Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
32114/16.0T8LSB.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: CONVENÇÃO COLECTIVA
INTERPRETAÇÃO
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I– As cláusulas de conteúdo regulativo da convenção colectiva de trabalho, por assumirem carácter geral e abstracto, sendo aplicáveis às relações laborais estabelecidas entre os trabalhadores e empregadores filiados nas respectivas entidades celebrantes, devem ser interpretadas de acordo com as regras de interpretação das leis decorrentes do art.º 9.º e seguintes do Código Civil.

II– A essa luz, e de acordo com o regime da suspensão do contrato de trabalho previsto no Código do Trabalho, a alínea c), do n.º 2, da Cláusula 7.ª do Acordo de Empresa, celebrado entre o AAA e a BBB, onde se prevê a não atribuição de diuturnidade nos anos em que: “Tenha ocorrido suspensão do contrato de trabalho entre o piloto e a BBB”, deve ser interpretada como dizendo respeito às diversas causas de suspensão do contrato de trabalho decorrentes daquele diploma legal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


1.–Relatório:


1.– 1. AAA, com sede em Lisboa, veio intentar a presente acção declarativa de condenação com processo especial de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho contra BBB, S.A., também com sede em Lisboa, pedindo seja interpretada a al. c), do n.º 2 da Cláusula 7.ª do Anexo III ao Acordo de Empresa no sentido de que a suspensão do contrato de trabalho ali prevista é unicamente a suspensão acordada entre o piloto e a R.

Devidamente citada, apresentou a ré as suas alegações por escrito, concluindo pela improcedência do pedido do autor, sustentando interpretação diversa, ou seja, que a referida cláusula contempla todas as situações de suspensão do contrato de trabalho.

Proferida sentença, foi a acção julgada improcedente, não se conferindo à alínea c), do n.º 2, da Cláusula 7.ª, do Anexo III do Acordo de Empresa, a interpretação proposta pelo autor.

1.2.– Inconformado com esta decisão, dela recorre o autor, concluindo as suas alegações de recurso do seguinte modo:
1.- A interpretação das convenções colectivas deve ser regida de acordo com as regras atinentes à interpretação da lei, previstas no artigo 9.º do Código Civil.
2.- A interpretação sustentada na decisão recorrida colide com o elemento gramatical ou literal da disposição convencional aqui em análise.
3.- Na medida em que, a suspensão que aí cabe será só e apenas a firmada entre o piloto e a BBB na sequência do acordo celebrado entre ambas as partes.
4.- Compulsada a análise do elemento lógico, constatamos que o espírito da presente cláusula é sancionar acessoriamente os trabalhadores que tenham praticado condutas ilícitas ou que se desinteressem da prestação laboral com a perda da diuturnidade.
5.- Pelo que, não se pode conferir o mesmo tratamento a um trabalhador que se veja impedido de trabalhar por motivo de doença, facto que não lhe é imputável com um trabalhador com comportamentos desinteressados na prestação laboral.
6.- A interpretação defendida pelo tribunal a quo tornaria inútil a alínea a) do n.º 2, da Cláusula 7.ª do Regulamento de Retribuição.
7.- A interpretação do tribunal a quo não é consentânea com os efeitos gerais da suspensão do contrato de trabalho.
8.- Não devendo admitir-se que os outorgantes do acordo de empresa conscientemente se tenham abstraído de distinguir as situações de suspensão que relevam desinteresse na prestação laboral das situações em que a suspensão é imposta ao trabalhador contra a sua vontade, subtraindo os pilotos da tutela legal do regime de suspensão em todos casos.
9.- Deve fixar-se que a al. c), do n.º 2, da Cláusula 7.ª do Regulamento de Retribuição deve ser interpretada no sentido de que a suspensão do contrato de trabalho ali prevista é a suspensão acordada entre o piloto e a ré, excluindo-se do seu âmbito normativo, entre outras situações, a suspensão motivada por doença do piloto.
10.- O tribunal a quo violou o artigo 9.º do Código Civil e o disposto na al.ª c), do n.º 2, da Cláusula 7.ª do Regulamento de Retribuição.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que fixe que a alínea c), do n.º 2, da Cláusula 7.ª do Regulamento de Retribuição deva ser interpretada no sentido de que a suspensão do contrato de trabalho ali prevista é a suspensão acordada entre o piloto e a recorrida, excluindo-se do seu âmbito normativo, entre outras situações, a suspensão motivada por doença do piloto.

