Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1393/12.2TBFUN.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO
TÍTULO EXECUTIVO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Apresentando-se como título executivo uma proposta de contrato de crédito, subscrita e assinada pelo mutuário, e dependente da aceitação expressa do mutuante ou da entrega do montante financiado, e não demonstrando o título junto com o requerimento executivo essa entrega, é manifesta a falta do título executivo.
-No caso de falta manifesta de título executivo, não cumpre ao juiz proferir prévio despacho de aperfeiçoamento.
-Ao indeferimento liminar previsto no artigo 812º-E do CPC (na versão dos DL 38/20003 e DL 226/2008), não se aplica a limitação temporal pela data da primeira transmissão de bens prevista no artigo 820º do mesmo diploma e versão.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.-Relatório:


Banco ...., nos autos m.id., intentou a presente acção executiva para pagamento de quantia certa contra A..., nos autos também m.id., pelo valor de 10.806,95 € apresentando como título executivo o intitulado contrato que consta do documento nº 1 junto com o requerimento executivo, através do qual, invoca, emprestou à executada o montante dele constante, sendo que a mutuária incumpriu o pagamento das prestações acordadas, vencendo-se toda a dívida.

A acção, autuada em 17.3.2012, prosseguiu os seus trâmites, vindo a ser proferido despacho que a indeferiu liminarmente por ser manifesta a falta de título executivo.

Inconformada, a exequente interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:

