à oposição do executado.
Improcede assim o recurso nesta parte.
2. Da natureza executiva dos cheques apresentados pela exequente
O Recorrente não se conforma com a decisão proferida quanto à exequibilidade dos títulos. Embora qualificando assim a questão, decorre das suas alegações que entende que a inexequibilidade decorre da prescrição e da nulidade por falta de forma.
2.1. Da prescrição
O exequente, fundado em cheques e invocando a relação de empréstimo subjacente a tais títulos, veio instaurar execução para pagamento do montante dos mesmos constante, acrescido de juros contados desde as datas apostas como de vencimento.
Conforme resulta das alíneas 2) e 3) supra, os títulos em causa foram emitidos em 20/12/2007, 01/08/2008, 15/09/2008, 29/10/2009 e 10/12/2009, nunca tendo sido apresentados a pagamento.
Tendo em atenção o teor dos títulos e o disposto no artigo 1º, da Lei Uniforme sobre o Cheque (LUC), têm os mesmos de qualificar-se juridicamente como cheques, o que não suscita controvérsia.
Nos termos do artigo 29º, da LUC, o cheque pagável no país onde foi passado deve ser apresentado a pagamento no prazo de oito dias, apresentação que no caso dos cheques em causa, não ocorreu.
Por seu turno, o artigo 52.º, da LUC, estatui que toda a acção do portador contra os endossantes, contra o sacador ou contra os demais co-obrigados prescreve decorridos que sejam seis meses, contados do termo do prazo de apresentação.
Não oferece dúvida, nem tal dúvida se suscita no caso sob recurso, que os cheques apresentados se encontram prescritos, o que já sucedia quando foram apresentados na execução.
No entanto, sem mais, tal não determina que os documentos apresentados percam a natureza de títulos executivos.
Constituídos nas datas de emissão, ou seja, entre Dezembro de 2007 e Dezembro de 2009, vigorava a respeito dos títulos em execução o artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC, na redacção dada pelo Decreto-Lei 38/2003, de 8 de Março (não alterada até à Lei 41/2013, de 26 de Junho), que estabelecia: à execução apenas podem servir de base (…) c) os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.
Actualmente, aliás, o artigo 703.º, n.º 1, alínea c), do NCPC, expressamente reconhece aos cheques, ainda que meros quirógrafos, natureza de título executivo, quando os factos constitutivos da relação sub-jacente deles constem ou sejam alegados no requerimento executivo.
Num e noutro regime os títulos apresentados cumprem aquele primeiro limiar de exequibilidade, sendo ocioso reproduzir as diversas querelas jurídicas que permitiram incluir os títulos de crédito meros quirógrafos na previsão do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), questão pacificada na altura da emissão dos cheques dos autos.
Em suma, os cheques, prescritos enquanto títulos cambiários, continuam a ter a natureza de documento particular assinado pelo devedor que importa o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, valendo como tal enquanto título executivo.
Outra é a questão que os autos suscitam, qual seja o das implicações da invocada nulidade por preterição de forma legal na constituição da obrigação sub-jacente que seguidamente se apreciará.
2.2. Da preterição de forma legal
2.2.1. A questão coloca-se quando a forma do título dado à execução – no caso a de escrito particular assinado pelo devedor – não cumpre com os requisitos de forma da relação causal indicada no título ou no requerimento executivo.
Em concreto é invocada como relação causal a celebração de contratos de mútuo. Assim, os cheques constituem documentos particulares assinados pelo devedor – artigo 363.º, do CC – que titulam contratos de mútuo.
A forma do mútuo rege-se pela lei em vigor à data da celebração – artigo 12.º do CC.
Na data de emissão do primeiro cheque estava em vigor a redacção do artigo 1143.º do CC, decorrente do Decreto-Lei 263-A/2007, de 23 de Julho, que entrou em vigor em 24 de Julho desse ano, nos termos definidos no seu artigo 30.º.