1.3.– A ré contra-alegou, no sentido da improcedência do recurso.

1.4.– O Exmo. Procurador Geral-Adjunto nesta Relação, emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença, parecer esse a que nenhuma das partes respondeu.

1.5.– Foi realizada a conferência e colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

2.– Objecto do recurso.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado - artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
Assim, a questão que o recorrente coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se a al.ª c), do n.º 2, da cláusula 7.ª do Acordo de Empresa(AE)celebrado entre as partes,deve ser interpretada no sentido de que a suspensão do contrato de trabalho ali prevista é a suspensão acordada entre o piloto e a ré.

3.–Fundamentação de facto.

Encontram-se provados os seguintes factos:
1.- O A é uma associação sindical portuguesa de pilotos possuidores de licença de piloto comercial ou outra de grau superior, emitida ou reconhecida pela autoridade aeronáutica competente.
2.- A ré uma sociedade comercial que se dedica ao transporte aéreo de passageiros, carga e correios.
3.- Em 12 de Agosto de 2009 foi outorgado um acordo de empresa entre o A e a R, o qual foi publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 33 de 08/09/2009 e alterado por publicação no BTE, 1.ª Série, n.º 30 de 15/08/2010.
4.- Nos termos do n.º 1 da cláusula 1.ª desse Acordo de Empresa, o mesmo aplica-se no âmbito da actividade de transportes aéreos e obriga, por um lado, a ré, e, por outro lado, os pilotos ao serviço da ré representados pelo autor.
5.- O Acordo de Empresa é constituído pelo seu clausulado e pelos anexos previstos na respectiva cláusula 4.ª, entre os quais figura o denominado ANEXO III – Regulamento de Retribuição.

6.- O Regulamento de Retribuição contém uma disposição que versa sobre diuturnidades, a saber, a cláusula 7.ª, a qual, nos n.ºs 1 e 2, consagra o seguinte:
1– Os elementos do Pessoal Navegante Técnico terão direito a auferir o valor correspondente a uma diuturnidade, no valor constante da Tabela Salarial que, em cada momento, seja aplicável, por cada ano de diuturnidade de serviço.
2– Não será atribuída diuturnidade nos anos que:
a)- O Piloto tenha sido objecto de processo disciplinar cuja sanção aplicada tenha sido suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade.
b)- O Piloto apresente faltas injustificadas.
c)- Tenha ocorrido suspensão do contrato de trabalho entre o Piloto e a BBB.

7.- A e R divergem sobre a interpretação daquela alínea c).
8.- A Comissão Paritária prevista na Cláusula 21.ª do acordo de empresa reuniu-se em 13 de Setembro de 2016 com vista a apreciar esta matéria.
9.- Todavia, os representantes das partes não firmaram um acordo quanto ao sentido e alcance a conferir a tal norma.

4.–Fundamentação de Direito.
Se a al.ª c), do n.º 2, da cláusula 7.ª do AE celebrado entre as partes, deve ser interpretada no sentido de que a suspensão do contrato de trabalho ali prevista é a suspensão acordada entre o piloto e a ré.

Situamo-nos no âmbito de um processo especial de interpretação de cláusulas de convenções colectivas, regulado nos artigos 183.º a 186.º do Código de Processo do Trabalho, devendo o autor com a petição inicial juntar cópia do Boletim de Trabalho e Emprego onde esteja publicada a convenção colectiva.

