Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10121/2006-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: FORO CONVENCIONAL
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/13/2007
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: 1) As convenções sobre a competência (seja na modalidade de pactos de jurisdição [artigo 99º do CPC], seja na modalidade de pactos de competência [art. 100º do CPC], seja na modalidade de convenções de arbitragem [art. 1º da Lei nº 31/86, de 29/8]) são uma das modalidades de contratos processuais, isto é, de negócios com eficácia constitutiva ou extintiva num processo pendente ou futuro.
2) A entrada em vigor, em 1 de Maio de 2006 (cfr. o art 2° da Lei n.° 74/98, de 11/11), da nova redacção conferida à alínea a) do nº 1 do art. 110º do CPC pelo artigo 1º da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, em face da qual também as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso passaram a figurar no elenco das causas em que o tribunal conhece oficiosamente da incompetência em razão do território, consequencia que, a partir daquela data, deixou de ser válido (para passar a ser nulo) um pacto de competência que afaste a norma legal de competência contida no art. 74º-1 do CPC, numa acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso.
3) O facto de a cit. Lei n.° 14/2006 ser uma lei processual e, ipso facto, em princípio de aplicação imediata, e a circunstância adicional de o artigo 6° do mesmo diploma mandar aplicar esta lei “às acções e aos requerimentos de injunção instauradas ou apresentados depois da sua entrada em vigor”, não consequencia, porém, que, mesmo quando os pactos de competência firmados entre as partes tenham sido concluídos à sombra da lei processual anterior, o tribunal possa conhecer oficiosamente da incompetência nas causas desse tipo instauradas já depois da entrada em vigor da cit. Lei nº 14/2006.
4) É que a aplicação da nova redacção conferida pela Lei nº 14/2006 à alínea a) do artigo 110º do C.P.C. (e a consequente proibição do afastamento convencional da norma legal de competência em razão do território estabelecida no cit. art. 74º-1) a pactos de competência anteriores à sua entrada em vigor redundaria em violação do princípio da irretroactividade consagrado, em matéria de aplicação da lei no tempo, no nº 1 do art. 12º do Código Civil e reafirmado e desenvolvido na 1ª parte do nº 2 do mesmo preceito.
5) A regra de conflitos que se extrai deste art. 12º, nº 2, 1ª parte, do Cód. Civil é a de que a Lei Nova sobre o regime dos contratos não se aplica aos contratos anteriores, sendo a lei de origem ou lex contractus que regula todos os efeitos dos contratos: quer os efeitos directos, quer os chamados efeitos indirectos.
6) A nova regulamentação introduzida na disciplina dos pactos de competência pela mencionada Lei nº 14/2006, ao incluir no elenco das causas em que o tribunal conhece oficiosamente da incompetência em razão do território as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso incide sobre a própria validade (e não apenas sobre os efeitos) dos pactos de competência.
7) Por isso, a validade dos pactos de competência celebrados antes da entrada em vigor da cit. Lei nº 14/2006 tem de ser aferida à luz da lei processual que estava em vigor quando tais pactos foram firmados, e não à luz da nova lei processual entretanto sobrevinda.
8) Tal conclusão não é minimamente prejudicada pela circunstância de a aplicação da alínea a) do nº 1 do artigo 110º do CPC, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, aos contratos celebrados antes da entrada em vigor desta última Lei, ainda que se entenda que se trata de uma aplicação retroactiva da mesma, não consubstanciar violação de forma inadmissível, intolerável ou arbitrária dos direitos ou expectativas fundadas das partes, não se verificando, por isso, o desrespeito dos mínimos de certeza e segurança salvaguardados pelo artigo 2º da Constituição.
9) Efectivamente, o facto de uma certa interpretação duma determinada norma infra-constitutional ser materialmente compatível com a Constituição não significa que essa interpretação seja ou não a melhor (de acordo com os cânones hermenêuticos).
(RV)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível da Relação de LISBOA:
Nos Juízos Cíveis de Lisboa, em 12 de Julho de 2006, BANCO, S.A., com sede em Lisboa, na Rua Soeiro Pereira Gomes, nº 7, sala 2, propôs contra PAULO, acção com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, nos termos do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, com base em contrato de mútuo celebrado em 23 de Fevereiro de 2005, pelo qual emprestou ao Réu a importância de € 5.237,80, alegando que, como o réu não pagou a 4ª prestação e as seguintes, tal implicou o vencimento imediato de todas as restantes prestações, no valor global de € 8.437,71 (57 x € 148,03), acrescido de juros e imposto de selo.
Logo aduziu (na própria petição inicial) que a escolha feita pelas partes (n.º 16 das “Condições gerais” anexas ao contrato de mútuo), como foro convencional, da comarca de Lisboa, feita nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 100.º, n.º 1, com referência ao artigo 110.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), nas redacções dos ditos preceitos anteriores às que lhes foram dadas pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, é válida e legal, atento o disposto nos artigos 5.º e 12.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
A entender-se doutro modo, sustentou que: “a Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, na parte e na medida em que altera a redacção do artigo 110º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, é inconstitucional, e consequentemente, a referida alínea a) do n.º 1 do dito artigo 110º, com a mencionada redacção, é inconstitucional — logo inaplicável pelos Tribunais “ex-vi” do disposto no artigo 204° da Constituição da República Portuguesa — na interpretação que permita a aplicação do disposto no referido artigo 110º, n.º 1, alínea a), a contratos celebrados anteriormente à publicação da referida Lei em que as partes tenham optado, nos termos do artigo 100º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, por um foro convencional no que respeita à competência dos Tribunais em razão do território, por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não retroactividade consignado nos artigos 18°, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa e, também ainda, por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança corolários ambos do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa”.

Por despacho proferido em 2OUTUBRO2006, a Exmª Juiz do 4º Juízo Cível de Lisboa (a quem a acção foi distribuída) declarou este Tribunal incompetente, em razão do território, para tramitar a presente acção e, em consequência, determinou a sua remessa aos Juízos Cíveis de Guimarães, em estrito cumprimento do disposto nos artigos 74º, 108 a 111º, 493º, 494º, alínea a) e 495º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 14/06.

