Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2548/12.5TJLSB.L1-1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: COMPROPRIEDADE
DESPESAS
REEMBOLSO
RELAÇÃO MATRIMONIAL
PRINCIPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. As relações jurídicas que se estabelecem entre comproprietários inerentes ao cumprimento dos encargos devidos pela, ou por causa, da coisa comum, são de natureza meramente obrigacional, por conseguinte se um deles cumpre na totalidade a obrigação comum, fica detentor de um direito de crédito sobre o consorte na medida da contribuição deste, que pode exercer em juízo através dos meios processuais comuns.

II. A existência de uma relação matrimonial posterior, só por si, não evidencia de forma inquestionável que o autor tenha criado na ré a expetativa da eximir das suas responsabilidades anteriores ao casamento, assumindo-as plenamente, e muito menos as obrigações vencidas após o divórcio.

III. O artigo 6.º do atual CPC, invocado pelo apelante, que consagra o dever de gestão processual, ainda que nele se possa inserir um princípio de economia processual, não pode ser interpretado no sentido de permitir o desrespeito por outras normas, processuais ou substantivas, que impõem regras sobre o modo como se procede à partilha de bens.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

A.C. intentou, em …/…/…, ação declarativa condenatória, sob a forma sumária, contra P.D., pedindo a sua condenação a pagar-lhe:

1. A quantia total vencida de 16.074,47 €, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento;

2. Metade das despesas e encargos, desde 01/03/2012 com:

(1) os empréstimos hipotecários contraídos em comum;

(2) os prémios de seguros, de vida e multirrisco habitação;

(3) o condomínio do imóvel comum;

(4) os impostos relativos ao imóvel e os resultantes dos empréstimos comuns;

(5) as taxas cobradas aos proprietários do imóvel comum;

(6) o imóvel pelo fornecimento de água e saneamento, cobradas atualmente pelas …;

(7) a comissão que será devida à imobiliária que angariar/intermediar a venda do imóvel comum;

(8) as comissões e despesas bancárias devidas em caso de pagamento antecipado dos empréstimos comuns, tudo desde …/…/… até à extinção das responsabilidades comuns, a liquidar a final através do respetivo incidente de liquidação, nos termos dos artigos 378.º, n.º 2 e 661.º, n.º 2, ambos do Código de Processo.

Alega, para tanto, e em suma, que as partes adquiriram, no estado de solteiros, e em partes iguais, uma fração autónoma.

Para pagamento do respetivo preço, as partes contraíram mútuo junto de instituição bancária.

Antes de contraírem casamento e após ser decretado o divórcio, suportou integralmente o pagamento de despesas relativas ao imóvel, pretendendo a condenação da ré a ressarci-lo na medida da sua quota-parte de responsabilidade.

Citada, veio a ré contestar, alegando, em súmula, inexistir o direito do autor, porquanto desde data muito anterior ao casamento viviam em economia comum, como se de cônjuges se tratasse, pagando todas as aquisições com recurso a meios económicos de ambos.

Alega, ainda, ter contribuído de igual forma para os encargos da vida comum.

Notificado, o autor veio apresentar articulado de resposta.

Foi proferido despacho saneador, com dispensa de elaboração da base instrutória.

Realizou-se audiência de julgamento.

Foi proferida sentença, em …/…/…,  que julgou a ação parcialmente procedente, e em consequência, condenou a ré a pagar ao autor, as seguintes quantias:

“1. A quantia de €5.579,04, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da presente decisão e até integral pagamento;

2. O valor correspondente a metade das despesas e encargos, desde …/…/… com: (1) os empréstimos hipotecários contraídos em comum; (2) os prémios de seguros, de vida e multirisco habitação; (3) o condomínio do imóvel comum; (4) os impostos relativos ao imóvel e os resultantes dos empréstimos comuns; (5) as taxas cobradas aos proprietários do imóvel comum; (6) o imóvel pelo fornecimento de água e saneamento, cobradas atualmente pelas Águas da Região de …; (7) a comissão que será devida à imobiliária que angariar/intermediar a venda do imóvel comum; (8) as comissões e despesas bancárias devidas em caso de pagamento antecipado dos empréstimos comuns, tudo desde …/…/… até à extinção das responsabilidades comuns, a liquidar a final através do respetivo incidente de liquidação.”

Inconformados, apelaram as partes, apresentando as alegações que abaixo se transcrevem.

Foram apresentadas contra-alegações nos dois recursos.

Conclusões da apelação (do autor A.C.):

1.ª) A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao deduzir 10.000,00 € ao montante pago pelo Autor no total de 28.753,60 €, não considerando a prova por confissão da Ré, constante do art. 8.º da contestação, de que os dois empréstimos foram contraídos, em comum e partes iguais, por A. e R., para a aquisição do imóvel melhor identificado no art. 1.º da petição inicial, confissão que é aceite especificadamente, ao abrigo do art. 46.º do CPC.

2.ª) As despesas diversas de 10.000,00 € relacionadas com o imóvel não foram discriminadas na petição inicial pelo Autor (Cfr. art. 4.º da p.i.), nem impugnadas pela Recorrida.

3.ª) Os 10.000,00 € foram utilizados para pagamentos de despesas relacionadas com a aquisição do imóvel (obras/alterações solicitadas ao construtor) não discriminadas, mas aceites pela Ré (Cfr. art. 8.º e 9.º da contestação), sendo que do Doc. n.º 6, junto com a petição inicial, há prova que, desde logo um cheque de 7.500,00 € foi debitado na data da concessão do empréstimo, e não destinado às despesas posteriores, o que atesta que os 10.000,00 € não se destinaram às despesas dadas como provadas no art. 12.º dos factos provados.

4.ª) Face à confissão da Ré, ora Recorrida, constante do art. 8.º da contestação, deverá ser considerado como provado que “Os empréstimos acima mencionados foram contraídos para a aquisição, em comum e partes iguais, por A. e R., do imóvel melhor descrito e identificado em 1.º da petição inicial.”, pelo que se verifica um erro de julgamento ao deduzir os 10.000,00 € às quantias pagas pelo Recorrente e melhor identificadas no art. 12.º dos factos provados, o que em termos de decisão recorrida, determinou uma redução indevida de 10.000,00 €, que se traduz na redução de 5.000,00 € no direito de crédito do Recorrente, e confere um benefício injustificado para a Ré, de igual montante.

5.ª) Aos 28.753,60 € pagos pelo Recorrente, apenas haveria que deduzir os 2.800,00 € que a Recorrida creditou na conta utilizada pelo Recorrente para as despesas, o que significa que o direito de crédito do Recorrente, correspondente à metade das despesas com o imóvel e aquisição de mobiliário, era de 12.976,80 € (28.753,60 € - 2.800,00 € = 25.953,60 € : 2 = 12.976,80 €) , e não apenas os 6.576,80 €, referidos na pág. 19 da sentença.

6.ª) É igualmente indevida a dedução ao direito de crédito do Autor do montante de 997,76 €, em benefício da Ré, correspondente a 50% do IRS restituído respeitante aos anos de 2002 e de 2003, na medida em que a Ré, ora Recorrida, apenas contribuiu para tal restituição com 364,87 € (178,32 € + 186,55 €), correspondente ao IRS que lhe foi retido em 2002 e 2003, e que apenas representava 5% do total do IRS retido.

7.ª) O Recorrente entende que houve erro de julgamento ao atribuir à Recorrida um benefício de 997,76 €, correspondente a 50% do IRS restituído, quando na realidade a sua comparticipação foi 5%, violando assim a sentença recorrida o princípio constitucional da igualdade, plasmado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa.

8.ª) Ao direito de crédito do Recorrente no montante de 12.976,80 €, o máximo que poderia ter sido deduzido era de 364,87 €, uma vez que a Ré não receberia de restituição do IRS mais do que o IRS que lhe foi retido, pelo que se assim for entendido, deverá a sentença recorrida ser revogada na parte em que deduziu 10.000,00 € e 997,76 €, e reconhecido o direito de crédito do Autor de 12.611,93 €.

9.ª) A sentença recorrida ao não fundamentar de facto e de direito, a razão para não condenar a Ré no pagamento de juros de mora desde a data da citação, violou os artigos 798.º, 799.º e 805.º, n.º 1 do Código Civil, e ainda o art. 154.º da CPC, e gerou uma nulidade da sentença, nos termos do art. 615, n.º 1, al. b), do CPC, pois decidiu condenar no pagamento de juros de mora apenas desde a data da sentença e não desde a data da citação tal como tinha sido peticionado e conforme resulta da previsão do art. 805.º, n.º 1, do Código Civil.

10.ª) Na sentença recorrida é reconhecido o direito de crédito do Autor relativamente à metade inicialmente adquirida pela Ré, e paga apenas pelo Autor, mas não é reconhecido o direito de crédito correspondente à outra metade de que a Ré se apropriou, sem o consentimento do Autor.

11.ª) A Ré instaurou acção de divisão de coisa comum relativamente ao imóvel, mas como já não dispõe dos móveis, que não poderão ser divididos, nem vendidos, não os incluiu no Proc. n.º …, que corre termos em …, no Juízo de Média e Pequena Instância Cível, da Comarca ….

12.ª) Ao abrigo do princípio da economia processual, actualmente incorporado no art. 6.º do Código Civil, o direito de crédito do Recorrente, no montante de 1.931,32 €, correspondente à metade do valor que excede a quota-parte adquirida inicialmente pela Ré, deverá ser reconhecido nos presentes autos, tal como peticionado, sem necessidade de instaurar processo autónoma para obter tal resultado, e acrescer ao montante de 12.611,93 €.