No presente caso, trata-se do AE celebrado entre o autor (AAA) e a ré (BBB, SA), publicado no BTE 1.ª Série n.º 33, de 8.09.2009, alterado por publicação no BTE 1.ª Série, n.º 230 de 15.08.2010, junto a fls. 17 a 42.

O Acordo de Empresa é uma das modalidades de convenção colectiva de trabalho de harmonia com o preceituado no art.º 2.º n.º 3 alínea c) do Código do Trabalho (CT), constituindo as convenções colectivas de trabalho, fontes especificas do direito do trabalho (art.º 1.º, do CT).

Face ao seu carácter híbrido, à convenção colectiva de trabalho costuma atribuir-se a natureza mista de contrato e norma.A mesma, enquanto contrato, gera obrigações para as partes outorgantes, o sindicato e a associação patronal, nela se prevendo também verdadeiras normas jurídicas de carácter genérico, reguladoras das relações individuais de trabalho entre os trabalhadores e os empregadores destinatários da convenção. A propósito dessa dupla faceta, refere expressivamente Leal Amado, “Contrato de Trabalho”, Coimbra Editora 2009, pág. 28, que a “convenção colectiva não chega a ser uma lei, mas também se não reduz à mera condição de contrato; ela é uma síntese destas figuras, um «contrato-lei» (…).
Na feliz expressão de Carnelutti, as convenções colectivas são um «híbrido que tem um corpo de contrato e alma de lei».

Sucede que a generalidade das cláusulas convencionais, assumem, na verdade, a qualidade de autênticas normas jurídicas, sendo normalmente designadas de cláusulas regulativas na medida em que regulam e disciplinam as relações individuais de trabalho estabelecidas entre trabalhadores e empregadores filiados nas associações outorgantes (art.º 496.º, n.º 1 do CT). Nesse sentido se pronuncia a maioria dos autores, entre os quais, Mota Veiga “Lições de Direito do Trabalho”, UL, 6.ª Edição, pág. 261; Monteiro Fernandes “Direito do Trabalho”, 16.ª Edição, Almedina, pág. 679, Bernardo Gama Lobo Xavier, “Curso de Direito do Trabalho”, 3.ª Edição, Verbo, pág. 460 e Pedro Romano Martinez, “ Direito do Trabalho”, Almedina, 2002, pág. 979).

O carácter normativo de tais cláusulas passou também a ser aceite pelo Tribunal Constitucional (Vg. Acórdão 174/2008, de 11 de Março, DR, 2.ª Série, n.º 98, de 21 de Maio de 2008), podendo tais normas constituir objecto de recurso para esse tribunal.

Por ser assim, consigna o art.º 429.º, n.º 3 do CT, que a convenção colectiva preveja a constituição de uma comissão paritária com competência para interpretar a integrar as respectivas cláusulas, que é formada por igual número de representantes das entidades celebrantes, sendo a sua deliberação, tomada por unanimidade, considerada para todos os efeitos como integrando a convenção a que respeita (art.º 493.º n.ºs 1 e 2). Atenta a natureza negocial das normas (cláusulas) e em questão, o legislador considera deverem ser os próprios outorgantes da convenção a esclarecer o conteúdo da cláusula a interpretar, sem prejuízo do recurso ao tribunal. No presente caso, a Comissão Paritária reuniu, não tendo existido unanimidade quanto à fixação do conteúdo da Cláusula em questão (fls. 43).

Cabe-nos, assim, por isso, proceder à interpretação da dita Cláusula.

E a questão que neste momento se coloca é a que tipo de regras recorrer. Ou seja, se se deve optar pelas regras da interpretação da lei decorrentes dos artigos 9.º e 10.º, do Código Civil ou pelas regras da interpretação do negócio jurídico, artigos 236º e 239.º do Código Civil.