O Tribunal fundamentou assim a sua decisão:
“A A., melhor identificada nos autos, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nos termos do Decreto-Lei n.° 269/98, de 1/IX, tendo em vista a condenação do(a) R no pagamento de quantia devida, por incumprimento de contrato, em 12.07.2006.
De harmonia com o disposto no artigo 74°, n.° 1 do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei n.° 14/06, de 26/IV :
"A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, c indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução cio contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicilio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicilio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio nci mesma área metropolitana." (sublinhado meu)

Nos termos do artigo 6° do mesmo diploma, a Lei n.° 14/06, de 26/IV aplica-se às acções e aos requerimentos de injunção instauradas ou apresentados depois da sua entrada em vigor.
Compulsados os autos, constata-se que consta do acordo junto aos autos cláusula de competência(1) territorial, segundo a qual seria competente o Tribunal Cível de Lisboa, sendo que foi com base nessa mesma cláusula que a A optou pela apresentação à distribuição nos Juizos Cíveis de Lisboa.
A A, antecipando, desde logo, que face aos termos da nova redacção do supra citado preceito o Tribunal não poderia deixar de conhecer a matéria da incompetência em razão do território, tomou posição, conforme resulta da douta Petição.
Pelo exposto, e uma vez que a A tomou j á posição nos autos, não se impõe o cumprimento do artigo 3°, n.° 3 do Código de Processo Civil, na medida em que a necessidade da presente apreciação foi já antecipada pela A.
Posto isto.
Repete-se: A A optou pela instauração da presente acção em Lisboa, pretendendo valer-se:
- da existência de pacto de competência anterior à entrada em vigor da Lei n.° 14/2006;
- subsidiariamente, de alegada inconstitucionalidade do artigo 110°, n.° 1, alínea a) do Código de Processo Civil, por violação do Princípio da Proporcionalidade, consagrado no artigo 18°, n.° s 2 e 3 da Constituição da República e do Princípio da Segurança Jurídica e da Confiança, que constituem corolários do Estado de Direito Democrático.

Cumpre apreciar.
A matéria em apreciação é de alguma simplicidade, sendo que a opção tomada pela A, que se reconduz a pretender fazer-se valer de cláusula de atribuição de competência, lhe ficou vedada com a entrada em vigor da supra citada lei, pelas razões que se passam a expor.

1.2 Da aplicação na Lei no Tempo
A lei n.° 14/06, de 26/IV é uma lei processual e, ipso facto, de aplicação imediata, sendo que, conforme o supra citado artigo 6° da Lei 14/06, o momento relevante para efeitos de aplicação da lei se prende com a "data da apresentação" em juízo da acção.
A lei entrou em vigor, nos termos gerais do artigo 2° da Lei n.° 74/98, de 11/XI, em 1 de Maio de 2006. Daí que a mesma se aplique a todas as acções "apresentadas em juizo" a partir de tal data.
A circunstância de haver sido celebrado pacto de competência anterior não afasta o critério legal consagrado, exactamente porque tal pacto, face à opção legislativa tomada, passou desde então a não ser reconhecido, pelo legislador, como disposição susceptível de afastar o critério legal de fixação de competência em razão do território.
E, neste ponto, haverá que fazer ressaltar que nos encontramos no âmbito da aplicação da lei processual de fixação de competência territorial.
Ora,
"A lei assinala a cada tribunal uma certa circunscrição territorial (distrito, circulo, comarca), localizando depois nas várias circunscrições as diferentes causas, através do elemento de conexão que, conforme os casos, considera decisivo para o efeito. Por isso mesmo se qualifica de territorial esta competbncia. É uma competência ratione loci (artigo 13°, n.° 1, e 17° da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais).
A competência territorial é competência subjectiva: competência de cada tribunal em concreto, entre os vários que constituem as diversas ordens de tribunais, segundo a nossa organização judiciária. " - Domingues de Andrade, Manuel, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1993, pág. 100.
É inquestionável que "O nexo de competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, em atenção à lei, por um lado, e por outro à situação nesse momento dos factores de atribuição de competência; e, em princípio, mantém-se ainda que mude a lei ou a situação de tais factores (artigo 63°) " - Mendes, João de Castro, Direito Processual Civil, Vol. I, Edição AAFDL, pág. 558
O pacto de competência reconduz-se a uma renúncia antecipada das partes em arguir a incompetência do tribunal em razão do território, exactamente porque a possibilidade de celebração de pactos de competência apenas é permitida nos casos do artigo 100°, n.° 1 in fine do Código de Processo Civil.
Assim, a supra citada lei veio impor não só a irrenunciabilidade de tal direito como o conhecimento oficioso de tal matéria pelo tribunal. Em suma, o legislador declara indisponível o direito de arguir a incompetência em razão do território.
Nestes termos, haverá que concluir que o pacto de competência celebrado deixou de ser reconhecido como válvula de afastamento da competência legal, na medida em que no momento em que a A. apresenta em juizo a douta Petição, o pacto extravasa os limites da autonomia contratual(2), consagrada no artigo 405°, n.° 1 do Código Civil, não lhe sendo reconhecida qualquer eficácia, sendo o mesmo nulo, por impossibilidade legal.
Quanto a esta concreta questão da aplicação da Lei no Tempo, impõe-se salientar que o "Pacto de Competência" constitui um "negócio de eficácia deferida", o que vale por dizer que o mesmo tem como pressuposto uma eventual verificação de um facto futuro, qual seja a necessidade de as partes recorrerem a Tribunal para a resolução de qualquer litígio que as oponha no âmbito do contrato.
Sucede que tal facto - apresentação em juizo de acção - ocorre já à luz da Lei Nova que, por ser mais restritiva que a Lei Antiga, não reconhecendo qualquer eficácia a tal convenção - porque contrária a norma imperativa - impõe o recurso às normas de fixação de competência em razão do território que passaram a assumir natureza imperativa.
O carácter imperativo de tais normas de fixação de competência é, aliás, consentâneo com o artigo 22° da Lei n.° 3/99, de 13/I (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), que dispõe:
"1- A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente. "
Em suma:
- a autonomia privada, naquilo que respeita à fixação de elemento de conexão relevante para efeitos de competência territorial, não é ilimitada;
- o pacto de competência, celebrado no momento da contratação, consubstancia-se num negócio de eficácia deferida e eventual;
- o elemento relevante para a aplicação da lei que fixa a competência territorial no tempo é o da entrada em juizo da Petição e, não, qualquer outro;
- o legislador, mediante a Lei n.° 14/06, não reconhece eficácia a pactos de competência anteriores contrários às normas ora imperativamente fixadas.