Assim, com o douto suprimento, deverá:

a) a sentença recorrida ser revogada na parte em que não atendeu à prova por confissão da Ré, vertida no art. 8.º da contestação, e deduziu indevidamente 10.000,00 € ao total das despesas suportadas pelo Recorrente e, em violação do princípio da igualdade, deduziu ao direito de crédito do Autor mais 997,76 € referentes a reembolso de IRS não devido à Ré, reduzindo o direito de crédito do Autor de 12.611,93 €, para 5.579,04 €, em benefício injustificado da Ré;

b) ser conhecida a nulidade da sentença, por falta de fundamentação, relativamente ao início da contagem dos juros de mora, que deveria ser desde a data da citação e não apenas desde a data da sentença;

c) conhecida a violação do princípio da economia processual ao não ser reconhecido o direito de crédito resultante da apropriação do mobiliário pela Ré, para além da sua quota-parte, e

d) substituída a decisão do ponto 1. da sentença recorrida por acórdão que condene a Recorrida no pagamento ao Recorrente de 12.611,93 €, acrescido de 1.931,32 € referente ao direito de crédito pela apropriação do mobiliário, no total de 14.543,25 €, e de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da citação, até integral pagamento, mantendo-se a condenação da Ré constante do ponto 2. da decisão da sentença, fazendo assim a costumada JUSTIÇA!

Conclusões da apelação (da ré P.D.):

1ª) No ponto 8º dos factos dados como provados, considera o Tribunal a quo assente que: os créditos dos empréstimos e das despesas comuns foram, respectivamente, creditados e debitados na conta bancária nº …, de que o Autor e Ré já eram titulares junto da …, desde …/…/…, com o NIB ... – o que é absolutamente correcto, face aos documento junto aos autos por esta instituição bancária (actualmente incorporada no Banco …), que constam de fls. 588 e seguintes dos autos (fls. 588 a 595) – existindo, assim, uma contradição (e uma incorrecção) neste ponto da matéria de facto, quando, de seguida, ali se afirma que “ face às obrigações contraídas em 29/01/2003, a Ré passou a constar como segunda titular “, no que se afigura um manifesto lapso de escrita.

Com efeito

2ª) Face ao teor dos documentos de fls. 588 a 595 dos autos, dúvidas não há de que tanto o Autor como a Ré foram ambos, ab initio, titulares da aludida conta nº … do C… (depois … – cfr. ponto 10º da matéria de facto),

3ª) Tendo sido, efectivamente, nessa conta creditados os empréstimos contraídos por Autor e Ré em Janeiro de 2003 – nos valores de 82.301,65 € e de 10.000,00 €, respectivamente (cfr. pontos 2º, 3º, 4º e 5º da matéria de facto), perfazendo, deste modo, um total de 92.301,65 €, a ambos pertencentes.

4ª) Termos em que se deverá eliminar do ponto 8º da matéria de facto provada as seguintes expressões: “ face às obrigações contraídas em …/…/…, a Ré passou a constar como segunda titular “.

5ª) Não é, assim, correcto quanto vem no ponto 12º da matéria de facto provada – devendo, em conformidade, ser este ponto rectificado – na medida (e na parte) em que ali se afirma que: desde …  e até à data do casamento (…/…/…) e após o divórcio (desde …/…/…) foram debitadas na conta bancária nº …, titulada pelo Autor, devendo passar a constar: titulada pelo Autor e pela Ré.

Por último, no que toca à matéria de facto

6ª) Com o seu requerimento probatório, remetido aos autos em … de … de …, constante de fls. dos mesmos, requereu a Ré a junção, designadamente, de: a) Uma cópia digitalizada do cheque nº … sacado sobre a conta nº … do então …, actual …– conta esta cuja primeira titular era a aqui R. mas co-titulada, à data, pelo aqui A. – emitido à ordem da sociedade comercial … (cfr. doc. 1 da pi), datado de 29 de Outubro de 2002, no valor de 2.500 € (dois mil e quinhentos euros), comprovativo do pagamento efectuado pela R. do sinal acordado com a mencionada sociedade, aquando da outorga do contrato-promessa de compra e venda do imóvel melhor identificado em 1º da petição inicial – documento que se destina à prova da matéria de facto alegada, designadamente, em 24º 53º, 54º, 56º, 57º, 58º, 60º, 61º, 65º, 79º, 80º, 81º, 84º da contestação e contraprova da matéria de facto alegada em 9º e 14º da petição.

7ª) Notificado, no mesmo dia, por via electrónica, do teor deste requerimento e documento, não o impugnou o A., desta forma aceitando um e outro.

8ª) Termos em que, porque relevante para a boa decisão da causa – mesmo que se considerado meramente instrumental – não poderia o Tribunal a quo ter deixado de considerar provado quanto ali se afirmava (e comprovava), decidindo em consequência.

9ª) Termos também em que se deverá considerar provado – e, nessa medida, aditado um novo ponto à matéria de facto provada - que: foi a Ré que em 29 de Outubro de 2002, aquando da outorga do contrato-promessa de compra e venda do imóvel melhor descrito no art. 1º da pi, procedeu ao pagamento da quantia de 2.500 € (dois mil e quinhentos euros) devidos a título de sinal à sociedade comercial … .

Da questão de direito

10ª) Resulta dos autos que, em 29 de Janeiro de 2003 Autor e Ré, então solteiros, compraram em comum e partes, um apartamento sito em …, …, melhor descrito no art. 1º da pi.

11ª) Na presente acção vem o A., designadamente, invocando a sua qualidade de comproprietário daquele imóvel – qualidade esta adquirida em virtude de contrato de compra e venda celebrados por ambos ainda no estado de solteiros – bem como o disposto no art. 1405º, nº 1 do Código Civil, pedir, o reembolso de quanto ( alegadamente ) dispendeu a mais do que a sua quota em termos de encargos com aquela coisa comum.

Ora

12ª) Estatui o art. 1405º, nº 1 do Código Civil que: “ os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertenecem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção as sua quotas e nos termos dos artigos seguintes “.

13ª) A questão está, pois, em saber o que são encargos com a coisa comum, que em que devam participar os comproprietários, em proporção das suas quotas.

14ª) Entende o Autor - no que é acompanhado pelo Tribunal de 1ª Instância – que constituem encargos da coisa comum – não só os impostos e taxas à mesma respeitantes, os fornecimentos de electricidade, água e gás do imóvel, as despesas de condomínio, como também as prestações e demais encargos decorrentes do empréstimo contraído para aquisição da coisa comum, os prémios de seguro multirriscos do imóvel e de vida dos mutuários, associados aquele empréstimo, as despesas com a escritura e registos (provisórios e definitivos) decorrentes da aquisição do imóvel, e ainda a comissão que será devida à imobiliária que angariar/intermediar a venda do imóvel comum e, por último, as comissões e despesas bancárias devidas em caso de pagamento antecipado dos empréstimos comuns.

15ª) Não é este o entendimento da R. – tal como não é este o entendimento da jurisprudência maioritária (cfr. entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de Junho de 2009; do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Março de 2010; do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Maio de 2012).

De facto

16ª) Uma coisa é a relação e as obrigações decorrentes, para Autor e para Ré, da sua qualidade de comproprietários de um imóvel, outra coisa, substancialmente diferente, é a relação decorrente da celebração, entre estes e aquela instituição bancária, de um contrato de mútuo – da sua qualidade de mutuários, portanto -, contrato este do qual decorrem obrigações não só entre os mutuários, mas entre estes e a instituição bancária mutuante (que não se discutem nos presentes autos).

Assim

17ª) Como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Março de 2010: “ o pagamento do mútuo ou os créditos que cada uma das partes se julgue detentora por via da eventual liquidação desse mútuo dizem respeito à relação contratual que possa ter sido estabelecida entre as partes, onde também se insere a entidade bancária que concedeu o mútuo “.

18ª) O pagamento das prestações do empréstimo não só não configura pagamento do preço da coisa adquirida em compropriedade (que ficou pago aquando da celebração da escritura de compra e venda), como não configura encargo com a mesma, mas apenas amortização do empréstimo contraído para pagamento daquele preço – cfr. acórdãos já citados, e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Maio de 2012, nota 17.

19ª) De igual modo não se pode dizer que as despesas decorrentes da aquisição da coisa comum – nomeadamente aquelas efectuadas previamente à sua aquisição, quando, em bom rigor, ainda nem sequer existe compropriedade – se enquadrem no conceito de encargos com a coisa comum, tal como os define o art. 1405º, nº 1 do Código Civil.

20ª) Daí que, no cômputo do reembolso solicitado pelo Autor, nos termos e comos fundamento por ele aduzidos na petição inicial, não se possam ser contabilizados nem os pagamentos da prestações do empréstimo contraído por Autor e Ré, nem os pagamentos dos prémios de seguro decorrentes da celebração daquele empréstimo, ou sequer as despesas com a aquisição do imóvel comum (pelo menos aquelas prévias a tal aquisição).

21ª) Decidindo em sentido diferente, violou a douta sentença recorrida o disposto no art. 1405º, nº 1 do Código Civil, tal como violou o disposto nesta norma legal na parte – e na medida - em que condena a Ré a pagar ao Autor o valor correspondente a metade das despesas e encargos, desde 1 de Março de 2012, não só com os já mencionados empréstimos hipotecários contraídos em comum; prémios de seguros, de vida e multirisco habitação e ainda da comissão que será devida à imobiliária que angariar/intermediar a venda do imóvel comum (?!), bem como as comissões e despesas bancárias devidas em caso de pagamento antecipado dos empréstimos comuns (?!).

