Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6890/2005-6
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ALIMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: A sentença que regula o exercício do poder paternal deve fixar a prestação de alimentos a cargo do progenitor a quem o menor não foi confiado, mesmo sendo desconhecido o seu paradeiro e a sua situação económica.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A Digna Magistrada do Ministério Público intentou no Tribunal de Família e Menores de Lisboa acção de regulação do poder paternal relativamente ao menor (T), contra seus pais (A), residente na Rua ... , e (B) residente na Rua ..., Lisboa.

Na conferência a que alude o art. 175º da O.T.M., por não ter comparecido o Requerido, a Srª juiza limitou-se a tomar declarações à Requerida

Na sentença confiou-se o menor à guarda e cuidados da mãe e no que respeita à prestação de alimentos escreveu-se o seguinte: nada se conseguiu apurar relativamente à situação patrimonial do Requerido, pelo que não é possível fixar o montante da pensão de alimentos.
Inconformado com esta parte da decisão, o Ministério Público apelou.

Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
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Fundamentação.

Constitui objecto do recurso saber se na sentença de regulação do exercício do poder paternal, sendo desconhecida a situação económica do progenitor a quem o menor não foi confiado, deve, mesmo assim, ser fixada prestação alimentar a cargo desse progenitor.

Vejamos antes de mais os factos que a sentença recorrida considerou provados:
I - (T) nasceu no dia 28 de Agosto de 1998 e é filho dos Requeridos.
II - Os Requeridos nunca viveram juntos.
III - O menor viveu sempre com a Requerida e os pais desta, na casa de que estes são arrendatários.
IV - O Requerido só viu o filho quando nasceu, nunca mais o tendo procurado ou pretendido saber dele, apenas porque não quer.
V - O menor conhece os avós paternos que, contudo, o visitam talvez uma vez por ano.
VI – O Requerido nunca contribuiu para o sustento do menor.
VII - Em Março de 2003, a Requerida estava desempregada desde Outubro de 2002, recebendo o Rendimento Mínimo Garantido no montante de € 203,00.
VIII - A Requerida não contribuía para as despesas da casa que eram suportadas pelos seus pais.
IX – Com o menor, a Requerida tem gastos fundamentalmente com a sua alimentação, vestuário e saúde.
X - O menor é saudável.
XI - Em Março de 2003, o menor estava em casa, não frequentando o infantário porque a creche da Santa Casa da Misericórdia existente ao pé da casa da Requerida ainda não tinha vaga para ele.
XII – O paradeiro do Requerido é desconhecido.

A sentença regulou o exercício do poder paternal, relativamente a um menor filho de pais não unidos pelo matrimónio (situação prevista no art. 1911º do Cód. Civil), entregando-o aos cuidados da mãe, mas não fixou uma obrigação de alimentos a cargo do pai com fundamento em ser desconhecida a situação patrimonial deste.
O Apelante entende que deveria ter sido fixada a prestação e cremos que com razão.
É consensual que o poder paternal constitui um poder-dever, na medida em que deve ser exercido no interesse dos filhos, consubstanciado no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses daqueles, com vista ao seu harmonioso desenvolvimento físico, intelectual e moral.
Prescreve a Constituição da República Portuguesa (art. 36º, nº 5) que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”.
O art. 1878º do Cód. Civil, sob a epígrafe conteúdo do poder paternal, estabelece no nº1: “Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los ainda que nascituros, e administrar os seus bens.”
A regulação do poder paternal deve contemplar o destino do filho e os alimentos a este devidos e a forma de os prestar – art. 1905º do Cód. Civil.
Por alimentos, no caso de alimentando ser menor, entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação – art. 2003º do Cód. Civil.
Os alimentos, diz-nos o art. 2004º, serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
Pois bem.
É fora de dúvidas que o menor carece de alimentos. A matéria de facto provada é inequívoca a esse respeito.
A obrigação de os prestar recai, em primeira linha, sobre os progenitores e tendo o menor sido entregue aos cuidados da mãe haveria de fixar uma prestação a cargo do Requerido. O facto de nada se ter apurado quanto à condição económica daquele nunca poderia levar à pura e simples não fixação da pensão de alimentos. Os meios do obrigado são, apenas, um aspecto a considerar a par das necessidades do alimentando.
Neste sentido, decidiu o Ac. da Relação de Coimbra de 13.03.2001, citado por Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício do Poder Paternal, pag. 203:
“O facto de não ser possível apurar o rendimento global do devedor dos alimentos, não significa, por isso, não dever o Tribunal fixar qualquer quantia a título de alimentos, já que assim se estaria também a beneficiar indevidamente o requerido que conhecedor da situação se desligou do trabalho que então desempenhava e se ausentou para parte incerta.”
A dificuldade de nada se ter provado quanto aos meios do Requerido não é intransponível. Pode presumir-se, como fez o Ac. da Relação do Porto de 22.04.2004, in www.dgsip.pt. que, pelo menos, o alimentante auferiria o salário mínimo nacional.
Concluímos, assim, que sendo desconhecido o paradeiro do obrigado a alimentos, bem como a sua situação económica, deve, apesar disso, a sentença de regulação de poder paternal fixar a prestação de alimentos e a forma de os prestar.
Este entendimento é reforçado pela circunstância de a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (Lei nº 75/98 de 19.11), ter como pressuposto a fixação de uma prestação alimentar que não esteja a ser satisfeita. Ora, não tendo sido estabelecida uma prestação de alimentos, poderá ficar inviabilizada a possibilidade de intervenção daquele Fundo (cfr. o Ac. desta Relação de 23.10.2003, in www. dgsi.pt.)
No caso vertente, o Requerente propôs que fosse fixada em € 100,00 a prestação mensal a título de alimentos. Afigura-se-nos um valor equilibrado em face da matéria de facto apurada que por isso se adopta aqui.
Decisão.
Pelo exposto, concede-se provimento à apelação e em consequência altera-se a sentença, condenando-se o Requerido a pagar uma prestação mensal de alimentos no valor de € 100,00, importância que deverá entregar à Requerida até ao dia 8 de cada mês. No mais, mantém-se a sentença recorrida.
Sem custas.

Lisboa, 05.10.13

Ferreira Lopes
Manuel Gonçalve
Aguiar Pereira