1.-Em 16/03/2012, o Recorrente instaurou uma ação executiva para pagamento de quantia certa contra a ora Recorrida A....
2.-Para o efeito, juntou um Contrato de Crédito, constituído por duas páginas, uma contendo as Condições Particulares” e outra contendo as “Condições Gerais”.
3.-Neste contrato, escreveram-se, além do mais: - O montante exato do capital financiado, o valor da mensalidade/TAEG, Taxa nominal anual Etc.
4.-O contrato foi assinado pela Recorrida, que ainda autorizou que as prestações do crédito concedido fossem pagas por “débito em conta” aberta em nome dela num determinado balcão de um Banco.
5.-Face ao incumprimento, ocorrido em 18/01/2011, o credor instaurou a competente ação executiva.
6.-Esta ação executiva não foi hoje submetida a despacho liminar, nos termos da lei então em vigor.
7. Efetuada a penhora sobre os reembolsos de IRS, o Sr. Agente de Execução citou a Recorrida para pagar ao exequente a quantia pedida ou para ela, querendo, se opor à execução e se opor à penhora.
8.-Efetuada a penhora sobre o vencimento da Executada, o Sr. Agente de Execução citou-a para pagar ao exequente a quantia pedida ou para ela, querendo, se opor à execução e se opor à penhora.
9.-A Mutuária não pagou, mas também não deduziu qualquer oposição, ou seja, reconheceu a dívida, reconheceu a exigibilidade do contrato, reconheceu tudo, afinal…bem como também não reagiu contra a penhora.
10.-Mais de quatro anos após a instauração da execução, em 16/09/2016, a Mmª Juiz a quo entendeu que o Contrato de Crédito junto com o Requerimento Executivo não reunia os requisitos para que pudesse constituir um verdadeiro título executivo e que, por isso, era manifesta a falta de título executivo, razão pela qual rejeitou a execução.
11.-Na verdade, tal ilustríssima Magistrada considerou o documento junto como uma mera proposta, baseando-se para tal no facto de, pela leitura do mesmo, não se demostrar a entrega da coisa mutuada.
12.-Quanto ao primeiro argumento, sustenta a Mmª juiz a quo que quando alguém subscreve um contrato para o financiamento de certa quantia, (significando que aceita as cláusulas nele impostas), a consequência lógica e previsível não é a entrega do valor mutuado.
13.-É óbvio que o montante foi entregue à Recorrida, se assim não fosse, a frase “Recebe 7.000€” e a frase “Autorizo o Banco ... a debitar na minha conta acima indicada o valor das prestações devida no âmbito deste contrato” não fariam qualquer sentido.
14.-Com todo o respeito, a não ser que haja uma espécie de presunção de que o Exequente esteja a mentir, ou a não ser que haja uma interpretação do exercício da função jurisdicional, digamos, protecionista de uma das partes em detrimento da outra, esquecendo o natural “favor creditóris” que deve influenciar toda a tramitação processual executiva, não se entende, que a Mmª Juiz a quo tenha decido que, no título, não consta que à executada tenha sido entregue qualquer montante.
15.-É inconcebível tal interpretação e ninguém acredita nela. Nem a Recorrida.
16.-Posto isto, parece escusado invocar o óbvio: o contrato foi preenchido e assinado pela Recorrida e foi devolvido (preenchido e assinado), ao agora Recorrente.
17.-Consequentemente o aqui Recorrente mutuou à Recorrida a quantia solicitada.
18.-Portanto, ao contrário do entendimento da Mm.ª Juiz a quo o contrato não é uma mera proposta, pois, em parte alguma, o documento faz essa referência e jamais as partes o disseram, só mesmo a Mmª juiz “descortinou” tal interpretação.
19.-Seguidamente, considerou ainda a Mmª Juiz a quo que o documento constituiu um “exemplar a devolver”, uma vez que na cláusula 2.2 do contrato resulta que a eficácia do mesmo contrato depende da aceitação ou recusa do Mutuante.
20.-Então, na cláusula 2.2 das Condições Gerais do Contrato, refere-se que o contrato só se poderia considerar eficaz após aceitação expressa por escrito pelo Credor ou com a entrega do montante financiado.
21.-Ora a interjeição “OU” significa que bastava que se verificasse uma daquelas duas situações para que o contrato se considerasse eficaz, e parece que a Mmª Juiz a quo não atentou na segunda possibilidade.
22.-Assim, muito sinceramente, uma vez que está comprovado depois de tudo quanto foi dito quanto à entrega do montante financiado.
23.-Por fim, entendeu ainda a Mmª Juiz a quo que o documento dado à Execução não é título Executivo pois dele não resulta que tenha ocorrido qualquer incumprimento imputável à Executada.
24.-Sucede que toda a execução tem por base um título e que, no caso em concreto, o título dado à Execução foi um contrato que, ao tempo, nos termos do artigo 46.º 1 c) do anterior Código de Processo Civil, era reconhecido como título executivo.
25.-De acordo com o referido artigo, seria título executivo o documento particular assinado pelo devedor que importasse a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias cujo montante fosse determinado ou determinável por simples calculo aritmético. O que acontece no caso em apreço!
26.-Não restam dúvidas de que o documento acionado era, ao tempo, um título executivo, nos termos do artigo 46º.1.c) do anterior CPC e salvo o devido respeito, não tem de se encontrar demostrado o incumprimento para o mesmo valer como tal.
27.-Sem prescindir, ainda que se entendesse que o documento junto com o Requerimento Executivo não era título executivo porque faltava a demonstração da entrega à Mutuária do montante financiado ou porque faltava a demonstração do incumprimento, sempre o despacho que haveria de ser proferido deveria de ser o de convite ao aperfeiçoamento e não o de rejeição da execução, que consistiu num verdadeiro indeferimento liminar.
28.-O indeferimento liminar é um despacho que rejeita a continuidade dos autos e que só deve ser proferido quando seja de todo impossível a sanação de qualquer vício ou o completamento com qualquer documentação em falta.
29.-Se o Mmº Juiz a quo entendia que o Exequente deveria ter junto prova documental para assim completar aquilo a que, habitualmente, se chama de “título composto”, sempre haveria de ter convidado o demandante a juntar tal documentação, sob pena de, então sim, ser rejeitada a execução.
30.-A decisão de que se recorre afeta a segurança jurídica e frustra as legítimas expectativas das partes e é contra a estabilidade do processo, contra o princípio da utilidade dos atos, contra o princípio do dispositivo e contra a credibilidade e a confiança que aos cidadãos deve ser inspirada pelo funcionamento da Justiça.
31.-Partindo do princípio de que o Exequente não estava a mentir, ele demonstrou o financiamento, alegou os factos constitutivos do seu crédito e o incumprimento por parte da agora Recorrida.
32.-O segundo dado processual sobre a questão é a concordância por parte da Executada, ora Recorrida pois ela, assinou, pelo próprio punho, o contrato junto com o requerimento executivo, e além de subscrever o dito contrato, a Recorrida, não só não se opôs à execução (reconhecendo, dessa forma, a existência da dívida), como viu penhorados os seus reembolsos de IRS de 2012 e 2014, bem como, durante um ano, o seu vencimento foi alvo de penhora à ordem dos autos, sem levantar qualquer tipo de questão, opção ou objeção.
33.-Sem prejuízo do que se deixou dito, e supletivamente, há a acrescentar o seguinte: No caso concreto, o despacho que o Mmº Juiz a quo proferiu pecou por extemporaneidade.
34.-Com efeito, prescreve o artigo. 734º.1 do Código de Processo Civil (como, anteriormente, prescrevia o artigo 820º.1 do anterior CPC) que o juiz pode conhecer oficiosamente das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo, MAS SÓ ATÉ AO PRIMEIRO ACTO DE TRANSMISSÃO DOS BENS PENHORADOS.
35.-Ora, no caso em apreciação, resulta inequivocamente dos autos que o Sr. Agente de Execução entregou ao Exequente as quantias penhoradas, ou seja, pagou.
36.-Ocorreu há muito o primeiro ato de transmissão e ocorreram, depois, muitos outros atos de transmissão de bens penhorados.
37.-Pelo exposto, considera o Recorrente que a execução em apreço se mostra inequivocamente fundada em documento que reúne todos os requisitos legalmente exigidos para se considerar como título executivo, não devendo a decisão proferida pelo tribunal a quo subsistir.

Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações.

Apesar da recorrente ter pedido a fixação de efeito suspensivo ao recurso, oferecendo-se para prestar caução, o tribunal recorrido admitiu o recurso com efeito meramente devolutivo, sem se pronunciar sobre o oferecimento de prestação de caução e as razões invocadas para justificar a atribuição de efeito suspensivo. Competindo a tramitação e atribuição de efeito suspensivo ao tribunal recorrido, como resulta do artigo 641º do CPC, posto que a recorrente foi notificada do despacho de admissão do recurso e de fixação, ao mesmo, do efeito devolutivo, nada tendo requerido, entende-se que se conformou com tal despacho, na medida em que, pese embora o despacho não seja recorrível, não deixa de poder ser atacado por via da nulidade por omissão de pronúncia.
 
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II.-
Direito:
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, a questão a decidir é a de saber se a execução não devia ter sido liminarmente indeferida, por existência do título executivo, ou por a decisão em causa não ser possível sem um prévio despacho de aperfeiçoamento ou não ser possível por via de já ter ocorrido transmissão de bens.

III.-
A matéria de facto a considerar é a constante do relatório supra, dando-se aqui como reproduzido o documento nº 1 junto com o requerimento executivo.
Resulta ainda dos autos que foi realizado auto de penhora de créditos da executada (IRS) na D.G.C.I, no valor de €647,98, em 7.7.2015, penhora de que a executada foi notificada, e ainda que, com data de 26.10.2015, foi realizado auto de penhora do vencimento que a mesma executada aufere através da sua entidade patronal, Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura, no valor de €305,34, penhora de que a executada foi também notificada. Mais resulta que foi elaborado auto de penhora do crédito de IRS da executada relativo ao ano de 2012 junto da D.G.S.F., no valor de €547,62, de que a executada também foi notificada.

IV.-
Apreciação
Escreveu-se no despacho recorrido, e citamos:
“Nos presentes, o Banco BPN Paribas Personal Finance, S. A. intentou a presente execução comum para pagamento de quantia certa juntando, como título executivo, um documento psrticular
como título executivo, um documento particular denominado “Contrato de Crédito”.

Cumpre apreciar e decidir.

