Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11749/17.9T8LSB.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: AUDIÊNCIA PRÉVIA
DESIGNAÇÃO
DISPENSA
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Não havendo lugar ao prosseguimento dos autos, uma vez que o juiz a quo entendeu proferir saneador sentença que conheceu do objecto do litígio, a lei obriga expressa e imperativamente à prévia realização de audiência prévia conforme resulta do artigo 591º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, onde se prevê, inequivocamente, que a mesma sirvará para “facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpre apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa”.
II - Acresce que a dispensa de realização de audiência prévia, nos termos do artigo 593º, nº 1, não abrange a situação prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 591º do Código de Processo Civil (incluindo tão somente as situações previstas nas alíneas d), e) e f) do nº 1 do artigo 591º, e pressuponto sempre que “a acção haja de prosseguir”)
III – Havendo o juiz a quo omitido, sem justificação séria nem fundamentação legal adequada, a realização de uma diligência processual que era obrigado a designar, nestas concretas circunstâncias, tendo simultaneamente procedido à dispensa da realização da audiência prévia sem se encontrarem reunidos os respectivos requisitos processuais indispensáveis, cometeu uma nulidade traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve (art. 195.º, n.º 1, do C.P.C.), e que acaba por se comunicar, inquinando, ao despacho saneador-sentença, de modo que a reação da apelante terá que passar pela inerente interposição de recurso da decisão proferida, integrando, nos respetivos fundamentos, a arguição da referida nulidade.
IV - Tal nulidade acarreta a nulidade do saneador-sentença proferido, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do C.P.C.; ou seja, o tribunal a quo ao decidir como decidiu, sem que antes tivesse levado a cabo a diligência processual a que se encontrava estritamente obrigado a designar.
V- Neste caso, os autos devem ser remetidos à 1ª instância com vista à oportuna designação da audiência prévia que obrigatoriamente terá lugar, em estrita observância do disposto no artigo 591º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam  na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO.
Instauraram HS…, viúva, cabeça-decasal da herança aberta por óbito de LF…, CF …, residente na Vila …, n.º …- ….º, …-… Lisboa, representada pelo filho LF…, divorciado, residente na Calçada …, n.º …- ….º C, …-… Lisboa;  MI… e marido RL…, casados no regime de comunhão de adquiridos, CF n.ºs … e …, residentes na Praça …, n.º …- ….º B, …-… Lisboa; AB… e mulher MN…, casados no regime de comunhão de adquiridos, CF n.ºs … e …, residentes na Praça …, n.º …- ….º dto., …-… Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra: IS…, CM…, UNIPESSOAL, LDA., NIPC …, com sede no Largo …, n.º …-A e …, …-… Lisboa.
Essencialmente alegaram:
Na qualidade de senhorios, remeteram à Ré, na qualidade de arrendatária, em 5 de Janeiro de 2012, uma carta registada com aviso de recepção, onde comunicavam que pretendiam denunciar o contrato de arrendamento existente com efeitos a partir de 5 de Janeiro de 2017, em virtude de ter ocorrido transmissão de posições sociais, o que provocou alteração da titularidade do capital social da Ré em mais de 50%.
Em 22 de Dezembro de 2016 e em 7 de Abril de 2017 foram remetidas novas cartas a dar conta da denúncia e respectivo pedido de desocupação da fracção locada, sendo que até à data a Ré não satisfez a pretensão dos Autores.
Concluem pedindo a declaração da validade da cessação do contrato de arrendamento comercial, por denúncia operada em 5 de Janeiro de 2012, com efeitos a partir de 5 de Janeiro de 2017 e a condenação da Ré a despejar a fracção locada e a entregá-la aos Autores completamente livre e devoluta de pessoas e bens.
 Regular e pessoalmente citada, a Ré contestou, deduzindo defesa por excepção dilatória de erro na forma do processo e alegando que o contrato, por ser não habitacional, não podia ser sujeito a denúncia.
Invoca ainda a existência de abuso de direito dos autores na realização da denúncia do contrato de arrendamento, uma vez que a autora MI…, gerente da sociedade ré em 19 de Janeiro de 2010, cedeu nessa data a sua quota nessa mesma sociedade a uma outra empresa e vem agora denunciar o contrato com base também na cessão de quotas dessa mesma sociedade ré.