Pelo exposto, por directa aplicação dos artigos 74° e 110°, n. °1, alínea a) do Código de Processo Civil, haverá que concluir, como se conclui, no sentido da incompetência, em razão do território do presente Tribunal para a tramitação dos presentes autos, sendo competentes os Juízos Cíveis de Guimarães, Tribunal ao qual os mesmos serão remetidos imediatamente após trânsito do presente despacho de harmonia com o disposto no artigo 110°, n. ° 3 do Código de Processo Civil.
A presente interpretação - que é a imposta pela letra e espírito da Lei - não é inconstitucional, isto é, não é possível estabelecer entre aquela e a Constituição qualquer juízo de desconformidade, pelas razões que se passam a expor .

1.3. Da pretendida inconstitucionalidade material da Lei 14/06, de 26/IV.

A A suscitou, no âmbito dos presentes autos, a fiscalização concreta, incidental e difusa da Lei n.° 14/2006, de 26/IV, nos termos e para os efeitos da aplicação conjugada dos artigos 18°, n.° s 2 e 3, 2° e 204° todos da Constituição da República.
Pretende que o Tribunal, ao pronunciar-se no sentido da inconstitucionalidade do artigo 110°, n.° 1, alínea a) do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de ser aplicável às acções entradas em juízo a partir de 1 de Maio de 2006, e relativamente às quais exista um pacto de competência anterior – recuse a sua aplicação no caso dos autos.
Será inconstitucional a interpretação da Lei n.° 14/06, de 26/IV no sentido de a mesma ser aplicável às acções entradas em juízo após a sua entrada em vigor, ainda que as partes hajam firmado pacto de competência anteriormente, por violadora dos Princípios da Proporcionalidade, da Segurança e da não retroactividade da Lei restritiva?
A resposta à questão suscitada não poderá deixar de ser negativa .
Tudo pelas razões que se passam a expor.
Dispõe o artigo 18°, n.° s 2 e 3 da Constituição da República:
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. "
E o artigo 2.° do mesmo diploma:
"A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa. "
Salvo o devido respeito, que é muito, não vem alegado nem se vislumbra do elenco constitucional de direitos, liberdades e garantias qualquer norma que tutele a pretensão da A, pessoa colectiva, em escolher foro convencional.
Sempre se dirá, também, que - na nossa perspectiva - a supra indicada lei se limita a uma concretização legislativa de uma garantia dos consumidores, essa sim, com consagração constitucional, no artigo 60°, que dispõe "Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e á informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos. " (sublinhado meu).
Tal concretização legislativa impõe um condicionamento aos credores de "obrigações decorrentes do contrato" de, nos casos vertidos no artigo 74° do Código de Processo Civil, terem que recorrer ao tribunal do domicílio do credor. Porém, tal condicionamento " (...) não reduz o âmbito do direito, apenas implica, umas vezes, uma disciplina ou uma limitação da margem de liberdade do seu exercício, outras vezes um ónus." - Miranda, Jorge, Manuel de Direito Constitucional, Tomo IV, Coimbra, 1993, pág. 297.
Também não vem alegado em que termos, nem ressalta dos Princípios da Proporcionalidade, da Segurança e da não Retroactividade da Lei restritiva que a lei em questão seja desconforme à Constituição.

Em suma, a interpretação da Lei n.° 14/06, de 26/IV, nos termos supra expostos, não é merecedora da formulação de qualquer juizo .de inconstitucionalidade nos moldes genericamente alegados pela A. Daí que a mesma não possa ser sancionada com qualquer "valor jurídico negativo", designadamente com a recusa de aplicação no caso concreto, por violadora do texto ou do espirito constitucional.

III. Decisão
Por todo o exposto e em conformidade, declaro o presente Tribunal incompetente, em razão do território, para tramitar a presente acção e, em consequência, determino a sua remessa aos Juízos Cíveis de Guimarães, em estrito cumprimento do disposto nos artigos 74°, 108° a 111°, 493°, 494°, alínea a) e 495° do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pela Lei n.° 14/06.
Custas pelo A, fixando-se a taxa de justiça em três Ucs - artigo 16° do Código das Custas Judiciais.
Notifique.
Oportunamente, remeta ao Tribunal competente, dando baixa”.

É deste despacho que a Autora interpôs o presente recurso de agravo, formulando, a rematar as alegações que apresentou, as seguintes conclusões:
(i) O despacho recorrido ao aplicar o disposto na alínea a), do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos, atento o que consta do contrato aos mesmos junto com a petição inicial, em que as partes escolheram um foro convencional nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 100º, nºs. 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, violou o disposto nos artigos 5º e 12º, nºs. 1 e 2, do Código Civil.
(ii) O despacho recorrido, ao interpretar e aplicar, como o fez, a alínea a) do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela dita Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos e, consequentemente, a não considerar válida e eficaz a escolha do foro convencional constante do contrato dos autos, atento a data da celebração do mesmo e o disposto no artigo 100º, nºs. 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, do que então se dispunha no artigo 110º do mesmo normativo legal, maximé na alínea a) do respectivo nº 1, é inconstitucional por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não retroactividade consignados no artigo 18º, nºs. 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, e, também ainda, por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, corolários ambos do principio de um Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2º da Constituição da Republica Portuguesa.
(iii) Impõe-se, pois, como se requer, procedência do presente recurso, a revogação do despacho recorrido, e a sua substituição por outro que reconheça a competência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para conhecer dos autos onde o mesmo foi proferido, desta forma se fazendo J U S T I Ç A”

Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem(3)(4).
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º)(5)(6). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Autora/Agravante que o objecto do presente recurso está circunscrito às questões de saber:
1) Se o despacho recorrido, ao aplicar o disposto na alínea a), do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos, atento o que consta do contrato aos mesmos junto com a petição inicial, em que as partes escolheram um foro convencional nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 100º, nºs. 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, violou o disposto nos artigos 5º e 12º, nºs. 1 e 2, do Código Civil;
2) Se o despacho recorrido, ao interpretar e aplicar, como o fez, a alínea a) do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela dita Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos e, consequentemente, ao não considerar válida e eficaz a escolha do foro convencional constante do contrato dos autos, atento a data da celebração do mesmo e o disposto no artigo 100º, nºs. 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, do que então se dispunha no artigo 110º do mesmo normativo legal, maxime na alínea a) do respectivo nº 1, é inconstitucional por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não retroactividade consignados no artigo 18º, nºs. 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, e, também ainda, por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, corolários ambos do principio de um Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2º da Constituição da Republica Portuguesa.