Sobre esta matéria não tem sido uníssona a resposta dos autores, como bem se sintetizou na Revista 1148/16.5T8BRG.G1.S1 e aqui se enuncia: “António Monteiro Fernandes[1] entende que lhe parece mais conforme ao desígnio do legislador a resposta ser a de “[a]plicar os critérios preconizados para os negócios jurídicos, independentemente da natureza da cláusula em questão” porque ”[n]a realidade, interpretar ou integrar a convenção é (ou deve ser) criar um conteúdo convencional que se acrescenta ao existente, e que deve enquadrar-se na fórmula de equilíbrio contratual adotada peças entidades subscritoras”. (...). Maria do Rosário Palma Ramalho[2] sustenta, por sua vez, que “[a] interpretação da convenção coletiva e a integração das suas lacunas deve sujeitar-se globalmente aos critérios de interpretação e integração  da lei (artigos 9º e 10º, do CC), pela seguinte ordem de razões: razões de coerência interna das duas parcelas do conteúdo deste instrumento, razões de substancialidade, razões formais e de segurança jurídica e razões de harmonia intra-sistemática” (…). Já Júlio Gomes, na síntese que faz do seu estudo sobre esta questão, da interpretação das CCT’s, salienta que “[o]s critérios hermenêuticos a adotar para a interpretação da convenção coletiva não podem deixar de ter em conta a génese negocial desta, e, sobretudo, a razão de ser pela qual o ordenamento remete para a contratação coletiva a regulação de uma parte substancial das relações laborais” e que “[a] circunstância da convenção coletiva criar regras que deverá aplicar-se igualmente a uma série indeterminada de relações é um fator muito importante para a objetivação da sua interpretação, mas trata-se sempre do máximo de objetivação consentido e permitido nos quadros da utilização do negócio jurídico” (…).E que, neste domínio, se deve atribuir uma importância acrescida ao elemento literal. pois, segundo ele, apesar da sua inerente ambiguidade, a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação, não se devendo permitir que as partes consigam através da interpretação aquilo que não conseguiram através da negociação.”

Menezes Cordeiro inConvenções Colectivas de Trabalho e Alteração das Circunstâncias”, LEX, Lisboa, 1995, pág. 53, por seu turno, sustenta que “face à autonomia da convenção colectiva, tanto o conteúdo obrigacional como o conteúdo regulativo podem dizer respeito a tudo o que não esteja vedado por uma fonte superior” (…)  e que  “interpretação e a integração das convenções colectivas seguem as regras próprias de interpretação e de integração da lei, com cedências subjectivistas quando estejam em causa aspectos que apenas digam respeito às partes que as hajam celebrado”.

Os nossos tribunais superiores têm-se pronunciado no sentido de as cláusulas das convenções colectivas deverem ser interpretadas segundo as regras da interpretação decorrentes do art.º 9.º do Código Civil, por força do qual “a interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir do texto legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º1). “ Não podendo, “porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2).

Nesta linha, foi consignado no acórdão do STJ n.º 7/2010, proc. 3976/06.0TTLSB.L1.S1, DR, Iª série de 9.07.2010, que “na interpretação das cláusulas das convenções colectivas de trabalho de conteúdo normativo, ou regulativo – como é o caso -, há que ter presente, por um lado, que elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas e, por outro, que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados”, havendo, por conseguinte, que obedecer às regras próprias de interpretação da lei (No mesmo sentido, entre outros, o acórdão do STJ de 28.09.2005, DR, Iª série de 10.11.2005, de 09.06.2010, proc. 3976/06.0TTLSB.L1.S1, de 30.04.2014, proc.3230/11.6TTLSB.S1).

Deve, pois, partir-se do enunciado linguístico da norma, ou seja, da letra da lei, por ser esta o ponto de partida da actividade interpretativa visto ser através dela que se procura reconstituir o pensamento das partes outorgantes da convenção colectiva em causa, funcionando o enunciado da cláusula igualmente como limite interpretativo visto não poder ser considerada uma interpretação que não tenha o mínimo de correspondência verbal.

Conforme assinalado no acórdão do STJ de 04.05.2011, proc. 4319/07.1TTLSB.L1 “a apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto direto e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo. A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados: tal distinção, como adverte FRANCESCO FERRARA (ob. cit., pp. 147-148), não deve confundir-se com a interpretação extensiva ou restritiva, pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à «mens legis».”

Posto isto, importa agora retornar ao presente caso e proceder à interpretação, à descoberta do sentido e alcance, da dita al.ª c) do n.º 2 da Cláusula 7.ª do Anexo III, Regulamento de Retribuição (RR), daquele AE celebrado entre as partes, que, recorda-se, reza o seguinte:
Cláusula 7.ª
Diuturnidades 
1– Os elementos do Pessoal Navegante Técnico terão direito a auferir o valor correspondente a uma diuturnidade, no valor constante da Tabela Salarial que, em cada momento, seja aplicável, por cada ano de diuturnidade de serviço.
2 Não será atribuída diuturnidade nos anos que:
a)- O Piloto tenha sido objecto de processo disciplinar cuja sanção aplicada tenha sido suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade.
b)- O Piloto apresente faltas injustificadas.
c)- Tenha ocorrido suspensão do contrato de trabalho entre o Piloto e a PGA.
(…). ”

O autor sustenta, no essencial, que na alínea c) está apenas contemplada a suspensão firmada por acordo entre o piloto e a BBB, referindo ainda que a ratio da presente Cláusula é sancionar acessoriamente os trabalhadores que tenham praticado condutas ilícitas ou que se desinteressem da prestação laboral, com a perda diuturnidade. Não se podendo conferir o mesmo tratamento aos casos em que o trabalhador se veja impedido de trabalhar, nomeadamente por motivo de doença.

A ré, por seu lado, alega que na dita alínea c) estão abrangidas todas as situações de suspensão do contrato de trabalho, incluindo a motivada por doença.

Lançando mão dos critérios hermenêuticos da interpretação da lei supra assinalados, o elemento linguístico, a letra da norma, não se coaduna com a versão proposta pelo autor. Com efeito, no dito lugar faz-se apenas menção à suspensão do contrato de trabalho entre o piloto e a PGA. Em parte alguma se faz alusão a acordo (ajuste ou convénio) celebrado entre as partes a propósito da suspensão do contrato de trabalho, resultando apenas do texto normativo “que não será atribuída diuturnidade nos anos em que: “Tenha ocorrido suspensão do contrato de trabalho entre o piloto e a PGA”.

É verdade que a redacção se mostra algo ambígua e redundante quando nela se refere “entre o piloto e a BBB”, pois, estando em causa uma convenção colectiva celebrada entre o AAA e a BBB, teria feito mais  sentido escrever-se simplesmente “tenha ocorrido suspensão do contrato de trabalho”. Sucede que essa situação não se verifica apenas quanto a esta parte do AE (como exemplifica a ré a propósito da redacção de outras cláusulas), como tal tipo de ambiguidade resulta atenuada ao lermos a expressão “entre o piloto e a BBB” reportando-a ao substantivo o “contrato de trabalho” que imediatamente a antecede. Anote-se ainda que a expressão “entre o piloto e a BBB”” de onde, no essencial, o autor retira a ilação da dita cláusula pressupor um acordo entre o piloto e o empregador, não nos reconduz necessariamente a essa versão, pois, na realidade, qualquer que seja a modalidade da suspensão, como adiante de dirá, esta traduz-se sempre numa suspensão do contrato de trabalho entre o trabalhador e empregador. Deste modo, e uma vez que o intérprete não deve distinguir onde a lei não distingue, não constando da redacção da Cláusula em apreço, ainda que em termos imperfeitamente expressos, que a suspensão do contrato de trabalho resulte de acordo, apenas se pode concluir não ter o mínimo arrimo à luz do apontado critério de interpretação a tese do autor.

Fazendo agora apelo ao elemento lógico, o espírito da norma, que se desdobra no elemento racional, sistemático e histórico, adianta-se desde já que tão pouco por aí merece acolhimento a versão do autor.