Pelo que entende que a actuação dos Autores se insere no âmbito do instituto de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
 Pugna pela improcedência da acção e a sua consequente absolvição, mais pedindo a condenação dos Autores como litigantes de má-fé em multa e indemnização não inferior a € 10.000,00.
Notificados para o efeito, os Autores vieram responder à excepção deduzida, pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido pelo juiz a quo o despacho de fls. 76/verso, datado de 13 de Dezembro de 2017, no qual ordenou “a notificação das partes para, em dez dias, querendo, se pronunciarem sobre a realização da audiência prévia, caso pretendam a realização dessa diligência, ou sua dispensa e, neste último caso, para se pronunciarem, querendo, sobre o objecto do processo, quer quanto aos factos alegados, quer quanto ao direito aplicável, seguindo-se a prolação de sentença”.
Em resposta, a Ré declarou expressamente, no seu requerimento junto a fls. 78 e 79, entrado em juízo em 29 de Dzeembro de 2017, que “não pode concordar com a posição que este Tribunal adoptar de dispensa da audiência prévia e conhecimento imediato do mérito da causa”.
A A., através do seu requerimento de fls. 80/verso, entrado em juízo em 5 de Janeiro de 2018, declarou não se opor à dispensa de realização da audiência prévia
Foi proferido saneador-sentença em que o juiz a quo conheceu da seguinte questão prévia:
“DISPENSA DA AUDIÊNCIA PRÉVIA:
De acordo com o disposto no artigo 593.º, nº 1, do Código de Processo Civil: “Nas acções que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º”. No caso dos autos, o teor dos articulados demonstra não ser viável a realização de tentativa de conciliação atentas as posições extremas das partes. Por outro lado, os termos do litígio encontram-se suficientemente delimitados, tendo já sido dada a possibilidade às partes de exercerem o contraditório quanto ao conhecimento imediato do mérito da causa. Em resposta ao convite efectuado pelo Tribunal, a ré veio opor-se ao conhecimento imediato do mérito da causa, pois não prescinde da realização da audiência de julgamento e consequente produção de prova. Ora, no caso dos autos, considerando a posição que as partes assumiram nos respectivos articulados quanto aos factos que balizam o objecto da acção, afigura-se-nos poder conhecer do respectivo mérito, sem necessidade de produzir qualquer outra prova. Ou seja, os factos provados, seja pelo acordo das partes, seja pelos documentos juntos aos autos pelos autores, cuja genuidade ou veracidade não foi impugnada pela ré, permitem já conhecer do respectivo mérito, pelo que, ao contrário do que é alegado pela ré, não é necessária a produção de prova testemunhal ou de qualquer outra prova, motivo pelo qual é completamente desnecessária a realização da audiência de julgamento. Assim, atendendo ao acima exposto e uma vez que a audiência prévia apenas se destinaria à finalidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 591.º do CPC, ao abrigo do disposto no art. 593.º, n.º 1 do mesmo Código, dispenso a realização da audiência prévia”.
Seguidamente, conheceu do mérito da causa, julgando a presente acção  procedente, declarando validamente cessado o contrato de arrendamento para fins não habitacionais referido nos factos provados, por denúncia comunicada por carta remetida em 5 de Janeiro de 2012, com efeitos produzidos em 9 de Janeiro de 2017, e condenou a Ré IS…- CM…, Unipessoal, Lda. a entregar aos Autores, livre e devoluto de pessoas e bens, o respectivo locado consistente na loja do prédio urbano sito na Largo …, n.ºs …-A e …, freguesia de Santa Engrácia, Lisboa, inscrito sob o artigo n.º … na matriz predial urbana da freguesia de São Vicente, e descrito na Conservatória de Registo Predial de Lisboa sob o n.º …; absolveu ainda os Autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé. (cfr. fls. 82 a 90).
Apresentou a R. recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 113).
Juntas as competentes alegações, a fls. 91 a 96, formulou o apelante as seguintes conclusões: 
i. Deve antes demais salientar-se que o douto tribunal não permitindo, em primeiro lugar, a audiência prévia e consequentemente  a audiência de julgamento coartou toda a defesa da ora recorrente.
ii. Contudo, este douto tribunal a quo ao não permitir a produção de prova não vislumbrou que aquando da escritura da transmissão de quotas, documento que se protesta juntar, para PM… a autora MI… estava presente.
iii. Nessa escritura estiveram presentes para além da mencionada Autora, PM… e BM… gerente da sociedade BM….
iv. E, nesse acto, a Autora MI… comprometeu-se a não denunciar ao contrato, gerando a confiança na Ré.
v. Pelo que fazendo-se a devida prova verificar-se-ia a improcedência da ação por manifesto atropelo ao princípio da boa fé e bons costumes. 