Atendendo a que estamos em sede de apreciação do requerimento executivo e do título executivo que o acompanha – permitida nos termos do disposto no artigo 734º do actual CPC, anterior artigo 820º –, a questão tem que ser apreciada à luz da legislação aplicável à data da entrada da execução, por força do disposto no artigo 6º, n.º 3, da Lei 41/2013, ou seja, ao abrigo das disposições legais com as redacções dadas pelos DL 38/2003 e DL 226/2008.

O título executivo é o documento que pode segundo a lei, servir de base à execução de uma prestação, já que ele oferece a demonstração legalmente bastante do direito correspondente (Castro Mendes, Lições de Direito Civil, 1969, pág. 143).

Do ponto de vista formal, o título é o documento em si próprio e, do ponto de vista material, é a demonstração legal do direito a uma prestação (o mesmo Autor, A causa de Pedir na Acção Executiva – Rev. Fac. Direito da Universidade de Lisboa, vol. XVIII, págs. 189 e segs).

O Processo Executivo visa realizar coercivamente um direito já afirmado.

Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”, pelo que, facilmente, se percebe que aquela afirmação deve necessariamente constar do título executivo (artigo 45º, n.º 1 do CPC). E também só essa prévia afirmação do direito permitirá entender o comando do artigo 55º, n.º 1 do mesmo Código, segundo a qual “a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tinha a posição de devedor”.

E, “para que um documento particular sirva de título executivo, tem de traduzir, sem quaisquer dúvidas, a obrigação do devedor para com o credor...”. Isto é, a acção executiva “não pode ter lugar perante a simples previsão da violação dum direito”, mas só “depois de consumada a violação ou de se ter tornado exigível a obrigação…pressupondo, logicamente, a prévia solução da dúvida que possa haver sobre a existência e a configuração do direito exequendo” (Lebre de Freitas – in A Acção Executiva, 2004, p. 13 e sgs, rectius, 29, 57, 71, 74 e 81).

Ou seja, a acção executiva pressupõe o incumprimento definitivo da obrigação que emerja do próprio título dado à execução, isto é, que o direito inscrito no título dado à execução está definido e acertado.

A realização coactiva da prestação exige a anterior definição dos
elementos-objectivo e subjectivo - da relação jurídica de que ela é objecto.
Conforme já salientava Alberto dos Reis, “...desde que a execução não é conforme ao título, na parte em que existe divergência, tudo se passa como se não houvesse título: nessa parte a execução não encontra apoio no título” (Código do Processo Civil Explicado, pág. 26).
E, sempre que isso aconteça, ou seja, “... se a discordância entre o pedido e o título consistir em excesso de execução, isto é, em se pedir mais do que o autorizado pelo título”, cabe ao juiz indeferir liminarmente o requerimento executivo na parte em que exceda o conteúdo do título, mandando prosseguir a execução pela parte que efectivamente lhe corresponda” (Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, pág. 29).

Já se a discordância entre o pedido e o título for absoluta, o indeferimento será, naturalmente, total.
Quanto à causa de pedir em acção executiva, há quem entenda que ela se reconduz ao próprio título accionado (cfr. Alberto dos Reis, Comentário, I, pág. 98, Lopes Cardoso, ob. cit., págs. 23 e 29 e Ac. do STJ de 24-11-83, BMJ 331/469), enquanto outros sustentam que ela é antes constituída pela factualidade essencial de onde emerge o direito, reflectida embora no próprio título (cfr. Castro Mendes, A Causa de Pedir..., págs. 189 e sgs., Lebre de Freitas, Acção Executiva, 2ª ed., pags. 64 e 65, A. Varela, RLJ, 121º/148 e sgs e Ac. do STJ de 27-1-98, CJ, STJ, I, pág. 40).
Como quer que seja, os próprios defensores da 2ª teoria não retiram qualquer relevo ao título executivo, limitando-se a enquadrá-lo no seu meio próprio, que é o processual, do mesmo passo que enquadram a factualidade causal no seu meio próprio, que é o substantivo (cfr. Ac. do STJ de 27-7-94, CJ, STJ, III, pág. 70)” (fim de citação).

Alinha-se na generalidade com o enquadramento legal feito.