23ª) Como se afigura evidente, também estas duas últimas (hipotéticas e eventuais) despesas não configuram encargos com a coisa comum, nos termos do disposto no art. 1405º, nº 1 do Código Civil.

Sem conceder

24ª) Nos termos do artigo 334º do Código Civil, “ é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito “.

25ª) Para que se verifique este abuso de direito na modalidade de “ venire contra factum próprio “ é, pois, necessário que exista: “ um comportamento anterior, suficientemente inequívoco/concludente no seu conteúdo, da parte que exerce o direito que seja susceptível de gerar uma situação objectiva de confiança no destinatário ( parte contrária ); depois, uma actuação deste destinatário, objectivamente justificada, baseada na boa fé e na confiança gerada por aquele comportamento; finalmente, um comportamento posterior (actual) daquele primeiro declarante, objectivamente contraditório com o inicialmente manifestado “ – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de Março de 2011.

26ª) Compulsados os autos e quanto resultou provado em audiência de julgamento, poucas dúvidas se oferecem de que se encontram verificados todos estes pressupostos.

Com efeito

27ª) Autor e Ré iniciaram um relacionamento amoroso em …, que se foi aprofundando e no qual ambos investiram, tanto emocional como patrimonialmente, tendo em vista um projecto de vida em comum, projecto de vida em comum este que se veio a concretizar com o casamento entre ambos, ocorrido em … de ….

28º) Foi, assim, na expectativa deste seu casamento que Autor e Ré adquiriram em comum bens móveis e um imóvel, comparticipando na aquisição dos mesmos na medida das respectivas possibilidades,

29º) Sendo certo que, no período que antecedeu o seu casamento eram ambos co-titulares de diversas contas bancárias em diversas instituições bancárias, que movimentavam livremente a crédito e a débito, desta forma satisfazendo, indiferentemente com dinheiros de um ou de outro, necessidades próprias ou pessoais de cada um ou comuns, não tendo sido possível apurar, concretamente, em que medida tal acontecia.

30º) Com o pedido formulado na presente acção frusta, assim, o Autor, a expectativa criada na ( e a confiança nele depositada pela ) Ré, de que iria ter com o mesmo uma vida em comum – expectativa esta materializada e concretizada aquando do seu casamento - e que, por esse motivo, este nunca lhe solicitaria aquilo com que, na parte excedente à sua quota, teria comparticipado no património e encargos comuns, enquanto solteiros.

31ª) O pedido do Autor – no tocante às despesas e encargos comuns anteriores ao seu casamento com a Ré - integra, assim, uma situação de abuso de direito e como tal deverá ser reconhecida (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Janeiro de 2011).

32ª) Não o tendo feito, violou a douta sentença recorrida o disposto no art. 334º do Código Civil.

Ainda e sempre sem conceder

33ª) Aceitando como boa a tese do Autor – ou seja, de que os encargos com as prestações do empréstimo relativo ao mútuo contraído para a aquisição do imóvel comum, com os prémios dos seguros impostos pela instituição bancária e com as despesas de aquisição do imóvel se enquadram no conceito de encargos com a coisa comum, tal como o configura o art. 1405º, nº 1 do Código Civil, procura a Douta Magistrada do Tribunal a quo, averiguar em que medida Autor e Ré comparticiparam em tais encargos e em tais despesas, para concluir dever ser-lhe reconhecido, designadamente, o direito a compensação, a título de enriquecimento sem causa, no valor de 5.579,04 €. Ora

34ª) Salvo o devido respeito por melhor entendimento, nunca o poderia ter feito, uma vez que não se encontram verificados os pressupostos deste instituto: o enriquecimento da pessoa obrigada à restituição; o correspondente empobrecimento de outrem, ou seja, o locupletamento à custa alheia; a inexistência de causa justificativa dessa deslocação patrimonial.

Assim

35ª) Encontrando-se por demonstrar este (indispensáveis) pressupostos, viola o douta decisão recorrida o disposto no art. 473º do Código Civil, quando condena a Ré ao pagamento daquela quantia com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.

Por último (e sempre sem conceder)

36ª) Há, de todo o modo, falhas relevantes no raciocínio da Ilustra Magistrada do Tribunal de 1ª Instância, bem como nas contas que faz.

A saber

37ª) Afirma-se na sentença recorrida que “ a soma das despesas debitadas na conta de que era primeiro titular o autor foi no valor total de 28.753,60 € “.

38ª) Ora, deste montante, 12.072,02 € ( cfr. pontos vi, vii, ix, xii, xiii, xv, xxvi, xxxiii, xxxvi, xxxix, xIi, xIviii, Ivi, Iviii, Ixxi, Ixxvi e Ixxvii do ponto 12º dos factos provados) correspondem a dinheiro dispendidos com a aquisição em comum dos bens móveis que integravam o recheio do imóvel também comum.

39ª) Sucede que, quanto a estes (bens móveis) se conclui – e muito bem – na douta sentença recorrida que não haverá, nesta sede, quaisquer contas a prestar, podendo e devendo o Autor, caso pretenda a sua divisão, intentar para o efeito pertinente acção (de divisão de coisa comum)

40ª) Termos em que, aquele valor, haveria sempre de ser subtraído o do preço dos móveis: a saber, 12.072,02 €

Mais

41ª) Afirma-se na sentença recorrida que, se a Ré contribuiu para a aquisição da viatura Suzuki Baleno, adquirida em compropriedade com o Autor, com a quantia de 11.474,20 €, já este teria comparticipado não só com a quantia de 6.544,47 €, como também com o valor da viatura, sua propriedade, entregue aquando de tal aquisição, como pagamento em espécie – o que não é verdade!

De facto

42ª) Aquele valor de 6.544,47 € corresponde à soma de todas as prestações pagas pelo Autor, sendo a primeira no valor de 293.000$00 e as seguintes no valor de 55.133$00 (cfr. ponto 22º da factos provados).

Ora

43ª) Como é sabido, quando existe uma entrega em espécie (no caso, a retoma do …) esta entrega é considerada e contabilizada na primeira prestação – de onde a diferença de valor entre esta primeira prestação e as subsequentes.

44ª) Ao considerar que o Autor pagou as primeira e as subsequentes prestações do preço do automóvel, até à liquidação antecipada do contrato pela Ré, momento em que paga esta a quantia de 11.474,20 €, e ao considerar que para além daquele pagamento, ainda entregou o seu automóvel como pagamento em espécie, contabilizou a Magistrada Judicial do tribunal a quo, por duas vezes, o mesmo valor – o do automóvel dado em troca pelo Autor.

45ª) Termos em que, rectificadas as contas a que procedeu a Ilustre Magistrada da 1ª Instância, bem como atento tudo quanto supra se deixa exposto, se chegará facilmente à conclusão de que a ré nada deve ao autor, devendo, pois, ser absolvida do pedido, assim se fazendo JUSTIÇA!

 

II- FUNDAMENTAÇÃO

A- Objeto dos Recursos

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

- Nos dois recursos, se deve ser alterada a decisão de facto.

- Na apelação do autor: se ocorreu erro de julgamento quanto à dedução de 50% do valor do reembolso do IRS; desde quando são devidos os juros de mora e nulidade da sentença por falta de fundamentação do decidido; se foi violado o princípio da economia processual por não ser reconhecido o direito de crédito peticionado em relação aos móveis.

- Na apelação da ré: se ocorreu erro de julgamento na definição do que sejam encargos com a coisa comum; se o autor agiu com abuso de direito; se estão preenchidos os pressupostos do enriquecimento sem causa; se foram incluídos indevidamente valores no cômputo da responsabilidade da ré.

B- De Facto

A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:

1.º Em …/…/…, Autor e Ré, ambos no estado de solteiros, compraram em comum e partes iguais, pelo preço de 82.301,65 €, a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, destinada a habitação, pertencente ao prédio urbano sito em …, Lotes … e …, da freguesia de …, concelho de …, inscrita na matriz respetiva sob o artigo ..-A, e descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ..-A, da mencionada freguesia de …, conforme escritura de compra e venda, de …/…/…, lavrada no Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º …, de fls. .., do Cartório Notarial de ….

2.º Para pagamento do preço da compra, em …/…/…, Autor e Ré contraíram comum e partes iguais, solidariamente, empréstimo bancário no montante de 82.301,65 €, junto da então existente Companhia Geral de …, S.A., atualmente integrado no Banco …, S.A.

3.º O referido empréstimo de 82.301,65 €, ficou titulado no documento particular de 29/01/2003, identificado como “Contrato n.º … (COM HIPOTECA E FIANÇA)”, assinado por Autor e Ré, no qual se confessaram devedores e se obrigaram a pagar durante o prazo de 30 anos.

4.º Para despesas diversas relacionadas com o imóvel, Autor e Ré contraíram em comum, também em 29/01/2003, outro empréstimo no montante de 10.000,00 €, junto da então existente Companhia Geral de …, S.A., atualmente integrado no Banco …, S.A.

5.º O referido empréstimo de 10.000,00 €, ficou titulado no documento particular de …/…/…, identificado como “Contrato n.º … (COM HIPOTECA E FIANÇA)”, assinado por Autor e Ré, no qual ambos se confessaram devedores e se obrigaram a pagar durante o prazo de 30 anos.

6.º Autor e Ré casaram sem convenção antenupcial, em …/…/….

7.º Autor e Ré divorciaram-se por mútuo consentimento, em …/…/…, na Conservatória do Registo Civil de ….

8.º Os créditos dos empréstimos e das despesas comuns foram, respetivamente, creditados e debitados na conta bancária n.º …, de que o Autor e ré já eram titulares junto da Companhia Geral …, S.A., desde 29.10.2002, com o NIB …, e que face às obrigações contraídas em …/…/…, a Ré, passou a constar como segunda titular.

9.º É na conta bancária com o NIB …, que são creditados mensalmente a retribuição e demais receitas do Autor.

10.º Com a aquisição/incorporação da Companhia Geral …, S.A. no Banco …, a conta bancária n.º … passou a ter o NIB …, mantendo-se na mesma os créditos mensais provenientes da retribuição auferida pelo Autor e as obrigações contraídas nos mencionados empréstimos.

11.º A Ré era titular da conta bancária aberta no Banco …, com o NIB …, na qual eram creditadas as respetivas retribuições.

12.º Desde … de … e até à data do casamento (…/…/…) e após o divórcio (desde …/…/…) foram debitadas na conta bancária n.º …, titulada pelo autor:

i. Em 24/01/2003, a quantia de 370,97 €, referente das taxas de registos provisórios;

ii. Em 24/01/2003, a quantia de 1.054,28 €, referente ao Imposto de SISA;

iii. Em 24/01/2003, a quantia de 28,25 €, referente a certidão do registo predial após os registos provisórios necessária para a outorga da escritura de compra e venda do imóvel;

iv. Em 29/01/2003, a quantia de 1.186,53 € (954,17 € + 232,36 €), referente a despesas de conversão dos registos provisórios, impostos, comissões e despesas cobrados pela entidade bancária pelos empréstimos contraídos;

v. Em 31/01/2003, a quantia de 904,82 €, referente a despesas/emolumentos da escritura de compra e venda do imóvel comum;

vi. Em 03/02/2003, as quantias de 498,80 € e de 332,70 €, referente a despesas com a aquisição de mobiliário de cozinha (mesa e cadeiras) e aspirador, adquiridos à Superlojas JOM, pagos respetivamente por Cheque n.º … e por transferência bancária;

vii. Em 05/02/2003, a quantia de 2.200,00 €, referente a mobiliário, pago pelo cheque n.º ..;

viii. Em 06/02/2003, a quantia de 26,27 €, paga ao S.. de …, através do cheque n.º ..

ix. Em 27/02/2003, a quantia de 80,52 €, referente ao preço com a aquisição de varões para cortinas para o imóvel comum, paga através do cheque n.º …

x. Em 28/02/2003, a quantia de 442,52 € (392,92 € + 48,66 € + 0,94 €), referente à 1.ª prestação dos empréstimos bancários;

xi. Em 05/03/2003, a quantia de 19,95 €, relativa a eletricidade;

xii. Em 10/03/2003, a quantia de 172,45 €, referente a acessórios diversos de casa de banho, pagos através do cheque n.º …;

xiii. Em 11/03/2003, a quantia de 47,50 €, referente ao preço de compra de cortinas para o imóvel comum, paga através do cheque n.º…;

xiv. Em 12/03/2003, a quantia de 25,23 € (22,49 € + 2,74 €), referente ao seguro de Fevereiro de 2003, associado aos empréstimos;

xv. Em 17/03/2003, a quantia de 475,52 €, referente a móvel de casa de banho, pago através do cheque n.º ….;

xvi. Em 19/03/2003, a quantia de 25,23 € (22,49 € + 2,74 €), referente ao seguro de Março de 2003, associado aos empréstimos

xvii. Em 31/03/2003, a quantia de 441,58 € (392,92 € + 48,66 €), referente à 2.ª prestação dos empréstimos bancários;

xviii. Em 02/04/2003, a quantia de 19,95 €, relativa a eletricidade;

xix. Em 17/04/2003, a quantia de 25,23 € (22,49 € + 2,74 €), referente ao seguro de Abril de 2003, associado aos empréstimos;

xx. Em 29/04/2003, a quantia de 441,58 € (392,92 € + 48,66 €), referente à 3.ª prestação dos empréstimos bancários;

xxi. Em 05/05/2003, a quantia de 19,95 €, relativa a eletricidade;

xxii. Em 19/05/2003, a quantia de 25,23 € (22,49 € + 2,74 €), referente ao seguro de Maio de 2003, associado aos empréstimos;

xxiii. Em 29/05/2003, a quantia de 441,58 € (392,92 € + 48,66 €), referente à 4.ª prestação dos empréstimos bancários;

xxiv. Em 03/06/2003, a quantia de 19,95 €, relativa a eletricidade ;

xxv. Em 20/06/2003, a quantia de 25,23 € (22,49 € + 2,74 €), referente ao seguro de Junho de 2003, associado aos empréstimos;

xxvi. Em 30/06/2003, a quantia de 441,58 € (392,92 € + 48,66 €), referente à 5.ª prestação dos empréstimos bancários ;

xxvii. Em 01/07/2003, a quantia de 300,00 €, referentes ao preço de compra de grades e fechos para portas e janelas do imóvel comum, paga através do cheque n….

xxviii. Em 08/07/2003, a quantia de 19,95 €, relativa a eletricidade;

xxix. Em 08/07/2003, a quantia de 800,00 €, relativa a sinal do preço de compra dos móveis da sala – ...

, paga através do cheque n.º …;

xxx. Em 17/07/2003, a quantia de 25,23 € (22,49 € + 2,74 €), referente ao seguro de Julho de 2003, associado aos empréstimos

xxxi. Em 28/06/2003, a quantia de 60,85 €, respeitante aos serviços de ativação do contrato de fornecimento de gás e respetivo consumo, de …/…/… a …/…/…;

xxxii. Em 29/07/2003, a quantia de 443,46 € (393,86 € + 49,60 €), referente à 6.ª prestação dos empréstimos bancários;

xxxiii. Em 29/07/2003, a quantia de 1.873,90 €, referente à parte restante do preço do mobiliário da sala – ..., paga através do cheque n.º …;

xxxiv. Em 05/08/2003, a quantia de 19,95 €, relativa a eletricidade;

xxxv. Em 12/08/2003, a quantia de 50,00 €, referente a despesas cobradas pelo Banco por conversão de registos;

xxxvi. Em 12/08/2003, a quantia de 35,56 €, referente a acessórios de casa de banho para o imóvel comum, paga através do cheque n.º …;

xxxvii. Em 20/08/2003, a quantia de 25,23 € (22,49 € + 2,74 €), referente ao seguro de Agosto de 2003, associado aos empréstimos;

xxxviii. Em 29/08/2003, a quantia de 411,11 € (365,16 € + 45,95 €), referente à 7.ª prestação dos empréstimos bancários;

xxxix. Em 01/09/2003, a quantia de 233,50 €, referente a sinal do preço de aquisição de mobiliário ..., melhor identificado na Nota de Encomenda n.º .., de 31/08/2003;

xl. Em 02/09/2003, a quantia de 19,95 €, relativa a eletricidade;

xli. Em 13/09/2003, a quantia de 92,90 €, referente ao preço de cortinas para o imóvel comum, paga através do cheque n.º … ;

xlii. Em 18/09/2003, a quantia de 25,23 € (22,49 € + 2,74 €), referente ao seguro de Setembro de 2003, associado aos empréstimos;

xliii. Em 25/09/2003, a quantia de 10,53 €, referente a gás;

xliv. Em 25/09/2003, a quantia de 10,98 €, paga aos ... de …;

xlv. Em 29/09/2003, a quantia de 411,09 € (365,16 € + 45,93 €), referente à 8.ª prestação dos empréstimos bancários;

xlvi. Em 07/10/2003, a quantia de 19,95 €, relativa a eletricidade;

xlvii. Em 17/10/2003, a quantia de 25,23 € (22,49 € + 2,74 €), referente ao seguro de Outubro de 2003, associado aos empréstimos;

xlviii. Em 25/10/2003, a quantia de 537,60 €, referente a sinal do preço de aquisição do mobiliário ..., melhor identificado na Nota de Encomenda n.º .., de 25/10/2003, paga através do cheque n.º …;

xlix. Em 29/10/2003, a quantia de 411,10 € (365,16 € + 45,94 €), referente à 9.ª prestação dos empréstimos bancários;

l. Em 04/11/2003, a quantia de 19,95 €, relativa à eletricidade;

li. Em 10/11/2003, a quantia de 11,06 €, paga aos S… de …;

lii. Em 19/11/2003, a quantia de 25,23 € (22,49 € + 2,74 €), referente ao seguro de Novembro de 2003, associado aos empréstimos;

liii. Em 26/11/2003, a quantia de 12,91 €, referente a gás;

liv. Em 02/12/2003, a quantia de 411,10 € (365,16 € + 45,94 €), referente à 10.ª prestação dos empréstimos bancários;

lv. Em 03/12/2003, a quantia de 19,95 €, relativa à eletricidade;

lvi. Em 03/12/2003, a quantia de 1.799,41 €, referente à parte restante do preço de aquisição do mobiliário ..., do qual 545,00 €, consta da Nota de Encomenda n…., de 31/08/2003, e 1.254,41 €, consta da Nota de Encomenda n.º …, de 25/10/2003;

lvii. Em 18/12/2003, a quantia de 25,23 € (22,49 € + 2,74 €), referente ao seguro de Dezembro de 2003, associado aos empréstimos;

lviii. Em 19/12/2003, a quantia de 1.189,48 €, de acessórios de casa de banho, paga através do cheque n.º …;