Ademais,
vi. Decidiu o douto tribunal a quo “De acordo com o disposto no artigo 593.º, nº 1, do Código de Processo Civil: “Nas acções que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º”.No caso dos autos, o teor dos articulados demonstra não ser viável a realização de tentativa de conciliação atentas as posições extremas das partes. Por outro lado, os termos do litígio encontram-se suficientemente delimitados, tendo já sido dada a possibilidade às partes de exercerem o contraditório quanto ao conhecimento imediato do mérito da causa. Em resposta ao convite efectuado pelo Tribunal, a ré veio opor-se ao conhecimento imediato do mérito da causa, pois não prescinde da realização da audiência de julgamento e consequente produção de prova
vii. Ora, no caso dos autos, considerando a posição que as partes assumiram nos respectivos articulados quanto aos factos que balizam o objecto da acção, afigura-se-nos poder conhecer do respectivo mérito, sem necessidade de produzir qualquer outra prova. Ou seja, os factos provados, seja pelo acordo das partes, seja pelos documentos juntos aos autos pelos autores, cuja genuidade ou veracidade não foi impugnada pela ré, permitem já conhecer do respectivo mérito, pelo que, ao contrário do que é alegado pela ré, não é necessária a produção de prova testemunhal ou de qualquer outra prova, motivo pelo qual é completamente desnecessária a realização da audiência de julgamento.
viii. Assim, atendendo ao acima exposto e uma vez que a audiência prévia apenas se destinaria à finalidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 591.º do CPC, ao abrigo do disposto no art. 593.º, n.º 1 do mesmo Código, dispenso a realização da audiência prévia.
ix. Assim, ao arrepio da lei designadamente, ao abrigo do disposto no art.º 591.º, n .º 1, alínea b) do CPC, O Tribunal recorrido decidiu sobre o mérito da causas sem facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito.
x. Ora, a audição das partes quanto à matéria de facto e de direito constitui uma formalidade legalmente imposta pelo artigo 591.º n.º 1 al. b) do C.P.C., cuja violação acarreta a nulidade da decisão o que, desde já se invoca, com todas as consequências legais daí decorrentes.
xi. Nos presentes autos o douto tribunal a quo entendeu que as partes através dos respetivos articulados balizaram o objeto da ação, pelo que não utilizou a Audiência Prévia e, procedeu à prolação do saneador - sentença, nos termos dos artigos 591.º n.º 1, al. d) e 593º n.º 1, ambos do CPC, não dando às partes, todavia oportunidade para se pronunciarem sobre questões de facto e de direito.
xii. Contudo, não pode entender-se que o princípio do contraditório das partes se possa concretizar, simplesmente, através dos articulados apresentados pelas mesmas, caso contrário, o legislador não exigia, como exige, que as partes tenham que estar presentes na respetiva audiência prévia.
xiii. Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa Comum à Luz do CPC de 2013, 3ª ed., pág. 172, escreveu  a propósito da al. b) do nº 1 do art. 591º, que “Quando se julgue habilitado a conhecer imediatamente do mérito da causa, mediante resposta, total ou parcial, ao pedido (ou pedidos) nela deduzido(s) (art. 595- 1-b), o juiz deve convocar a audiência prévia para esse fim. No CPC de 1961 posterior à revisão de 1995-1996, exceptuava-se o caso em que os fundamentos da decisão a proferir tivessem sido já discutidos pelas partes, não havendo insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto a corrigir e revestindo-se a apreciação da causa de manifesta simplicidade. No Novo código esta excepção desaparece: o juiz não pode julgar de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência, às partes.”
xiv. Face ao exposto, não restam dúvidas de que a prolação da decisão final é proferida
xv. com preterição de uma formalidade essencial e, que se encontra prescrita na lei, ou seja, foi a mesma efectuada sem que as partes tivessem oportunidade de se pronunciar em relação às questões de facto e de direito.
xvi.  Em, face disso e, uma vez que a omissão de tal formalidade influi no exame ou na
xvii. decisão da causa, tal decisão é nula, atenta a violação do art.º 3º n.º 3 e do art.º 591, n.º1, al. b) ambos do CPC.
xviii. Termos em que se requer a declaração da nulidade derivada da falta de discussão de facto e de direito em sede de audiência prévia, por manifesta violação do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 4, 591.º, n.º 1, alínea b), 592.º e 593.º, n.º 1, do CPC, e artigo 20.º, n.º 4, da CRP, com a necessária anulação de todos os atos subsequentes, devendo nessa conformidade os autos baixar à primeira instância.