FACTOS PROVADOS
Estão provados documentalmente os seguintes factos, com relevância para o julgamento da procedência ou improcedência do presente recurso de agravo:
1) O contrato de mútuo celebrado entre o Autor e o Réu, cujo cumprimento coercivo é exigido na presente acção, foi reduzido a escrito em documento particular datado de 2 de Fevereiro de 2005;
2) A cláusula 16ª das “Condições Gerais” do aludido contrato de mútuo estipula que: “FORO CONVENCIONAL. Para todas as questões emergentes do presente contrato estipula-se como competente o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro”;
3) A petição inicial da presente acção deu entrada em juízo no dia 12 de Julho de 2006.
4) O Réu ora Agravado reside na área da Comarca de Guimarães.

O MÉRITO DO AGRAVO
1) Se o despacho recorrido, ao aplicar o disposto na alínea a), do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos, atento o que consta do contrato junto com a petição inicial, em que as partes escolheram um foro convencional nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 100º, nºs. 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, violou o disposto nos artigos 5º e 12º, nºs. 1 e 2, do Código Civil.
«A competência convencional é a que resulta de uma convenção entre as partes» (7). «As partes podem, na verdade, modificar dentro de certos limites as regras de competência fixadas na lei e usam com relativa frequência desse poder, especialmente nas cláusulas que, dentro dos chamados contratos de adesão, estabelecem um foro convencional» (8).
«Os arts. 99º e 100º [do Código de Processo Civil] regulam a competência convencional internacional e interna, isto é, regulam o princípio da liberdade contratual enquanto factor de atribuição de competência directa» (9). «O primeiro prevê os pactos de jurisdição, através dos quais as partes convencionam sobre a jurisdição nacional competente para apreciar um litígio que apresente elementos de conexão com mais de uma ordem jurídica (competência internacional), e o segundo os pactos de competência, em que as partes dispõem sobre a competência dos tribunais portugueses no seu confronto recíproco (competência interna)»(10). «Para além destes casos, podem ainda as partes, através da convenção de arbitragem, atribuir a um tribunal arbitral competência para dirimir determinado conflito (art. 1º-1 [da] LAV [Lei da Arbitragem Voluntária: Lei nº 31/86, de 29 de Agosto])»(11).
Em resumo: a convenção sobre a competência «pode regular a competência interna ou internacional ou atribuir competência a um tribunal arbitral para apreciar um determinado litígio, mesmo que eventual; atendendo à diferenciação desses objectos, a convenção sobre a competência pode ser, respectivamente, um pacto de competência (art. 100º), um pacto de jurisdição (art. 99º) ou uma convenção de arbitragem (art. 1º, nº 1, da LAV)»(12).
No caso dos autos, a cláusula 16ª das “Condições Gerais” do contrato de mútuo invocado pela Autora/Agravante (na petição inicial da presente acção), que estipula o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, para todas as questões emergentes do mesmo contrato, constitui, tipicamente, um pacto de competência, nos termos e para os efeitos previstos no cit. art. 100º do C.P.C..
«Pacto de competência é a convenção pela qual as partes designam como competente para o julgamento de determinado litígio um tribunal diferente daquele que resulta das regras de competência interna»(13). Aqui, «diversamente do caso do art. 99º, os contraentes não escolhem entre as diversas jurisdições, mas entre os vários tribunais portugueses no seu confronto recíproco, mesmo que a relação controvertida tenha conexão com ordens jurídicas estrangeiras».(14) «Neste caso, o pacto que designe como competente determinado tribunal português diverso do que é indicado pelas regras de competência interna, quando os tribunais portugueses são por lei competentes, constitui um pacto de competência, portanto sujeito ao respectivo regime»(15).
«A celebração de convenções sobre a competência [quer de pactos de jurisdição, quer de pactos de competência, quer de convenções de arbitragem] está genericamente sujeita às mesmas regras de formação (atinentes à declaração de vontade e aspectos conexos) e aos mesmos requisitos de validade de qualquer contrato substantivo»(16). «Por regra, os elementos constitutivos da convenção são regulados pelo direito material e a sua admissibilidade e efeitos são definidos pelo direito processual»(17).
No plano processual, «as convenções sobre a competência atribuem competência a um tribunal, em exclusividade ou em concorrência com a competência (legal ou convencional) de outro tribunal»(18)(19).
«Esse é o seu efeito processual: - quando a competência convencional é exclusiva, nenhum outro tribunal é competente para apreciar a questão sobre a qual as partes celebraram a convenção; - quando a competência convencional é concorrente, subsiste intocada a competência de outro tribunal» (20).
Mas «as convenções sobre a competência também produzem efeitos obrigacionais» (21). «Esses efeitos respeitam à vinculação que é assumida por uma das partes perante a contraparte ou reciprocamente por cada uma das partes e que impõe que a acção, se vier a ser proposta, o seja no tribunal designado» (22). «Como qualquer outra vinculação negocial, o seu incumprimento justifica a indemnização pelos danos causados (art. 798º do CC)» (23). «Outro dos efeitos obrigacionais das convenções sobre a competência refere-se à sua transmissão para os terceiros adquirentes do direito relativamente ao qual foi concluída aquela convenção: assim, a vinculação a essa convenção mantém-se tanto para o herdeiro do titular activo ou passivo do direito, como para o cessionário ou para o devedor que assumiu a dívida» (24)(25).
Não se suscitam, portanto, quaisquer dúvidas quanto à natureza jurídica das convenções sobre a competência (seja na modalidade de pactos de jurisdição, seja na modalidade de pactos de competência, seja na modalidade de convenções de arbitragem): «essas convenções são uma das modalidades de contratos processuais, isto é, de negócios com eficácia constitutiva ou extintiva num processo pendente ou futuro» (26).
«A competência fundada na estipulação do pacto é vinculativa para as partes (nº 3 [do cit. art.100º do CPC]), importando a sua infracção a incompetência relativa do tribunal [onde a acção haja sido indevidamente proposta, em violação do pacto de competência])»(27): cfr. o art. 108º.
«O tribunal não pode nunca conhecer oficiosamente essa violação, a qual está, por isso, dependente de arguição da parte, nos termos do art. 109º-1, sob pena de ficar sanada a falta do pressuposto» (28).
«Em compensação, o tribunal conhece oficiosamente da nulidade do pacto de competência tendente ao afastamento das regras de competência que, segundo o nº 1 [do cit. art. 100º], não podem ser afastadas por vontade das partes e, consequentemente, da incompetência do tribunal em que, de acordo com o pacto, a acção seja proposta (arts. 102º e 110º)» (29).