Começando pelo elemento histórico, importa dizer que se desconhecem os contornos que envolveram a negociação da convenção colectiva em causa, o iter negocial que esteve na origem da redacção da dita cláusula, por nada ter sido provado a esse respeito.

Quanto ao elemento racional, afirma o autor, nos termos assinalados, que o espírito da dita cláusula é sancionar acessoriamente os trabalhadores que tenham praticado condutas ilícitas ou que se desinteressem da prestação laboral.

Considerando o teor integral da aludida Cláusula 7.ª verifica-se que no seu n.º 1 é concedido aos “elementos do pessoal navegante técnico” o “direito a auferir o valor correspondente a uma diuturnidade, no valor correspondente a tabela salarial aplicável, por cada ano de antiguidade de serviço”.

As diuturnidades constituem, como é sabido, complementos pecuniários, normalmente atribuídos aos trabalhadores de acordo com a sua antiguidade na empresa, a que é reconhecida natureza salarial. 

No n.º 2, da mencionada Cláusula 7.ª, determina-se, por seu turno, que:
Não será atribuída diuturnidade nos anos em que
a)- O piloto tenha sido objecto de processo disciplinar cuja sanção aplicada tenha sido a suspensão de trabalho com perda de retribuição”
Trata-se de uma situação em que ao piloto, por ter sido alvo de processo disciplinar, foi aplicada a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda da retribuição e de antiguidade - art.º 328.º n.º 1 alínea e) do CT. Tem esta norma como pressuposto uma atitude infraccional do trabalhador, que está na origem da instauração do processo disciplinar, com aplicação da sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda da retribuição e de antiguidade.
b)-O piloto apresente faltas injustificadas”
Esta Cláusula sintoniza-se com o disposto no art.º 256.º do CT  por via do qual a falta injustificada constitui violação do dever de assiduidade e determina perda de retribuição correspondente ao período da ausência, que não é contado na antiguidade. Tem, pois, na sua génese a violação (injustificada) do dever de assiduidade, com as inerentes consequências legais de perda retributiva e desconto na antiguidade.
c)-Tenha ocorrido suspensão do contrato de trabalho entre o piloto e a PGA”
A suspensão do contrato de trabalho consiste na suspensão da execução do contrato, mantendo-se este apesar da paralisação dos seus principais efeitos. Trata-se de uma vicissitude modificativa do contrato de trabalho, em cuja génese está um facto respeitante ao empregador ou um facto atinente ao trabalhador como resulta, nomeadamente, dos artigos 294.º a 296.º (impedimento em geral); 298.º a 308.º (crise empresarial);  309.º a 316.º (encerramento e diminuição temporária de actividade); 317.º (licença sem retribuição); 318.º (pré-reforma) e 294.º e 325.º (da falta de pagamento da retribuição), do CT.
São, pois, várias as causas originadoras da suspensão do contrato de trabalho, sendo, por conseguinte, distintos os seus fundamentos.
De acordo com o art.º 295.º n.º 1 do CT, durante a suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho. Como refere Maria Rosário Ramalho, “Tratado de Direito do Trabalho” II Volume, Almedina pág. 392, “a suspensão do contrato de trabalho determina a suspensão dos deveres principais das partes e dos deveres acessórios da prestação principal”.

É ainda de salientar que a suspensão do contrato de trabalho tem essencialmente em vista a defesa da estabilidade do emprego.

Assim, perante a diversidade de situações que poderão estar na origem da suspensão do contrato de trabalho, não se vislumbra que na dita alínea c), do n.º 2, da citada Cláusula 7.ª, ao prescrever-se “a suspensão do contrato de trabalho entre o piloto e a BBB”, se tenha pretendido prever, tão só, a suspensão do contrato baseada em acordo das partes  - na origem do qual estaria o desinteresse pela continuação da prestação de trabalho (caso das licenças), conforme defende o autor.