Sem prescindir e por dever de patrocínio, diga-se ainda, que:
xix. Na sentença recorrida entendeu-se que improcede o alegado abuso de direito.
xx. Decorre da douta decisão facto provado nº 8 que ora se transcreve “ Pela ap. …/…, foi registada a cessação de funções de gerente da totalidade das pessoas referidas no ponto 6”.
xxi. Havendo já à época uma alteração superior a 50% da titularidade do capital social da sociedade.
xxii.  Mas há época como uma das autoras exercia funções de gerência na mesma ( facto provado nº8) não havia  qualquer vontade em denunciar o contrato de arrendamento. 
xxiii. No momento em que se transfere a sociedade para terceiros, bem sabendo a importância da localização da mesma, vem-se denunciar o contrato de arrendamento.
xxiv. Ademais tendo conhecimento que a mesma só foi adquirida pelo facto da sua localização estratégica.
xxv. Factos que o douto tribunal não consegui dar como provados, pois dispensou a audiência prévia, não permitindo á ora recorrente a discussão dos factos e a sua efetiva prova. 
xxvi. Perante estes dados de facto temos por certo que o comportamento dos Autores, qualificados em termos jurídicos à luz do que acima se expôs, integra um venire contra factum proprium, proibido pelo artº 334º do CC: .uma pessoa normal, colocada na posição concreta dos recorrentes, podia objetivamente confiar que, adquirida a sociedade, tendo em conta a sua localização, fator determinante na aquisição, os Autores, senhorios,  não denunciaram  o contrato de arrendamento,  dado que a sociedade já laborava desde há muito tempo e bem sabendo a importância do locado para o exercício da atividade da sociedade.
xxvii. Pelo que esta denúncia do contrato, constitui abuso de direito na modalidade venire contra factum proprio, devendo por isso improceder  a pretensão dos Autores. 
Nestes termos, devem V. Exas. declararem a nulidade da sentença ora recorrida por falta de discussão de facto e de direito em sede de audiência prévia , ou caso assim não se entenda,  julgar  sem efeito a denúncia do contrato de arrendamento, por manifesto abuso de direito na modalidade venire contra factum proprio  na estrita aplicação ao caso concreto da tão douta e costumada JUSTIÇA!
Contra-alegou o A. pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
 
II – FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado em 1ª instância:
1. Encontra-se registada a favor dos Autores, a aquisição do prédio urbano sito no Largo …, n.º …-A e …, freguesia de Santa Engrácia, Lisboa, inscrito sob o artigo n.º … na matriz predial da freguesia de São Vicente e descrito na Conservatória de Registo Predial de Lisboa sob o n.º ….
2. Em 13 de Setembro de 1939, por escritura pública lavrada no ….º Cartório Notarial de Lisboa, a fls. 105 e seguintes do livro de notas para escritura diversas n.º …, foi declarado pelos anteriores proprietários do imóvel referido no ponto anterior que davam de arrendamento ao anterior arrendatário, a loja do prédio urbano descrito em 1) que se destinava a estabelecimento de farmácia.
3. Em data que não foi possível apurar, mas que se situa no ano de 2001, a Ré declarou tomar de arrendamento o imóvel referido no ponto anterior, com o acordo dos respectivos senhorios, mantendo-se como objecto do acordo a exploração de farmácia.
4. Em 11 de Março de 2009, foi acordada entre os senhorios do mesmo imóvel e a aqui ré a alteração das cláusulas terceira (passando a ser a renda mensal no montante de € 650,00) e a nona (obras) do acordo referido em 3), com o teor constante de fls. 31 e 32 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Os Autores remeteram em 5 de Janeiro de 2012 carta registada com aviso de recepção, com o teor constante de fls. 34 que se dá por integralmente reproduzido, tendo a mesma sido recepcionada pela Ré em 9 de Janeiro de 2012, no âmbito do qual comunicaram que pretendiam pôr termo ao acordo firmado “nos termos do disposto no alínea c) do artigo 1101º do Código Civil, pelo facto de ter ocorrido transmissão de posições sociais que implicam alteração de titularidade do respectivo capital social da sociedade em mais de 50%, pelo que o contrato de arrendamento terminará em 2017 (cinco anos após o recebimento da comunicação).”