«Data do diploma intercalar de 1985 [Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho] a introdução de casos de conhecimento oficioso da incompetência em razão do território, que anteriormente só era arguível pelo réu» (30). «Logicamente, não podem as partes nesses casos afastar as normais legais de competência, sendo nulo o pacto que o estipule» (31).
Porém, à data (2 de Fevereiro de 2005) em que foi celebrado o contrato de mútuo a que é feita referência nos autos, o artigo 110º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil (cuja redacção era ainda a que lhe fora dada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro) ainda não incluía, no elenco das causas de conhecimento oficioso da incompetência em razão do território, as acções referidas na primeira parte do nº 1 do artigo 74º (isto é, as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso). Consequentemente, nessa data, a lei processual vigente não impedia o afastamento da norma legal de competência em razão do território estabelecida no cit. art. 74º-1, nas referidas acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso, sendo, portanto, válido (e não nulo) o pacto que o estipulasse.
Eis por que o pacto de competência contido na mencionada cláusula 16ª das “Condições Gerais” do contrato de mútuo invocado pela Autora/Agravante (na petição inicial da presente acção) - em que se estipulou o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, para todas as questões emergentes do mesmo contrato – era processualmente válido, à sombra da lei vigente na data em que tal contrato foi celebrado.
Simplesmente, em 1 de Maio de 2006 (cfr. o artigo 2° da Lei n.° 74/98, de 11 de Novembro), entrou em vigor a nova redacção conferida à cit. alínea a) do nº 1 do art. 110º do CPC pelo artigo 1º da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, em face da qual também as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso passaram a figurar no elenco das causas em que o tribunal conhece oficiosamente da incompetência em razão do território.
Consequentemente, a partir daquela data (1 de Maio de 2006), deixou de ser válido (para passar a ser nulo) um pacto de competência que – como o contido na mencionada cláusula 16ª das “Condições Gerais” do contrato de mútuo invocado pela Autora/Agravante - afaste a norma legal de competência contida no cit. art. 74º-1 do CPC, numa acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso.
O despacho ora recorrido foi, porém, mais longe e entendeu que, como a cit. Lei n.° 14/2006 é uma lei processual e, ipso facto, de aplicação imediata, sendo que, ademais, o artigo 6° do mesmo diploma manda aplicar esta lei às acções e aos requerimentos de injunção instauradas ou apresentados depois da sua entrada em vigor, sendo, portanto, a "data da apresentação" em juízo da acção o momento relevante para efeitos de aplicação desta lei (e não a data da celebração do contrato no qual se contenha um pacto de competência), “a circunstância de haver sido celebrado pacto de competência anterior não afasta o critério legal consagrado, exactamente porque tal pacto, face à opção legislativa tomada, passou desde então a não ser reconhecido, pelo legislador, como disposição susceptível de afastar o critério legal de fixação de competência em razão do território” (sic).
Donde que, no caso dos autos, como a presente acção já foi proposta depois da entrada em vigor da cit. Lei nº 14/2006, “haverá que concluir que o pacto de competência [anteriormente] celebrado deixou de ser reconhecido como válvula de afastamento da competência legal, na medida em que no momento em que a A. apresenta em juizo a douta Petição, o pacto extravasa os limites da autonomia contratual, consagrada no artigo 405°, n.° 1 do Código Civil, não lhe sendo reconhecida qualquer eficácia, sendo o mesmo nulo, por impossibilidade legal” (sic).
Será assim ?
A resposta à questão de saber se a cit. Lei nº 14/2006, rectius, se a nova redacção conferida por este diploma à alínea a) do artigo 110º do C.P.C. (e a consequente proibição do afastamento convencional da norma legal de competência em razão do território estabelecida no cit. art. 74º-1, nas acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso) é aplicável a pactos de competência anteriores à sua entrada em vigor, passa, necessariamente, pela aplicação ao caso vertente do critério estabelecido, em matéria de aplicação da lei no tempo, no artigoº 12º, nº 2, 1ª parte do Código Civil(32)(33)(34).
«Estipula o referido art. 12º, 1, que a lei só dispõe para futuro, quando lhe não seja atribuída eficácia retroactiva pelo legislador; e que, mesmo nesta última hipótese, se presumem ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular» (35).
«Formula-se aqui um princípio geral, digamos programático, mas um tanto vago, através do qual se pretende significar que a lei, em regra, não é nem deve ser retroactiva, incidindo apenas sobre o futuro e respeitando, pois, o passado»(36).
Porém, «o artigo 12º, depois de enunciar o princípio geral da irretroactividade, reconhece que esse princípio não vincula o próprio legislador».(37) «É um critério válido apenas para o executor da lei, o qual não deve fazer deste uma aplicação retroactiva, excepto na medida e nos termos em que a lei, convenientemente interpretada, o imponha»(38).
Acresce que, por força do disposto na parte final do cit. art. 12º, nº 1, mesmo «quando o legislador atribui eficácia retroactiva, presume-se que ele visa uma retroactividade mitigada, traduzida apenas na aplicação da lei aos efeitos pendentes, e não aos efeitos extintos (ou esgotados) na vigência da lei revogada, e por maioria de razão, embora o artigo não o diga expressamente, com ressalva dos próprios factos geradores de todos esses efeitos»(39). «A retroactividade só assumirá um cariz mais agressivo ou violento, consistente em sujeitar inclusive à regulação da lei nova os factos pretéritos ou os seus efeitos também pretéritos, se o legislador manifestar inequivocamente essa sua vontade, afastando a aludida presunção»(40).
Na 1ª parte do nº 2 do mesmo art. 12º (“Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos”), o Código reafirma, com alguma redundância, o princípio da irretroactividade, «ao explicitar que se entende, em caso de dúvida (41), que a lei só visa os factos novos, não submetendo ao seu império os factos passados nem os respectivos efeitos: o que não é mais do que repetição ou desenvolvimento do estatuído no nº 1» (42)(43)(44).
Porém, na 2ª parte do nº 2 do mesmo preceito, o Código esclarece que não há, todavia, retroactividade se a lei “dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações ou situações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem”, pois a lei abrange então as próprias relações ou situações já constituídas à data da sua entrada em vigor. Essas relações ou situações que devem ser encaradas em si próprias, desligadas da sua génese, «são as de execução duradoura ou, mais concretamente, de execução continuada ou periódica, como as relativas ao direito de propriedade ou outros direitos reais, v.g. usufruto ou servidão, ou as relativas ao estado das pessoas, v.g. o estado de casado ou o estado de filho, as quais se desprendem da sua fonte geradora e se vão sujeitando às mutações legislativas, estando em cada momento sob o império da disciplina legal vigente, sem que isso implique retroactividade»(45).