Tinha a seguinte redacção:
O contrato de mútuo de valor superior a (euro) 20 000 só é válido se for celebrado por escritura pública, salvo disposição legal em contrário, e o de valor superior a (euro) 2000 se o for por documento assinado pelo mutuário.
Nas datas de emissão dos demais cheques encontrava-se em vigor a actual redacção do artigo 1143.º, a dada pelo Decreto-Lei 116/2008, de 4 de Julho, que entrou em vigor em 21 de Julho de 2008, conforme o seu artigo 36.º, n.º 1. Tem a seguinte redacção:
Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a (euro) 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário.
Atento o dado como assente supra, em 2), apenas quanto aos cheques n.º 0347514499, emitido em 01/08/2008, no valor de €5.234,65, e n.º 5836492054, emitido em 15/09/2008, no valor de €3.920,00, podem considerar-se satisfeitas as exigências de forma.
Em consequência, quanto a eles, não se verifica a invocada nulidade por falta de forma legal, nada obstando a que a execução prossiga quanto ao capital e juros.
Importa apreciar dos restantes.
2.2.2. A observância de forma legal como requisito de exequibilidade dos documentos particulares assinados pelo devedor deu origem a um intenso debate doutrinário e jurisprudencial, esgrimindo-se argumentos de parte e doutra.
Em consequência das diferenças jurisprudenciais, que atravessaram as instâncias e mesmo o Supremo Tribunal de Justiça, foi requerida a uniformização de jurisprudência, no domínio da norma do artigo 46.º na redacção do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro. A essa uniformização se procedeu com julgamento ampliado de revista, tendo sido tirado o acórdão de 12 de Dezembro de 2017, proferido no processo 1181/13.9TBMCN-A.P1.S1 (Alexandre Reis), publicado no Diário da República 35/2018, Série I, de 19 de Fevereiro de 2018.
A jurisprudência foi uniformizada como segue:
Face ao exposto, acordam os Juízes que constituem o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça em:
(…)
b) Estabelecer a seguinte uniformização:
«O documento que seja oferecido à execução ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961 (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), e que comporte o reconhecimento da obrigação de restituir uma quantia pecuniária resultante de mútuo nulo por falta de forma legal goza de exequibilidade, no que toca ao capital mutuado».
A norma invocada tinha a seguinte redacção:
Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805.º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto.
Redacção que em nada se distingue da daquelas que acima considerámos aplicáveis que lhe são, em substância, idênticas.
Inexiste norma no sistema jurídico que atribua aos acórdãos uniformizadores carácter obrigatório. Todavia, o acatamento da jurisprudência assim firmada é um dever natural dos tribunais de instância como esta Relação (constituindo também em deveres específicos o Supremo Tribunal de Justiça quando dela pretenda divergir).
A tal respeito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 2016, proferido no processo 982/10.4TBPTL.G1-A.S1 (Abrantes Geraldes) esgota a questão dispensando-nos de outra referência para além de excerto que cremos elucidativo:
Ainda que destituída de força obrigatória geral, por via de imposição constante em norma legal, a jurisprudência uniformizadora acaba por se impor aos tribunais inferiores e até ao próprio STJ em recursos posteriores, na medida em que persistam os pressupostos que a determinaram.
Assim, tendo em conta o sentido e o valor que se atribuiu à jurisprudência uniformizada, parece óbvio que, enquanto se mantiverem as circunstâncias em que se baseou a tese do Supremo, os Tribunais Judiciais devem acatá-la, na medida em que, não o fazendo, além de esse não acatamento poder representar uma quebra injustificada do valor da segurança jurídica e das legítimas expectativas dos interessados, podem ser provocados graves danos na celeridade processual e na eficácia dos tribunais, considerando a previsível derrogação da decisão em caso de interposição de recurso.