Prosseguiu o despacho recorrido: “No caso em apreço, o título dado à execução é constituído pelo documento particular denominado “Contrato de Crédito”.

Em tal documento, onde se contém um clausulado geral, não é possível delinear um qualquer contrato de mútuo - que apenas se pode ter como concluído e perfeito com a entrega da coisa mutuada -, mas antes e quando muito uma mera proposta.

O documento dado à execução é um “exemplar a devolver”, sendo que o respectivo preenchimento se destinou apenas à avaliação do pedido de adesão formulado pela executada, reservando-se a exequente no direito de a aceitar ou recusar (Cláusula 2ª).

E também não estamos perante uma singela “declaração de dívida” seguida de plano de pagamento a prestações, na medida em que a obrigação a que a executada se vinculou se mostra dependente da verificação de prévio pressuposto, desde logo a frequência do curso para o qual se matriculou.

Acresce que, não resulta que tenha havido qualquer incumprimento e, muito menos, certo, inequívoco, definitivo e objectiva e subjectivamente imputável à executada.

Em suma, pelos motivos supra expostos e da análise do documento dado à execução, verifica-se que não existe qualquer composição efectiva, definitiva e, consequentemente, vinculativa, relativamente à prestação e obrigação que a exequente invoca, não revestindo, assim, tal documento, título executivo.

O título dado à execução não reúne, assim, todos os requisitos para que possa constituir verdadeiro título executivo” (fim de citação).

Vejamos: O título que é constituído pelo documento nº 1, aliás de leitura difícil, é impresso tipo denominado “Contrato de Crédito, Condições Particulares”, logo abaixo se indicando as menções 1. Preencher e assinar o contrato; 2. Enviar a proposta, totalmente preenchida e assinada, juntamente com os documentos solicitados; 3. Guardar a carta com as condições gerais do contrato e do seguro e uma cópia desta proposta, após preenchida. Segue-se um espaço destinado à identificação do primeiro titular, em que figura a identificação da executada. Um segundo espaço onde se menciona: “Preencha toda a informação em falta. O preenchimento é imprescindível para a análise do seu pedido”.

Segue-se outro espaço dedicado a um eventual segundo titular, no caso em branco, e seguem-se vários espaços com menção “Recebe”, mostrando-se assinalado com uma cruz o espaço onde consta o montante de 7.000€. Segue-se um espaço destinado à situação familiar, situação de habitação, rendimentos mensais e despesas mensais, com várias menções. Apresenta-se ainda uma menção a “Seguro Plano de Protecção de Pagamentos e Compras”, e um espaço onde consta “Declaro ter tomado conhecimento e aceitar expressamente as condições gerais e particulares constantes nas páginas 1, 2, 3 e 4 do presente contrato e compreendido o seu conteúdo, as quais aceito sem reserva. Declaro ainda que me foi entregue a cópia que me é destinada. A minha assinatura será válida para este contrato, autorização de débito em conta e plano de pagamento e compras”.

Finalmente, consta a data (25.5.2007) e a assinatura da executada. Abaixo, uma menção “Reservado à Credial” com data de 31.5.2007, e identificação do número de dossier.

Estamos em presença de uma proposta dependente de aceitação da exequente? Estamos em presença dum documento que é uma proposta, inequivocamente, mas que tem, pelos seus dizeres, a possibilidade de valer como contrato, ou melhor dito, proposta que, se aceite, passa a constituir “contrato”. É este o sentido inequívoco do título do documento: Contrato de Crédito. Resultando, com a assinatura da executada, que ela aceitou as condições gerais e particulares do contrato, o montante peticionado, o que importa saber (ainda que o documento em causa não nos ilustre sobre o plano de pagamentos) é se a exequente aceitou a proposta. Melhor: se essa aceitação resulta do documento em causa.

Neste aspecto, argumenta a recorrente com a condição geral nº 2, constante do documento nº 1 dos autos:
2.-Celebração do Contrato
2.1-Ao subscrever este Contrato, o TITULAR declara conhecer os seus termos e condições, e obriga-se a cumpri-lo.
2.2-O Contrato só se considera perfeito e plenamente eficaz após aceitação expressa, por escrito, pelo C... ou com a entrega do montante financiado”-.