«Desenvolvendo o princípio da não retroactividade nos termos da teoria do facto passado, o art. 12º, 2, distingue dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos ou sobre os efeitos de quaisquer factos (1ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2ª parte)» (46).
«As primeiras só se aplicam aos factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: situações jurídicas) constituídas antes da Lei Nova mas subsistentes ou em curso à data do seu Início de Vigência» (47)(48).
«À parte isto, o nº 2 do art. 12º deixa entrever a possibilidade de leis que regulem o conteúdo das relações jurídicas atendendo aos factos que lhes deram origem (sem abstrair destes factos)»(49). «Tal o que acontece no domínio dos contratos, pelo menos em todos os casos em que as disposições estabelecidas pela Lei Nova tenham natureza supletiva ou interpretativa»(50).
Em resumo: «À constituição das Situações Jurídicas (requisitos de validade, substancial e formal, factos constitutivos), aplica-se a lei do momento em que essa constituição se verifica; ao conteúdo das Situações Jurídicas que subsistam à data do Inicio de Vigência da Lei Nova aplica-se imediatamente esta lei, pelo que respeita ao regime futuro deste conteúdo e seus efeitos, com ressalva das situações de origem contratual relativamente às quais poderia haver uma como que “sobrevigência” da Lei Antiga»(51).
Assim, a regra de conflitos que se extrai do art. 12º, nº 2, 1ª parte, do Cód. Civil é a de que «a Lei Nova sobre o regime dos contratos não se aplica aos contratos anteriores»(52), sendo «a lei de origem ou lex contractus que regula todos os efeitos dos contratos: quer os efeitos directos, quer os chamados efeitos indirectos»(53)(54)(55)(56).
Sintetizando: «O “estatuto do contrato” é determinado em face da lei vigente ao tempo da conclusão do mesmo contrato»(57). «Sempre que, porém, as cláusulas de um contrato celebrado na vigência da Lei Antiga e por esta consideradas válidas brigem (conflituem) com as disposições da Lei Nova com incidência sobre os efeitos dos contratos [e não sobre a validade destes], sendo o teor de tais disposições ditado por razões atinentes ao estatuto das pessoas ou dos bens, a princípios estruturadores da ordem social ou económica, estas disposições prevalecem sobre aquelas cláusulas»(58) (59) (60).
Ora, no caso de que nos ocupamos, é, a todas as luzes, evidente que a nova regulamentação introduzida na disciplina dos pactos de competência pela mencionada Lei nº 14/2006, mercê da nova redacção conferida à al. a) do nº 1 do art. 110º do CPC, ao incluir no elenco das causas em que o tribunal conhece oficiosamente da incompetência em razão do território as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso – o que consequencia que, nestas acções, seja, doravante, proibido o afastamento convencional da norma legal de competência em razão do território estabelecida no cit. art. 74º-1 do CPC -, incide sobre a própria validade (e não apenas sobre os efeitos) dos pactos de competência.
Como assim, a validade do pacto de competência contido na mencionada cláusula 16ª das “Condições Gerais” do contrato de mútuo invocado pela Autora/Agravante tem de ser aferida à luz da lei processual que estava em vigor quando tal pacto foi firmado (em 2 de Fevereiro de 2005), e não à luz da nova lei processual entretanto sobrevinda (a cit. Lei nº 14/2006)(61).
Assim sendo, o agravo da Autora procede, quanto a esta questão, não podendo, consequentemente, subsistir o despacho recorrido.
Destarte, acha-se prejudicada a apreciação daqueloutra questão suscita pelo Agravante, nas conclusões da sua alegação de recurso (art. 660º-2 do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 713º-2 do mesmo diploma): a da pretensa inconstitucionalidade (por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não retroactividade consignados no artigo 18º, nºs. 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, e, também ainda, por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, corolários ambos do principio de um Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2º da Constituição da Republica Portuguesa) da norma, decorrente da conjugação da parte final do n.º 1 do artigo 100.º com a alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º, enquanto se refere às causas mencionadas na primeira parte do n.º 1 do artigo 74.º, todos do CPC, sendo os dois últimos artigos na redacção dada pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, interpretada no sentido de que a proibição do afastamento, por convenção expressa das partes, da regra de competência em razão do território, constante do último preceito citado, se aplica às acções instauradas depois da entrada em vigor da Lei n.º 14/2006, mesmo que a convenção de foro conste de contrato celebrado antes dessa vigência.
É certo que o Tribunal Constitucional já por duas vezes se pronunciou no sentido de que a aplicação da alínea a) do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, aos contratos celebrados antes da entrada em vigor desta última Lei, ainda que se entenda que se trata de uma aplicação retroactiva da mesma, não consubstancia violação de forma inadmissível, intolerável ou arbitrária dos direitos ou expectativas fundadas do recorrente, não se verificando, por isso, o desrespeito dos mínimos de certeza e segurança salvaguardados pelo artigo 2º da Constituição: fê-lo no Ac. n.º 691/2006, de 19/12/2006, proferido no Proc. n.º 937/06 (relatado pelo Conselheiro GIL GALVÃO) e no Ac. n.º 41/2007, de 23/1/2007, proferido no Proc. n.º 923/06 (relatado pelo Conselheiro MÁRIO TORRES).
Simplesmente, nesses arestos, não deixou de se ressalvar que estava fora do âmbito do recurso de constitucionalidade a resolução da questão de saber se as alterações introduzidas, em sede de processo civil, pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, se aplicam ou não às questões emergentes de contratos celebrados antes da sua entrada em vigor em que as partes tenham escolhido foro convencional. Isto porque não cabe ao Tribunal Constitucional dirimir conflitos de interpretação de normas infraconstitucionais, nem determinar qual a melhor interpretação de tais normas, mas, apenas decidir se a interpretação por que optou a decisão recorrida é ou não compatível com a Constituição. Consequentemente, o Tribunal Constitucional não sindicou, nem tinha de sindicar, por estar fora do âmbito dos recursos para ele interpostos, a questão de saber se a interpretação dos preceitos em causa feita pelo tribunal recorrido é ou não a melhor (de acordo com os cânones hermenêuticos).

DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao presente recurso de Agravo, revogando o despacho recorrido e declarando válida e em vigor - por lhe não ser aplicável a Lei nº 14/2006, de 26.04 - a cláusula contratual estipulante de foro convencional contida no contrato de mútuo invocado pela Autora/Agravante, pela qual se estipulou a competência territorial da Comarca de Lisboa para todas as questões emergentes do aludido contrato, com expressa renúncia a qualquer outro foro, em razão do que esta acção deverá prosseguir os seus termos até final no tribunal “a quo” a que foi distribuída.
Custas pela parte vencida a final.
Lisboa,
Rui Vouga
Carlos Moreira (vencido)
Isoleta Almeida Costa

Voto de Vencido
O art. 74º do CPC é aplicável, na sua actual redacção, aos processos instaurados, após a sua entrada em vigor – Lei 14/2006.
_______________________________
1 Que consubstancia cláusula contratual geral.
2 "A celebração de convenções sobre a competência está genericamente sujeita às mesmas regras de formação (atinentes à declaração de vontade e aspectos conexos) e aos mesmos requisitos de validade de qualquer contrato substantivo. Por regra, os elementos constitutivos da convenção são regulados pelo direito material e a sua admissibilidade e efeitos são definidos pelo direito processual" - Teixeira de Sousa, Miguel, Competência declarativa dos tribunais comuns, Lex, pág. 100.
3 Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
4 Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
5 O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
6 A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Proceso Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
7 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns”, 1994, p. 99.
8 ANTUNES VARELA in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., 1985, p. 223.
9 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 1999, p. 178.
10 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
11 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
12 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit.., pp. 99 in fine e 100.
13 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado” cit., Vol. 1º cit., p. 186.
14 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
15 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
16 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit.., p. 100.
17 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem.
18 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit.., p. 106.
19 De facto, «a competência atribuída ex contractu ao tribunal designado pode ser exclusiva ou concorrente com a do tribunal legalmente competente» (MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit., p. 102). «Ou seja: a convenção pode excluir ou manter a competência do tribunal legalmente competente» (ibidem). Embora isto apenas esteja expressamente previsto quanto aos pactos de jurisdição (art. 99º, nº 2), nada obsta à admissibilidade da definição duma competência concorrente através dum pacto de competência ou duma convenção de arbitragem (cfr., neste sentido, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem). Efectivamente, «se as partes podem retirar totalmente competência ao tribunal competente na ordem interna através de um pacto de competência (art. 100º, nº 1), então também lhes pode ser reconhecida a faculdade de definirem como concorrente a competência do tribunal indicado» (MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem).
20 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit.., pp. 106 in fine e 107.
21 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit.., p. 107.
22 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem.
23 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem.
24 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem.
25 Cfr., no sentido de que a estipulação de foro convencional não abrange terceiro que demande um dos outorgantes, por factos relacionados com o contrato (Ac. do S.T.J. de 15/5/1942, no Bol. Oficial, 2º, pág. 156), mas é eficaz em relação aos herdeiros dos contraentes (Ac. do S.T.J. de 7/4/1970, in BMJ nº 196, pág. 226), ANTUNES VARELA in “Manual de Processo Civil” cit., p. 225, nota 2.
26 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit.., p. 100.
27 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado” cit., Vol. 1º cit., p. 187.
28 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
29 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
30 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado” cit., Vol. 1º cit., p. 185.
31 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
32 Cfr., no sentido de que, «não havendo regra particular nem critério específico de um ramo de direito vigora o critério universal, consagrado (…) no art. 12º do Código Civil», OLIVEIRA ASCENSÃO in “O Direito. Introdução e Teoria Geral”, 9ª ed., 1995, p. 484. Segundo este Autor (ibidem), trata-se dum preceito que não é específico do Direito Civil, antes se estende tendencialmente a toda a ordem jurídica.
33 Cfr., também no sentido de que é no artigo 12º do Código Civil que «se contêm os princípios gerais sobre a aplicação da lei no tempo para todo o nosso ordenamento jurídico», BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 1983, p. 232. «Com efeito – segundo este Autor (ibidem) -, é neste artigo [12º] e nos arts. 13º (leis interpretativas) e 297º (alteração de prazos) que se fixam os critérios aplicáveis em todos os ramos de direito (excepção feita no direito penal e com a (…) reserva da possibilidade de uma retroactividade in mitius noutros ramos de direito»).
34 Cfr., igualmente no sentido de que o artigo 12º do Código Civil, embora não estando inserido na Constituição, funciona como uma autêntica bitola profunda da ordem jurídica, MENEZES CORDEIRO in "Problemas de Aplicação da Lei no Tempo. Disposições Transitórias", A Feitura das Leis, II, 1986, p. 374 e ss.
35 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., pp. 232-233.
36 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES in “Introdução ao Estudo do Direito”, Vol. I, 11ª ed., 2001, p. 291.
37 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES in ob. e vol. citt., p. 292.
38 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, ibidem.
39 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, ibidem.