No caso, também a concordância com a argumentação nos determinaria idêntica solução, pelo que a existência de uniformização apenas consequência que nos dispensemos de fundamentação para além da adesão aos fundamentos expendidos. A saber:
- A declaração corporizada no escrito prova a realidade do mútuo (aliás admitido pelo Recorrente nestes autos), pois exprime a confissão extrajudicial desse facto pelos executados, nos termos dos artigos 352.º, 355.º, n.º 1, 358.º, n.º 2, e 376.º, n.ºs 1 e 2, do CC, o que comporta o reconhecimento pelos mesmos de uma obrigação pecuniária, decorrente de um contrato de mútuo cujo montante está perfeitamente determinado e é igual ao pedido pelos exequentes.
- Não têm cabimento as razões de segurança jurídica – com vista a evitar o risco de execuções injustas – que apenas são pertinentes quando a causa, respeitante a um negócio nulo por falta de forma, implique uma bem maior complexidade, razões essas salvaguardadas pela possibilidade da dedução da oposição à execução.
- Os efeitos práticos da restituição por nulidade ou do cumprimento do mútuo são idênticos quanto ao capital.
- As razões de economia processual aconselham a solução, que nada desaconselha para além de uma exigência apenas ditada por um rigorismo dogmático alheio às vantagens colhidas da economia e celeridade processuais e, em geral, de uma justiça material mais efectiva.
A força da jurisprudência firmada pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ e a adesão às razões expostas, determinam se decida que não é de afastar a natureza executiva dos cheques dados à execução, mesmo de valor superior ao previsto no artigo 1143.º, do CC, na redacção aplicável.
Importa decidir sobre a abrangência desses títulos: apenas capital ou também juros e quais.
2.2.3. Como resulta do que vem sendo exposto e do excerto uniformizador, o capital mutuado está necessariamente abrangido pelos títulos.
A questão que ora nos ocupa é a de saber se a obrigação de restituição do prestado imposta em caso de nulidade pelo artigo 289º, nº 1, do Código Civil, exclui ou implica os montantes liquidados a título de juros de mora, desde as datas de vencimento dos cheques.
Podem configurar-se três possibilidades:
(i) A obrigação de restituir tem uma fonte autónoma, a saber, o disposto no artigo 289º, do Código Civil e não se reconduz às regras do enriquecimento sem causa, atento o carácter subsidiário deste instituto.
Em consequência, tendo em atenção a interpretação literal da citada norma ao estatuir que deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado, a obrigação de restituição abrange tão somente o prestado, não havendo lugar ao pagamento de juros.
(ii) A obrigação de restituir decorrente da nulidade do negócio reveste a natureza de uma repetição do indevido, devendo ser estabelecido o seu âmbito de acordo com as regras do enriquecimento sem causa constantes dos artigos 479º a 481º, do Código Civil.
(iii) A obrigação de restituir independe das regras do enriquecimento sem causa, o que não implica a improcedência do pedido de juros entendidos como frutos civis e apenas desde a data da citação, atento o disposto no nº 3, do artigo 289º, do Código Civil, ao remeter para o disposto nos artigos 1269º e seguintes do mesmo Código, maxime, 1270.º, n.º 1.
Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela parecem inscrever-se nesta orientação ao escreverem em anotação ao nº 3 do artigo 289º[2]:
Em consequência do acto nulo ou anulável, pode ter-se constituído posse nos termos do artº 1251º. Nestes casos, as disposições dos artº 1269º e seguintes são directamente aplicáveis. Mas pode não haver posse. Esta figura supõe o exercício de um direito real, e o direito transmitido ou constituído invalidamente pode ter outra natureza. Neste caso, nos termos do nº 3, são ainda aplicáveis aquelas disposições, que alteram bastante, sobretudo em relação ao contraente de boa fé, os efeitos severos da rectroactividade. Tem especialmente relevo a matéria da restituição de frutos e a das benfeitorias.
Entendemos ser esta a interpretação da norma que melhor corresponde à natureza do instituto e aos interesses que o mesmo visa defender, qual seja o de colocar as partes na situação em que se encontrariam se não tivessem celebrado o contrato que veio a ser declarado nulo.