6. Pela ap. …/…, foi registada na Conservatória do Registo Comercial a constituição da sociedade ré, sendo a única sócia a aqui autora MI…, titular da quota única no montante de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros) e gerentes da mesma a referida MI…, RL…, AB… e MN….
7. Pela menção de depósito 92 de 19 de Janeiro de 2010 foi registada na Conservatória do Registo Comercial, a transmissão da quota única referida no ponto anterior para a sociedade C… – Centro Farmacêutico do Largo …, Lda.
8. Pela ap. …/…, foi registada a cessação de funções de gerente da totalidade das pessoas referidas no ponto 6.
9. Pela ap. …/…, foi registada a designação como gerente da sociedade ré de PM….
10. Pela menção de depósito 3570 de 10 de Maio de 2010 foi registada na Conservatória do Registo Comercial, a transmissão da quota única referida nos pontos 6 e 7 para PM….
11. Pela menção de depósito 3571 de 10 de Maio de 2010 foi registada na Conservatória do Registo Comercial, a transmissão da quota única referida nos pontos 6, 7 e 10 para a sociedade BM…, Lda.
12. Em 22 de Dezembro de 2016, os Autores remeteram, através do seu Mandatário, carta registada com aviso de recepção para a Ré, e por esta recebida em 23 de Dezembro de 2016, com o teor constante de fls. 38 onde declararam que “a 05 de janeiro de 2012, foi remetido a V. Exas uma carta, com aviso de receção, comunicando, antecipadamente, a denúncia do contrato de arrendamento com efeitos para 05 de Janeiro de 2017”, solicitando “que o imóvel seja entregue, na data indicada supra, aos proprietários livre e devoluto de encargos de pessoas e bens. Não sendo entregue o locado, sem outro aviso, será intentada a respectiva ação de despejo.”.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1 – Falta de realização de audiência prévia nos termos do artigo 591º, nº 1, do Código de Processo Civil. Indevida dispensa da audiência prévia. Consequência processual. Nulidade da sentença.
2 – Conhecimento prejudicado das restantes questões suscitadas nos autos. 
Passemos à sua análise:
1 –  Falta de realização de audiência prévia nos termos do artigo 591º, nº 1, do Código de Processo Civil. Indevida dispensa da audiência prévia. Nulidade da sentença.
O juiz a quo, no âmbito da sentença que proferiu, decidiu em sede de conhecimento de questão prévia:
“DISPENSA DA AUDIÊNCIA PRÉVIA:
De acordo com o disposto no artigo 593.º, nº 1, do Código de Processo Civil: “Nas acções que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º”. No caso dos autos, o teor dos articulados demonstra não ser viável a realização de tentativa de conciliação atentas as posições extremas das partes. Por outro lado, os termos do litígio encontram-se suficientemente delimitados, tendo já sido dada a possibilidade às partes de exercerem o contraditório quanto ao conhecimento imediato do mérito da causa. Em resposta ao convite efectuado pelo Tribunal, a ré veio opor-se ao conhecimento imediato do mérito da causa, pois não prescinde da realização da audiência de julgamento e consequente produção de prova. Ora, no caso dos autos, considerando a posição que as partes assumiram nos respectivos articulados quanto aos factos que balizam o objecto da acção, afigura-se-nos poder conhecer do respectivo mérito, sem necessidade de produzir qualquer outra prova. Ou seja, os factos provados, seja pelo acordo das partes, seja pelos documentos juntos aos autos pelos autores, cuja genuidade ou veracidade não foi impugnada pela ré, permitem já conhecer do respectivo mérito, pelo que, ao contrário do que é alegado pela ré, não é necessária a produção de prova testemunhal ou de qualquer outra prova, motivo pelo qual é completamente desnecessária a realização da audiência de julgamento. Assim, atendendo ao acima exposto e uma vez que a audiência prévia apenas se destinaria à finalidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 591.º do CPC, ao abrigo do disposto no art. 593.º, n.º 1 do mesmo Código, dispenso a realização da audiência prévia”.
Veio o apelante arguir a nulidade da sentença face à não marcação da audiência prévia, obrigatória in casu, o que consubstancia, a seu ver, uma violação do princípio do contraditório.