40 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, ibidem.
41 Segundo MANUEL DE ANDRADE (in “Fontes do Direito”, publicado in BMJ nº 102), esta restrição (“em caso de dúvida”) significa que a regra enunciada representa só uma indicação liminar, que deve ceder perante razões ponderosas em contrário, tiradas principalmente da consideração dos interesses em jogo. Porém – como nota OLIVEIRA ASCENSÃO (in “O Direito. Introdução e Teoria Geral” cit., p. 493) -, «a lei não diz que se entende em princípio, diz que se entende em caso de dúvida… Isto significa que, se a situação tiver uma solução categórica, se aplica tal solução; se a não tiver, se a ambiguidade se mantiver, aplica-se a regra subsidiária legal». E quando é que se pode dizer que a situação tem uma solução categórica ? Segundo OLIVEIRA ASCENSÃO (in ob. cit., p. 494), «só não há dúvida quando os dados normativos impuserem certa solução». «Se não houver nenhum preceito específico ou se os preceitos existentes não bastarem para afastar a ambiguidade, aplicam-se então as regras do art. 12º, com a mesma imperatividade de qualquer outra regra jurídica» (ibidem).
42 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES in ob. e vol. citt., p. 293.
43 «Esclarece-se que, sendo o facto pretérito um facto voluntário, isto é, um acto jurídico, como um empréstimo, haverá retroactividade se a lei nova estabelecer para ele novas condições de validade, substancial ou formal, como se por ex. faz depender de escritura pública, até aí não exigida, os empréstimos anteriores» (INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, ibidem).
44 «Assim, se se pergunta se um contrato celebrado por mero escrito particular se torna irregular se a lei nova exigir para a celebração escritura pública, a resposta deve ser negativa» (OLIVEIRA ASCENSÃO in “O Direito. Introdução e Teoria Geral” cit., p. 494). «A lei nova respeita às condições de validade formal de um facto, a celebração do contrato, e por isso os contratos já celebrados não são atingidos por esta nova exigência» (ibidem).
45 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES in ob. e vol. citt., pp. 293-294.
46 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., p. 233.
47 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., ibidem.
48 Para distinguir os efeitos que estão previstos na primeira parte do preceito e os que caem já no âmbito da segunda parte, «o elemento decisivo está na referência à lei que dispuser sobre o conteúdo de certas situações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem» (OLIVEIRA ASCENSÃO in ob. cit., p. 494). «1) A lei pode regular efeitos como expressão de uma valoração dos factos que lhes deram origem: nesse caso aplica-se só aos novos factos» (ibidem). «Assim, a lei que determina a obrigação de indemnizar exprime uma valoração sobre o facto gerador de responsabilidade civil; a lei que estabelece poderes e vinculações dos que casam com menos de 18 anos exprime uma valoração sobre o casamento nessas condições» (OLIVEIRA ASCENSÃO in ob. cit., pp. 494-495). «2) Pelo contrário, pode a lei atender directamente à situação, seja qual for o facto que a tiver originado» (OLIVEIRA ASCENSÃO in ob. cit., p. 495). Por exemplo, «se a lei estabelece os poderes e vinculações do proprietário, pouco lhe interessa que a propriedade tenha sido adquirida por contrato, ocupação ou usucapião: pretende abranger todas as propriedades que subsistam» (OLIVEIRA ASCENSÃO, ibidem). «Aplica-se então imediatamente a lei nova» (OLIVEIRA ASCENSÃO, ibidem).
49 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., ibidem.
50 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., ibidem.
51 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., p. 234.
52 BAPTISTA MACHADO in “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Coimbra, 1968, p. 114.
53 BAPTISTA MACHADO, ibidem.
54 «Assim, p. ex., não se aplica aos contratos de mútuo anterior a Lei Nova que vem reduzir o máximo legal da taxa de juros compensatórios» (BAPTISTA MACHADO, ibidem).
55 «É segundo a lei do tempo do contrato que deverá apreciar-se o grau de diligência a que o devedor está adstrito ou as causas modificativas da sua responsabilidade» (BAPTISTA MACHADO, ibidem). «O mesmo se diga, p. ex., relativamente ao lugar de cumprimento da obrigação e à solidariedade entre os condevedores» (BAPTISTA MACHADO, ibidem).
56 Assim, por exemplo, «a lei competente para regular as causas de rescisão ou resolução dos contratos é a lei que presidiu à celebração dos mesmos» (A. e ob. citt., p. 117).
57 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., p. 242.
58 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., ibidem.
59 Segundo ANTUNES VARELA (in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 114º, p. 16), «a lei reguladora dos contratos será a de que cada contrato tem em princípio como estatuto definidor do seu regime, a lei vigente à data da sua celebração». «É à luz desse pensamento que deve ser interpretada e aplicada a norma inscrita no art. 12º segundo a qual “a lei só dispõe para o futuro” sem prejuízo da outra directriz que decorre da parte final do nº 2 do mesmo artigo, quanto ao conteúdo das relações contratuais de carácter duradouro» (ibidem).
60 Segundo VAZ SERRA (in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 110º, p. 272), os efeitos dos contratos são regulados pela lei vigente no momento da sua conclusão: mas se a lei regular o estatuto legal das pessoas ou dos bens, a lei nova é imediatamente aplicável a todas as situações pendentes, mesmo que se encontrem reguladas por situações contratuais».
61 Cfr., precisamente no sentido de que a doutrina perfilhada no Ac. da Rel. de Évora de 28/1/1993 (publicado in Col. Jurispª., 1993, tomo I, p. 267) – de que a redacção dada ao art. 100º, nº 1, [do C.P.C.] pelo Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho, segundo a qual não são válidos os pactos de competência que afastam a competência territorial nos casos referidos no art. 109º, nº 2, é aplicável às convenções celebradas antes da entrada em vigor dessa alteração legislativa - «não parece conciliável com o disposto, em matéria de aplicação da lei no tempo, no art. 12º, nº 1, 1ª parte, do Código Civil», MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit., p. 108.