Em consequência, entendemos que os títulos abrangem os juros, enquanto frutos civis das quantias em causa, contados a partir da citação – artigo 1270º, nº 1, do Código Civil -, sendo os mesmos contados à taxa legal dos juros civis, atenta a fonte da obrigação, como requerido.
Embora a questão não esteja abrangida pelo segmento uniformizador do acórdão que temos como referência, é essa a solução nele acolhida, como resulta entre o mais deste excerto:
Segundo pensamos, o apontado dissídio jurisprudencial deve resolver-se no sentido de que, uma vez constatada a nulidade do negócio subjacente ao título executivo apresentado e sendo esse vício do conhecimento oficioso, tal título pode valer de fundamento, não para o cumprimento específico do contrato, mas para a restituição do que houver sido prestado, como consequência legal da nulidade, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do CC. Daí que o título não possa valer, designadamente, para exigir os juros que tenham sido estipulados no contrato, por este ser nulo, mas apenas os juros de mora, à taxa legal desde a citação para a acção executiva, por força do que dispõem os arts. 805.º, n.º 1, e 806.º do mesmo código.
Em conclusão, procede parcialmente o recurso quanto aos juros moratórios pedidos entre a data de vencimento de cada um daqueles cheques e a de citação, os quais não estão abrangidos pelos títulos. Os cheques em causa são os cheques n.º 6736492053, emitido em 20/12/2007, no valor de €51.000,00, n.º 1136492070, emitido em 29/10/2009, no valor de €78.000,00,  e n.º 0236492071, emitido em 10/12/2009, no valor de € 80.000,00.
3. Da admissibilidade da defesa por compensação
3.1. Em primeira instância foi julgada inadmissível a alegação de compensação extintiva da obrigação por se entender que a compensação apenas poderia operar com crédito titulado por documento com força executiva.
Importa, antes de mais e em sede de enquadramento, distinguir entre a compensação extra-judicial e a compensação judicial.
A primeira constitui negócio efectuado entre as partes cuja vontade concorrente a opera, extinguindo a obrigação, ou declaração receptícia de uma a outra invocando a extinção de créditos por compensação. A segunda implica a apreciação judicial do crédito activo, ou seja, daquele que é invocado como extintivo do crédito accionado primitivamente.
Os dois tipos de compensação diferenciam-se ainda por a primeira se traduzir processualmente na invocação de excepção peremptória de extinção anterior do crédito e a segunda em pedido de reconhecimento da existência de créditos cruzados determinante de extinção.
Claro resulta que a primeira não é deduzida para declaração do crédito, mas para apreciação da excepção, contrariamente à segunda, que impõe actividade jurisdicional de reconhecimento (por ora prescinde-se de maior exactidão na descrição da natureza de tal actividade).
Em sede de oposição à execução, correspondem à previsão da alínea g), do artigo 729.º, do CPC, a invocação de compensação extra-judicial, e à da alínea h), a invocação de crédito para compensação judicial, sendo o artigo 729.º aplicável ex vi artigo 731.º.
Do que se extrai uma primeira conclusão: apenas neste segundo caso vale a argumentação expendida na decisão de primeira instância, a de exigência, para a compensação em sede executiva, de crédito directamente exequível. No primeiro caso a norma exige a prova documental, mas não que o documento em causa tenha força executiva, como decorre do teor da indicada alínea g) (que se transcreve na parte pertinente ao caso dos autos que não é de execução de sentença): [… a oposição (…) pode ter algum dos fundamentos seguintes:] qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação [que] se prove por documento (nosso sublinhado).
Aliás, nem assim podia ser uma vez que a invocação é a da consumação da compensação e não de reconhecimento de que o crédito activo tem essa virtualidade.