Apreciando:
Assiste inteira razão ao recorrente.
Entendendo que o estado dos autos habilitava o imediato e consciencioso conhecimento do mérito da causa, sem necessidade de produção de provas, o juiz a quo, proferiu o despacho de fls. 76/verso, datado de 13 de Dezembro de 2017, no qual ordenou “a notificação das partes para, em dez dias, querendo, se pronunciarem sobre a realização da audiência prévia, caso pretendam a realização dessa diligência, ou sua dispensa e, neste último caso, para se pronunciarem, querendo, sobre o objecto do processo, quer quanto aos factos alegados, quer quanto ao direito aplicável, seguindo-se a prolação de sentença”.
Em resposta, a Ré declarou expressamente, no seu requerimento junto a fls. 78 e 79, entrado em juízo em 29 de Dzeembro de 2017, que “não pode concordar com a posição que este Tribunal adoptar de dispensa da audiência prévia e conhecimento imediato do mérito da causa”.
A A., através do seu requerimento de fls. 80/verso, entrado em juízo em 5 de Janeiro de 2018, declarou não se opor à dispensa de realização da audiência prévia.
Surpreendentemente, e em frontal contradição com a postura anteriormente assumida, o juiz a quo, não obstante a manifesta e clara oposição manifestada pela Ré, optou por dispensar a realização da audiência prévia e por conhecer imediatamente do mérito da causa.
Ora, na situação sub judice, não havendo lugar ao prosseguimento dos autos, uma vez que o juiz a quo entendeu proferir saneador sentença que conheceu do objecto do litígio, a lei obrigava expressa e imperativamente à realização de audiência prévia conforme resulta do artigo 591º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, onde se prevê, inequivocamente, que a mesma sirvará para “facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpre apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa”.
Conforme se refere in “Código de Processo Civil Anotado. Volume I. Parte Geral e Processo de Declaração. Artigos 1º a 702º”, de Abrantes Geraldes,  Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, página 687: “É de toda a conveniência que o juiz não decida, no todo ou em parte, aspectos materiais do litígio sem um debate prévio, no qual os advogados das partes tenham a oportunidade de produzir alegações orais acerca do mérito da causa”.
Acresce que a dispensa de realização de audiência prévia, nos termos do artigo 593º, nº 1, não abrange a situação prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 591º do Código de Processo Civil (incluindo tão somente as situações previstas nas alíneas d), e) e f) do nº 1 do artigo 591º, e pressuponto sempre que “a acção haja de prosseguir”).
É assim inquestionável que o juiz a quo omitiu, sem qualquer tipo de justificação séria ou fundamentação legal adequada, a realização de uma diligência processual que era obrigado a designar, nestas concretas circunstâncias, havendo simultaneamente procedido à dispensa da realização da audiência prévia sem se encontrarem reunidos os respectivos requisitos processuais indispensáveis para esse mesmo efeito.
Cometeu, assim, sem qualquer dúvida, a nulidade que o apelante lhe aponta.
A omissão do juiz a quo na realização da audiência prévia é uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve (art. 195.º, n.º 1, do C.P.C.), e que acaba por se comunicar, inquinando, ao despacho saneador-sentença, de modo que a reação da apelante terá que passar pela inerente interposição de recurso da decisão proferida, integrando, nos respetivos fundamentos, a arguição da referida nulidade.
É que, uma tal nulidade acarreta a nulidade do saneador-sentença proferido, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do C.P.C.; ou seja, o tribunal a quo ao decidir como decidiu, sem que antes tivesse levado a cabo a diligência processual a que se encontrava estritamente obrigado a designar.
Assim, os autos serão remetidos à 1ª instância com vista à oportuna designação da audiência prévia que obrigatoriamente terá lugar, em estrita observância do disposto no artigo 591º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Procede, portanto e nesta medida, a presente apelação.
O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.
2 – Conhecimento prejudicado das restantes questões suscitadas nos autos. 
Face à decisão supra, fica prejudicado o conhecimento de todas as questões suscitadas nos autos.

  IV - DECISÃO: 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, anulando-se a decisão recorrida e ordenando que o juiz a quo proceda à oportuna designação da audiência prévia, nos precisos termos do artigo 591º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Custas pelos apelados (que deduziram oposição à presente apelação).
 
Lisboa, 20 de Dezembro de 2018.

Luís Espírito Santo
Conceição Saavedra
Cristina Coelho