Não constando do documento nº 1 essa aceitação expressa, por escrito, do C..., importaria saber, documentadamente, se o montante financiado fora entregue, porque “Recebe”, numa sequência de quadros de diversos valores, não significa inequivocamente “Recebi”, mas sim uma escolha do montante de crédito que se pretende ou pede, ou seja, continuamos no âmbito da delimitação objectiva da proposta.

Neste sentido, assiste razão à decisão recorrida, ou seja, nesta parte, não temos demonstrado que o documento nº 1 valha como contrato de mútuo, faltando pois, manifestamente, o título executivo.

Já no que toca à exigência, também definida na decisão recorrida, de que pelo título se verificasse o incumprimento definitivo da obrigação, entendemos que, sendo aplicável aos autos o CPC na versão assinalada na decisão recorrida, o artigo 46º nº 1 al. c) do CPC (“Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”), conjugado com o artigo 810º nº 1 al. e) (no requerimento executivo, o exequente “expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo”, a mesma não tem sentido -.

Não assiste razão à recorrente quando invoca que perante a falta de título executivo, o tribunal recorrido devia ter proferido despacho de aperfeiçoamento – a tanto obsta precisamente o disposto na conjugação dos nº 1 e 3, primeira parte, do artigo 812º-E do CPC: é só fora dos casos previstos no nº 1, entre os quais se inclui a falta do título, que o juiz profere despacho de aperfeiçoamento, e apenas para suprimento de irregularidades ou sanação da falta de pressupostos. Prevendo a lei uma disposição específica sobre o caso, não pode fazer-se apelo a um princípio geral de cooperação e de condução do processo visando a sua agilização em ordem à solução mais adequada. 

Finalmente, não assiste razão à recorrente quando invoca que o despacho de indeferimento só podia ter ocorrido até ao primeiro acto de transmissão de bens. Se assim fosse, a norma do artigo 820º do CPC não se inseriria sistematicamente na oposição à execução mediante embargos, mas haveríamos de a encontrar inserida na própria disciplina do despacho liminar, como número adicional, ou em artigo logo seguinte, ao preceito que prevê o indeferimento liminar em caso de manifesta falta de título executivo. Significa isto que o artigo 820º do CPC apenas se aplica ao conhecimento oficioso pelo tribunal de fundamentos de embargo que não tenham sido deduzidos pelo embargante, não constituindo um marco limitador ao despacho de indeferimento previsto no artigo 812º-E do CPC.

Finalmente, quanto à invocação de que o despacho recorrido se afasta da certeza e da segurança do direito, salvo o devido respeito, e sendo certo que assim não foi alegado, as razões de não conformação da recorrente aproximam-se duma invocação de que, por via da própria conduta da executada, esta deu causa legítima à exequente para se convencer de que nenhum obstáculo, digamos, surgiria na execução, ou seja, estamos próximos duma alegação de abuso de direito. Porém, o abuso de direito – artigo 334º do CC – pressupõe um excesso manifesto, que no caso não nos parece ser manifesto: apesar da executada, notificada, não se ter oposto à penhora, não temos qualquer dado sobre a razão pela qual o não fez. Mas mais: o abuso de direito supõe a existência de direito, e este a existência do seu titular, e no caso, sem qualquer intervenção da executada, o que temos é uma actuação judicial e não uma actuação do titular do direito.

Por fim, considerando que se tratou da primeira intervenção judicial, apesar de surgir quatro anos depois da instauração da execução, são as mesmas razões de segurança jurídica que a recorrente reclama, que são aplicadas pelo tribunal recorrido, apenas em sentido contrário ao reclamado.

Nestes termos, improcede o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Tendo decaído no recurso, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V.-Decisão:
Nos termos supra expostos, acordam negar provimento ao recurso e em consequência confirmam o recorrido despacho de indeferimento liminar.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.



Lisboa, 09 de Fevereiro de 2017



Eduardo Petersen Silva
Maria Manuela Gomes
Fátima Galante
Decisão Texto Integral: