Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
280/17.2YRLSB-1
Relator: PEDRO BRIGHTON
Descritores: ACÓRDÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: ACÇÃO DE ANULAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Assim, a acção de anulação só tem autonomia nos casos de irrecorribilidade da decisão arbitral, verificando-se uma situação de subordinação da acção de anulação relativamente ao recurso.
II- Em princípio, interposto o recurso, há-de ser nessa forma de impugnação que deverão ser invocados os fundamentos de anulação da decisão arbitral, não fazendo sentido que possam estar pendentes duas formas de impugnação diferentes com os mesmos fundamentos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Dada a manifesta simplicidade da questão a decidir, irá proferir-se, de imediato, decisão sumária singular (artº 656º do Código de Processo Civil).
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I – Relatório
1)  “OC...”, “NP... A.G.” e “NF… – Produtos Farmacêuticos, S.A.”, intentaram a presente acção de Anulação de Acórdão Arbitral contra “GF…, S.A.”, pedindo que, por falta de fundamentação, se anule a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral em …/11/2016, relativa aos medicamentos genéricos contendo as substâncias activas “levodopa”, “carbidopa” e “entacapona”.
Nesse Acórdão o Tribunal Arbitral decidiu:
-Absolver a “GF…, S.A.” do pedido de condenação a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos cujos pedidos de AIM (e respectivas AIMs) são identificados nos artigos 84º e 85º da petição inicial, enquanto a EP 1189608 se encontrar em vigor.
-Absolver a “GF…, S.A.” do pedido de não transmitir a terceiros as AIMs identificadas nos artigos 84º e 85º da petição inicial, até à data de caducidade dos direitos exercidos.
-Absolver a “GF…, S.A.” do pedido de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a 5.000 €, por cada dia de incumprimento da sentença.
-Absolver a “GF…, S.A.” do pedido de condenação a retirar, imediatamente e a expensas suas, do mercado português os medicamentos genéricos da Demandada com a combinação das substâncias activas Levodopa, Carbidopa e Entacapona, em qualquer das suas formulações e dosagens.
-Absolver a “GF…, S.A.” do pedido de pagamento de uma indemnização às Demandantes, correspondente ao valor dos prejuízos para estas decorrentes da comercialização dos medicamentos genéricos da Demandada com a combinação das substâncias activas Levodopa, Carbidopa e Entacapona e ao valor dos lucros auferidos pela Demandada pela mesma comercialização e, bem assim, aos encargos suportados pelas Demandantes com a acção.
-Absolver a “GF…, S.A.” do pedido de condenação a suportar todos os custos e encargos decorrentes da presente acção arbitral, e ainda a reembolsar as Demandantes das provisões por honorários dos árbitros e secretário e despesas administrativas, pegas pelas Demandantes em seu nome ou em suprimento da sua falta pela Demandada, bem como os honorários das Demandantes e outras despesas que esta tenha tido com o processo.
-Absolver a “OC…”, “NP... AG” e “NF… – Produtos Farmacêuticos, S.A.” do pedido de condenação a suportar as despesas incorridas pela Demandada com os respetivos mandatários bem como outras despesas que esta tenha tido com a acção arbitral.
-Condenar a “OC…”, “NP… AG” e “NF… – Produtos Farmacêuticos, S.A.” a suportar a totalidade das custas do processo e a “GF…, S.A.” a suportar metade dos encargos com a Perícia 2, devendo o saldo de custa em dívida pelas Demandantes ser pago à Demandada no prazo de quinze dias a contar da data da notificação pelo Tribunal da conta de custas do processo arbitral.
2)  Regularmente citada, veio a “GF…, S.A.” deduzir oposição, arguindo a excepção de inadmissibilidade da acção de anulação e defendendo a existência de fundamentação da decisão arbitral.
3)  As demandantes apresentaram articulado de resposta.