Como já dito, a norma não comporta, ainda que em termos imperfeitamente expressos (apenas) essa modalidade de suspensão do contrato de trabalho. E, mesmo que assim se entendesse, outras modalidades de suspensão do contrato baseadas em acordo podem configurar-se sem que legitimamente se possa concluir que tenham na sua origem o puro desinteresse na continuação da prestação do trabalho. Referimo-nos ao caso da pré-reforma e a outras hipóteses de suspensão por acordo, em que se opera “uma modificação convencional do contrato de trabalho através do qual as partes utilizam a suspensão como instrumento para certos fins úteis.” (Cfr. Monteiro Fernandes, Ob. Cit., pág. 418). Devendo ainda assinalar-se, a esse título, que a al.ª c) do n.º 2, do art.º 294.º do CT, onde a suspensão por acordo está prevista, se não circunscreve às referidas hipóteses (de licença sem retribuição ou de pré-reforma) como emerge da expressão “nomeadamente” ali contida.

Não há assim um “fio condutor”, nas diversas condutas previstas alíneas da Cláusula 7.ª, no sentido da tese proposta pelo autor.

O que resulta da ratio da norma em apreço é, antes, conforme ambém sustenta a ré, o tratamento unitário do regime da atribuição das diuturnidades. Não se atribuindo essa componente retributiva em todas as situações em que o trabalhador não comparece ao serviço - quer porque foi sancionado disciplinarmente com suspensão do trabalho  com perda de retribuição  e de antiguidade; faltou injustificadamente o que determina a perda da retribuição e desconto na antiguidade e ocorreu a suspensão do contrato de trabalho (em qualquer das hipóteses decorrentes da lei) o que implica a perda da retribuição,  e nesse caso (nos termos da dita Cláusula),  a perda (da diuturnidade por cada ano) de antiguidade.

Por fim, também o elemento sistemático aponta no mesmo caminho. Com efeito, inserindo-se a norma (Cláusula) interpretanda no âmbito de uma convenção colectiva que se destina a regular um específico universo laboral, é relevante analisar, ainda que sumariamente, os termos em que se mostra regulada a matéria remuneratória (por ser, na essência, o que aqui está em causa), a fim de se aquilatar da sua consonância com o espírito do todo normativo em que aquela temática se insere.

Ora, a matéria da retribuição encontra-se inserida no Anexo III, no Regulamento de Retribuição acima citado, aí se prescrevendo que as diuturnidades integram a remuneração base mensal (Cláusula 2.ª), estando os requisitos da sua atribuição previstos na dita Cláusula 7.ª desse mesmo Regulamento.

Com alguma similitude às diuturnidades, por se configurarem como complementos retributivos, é de referir as “anuidades técnicas” (Cláusula 6.ª), cuja atribuição depende da prestação de trabalho em determinada percentagem. Encontrando-se, expressamente previstas várias situações, em que não obstante assim não ocorra, o piloto tem direito a auferir a anuidade. Trata-se, entre outros casos, das licenças de maternidade e de paternidade, integráveis na noção de suspensão do contrato de trabalho. Isto é, em sintonia com o que acima ficou dito, a propósito das diuturnidades, quando se pretende excepcionar em termos positivos as situações de suspensão do contrato com vista a que estas não impliquem perda das prestações retributivas tal está expressa e claramente consagrado – assim se preservando a harmonia do sistema em que a própria convenção se traduz.

Deste modo, ponderando a razão da ser da Cláusula em questão, os motivos que estão na sua origem, sendo o seu conteúdo lógico e razoável, afigura-se-nos não fazer sentido proceder a uma interpretação restritiva da mesma, nos termos sufragado pelo autor, sendo antes caso de efectuar uma interpretação declarativa, em sintonia com a tese da ré e a vertida na sentença recorrida.

Com base no que fica dito, apenas nos resta concluir pela improcedência da presente questão.

5.–Decisão.
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso do autor e confirma-se a sentença recorrida.
Sem custas por delas estar isento o autor.


Lisboa, 2018.05.09


Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Eduardo Sapateiro