No que se refere à compensação aduzida pelo Executado ora Recorrente nos embargos, atentando na alegação da mesma, temos de concluir que se encontra alegada a ocorrência de compensação extra-judicial anterior à instauração da acção executiva, com carácter de excepção peremptória de extinção do crédito, ao mesmo tempo que se invoca efectivamente o crédito activo para reconhecimento da extinção do crédito passivo, o crédito exequendo.
3.2. Revisitemos a petição de embargos, onde se lê:
11. A mencionada compensação de créditos, consubstanciada na emissão das mencionadas notas de débito, foi objeto de aprovação em sede de Assembleia Delegada do Exequente S…, ocorrida em 13 de abril de 2013 e o reembolso dos aludidos adiantamentos foi aprovado no âmbito do balanço contabilístico do Exequente S…, referente ao ano de 2012.
12. Quer o original da ata da Assembleia Geral, quer o balanço contabilístico relativo ao ano de 2012 do Exequente S…, referidos no ponto precedente, encontram-se na posse deste, pelo que se requer notificação do Exequente para entregar cópias dos mesmos na secretaria do Tribunal, atento o seu manifesto interesse para o apuramento da verdade dos factos e, bem assim, à boa decisão da causa, nos termos do artigo 429.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
13. A junção da ata de 13 de abril de 2013, bem como do balanço contabilístico do Exequente relativo ao ano de 2012, visam comprovar a compensação de créditos operada no âmbito das relações entre este e o Executado C… (nosso sublinhado e negrito).
Ou seja, o Executado alega que por acordo com o Exequente, anterior à acção executiva, foi operada a compensação entre os mencionados créditos, determinante da extinção do crédito em execução.
Assim sendo, como cremos demonstrado que é, cumpre apreciar dos factos que consubstanciam a excepção, sendo irrelevante a consideração da natureza executiva da titulação do crédito que, alegadamente, operou a compensação. Embora com a restrição de a prova ser documental.
3.3. No entanto, o Executado alega ainda os factos que entende constitutivos do seu contra-crédito: a prestação de serviços ao Exequente.
Nesta parte, invoca a existência do crédito submetendo-a a apreciação do tribunal para compensação com o crédito exequendo.
São requisitos substantivos da compensação, nos termos do artigo 847.º, do CC:
1. A reciprocidade de créditos;
2. A exigibilidade judicial do crédito activo, não procedendo contra ele excepção peremptória ou dilatória de direito material;
3. A fungibilidade e identidade de espécie do objecto mediato dos créditos activo e passivo.
A questão que os autos colocam prende-se com o sentido a dar ao requisito de exigibilidade judicial do crédito.
Em sede declarativa, o regime adjectivo da compensação encontra-se regulado pelo actual artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do CPC, que determina que a compensação opera por reconvenção.
Na sentença recorrida é defendida a existência de um terceiro requisito de admissibilidade da invocação da compensação, o de o crédito activo se encontrar titulado por documento com força executiva. Louva-se no acórdão desta Relação de 7 de Abril de 2016 para considerar firmada jurisprudencialmente a exigência do requisito indicado.
E, se não concordamos em que esteja firmada jurisprudência nesse sentido, concede-se que é muito numerosa[3]. Podem discernir-se duas linhas de argumentação na posição que exige a exequibilidade do crédito activo: a inadmissibilidade da reconvenção em sede de embargos de executado e o impacto da admissão da reconvenção na celeridade processual própria da acção executiva.
Os argumentos assim enunciados não nos parecem decisivos, com o devido respeito por outra opinião, na linha do que exaustivamente se encontra argumentado nos acórdãos citados, com os quais, antecipe-se, concordamos plenamente.
É também o que vem defendendo Miguel Teixeira de Sousa no blog do IPPC[4], máxime nos posts de 26 de Junho de 2015, 27 de Junho de 2015 e 22 de Março de 2016 sob a epígrafe Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente.