lix. Em 29/12/2003, a quantia de 411,11 € (365,16 € + 45,95 €), referente à 11.ª prestação dos empréstimos bancários;

lx. Em 06/01/2004, a quantia de 19,95 €, relativa à eletricidade;

lxi. Em 19/01/2004, a quantia de 25,23 € (22,49 € + 2,74 €), referente ao seguro de Janeiro de 2004, associado aos empréstimos;

lxii. Em 28/01/2004, a quantia de 19,53 €, referente a despesas de Condomínio do imóvel comum, paga através do cheque n.º …;

lxiii. Em 28/01/2004, a quantia de 14,96 €, referente a gás;

lxiv. Em 29/01/2004, a quantia de 411,10 € (365,16 € + 45,94 €), referente à 12.ª prestação dos empréstimos bancários;

lxv. Em 29/01/2004, a quantia de 10,26 €, paga aos ... de … através do cheque n.º …;

lxvi. Em 03/02/2004, a quantia de 19,95 €, relativa à eletricidade;

lxvii. Em 19/02/2004, a quantia de 25,44 € (22,68 € + 2,76 €), referente ao seguro de Fevereiro de 2004, associado aos empréstimos;

lxviii. Em 01/03/2004, a quantia de 411,09 € (365,16 € + 45,93 €), referente à 13.ª prestação dos empréstimos bancários;

lxix. Em 09/03/2004, a quantia de 11,06 €, paga aos S…S de …;

lxx. Em 18/03/2004, a quantia de 24,98 € (22,27 € + 2,71 €), referente ao seguro de Março de 2004, associado aos empréstimos;

lxxi. Em 23/03/2004, a quantia de 660,00 €, destinada ao sinal do preço de aquisição do mobiliário – …., melhor identificado na Nota de Encomenda n.º .., de 20/03/2004, pago através do cheque n.º …;

lxxii. Em 25/03/2004, a quantia de 14,64 €, relativa ao gás;

lxxiii. Em 29/03/2004, a quantia de 411,10 € (365,16 € + 45,94 €), referente à 14.ª prestação dos empréstimos bancários;

lxxiv. Em 08/04/2004, a quantia de 15,28 €, relativa à eletricidade;

lxxv. Em 19/04/2004, a quantia de 24,98 € (22,27 € + 2,71 €), referente ao seguro de Abril de 2004, associado aos empréstimos;

lxxvi. Em 20/04/2004, a quantia de 1.000,00 €, referente à parte do preço de aquisição do mobiliário A…, constante da Nota de Encomenda n.º …, de 20/03/2004;

lxxvii. Em 28/04/2004, a quantia de 542,25 €, referente à parte restante do preço de aquisição do mobiliário – A…., constante da Nota de Encomenda n.º …, de 20/03/2004;

lxxviii. Em 29/04/2004, a quantia de 417,94 € (365,16 € + 45,94 € + 6,84 €), referente à 15.ª prestação dos empréstimos bancários;

lxxix. Em 11/05/2004, a quantia de 15,28 €, relativa à eletricidade;

lxxx. Em 17/05/2004, a quantia de 10,26 €, paga aos ... de …;

lxxxi. Em 19/05/2004, a quantia de 24,98 € (22,27 € + 2,71 €), referente ao seguro de Maio de 2004, associado aos empréstimos;

lxxxii. Em 25/05/2004, a quantia de 8,35 €, relativo ao gás;

lxxxiii. Em 31/05/2004, a quantia de 417,94 € (365,16 € + 45,94 € + 6,84 €), referente à 16.ª prestação dos empréstimos bancários;

lxxxiv. Em 08/06/2004, a quantia de 15,28 €, relativa à eletricidade;

lxxxv. Em 17/06/2004, a quantia de 24,98 € (22,27 € + 2,71 €), referente ao seguro de Junho de 2004, associado aos empréstimos;

lxxxvi. Em 29/06/2004, a quantia de 417,94 € (365,16 € + 45,94 € + 6,84 €), referente à 17.ª prestação dos empréstimos bancários;

lxxxvii. Em 09/07/2004, a quantia de 15,28 €, relativa à eletricidade;

lxxxviii. Em 09/07/2004, a quantia de 10,06 €, paga aos S.. de …;

lxxxix. Em 19/07/2004, a quantia de 24,98 € (22,27 € + 2,71 €), referente ao seguro de Julho de 2004, associado aos empréstimos;

xc. Em 27/07/2004, a quantia de 12,91 €, relativo ao gás

xci. Em 29/07/2004, a quantia de 417,94 € (365,16 € + 45,94 € + 6,84 €), referente à 18.ª prestação dos empréstimos bancários;

xcii. Em 10/08/2004, a quantia de 15,28 €, relativa à eletricidade;

xciii. Em 20/08/2004, a quantia de 24,98 € (22,27 € + 2,71 €), referente ao seguro de Agosto de 2004, associado aos empréstimos;

xciv. Em 30/08/2004, a quantia de 424,13 € (370,65 € + 46,64 € + 6,84 €), referente à 19.ª prestação dos empréstimos bancários;

xcv. Em 08/09/2004, a quantia de 15,28 €, relativa à eletricidade;

xcvi. Em 17/09/2004, a quantia de 24,98 € (22,27 € + 2,71 €), referente ao seguro de Setembro de 2004, associado aos empréstimos;

xcvii. Em 22/09/2004, a quantia de 11,06 €, paga aos S.. de …;

xcviii. Em 29/09/2004, a quantia de 12,98 €, relativo ao gás;

xcix. Em 29/09/2004, a quantia de 424,12 € (370,65 € + 46,63 € + 6,84 €), referente à 20.ª prestação dos empréstimos bancários;

c. Em 12/07/2011, a quantia de 83,13 €, referente ao seguro multiriscos habitação, para o período de 21/07/2011 a 21/07/2012;

ci. Em 29/09/2011, a quantia de 371,09 € (328,99 € + 42,10 €), referente à 104.ª prestação dos empréstimos bancários;

cii. Em 29/09/2011, a quantia de 27,63 € (24,62 € + 3,01 €), referente ao seguro de Setembro de 2011, associado aos empréstimos;

ciii. Em 06/10/2011, a quantia de 12,67 €, relativa a eletricidade;

civ. Em …/…/…, a quantia de 9,06 €, paga às Águas da Região de …;

cv. Em 31/10/2011, a quantia de 371,09 € (328,99 € + 42,10 €), referente à 105.ª prestação dos empréstimos bancários;

cvi. Em 31/10/2011, a quantia de 27,54 € (24,54 € + 3,00 €), referente ao seguro de Outubro de 2011, associado aos empréstimos;

cvii. Em 09/11/2011, a quantia de 96,54 €, referente a despesas de Condomínio do imóvel comum, de Outubro de 2011 a Dezembro de 2011;

cviii. Em 18/11/2011, a quantia de 14,09 €, paga às ..da Região de …

cix. Em 29/11/2011, a quantia de 371,09 € (328,99 € + 42,10 €), referente à 106.ª prestação dos empréstimos bancários;

cx. Em 30/11/2011, a quantia de 27,46 € (24,47 € + 2,99 €), referente ao seguro de Novembro de 2011, associado aos empréstimos;

cxi. Em 29/12/2011, a quantia de 371,09 € (328,99 € + 42,10 €), referente à 107.ª prestação dos empréstimos bancários;

cxii. Em 29/12/2011, a quantia de 27,38 € (24,40 € + 2,98 €), referente ao seguro de Dezembro de 2011, associado aos empréstimos;

cxiii. Em 17/01/2012, a quantia de 12,89 €, paga às Águas da Região de …

cxiv. Em 30/01/2012, a quantia de 27,55 € (24,55 € + 3,00 €), referente ao seguro de Janeiro de 2012, associado aos empréstimos;

cxv. Em 30/01/2012, a quantia de 371,52 € (329,21 € + 42,31 €), referente à 108.ª prestação dos empréstimos bancários;

cxvi. Em 16/02/2012, a quantia de 2,95 €, paga às … da Região de …

cxvii. Em 21/02/2012, a quantia de 96,54 €, referente a despesas de Condomínio do imóvel comum, de Janeiro a Março de 2012;

cxviii. Em 28/02/2012, a quantia de 27,46 €, referente ao seguro de Fevereiro de 2012, associado aos empréstimos; e

cxix. Em 28/02/2012, a quantia de 368,73 €, referente à 109.ª prestação dos empréstimos bancários.

13.º A Ré transferiu para a conta com NIB …, de que era primeiro titular o autor, as seguintes quantias:

i. Em 07/08/2003, a quantia de 100,00 €;

ii. Em 06/11/2003, a quantia de 150,00 €;

iii. Em 13/02/2004, a quantia de 250,00 €;

iv. Em 09/03/2004, a quantia de 250,00 €;

v. Em 05/04/2004, a quantia de 200,00 €;

vi. Em 03/05/2004, a quantia de 200,00 €;

vii. Em 02/06/2004, a quantia de 200,00 €;

viii. Em 09/07/2004, a quantia de 250,00 €;

ix. Em 12/08/2004, a quantia de 300,00 €; e

x. Em 09/09/2004, a quantia de 900,00 €.

14.º Próximo da data do divórcio, em 09/09/2011, a Ré transferiu da conta bancária n.º.., no Banco …, S.A., para a sua conta no Banco …, com o NIB …, a quantia de 1.500,00 €.

15.º O imóvel não foi vendido nem partilhado.

16.º Em data que não se consegue precisar, mas próxima da data do divórcio, a Ré retirou do imóvel a maioria do recheio, sem que tivesse sido acordada qualquer divisão dos bens comuns com o Autor.

17.º A Ré, sem o conhecimento do Autor, retirou do imóvel o seguinte mobiliário:

i. Mesa e cadeiras de cozinha;

ii. Aspirador;

iii. Mobiliário .., constante da Nota de Encomenda n.º .., de 06/07/2003, adquirido pelo valor de 2.673,90 €;

iv. Mobiliário A.., constante da Nota de Encomenda n.º .., de 31/08/2003, adquirido pelo valor de 778,50 €; e

v. Mobiliário A.., constante da Nota de Encomenda n.º 1.., de 20/03/2004, adquirido pelo valor de 2.202,25 €.

18.º O Autor apenas ficou com o mobiliário que a Ré lhe deixou, nomeadamente, o constante da Nota de Encomenda n.º 1…, de 25/10/2003, adquirido pelo valor de 1.792,01 €

19.º Autor e ré apresentaram, relativamente aos rendimentos recebidos nos anos fiscais de 2002 e 2003, declarações fiscais para efeitos de tributação de IRS, como se vivessem em união de facto.

20.º Relativamente aos anos fiscais de 2002 e 2003, autor e ré receberam da administração fiscal, a título de reembolso, as quantias de €1.077,16; e €918,36; as quais foram creditadas na conta bancária identificada em 8º.

21.º Em 2001 autor e ré decidiram adquirir o veículo de marca S.., modelo B.., com a matrícula ….

22.º Para pagamento do preço do referido veículo, o autor entregou veículo de sua propriedade, de marca S…modelo S.., e celebrou em 02.08.2001 com sociedade financeira contrato de aluguer de longa duração, no qual foi previsto o pagamento de 61 alugueres mensais e sucessivos, sendo o primeiro no valor de Esc. 293.000$00 e os sessenta seguintes no valor de Esc.:55.133$00; estando ainda previsto o pagamento da quantia de Esc.25.250$00 a título de despesas de dossier.

23.º O autor pagou o primeiro aluguer e os subsequentes, até liquidação antecipada do contrato, tudo no valor de €6.544,47.

24.º A ré, para pagamento da quantia ainda em dívida relativa ao financiamento do veículo referido em 21º, entregou, mediante cheque datado de 30.11.2002, à entidade financiadora B.. F.. a quantia de €11.474,20; para liquidação antecipada do contrato.

25.º A conta sediada no Banco …, com o NIB …, aberta pela ré e da qual esta era a primeira titular, passou a ser também titulada pelo autor a partir de 10.08.2000, sendo movimentada a débito por ambos.

26.º A conta sediada no CPP e depois Banco …, S.A., com o NIB …e posteriormente o NIB …, era movimentada a débito por autor e ré.

27.º O móvel de casa de banho, comprado pelo valor de €475,52; e as grades e fechos de janelas, comprados pelo valor de €300,00; encontram-se incorporados no imóvel, não podendo ser retirados do mesmo.

III- DO CONHECIMENTO DOS RECURSOS
1. Da decisão sobre a matéria de facto:

Nas duas apelações, os apelantes pedem a alteração decisão de facto.

Começos, pois, por apreciar em conjunto essas questões, dada a sua precedência em relação às restantes.

Considera-se, ainda, que as impugnações deduzidas pelos apelantes quanto à decisão de facto se encontram abrangidas pelo disposto no artigo 640.º do NCPC (aplicável ao recurso considerando a data da prolação da sentença e as normas transitórias previstas nos artigos 5.º a 7.º, n.º1, e 8.º, da Lei n.º 41/2013, de 26/06).

1.1. Apelação do autor:

Pede o apelante que se considere também provado que “Os empréstimos acima mencionados foram contraídos para a aquisição, em comum e partes iguais, por A. e R., do imóvel melhor descrito e identificado em 1.º da petição inicial.

Para o efeito aduz as razões insertas nas primeiras cinco conclusões recursórias.

Analisada a questão, dir-se-á que não assiste qualquer razão ao apelante.

Foi o próprio autor, ora apelante, quem alegou que ele e a ré contraíram dois empréstimos bancários, um no valor de €82.301,65 para pagamento da aquisição do imóvel (artigos 1.º a 3.º da petição inicial), e outro, no valor de €10.000,00 destinado a pagar “despesas diversas relacionadas com o imóvel” (artigo 4.º da petição inicial), matéria esta que veio a ser tida como provada e que consta dos pontos 1.º a 4.º dos factos provados, dada como provada em face da documentação junta aos autos, não impugnada por parte da ré, conforme se pode ler na respetiva fundamentação.

Porém, contrariamente ao defendido pelo apelante, a ré não confessou no artigo 8.º da contestação, ou seja, que o empréstimo de €10.000,00 se destinava à aquisição do imóvel, pela simples razão que o autor não produziu tal alegação.

A ré, ao invés, contrariou a alegação do autor, alegando ela, sim, que os empréstimos (os dois) se destinavam à aquisição dos imóveis (artigo 8.º da contestação).

Porém, das duas versões apresentadas pelas partes, aquela que resultou provada foi a alegada pelo autor. Aliás, é a que também resulta da conjugação do teor dos documentos mencionados nos pontos 3.º e 5.º dos factos provados (juntos a fls. 34-53) constando, em relação ao primeiro (empréstimo para aquisição do imóvel), na sua cláusula 1.ª, que autora e réu solicitaram e obtiveram um empréstimo de €82.301,65 “para aquisição do imóvel”, enquanto no contrato referido em segundo lugar, na sua cláusula 1.ª, é referido que autora e réu solicitarem e obtiveram um empréstimo de €10.000,00 “que se destina a fazer face a compromissos financeiros” (sublinhado nosso), evidenciando, assim, estes documentos que, até perante a instituição bancária mutuante, os empréstimos tinham finalidades diferentes.

Ademais, o documento n.º 6 junto com a petição inicial (fls. 64 - extrato da conta bancária mencionada no ponto 9.º dos factos provados), embora mencione um débito no valor de €7.500,00, referente a um pagamento de cheque, em 29/01/203, daí não se extraí, em termos probatórios, qual o destino de tal quantia.

Improcede, pois, este segmento da apelação do autor. 

1.2. Apelação da ré:

a)- Defende a apelante que no ponto 8.º dos factos provados, na parte final onde se afirma “face às obrigações contraídas em …/…/…, a Ré passou a constar como segunda titular “, corresponde a manifesto lapso de escrita.

Tem razão a apelante.

Se o autor e ré já eram titulares da conta desde …/…/… (como está probatoriamente demonstrado nos autos através da documentação junta pela instituição bancária em causa – fls. 588-595), a ré não poderia passar a constar como segunda titular após …/…/…, por ter contraído obrigações nessa data.

Assim sendo, elimina-se do ponto 8.º dos factos provados o segmento “face às obrigações contraídas em …/…/…, a Ré passou a constar como segunda titular”, passando a sua redação a ser a seguinte:

“8.º Os créditos dos empréstimos e das despesas comuns foram, respetivamente, creditados e debitados na conta bancária n.º …, de que o Autor e ré já eram titulares junto da Companhia Geral …, S.A., desde ..., com o NIB … .”

b)- Na sequência da alteração acima referida, entende a apelante que deve ser aditado ao ponto 12.º dos factos provados o segmento “e pela ré”.

A redação do artigo 12.º dos pontos provados provém da alegação do autor constante do artigo 16.º da petição inicial, onde não consta a menção “titulada pelo autor”.

Sendo assim, e considerando que já resulta do ponto 8.º dos factos provados quem são os titulares dessa conta, irreleva o peticionado aditamento, eliminando-se, outrossim, a referência ao segmento “titulada pelo autor.”

Donde decorre que a redação do artigo 12.º dos factos provados passa a ser a seguinte:

“12.º Desde … de … e até à data do casamento (…/…/…) e após o divórcio (desde …/…/…) foram debitadas na conta bancária n.º …:”

c)- Pretende a apelante que se adite um novo facto provado pelas razões que aduz nas conclusões 6.ª a 9.ª, com a seguinte redação: “Foi a Ré que em … de … de …, aquando da outorga do contrato-promessa de compra e venda do imóvel melhor descrito no art. 1º da pi, procedeu ao pagamento da quantia de 2.500 € (dois mil e quinhentos euros) devidos a título de sinal à sociedade comercial ….”

Esta matéria não tem relevância para a decisão da presente lide porque o autor apenas pede o reembolso da quota-parte que competia à ré, e que ele suportou, relativa às despesas comuns, referentes ao período que vai de Janeiro de 2003 até à data do casamento (…/…/…) e após o divórcio (…/…/…), não abrangendo, assim, o período a que se reporta a apelante.

Acresce que a ré na contestação, nada alega sobre a matéria que agora pretende ver aditada, nem requereu, consequentemente, que fosse operada a compensação com a quantia agora mencionada.

Trata-se, assim, de questão nova que não cabe no objeto do presente recurso (artigos 627.º, n.º 1, 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC 2013).

Consequentemente, improcede este segmento da apelação.


2. Da decisão de mérito:

Os dois apelantes discordam da decisão de direito.

O autor/apelante suscita as seguintes questões:

a)- Dedução incorreta de 50% do valor restituído a título de IRS dos anos de 2002 e 2003;

b)- Condenação da ré em juros de mora desde a sentença (e não desde a citação), e nulidade da sentença por falta de fundamentação do decidido;

c)- Violação do princípio da economia processual por não ser reconhecido o direito de crédito peticionado em relação aos móveis.

Por sua vez, a ré/apelante suscita as seguintes questões:

a)- Os reembolsos pedidos pelo autor não configuram encargos com a coisa comum, nos termos do artigo 1405.º, n.º 1 do Código Civil;

b)- Abuso de direito por parte do autor;

c)- Não verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa;

d)- Inclusão indevida do valor dos móveis no cômputo dos valores pagos pelo autor;

e)- Contabilização indevida do valor dos móveis e, em dobro, do valor do veículo … ….

2.1. Conforme decorre da sintetização das questões suscitadas pelas partes, a relacionada na supra alínea a) da apelação da autora precede logicamente na análise das demais. Por sua vez, as demais questões da apelação da ré interligam-se com a primeira. Por essa razão, analisaremos em primeiro lugar a apelação da ré.

a)- Quanto aos encargos com a coisa comum:

Invoca a apelante nas conclusões recursórias 12.ª a 23.ª e, em síntese, que as amortizações do empréstimo, os pagamentos de seguro associados ao mesmo, as despesas de aquisição do imóvel, as comissões devidas pela mediação da venda do imóvel, e outras comissões e despesas devidas com a liquidação antecipada do empréstimo, não configuram encargos do imóvel suscetíveis de serem enquadrados na previsão do artigo 1405.º, n.º 1, do Código Civil.

Não tem qualquer razão na argumentação expendida.

Conforme decorre do artigo 1405.º, n.º 1 do Código Civil, os comproprietários (qualidade que assiste aos apelantes e que este nem sequer questionam) “exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular, e, separadamente, participam nas vantagens e nos encargos da coisa, na proporção das suas quotas e nos termos dos artigos seguintes.”

“Quer isto dizer que as vantagens proporcionadas pela coisa comum, assim como os encargos por ela determinados, serão repartidos entre os comproprietários de harmonia com a medida da fracção ideal de cada um deles no direito de propriedade sobre a sita coisa.”[1]

No que concerne à medida, nada tendo sido estipulado, como sucede no caso presente, as quotas dos comproprietários presumem-se iguais (artigo 1403.º, n.º 2 do Código Civil), e igual será, por isso, a sua participação nas vantagens e nos encargos.

As vantagens reportam-se a proventos ou proveitos que a coisa comum proporciona (por exemplo, frutos civis).

Os encargos, como o próprio nome indica, são ónus, normalmente, despesas que oneram os comproprietários, e que decorrem da existência do bem. Têm diversa índole e podem ir desde contribuições devidas ao Estado ou a outras entidades, a despesas relacionadas com a sua conservação, bem como despesas originadas com o pagamento da sua aquisição e outras associadas àquele ato, mormente quando a aquisição foi feita através de um empréstimo bancário, ao qual se encontram associadas outras obrigações contraídas nesse âmbito, como sejam, seguros de vida, multirrisco, etc.

A lei estabelece, pois, um princípio de comparticipação obrigatória e proporcional à quota-parte de responsabilidade a cargo dos comproprietários (a não ser que a comparte renuncie ao seu direito nos termos previstos na lei), que se encontra reiterado no artigo 1411.º do Código Civil a propósito das benfeitorias necessárias.

Não se afigura, assim, que seja juridicamente discutível defender-se que os reembolsos pedidos pelo autor, considerando as causas que os determinaram, e que se encontram sintetizadas nas várias alíneas do pedido, não sejam encargos com a coisa comum.

E sendo-o, coresponsabilizam a ora apelante na proporção correspondente a metade do valor despendido.

Tendo um deles pago valor superior à sua quota-parte, assiste-lhe o direito de reembolso a cargo da comparte e na medida da respetiva quota-parte da sua responsabilidade.

As relações jurídicas que se estabelecem entre comproprietários inerentes ao cumprimento dos encargos devidos pela, ou por causa, da coisa comum, são de natureza meramente obrigacional, por conseguinte se um deles cumpre na totalidade a obrigação comum, fica detentor de um direito de crédito sobre o consorte na medida da contribuição deste, que pode exercer em juízo através dos meios processuais comuns.

Não está, pois, em causa a relação que se estabelece entre os comproprietários/mutuários e o banco mutuante, no tocante ao pagamento das responsabilidades contraídas pelos contratos de mútuo, irrelevando a argumentação da apelante nesse sentido.

Conclui-se, assim, que pela improcedência deste segmento da apelação da ré.

b)- Quanto ao abuso de direito:

Invoca a apelante nas conclusões recursórias 24.ª a 32.ª que o autor age com abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, uma vez que, com o pedido formulado na presente ação, frustrou a expetativa que criou na ré, de que iriam ter uma vida em comum, que se materializou no casamento, e que, por essa razão, nunca lhe iria pedir a parte excedente à sua quota-parte de responsabilidade relativamente aos encargos comuns enquanto solteiros.

No que concerne aos pressupostos da aplicação do instituto do abuso de direito, dispõe o artigo 334.º do Código Civil:

“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Na raiz da ilegitimidade (melhor dizendo, da ilicitude[2]) da conduta está um comportamento contraditório com um outro assumido anteriormente, vulgarmente referenciado como um venire contra factum proprium, apesar de também poder assumir outras vertentes que para o caso se afiguram menos suscetíveis de aplicação, como sejam, a suppressio  ou verwirkung, tu quoque, o desequilíbrio no exercício, etc.

Em qualquer das modalidades referidas, o princípio da confiança, da boa-fé e a desproporcionalidade que resulta do exercício do direito em face das consequências para terceiros, determina que, por razões de ordem pública, se considere ilegítimo o exercício do direito.

Na verdade, à partida, o instituto do abuso de direito não suprime direitos, mas ao incidir sobre o seu exercício, pode condicioná-los, podendo chegar à supressão se tal se afigurar necessário.

Releva, assim, na aferição dos seus pressupostos de aplicação, sobretudo na vertente do venire contra factum proprium, analisar as circunstâncias e o contexto em que ocorreu a definição do direito a exercer (necessário para aferir se o titular excedeu os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim económico e social aludido no artigo 334.º), porque só assim se poderá concluir se ocorreu violação grave do princípio da confiança, que a par do princípio da boa-fé, são os pilares que suportam a ponderação global e objetiva da existência duma situação abusiva repudiada pelo sistema jurídico.

No caso em apreço, o autor fundamenta o pedido na existência de um património comum, adquirido por ambos, mas com contribuições não igualitárias, para daí concluir que lhe assiste um direito de crédito sobre a ré que pretende ver ressarcido.

As obrigações foram constituídas antes do seu casamento com a autora, abrangem obrigações vencidas nesse período, bem como obrigações vencidas e vincendas após o divórcio, sempre relacionadas com os encargos da coisa comum.

A ré alegou e tentou estabelecer a existência de uma situação de união de facto antes do casamento, visando, desse modo, negar que existisse o invocado direito de crédito a favor do autor. Contudo, não logrou provar que assim fosse.

Não decorre dos autos que alguma vez o autor tenha acordado com a ré que nunca lhe pediria responsabilidades pelos valores que pagou para além da sua quota-parte em data anterior ao casamento ou após o divórcio.

A expetativa que a ré criou com o casamento, quando ao não cumprimento da sua quota-parte de responsabilidade (ainda que parcial) relativa ao período anterior ao casamento, não emerge de qualquer facto que tenha sido alegado e provado nos autos.

A existência de uma relação matrimonial posterior, só por si, não evidencia de forma inquestionável que o autor tenha criado na ré a expetativa da eximir das suas responsabilidades anteriores ao casamento, assumindo-as plenamente, e muito menos as obrigações vencidas após o divórcio.

Não vemos, pois, que haja na atuação do autor qualquer venire contra factum proprium, qualquer violação do princípio da boa-fé ou confiança, nem que se tenha excedido o fim económico e social do direito exercido, nem que de alguma forma ocorra um desequilíbrio intolerável dos direitos em presença.

Por conseguinte, também nesta parte, improcede a apelação.

c)- Quanto ao enriquecimento sem causa:

A apelante defende nas conclusões 33.ª a 35.ª que a sentença violou o disposto no artigo 473.º do Código Civil quando a condenou a pagar ao autor determinadas quantias com fundamento no enriquecimento sem causa.

Escreveu-se na sentença, a este propósito, o seguinte:

“É obrigação de cada comproprietário participar nos encargos da coisa, em proporção da sua quota, (art. 1405º nº1 do CC). Assim sendo, se um dos comproprietários participar nos encargos da coisa em proporção superior à da sua quota, tem o direito de reclamar do outro o valor que tenha despendido para além do que lhe cabia, uma vez que tal situação configura um enriquecimento à custa do património de outrem, sem causa justificativa, (art. 473º do CC).”

A menção feita ao artigo 473.º do Código Civil não se afigura necessária, nem relevante, dada a natureza subsidiária deste instituto.

A obrigação de reembolso por parte da ré reside no funcionamento das regras da compropriedade e das relações obrigacionais estabelecidas entre os comproprietários, nos termos acima referenciados.

Mas dito isto, também é percetível que a menção ao regime previsto no artigo 437.º do Código Civil, por se situar no campo da interpretação jurídica, alcançando-se igual resultado por outra via normativa (aliás, não esquecida na fundamentação da sentença, conforme evidencia o parágrafo acima transcrito), nenhuma interferência relevante produz na decisão da causa e na condenação da ré operada na sentença.

Improcede, assim, este segmento da apelação da ré.

 d)- Quanto ao valor dos imóveis e da retoma do veículo …:

Alega a apelante nas conclusões recursórias 36.ª a 40.º que no apuramento do valor total das despesas (€28.753,60) foram incluídos €12.072,02 corresponde a dinheiro despendido com a aquisição de móveis comuns e que, em relação a esses, não haverá que prestar contas neste processo.

Conforme decorre da sentença, aos bens móveis foi aplicado o mesmo regime que ao bem imóvel, por também terem sido adquiridos em compropriedade (ali se escreveu: “No que respeita à aquisição de bens móveis para recheio do imóvel, resultou provado que os mesmos foram adquiridos por ambas as partes, pelo que se está também perante uma situação de compropriedade, valendo os mesmos argumentos supra expostos.”).

O que a sentença decidiu (e que mais à frente será objeto de análise por a questão ter sido suscitada na apelação do autor) é que, neste processo, o autor só pode discutir o direito de crédito sobre esses móveis (portanto, o seu valor tem de ser contabilizado), mas não proceder-se à divisão de bens e ressarcimento pela parte excedente à sua quota-parte (é o que resulta da sentença quando menciona: “No âmbito da presente ação declarativa pode o autor pedir, e ver-lhe deferido, o reconhecimento do direito de crédito pelo valor por si suportado na aquisição dos bens detidos em comum, na proporção em que tal dispêndio ultrapasse a sua quota. Mas a efetiva divisão e ressarcimento pela parte adjudicada para além da quota que caberia ao consorte, apenas poderá ser lograda em sede de processo de divisão de coisa comum, (art. 925º e art. 929º nº1 do CPC”).

Não tem, pois, razão a apelante, nada havendo a alterar.

Defende, ainda, a apelante nas conclusões recursórias 41.ª a 45.ª que, na sentença, o valor da retoma deste veículo (aquando da compra do veículo …) foi contabilizada em dobro.

A matéria provada sobre essa questão encontra-se vertida nos pontos 21.º a 24.º dos factos provados.

Não se encontra provado, conforme decorre da leitura desta matéria de facto, qual o valor da retoma do veículo … ….

O autor tinha alegado que esse valor foi €5.000,00, que não provou.

A ré alegou que adquiriram o veículo … … mediante um empréstimo, e “deram em troca” o … … (que pertencia a ambos). Não alegou qual o valor da retoma deste veículo.

O que se provou foi que o veículo … … era propriedade do autor (e não de ambos – veja-se a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto esclarecedora da convicção do tribunal recorrido sobre esta questão); o valor pago pelo autor (€6.544,47) e o pago pela ré (€11.474,20).

Não tenho a ré alegado qual o valor da retoma, nem que, adicionado ao valor pago pelo autor, daí resultasse um valor inferior ao que pagou, nem tendo pedido a respetiva compensação, se fosse caso disso, não merece qualquer censura a sentença quando decidiu que “não existem factos que permitam concluir que a ré tenha contribuído para além da sua quota, ou que o autor tenha locupletado, no que respeita à aquisição em compropriedade da viatura, de qualquer montante à custa do património da ré.”

Em face de todo o exposto, não obstante a alteração da decisão sobre a matéria de facto, improcede na totalidade a apelação da ré, por a mesma em nada interferir com a decisão de direito.

2.2. Vejamos, agora, as questões de direito suscitadas na apelação do autor.

a)- Quanto à dedução de 50% do valor restituído a título de IRS dos anos de 2002 e 2003:

Nas conclusões recursórias 6.ª a 8.ª, o apelante defende que o valor do reembolso do IRS relativo aos anos em referência, não deveria ser repartido em 50% para cada um dos contribuintes (autor e ré) por a ré ter apresentando um rendimento coletável inferior ao seu.

O apelante não tem razão.

As partes apresentaram-se à administração fiscal como vivendo em união de facto e apresentaram as declarações de rendimentos em sede de IRS, nos anos de 2002 e 2003, incluindo os rendimentos dos dois, pelo que ambos são responsáveis pelo cumprimento das obrigações tributárias, como expressamente menciona o artigo 14.º, n.º 3 do Código do IRS (na redação dada a este preceito pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 03/07) quando prescreve que, tendo os unidos de facto feito tal opção, são “responsáveis pelo cumprimento das obrigações tributárias.”

Donde, também são os beneficiários do correspondente reembolso.

Em termos de repartição desse valor, nada tendo alegado e provado em sentido contrário, é de presumir, por aplicação do disposto no artigo 349.º do Código Civil, que tendo assumido partilhar em igualdade as responsabilidades, também tenham querido assumir, em igualdade, os proventos.

Por conseguinte, improcede este segmento da apelação.

b)- Condenação da ré em juros de mora desde a sentença (e não desde a citação), e nulidade da sentença por falta de fundamentação do decidido:

Na 9.ª conclusão recursória, insurge-se o apelante contra a sentença por ter condenado a ré a pagar juros de mora sobre a quantia certa objeto da condenação, desde a data da sentença e não desde a data da citação, conforme foi peticionado, concluindo que a sentença é nula por falta de fundamentação desse segmento decisório.

O apelante tem razão.

A sentença não fundamentou de direito aquela parte da decisão, pelo que ao abrigo dos artigos 154.º e 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC 2013 se declara nulo esse segmento decisório.

Por força do artigo do 656.º, n.º 1, do CPC 2013, cumpre suprir a nulidade, nos seguintes termos:

A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (artigo 804.º, n.º1, do Código Civil).

Essa reparação consiste no pagamento de juros moratórios nos termos da lei (artigo 559.º do Código Civil).

O momento da constituição em mora ocorre nos termos previstos no artigo 805.º do Código Civil.

Estando em causa uma obrigação pecuniária emergente de relações obrigacionais, o devedor fica constituído em mora depois de ter sido interpelado judicial ou extrajudicialmente para cumprir (artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil).

No caso, a interpelação ocorreu com a citação da ré para a presente ação.

Donde a condenação em juros moratórios relativamente ao valor da condenação em quantia certa, conta-se a partir da citação e não da sentença.

Nessa parte, procede a apelação, impondo-se a revogação do segmento da sentença que condenou a ré a pagar juros de mora sobre a quantia de €5.579,04, a partir da sentença, sendo tais juros devidos desde a data da citação da ré para esta ação.

c)- Violação do princípio da economia processual por não ser reconhecido o direito de crédito peticionado em relação aos móveis:

Nas conclusões recursórias 10.ª a 12.º o apelante defende a revogação da sentença recorrida, por violação do princípio da economia processual, por ter negado o direito de crédito resultante da apropriação pela ré do mobiliário, para além da sua quota-parte.

O apelante não tem razão nesta alegação.

Provou-se efetivamente que a ré retirou, sem consentimento do autor e sem que tenha sido feita qualquer divisão, parte do recheio da casa onde vivia o casal (artigos 16.º a 18.º dos factos provados).

Porém, conforme decorre dos factos provados e da sentença (cfr. ponto 12.º, alíneas vi, vii, ix, xii, xiii, xv, xxix, xxxiii, xxxvi, xxxix, xli, xlviii, lvi, lviii, lxxi, lxxvi, lxxvii), o valor dos móveis que compunham o recheio da casa foi tido em conta no cômputo da quota-parte da responsabilidade da ré.

Consequentemente, em termos de direito de crédito do autor sobre a autora relativamente aos móveis, a sentença pronunciou-se e decidiu, e bem, pela condenação da ré no pagamento de valor correspondente à sua quota-parte de responsabilidade relativa à aquisição dos mesmos.

Ora, o que autor pede, em acréscimo, é que o tribunal acrescente a esse valor metade do valor dos bens levados pela ré, alegando que já não dispõe dos móveis, pelo que não poderão ser divididos, nem vendidos.

No fundo, ainda que não se expresse com essas palavras, pretende enxertar nesta ação, um pedido de divisão de bens comuns, recebendo o valor correspondente à sua quota-parte.

Mas a lei não permite tal solução, pois o artigo 1143.º, n.º1, do Código Civil é taxativo quando refere que, havendo compropriedade, “A divisão é feita amigavelmente ou nos termos da lei de processo”, ou seja, por via extrajudicial ou judicial.

A via judicial para partilha de bens comuns impõe o recurso a uma ação de natureza diferente da presente.

O artigo 6.º do atual CPC, invocado pelo apelante, que consagra o dever de gestão processual, ainda que nele se possa inserir um princípio de economia processual, não pode ser interpretado no sentido de permitir o desrespeito por outras normas, processuais ou substantivas, que impõem regras sobre o modo como se procede à partilha de bens.

Improcede, assim, este segmento da apelação do autor.

Dado o decaimento, as custas do recurso da apelante ficam a cargo da mesma; e dado o decaimento parcial do apelante, as custas ficam a cargo deste e da apelada, na proporção do decaimento, sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP (sem prejuízo do apoio judiciário concedido à apelante).

IV- DECISÃO

Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar:

a)- Parcialmente procedente a apelação do autor, revogando a sentença na parte referente à condenação em juros de mora, substituindo-se esse segmento decisório pela condenação em juros de mora desde a citação, mantendo-se na parte restante;

b)- Totalmente improcedente a apelação da ré.

Custas nos termos sobreditos.

Lisboa, 17 de junho de 2014

 (Maria Adelaide Domingos - Relatora)

(Eurico José Marques dos Reis - 1.º Adjunto)

 (Ana Grácio - 2.ª Adjunta)


[1] PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, Vol. III, 2.ª ed., rev. e act., reimp., Coimbra Editora, 2010, p. 352 (3).
[2] MENEZES CORDEIRO, “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, 2007, p. 239.