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II – Fundamentação
a)  Antes de mais, há que analisar a excepção deduzida.  
A Lei que regula os litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos (Lei nº 62/2011, de 12/12), no seu artº 3º nº 7, e a Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 63/2011, de 14/12), no seu artº 40º, contemplam os seguintes meios impugnatórios da decisão arbitral :
-O recurso para o Tribunal da Relação.
-A acção de anulação da decisão dos árbitros.
A diferença entre as duas figuras referenciadas não se cinge apenas à circunstância de a primeira ser um recurso e a segunda configurar uma acção, estendendo-se a um conjunto de outros aspectos relevantes.
Assim, no caso de recurso é o próprio mérito da sentença arbitral, o seu sentido ou efeito, que é questionado, por os árbitros terem cometido um “error in judicando”, erro de julgamento de facto ou de direito, independentemente de respeitar ao fundo da causa, às leis substantivas aí aplicadas ou, antes, aos respectivos pressupostos processuais (às leis adjectivas).
No caso da impugnação (acção) não se discute (senão indirectamente) o sentido da sentença arbitral (se a condenação ou a absolvição são devidas), discutem-se, sim, os vícios do percurso processual que levou os árbitros até à sentença. Nela, está em causa o chamado “erro in procedendo”, reportado à relação processual de arbitragem (e não à relação substantiva aí pleiteada) podendo, nessa medida, e de acordo com o artº 46º nº 3 da Lei nº 63/2011, de 14/12, ter somente os fundamentos seguintes:
-Se uma das partes da convenção de arbitragem estava afectada por uma incapacidade, ou se essa convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da Lei nº 63/2011, de 14/12.
-Se houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no artº 30º nº 1, com influência decisiva na resolução do litígio.
-Se a Sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta.
-Se a composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da Lei nº 63/2011, de 14/12, que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com tal diploma legal e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio.
-Se o tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
-Se a Sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos no artº 42º nºs. 1 e 3 da Lei nº 63/2011, de 14/12.
-Se a sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artº 43º da Lei nº 63/2011, de 14/12.
-Se o Tribunal verificar que o objecto do litígio não é susceptível de ser decidido por arbitragem nos termos do Direito português.
-Se o conteúdo da Sentença ofender os princípios da ordem pública internacional do Estado português.
Mas nada impede que, na arbitragem necessária, os fundamentos de anulação da sentença arbitral possam ser suscitados no âmbito do recurso interposto da sentença arbitral, sendo certo que nada obsta à dedução de fundamentos conducentes à anulação simultaneamente com os fundamentos que se prendem com o mérito da causa.
Ou seja, o recurso previsto no artº 3º nº 7 da Lei nº 62/2011, de 12/2, não está limitado, quanto aos seus fundamentos, a erros de julgamento de facto ou de direito cometido na sentença arbitral.
b) No caso “sub judice” verifica-se que, para além da acção aqui em análise, as demandantes interpuseram recurso do acórdão arbitral para o Tribunal da Relação de Lisboa.
 Nesse recurso, aquelas não invocam a causa de anulação da decisão arbitral que fundamenta a presente acção.
E o certo é que o podia ter feito, como acima referimos.
Qual a consequência de tal ?
Afigura-se-nos desde logo que o facto de correrem, simultaneamente, dois meios de impugnação da decisão arbitral pode levar a uma eventual contradição de julgados.
Por outro lado, está fora de qualquer dúvida que, perante o desenho legal do recurso e da acção, os poderes do Juiz naquele são muito mais amplos do que nesta, o que pode implicar uma maior celeridade na decisão (os prazos e tramitações de uma e de outra são diferentes).
A isto acresce um argumento trazido a terreiro pela demandada, o qual se nos afigura pertinente:
Apela aquela ao “elemento histórico da interpretação”.
E refere que no artigo 27º nº 3 da anterior Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 31/86, de 29/8) estabelecia-se que “se da Sentença arbitral couber recurso e ele for interposto, a anulabilidade só poderá ser apreciada no âmbito desse recurso”.
Assim, no regime anterior, só haveria acção de anulação nos casos em que mão houvesse recurso.
Não discordamos aqui da leitura que a demandada faz da revogação do supracitado preceito, pois actualmente está consagrada a regra geral da irrecorribilidade da decisão arbitral, pois o artº 39º nº 4 da Lei nº 63/2011, de 14/12 (LAV) dispõe que “a sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável”.
Esta regra da irrecorribilidade também vai no sentido da promoção de uma cada vez maior celeridade da arbitragem, pelo que seria contraditório defender uma teoria na qual, por princípio, não haveria lugar a recurso mas, caso houvesse, teria a parte vincenda de recorrer a dois meios distintos para fazer valer as suas pretensões.
Daqui resulta que o sistema legal continua a impor a subsidiariedade da acção de anulação face ao recurso de apelação.  O que significa que a lei continua a impor um meio processual de impugnação, que assegura, na maior medida do possível, a celeridade e a não contradição de julgados. 
E esse meio é o recurso de apelação (cf. artº 3º nº 7 da Lei nº 62/2011, de 12/12).
Assim, a acção de anulação só tem autonomia nos casos de irrecorribilidade da decisão arbitral, verificando-se uma situação de subordinação da acção de anulação relativamente ao recurso.
Ou seja, em princípio, interposto o recurso, há-de ser nessa forma de impugnação que deverão ser invocados os fundamentos de anulação da decisão arbitral, não fazendo sentido que possam estar pendentes duas formas de impugnação diferentes com os mesmos fundamentos.
c)  “In casu”, como já vimos, as demandantes recorreram da decisão arbitral.
E, de acordo com o entendimento acima exposto, era aí que deveria ter sido suscitada a questão da anulação da decisão arbitral por falta de fundamentação.
Não o tendo feito, verifica-se a caducidade do direito das demandantes requererem a anulação daquela decisão, por via da presente acção.
Desnecessário se torna, assim, analisar as restantes questões trazidas à acção pelas demandantes.

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III – Decisão
Pelo exposto, julga-se a acção improcedente por não provada e, consequentemente, não se anula a decisão arbitral impugnada.
Custas: Pelas Demandantes (artº 527º do Código de Processo Civil).
Valor da acção: 30.001,01 €.

Processado em computador e revisto pelo relator

Lisboa, 23 de Maio de 2018

Pedro Brighton