3.4. Cremos que a corrente jurisprudencial contrária à admissibilidade da invocação da compensação em embargos de executado tem vindo a perder força nas decisões mais recentes dos tribunais superiores, de que são exemplo as citadas nos acórdãos desta Relação de 10 de Maio de 2018 e de 11 de Julho de 2019, para além desses mesmos acórdãos.
Mas a questão está longe de estar pacificada. Nesta 6.ª secção a orientação seguida é a da inadmissibilidade, do que são exemplos os acórdãos de 29 de Novembro de 2018, proferido no processo 24270/16.3T8SNT-A.L1-6 (Carlos Marinho), de 22 de Março de 2018, proferido no processo 2232/17.3T8OER.L1-6 (Manuel Rodrigues) ou de 22 de Fevereiro de 2018, proferido no processo 30464/15.1T8LSB-A.L1-6 (Teresa Soares).
No Supremo Tribunal de Justiça podemos surpreender em julho de 2019 dois acórdãos em sentido diverso: o de 4 de Julho, proferido no processo 132/11.0TCFUN-A.L1.S2 (Ana Paula Boularot) e o de 11 de Julho, proferido no processo 1664/16.9T8OER-A.L1.S1 (Bernardo Domingos).
3.5. A defesa da inadmissibilidade da reconvenção em sede executiva, esgrime com o disposto no artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do CPC, comum, mas não uniformemente, considerado como a consagração da imposição da reconvenção como meio adjectivo da compensação, mesmo quando o crédito activo não exceda o crédito passivo.
Impondo a lei o meio da reconvenção e sendo este inadmissível em sede executiva, diz-se na argumentação contrária à que defendemos, não poderia ocorrer compensação de crédito não titulado com força executiva, por não poder ter lugar actividade jurisdicional de apreciação da existência do crédito activo.
Parece-nos que o argumento é reversível na medida em que pode defender-se que o alcance do artigo 729.º, alínea h), é justamente permitir a defesa por compensação que, pela regra geral não seria admissível.
O que se entende ser mais ajustado à norma contida neste artigo. Na verdade, exigir que a exigibilidade imposta pelo artigo 874.º do CC se revista da característica suplementar da exequibilidade em sede de execução, tem o efeito de assimilar a alínea h) do artigo 729.º à alínea g) da mesma norma. A compensação admissível em sede de embargos de executado seria consumida pela previsão da alínea g) - defesa por alegação de facto extintivo provado por documento – com a exigência suplementar de que este documento estivesse munido de força executiva.
A conclusão não satisfaz em termos interpretativos, uma vez que inutiliza uma das normas e exige mais do que a norma que permanece – artigo 9.º, n.º 3, do CC.
Não é esse o resultado se considerarmos, como consideramos, que a alínea h) do artigo 729.º se destina, precisamente, a clarificar a possibilidade de defesa por compensação sem exigência do requisito adicional da exequibilidade, face à norma do artigo 266.º, nº 2, alínea c), do CPC, justamente para afastar a interpretação dela como inviabilizando esse meio de defesa em sede executiva.
Noutras palavras, o legislador considerou dever explicitar que a inadmissibilidade da reconvenção em sede executiva não inviabiliza a compensação. É o que cremos ser o melhor sentido da norma, concluindo pela admissibilidade da compensação.
3.6. O segundo argumento salienta a entropia que a compensação pode trazer ao processo executivo, introduzindo uma instância declarativa de apreciação da existência do crédito activo. O que determinaria menor celeridade na satisfação coerciva do crédito exequendo.
Sendo o argumento relevante, afigura-se que a sua ponderação melhor quadra ao legislador do que ao intérprete/aplicador. Ou seja, o legislador que concede esse meio de defesa tem certamente em ponderação os equilíbrios entre a tempestividade necessária da execução e os proveitos de justiça material da admissibilidade da compensação, desde logo os que resultam de não executar um crédito extinto, como pode ser a situação do crédito passivo.
Essa a sede própria para a ponderação dos eventuais requisitos adicionais a exigir em sede de compensação em acção executiva face à deduzida em acção declarativa. No mais ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.
4. Da alteração dos temas da prova
Concluindo-se pela admissibilidade da compensação, deve prosseguir a apreciação dos factos a tal respeito alegados, a saber os relativos à comunicação para efeitos de compensação, aos serviços prestados e ao acerto de contas convencionado, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, pode/deve o tribunal conhecer de tais factos porque essenciais para a apreciação da defesa.
Em caso de necessidade de ampliação da matéria de facto, rege o disposto no n.º 2, alínea c), e n.º 3, alínea c), do artigo 662.º, do CPC, que impõe a anulação da decisão para repetição do julgamento.
Cumpre assim, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) in fine, e n.º 3, alínea C), ambos do CPC, anular a decisão de facto na parte restrita à ampliação da decisão de facto, o que implica a anulação da decisão de direito que deverá ter em conta a decisão de facto ampliada.
Os pontos de facto a ter em consideração na repetição do julgamento são os alegados em sede de defesa por compensação. A inclusão destes nos temas da prova exige seja facultada às partes a possibilidade de apresentação de meios de prova quanto a essa matéria.
Em consequência, deve ser revogada a decisão de absolvição da instância quanto à invocada compensação e determinado o apuramento dos factos alegados quanto à verificação de compensação com crédito do Executado.

B) Do recurso da sentença final
O recurso interposto da sentença final funda-se na obscuridade de um ponto da decisão de facto e da impugnação do sentido da mesma decisão. Invoca ainda a reapreciação da questão jurídica autónoma da aplicabilidade da presunção estabelecida no artigo 458.º, n.º 1, do CC, a qual está também dependente daquela decisão.
A apreciação deste recurso fica prejudicada em consequência da decisão pela ampliação, uma vez que o regime da repetição do julgamento determina que a matéria de facto ainda se não encontre definitivamente fixada, visto o disposto no artigo 662.º, n.º 3, alínea c), na parte em que admite que a repetição imponha modificação da decisão na parte não viciada para evitar contradições.
Em consequência, fica prejudicada na globalidade a apreciação do recurso da decisão final.

IV) DECISÃO
Pelo exposto, ACORDAM em julgar parcialmente procedente o recurso interposto do despacho saneador e prejudicado o recurso interposto da decisão final e, em consequência:
1) Revogam o despacho saneador na parte em que determinou que a execução continuasse também quanto aos juros vencidos antes da citação no que respeita aos montantes titulados pelos cheques n.º 6736492053, emitido em 20/12/2007, no valor de € 51.000,00, n.º 1136492070, emitido em 29/10/2009, no valor de €78.000,00,  e n.º 0236492071, emitido em 10/12/2009, no valor de €80.000,00.
2) Revogam o despacho saneador na parte em que absolveu o embargado da instância quanto à dedução de compensação, admitindo a defesa e determinando a inclusão dos factos quanto a tal alegados nos temas da prova para apuramento em julgamento, anulando a sentença final.
3) Mantêm no mais o despacho saneador recorrido.
Custas pelo Recorrente e pelo Recorrido, quanto ao recurso do despacho saneador, na proporção do decaimento, sendo sem custas o recurso prejudicado – artigo 527.º, n.º 2, do CPC.

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2020
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves
______________________________________________________
[1] In Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 1.ª edição, 2014, p. 670, nota 2 in fine.
[2] In Código Civil Anotado, 4ª edição, I.
[3] A indicação dos acórdãos que em ambos os sentido foram publicados, encontra-se profusamente enunciada nos acórdãos desta Relação de 10 de Maio de 2018, proferido no processo 20814/11.5YYLSB-A.L1-2 (Pedro Martins) e de 11 de Julho de 2019, proferido no processo 16532/18.1T8SNT.L1-2 (Jorge Leal), pelo que nos dispensamos de a reproduzir.
[4] Consultável in https://blogippc.blogspot.com/.
Decisão Texto Integral: