Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | MARIA DO ROSÁRIO BARBOSA | ||
| Descritores: | GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 04/15/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | Os créditos de natureza laboral devem ser sempre graduados em primeiro lugar, à frente dos demais credores, mesmos dos que tem o crédito garantido por hipoteca ou similar como é o caso dos autos em que a apelante invoca o direito de retenção sobre um imóvel da massa falida que é quanto às preferências sobre os demais credores igual à do credor hipotecário. M.R.B. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam nesta secção cível os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa Silva e Silvestre Ldª, interpõe o presente recurso de apelação da sentença de graduação de créditos reclamados no processo de falência 831/03.OTBCLD-A, do 2º juízo do tribunal Judicial das Caldas da Rainha. São as seguintes as conclusões de recurso apresentadas: CONCLUSÕES: 1. A Douta Sentença de graduação de créditos proferida nos presentes autos de Falência, deveria ter procedido a uma graduação especial pelo produto da venda do imóvel que foi pertença da falida - produto esse que foi apreendido e transferido para a massa falida - ainda que o respectivo imóvel tivesse sido vendido em sede de execução fiscal. 2. Declarada a Falência, são sustados todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes, que deverão ser avocados pelo Tribunal da Falência (artº 180º do CPPT). 3. Todos os actos praticados no processo executivo fiscal nº 1350-92/101196.0 e apensos, em que era executada a P, e no qual foi vendido o identificado imóvel, após a data da declaração da respectiva Falência, estavam irremediavelmente feridos de nulidade. 4. No caso dos autos, declarada a Falência, não é o Tribunal tributário, mas sim o Tribunal da Falência, o competente para proferir a sentença de graduação de créditos pelo produto da venda, entretanto apreendido para a massa, do imóvel que foi pertença da falida e cuja venda teve lugar antes ainda de ter sido declarada a falência. (154º nº 3 do CPEREF e 180º, 149º e 151º nº 2 do CPPT). 5. A graduação de créditos na Falência é geral para os bens da massa falida e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia. (art.º 200º, nº 2 do CPEREF). 6. Pelo que no caso dos autos deveria ter sido proferida uma graduação especial para o produto da venda do mencionado imóvel e uma graduação geral para o produto da venda dos restantes bens da massa; 7. O direito de retenção constitui um direito real de garantia. 8. O direito de retenção resulta directamente da lei e, consequentemente, a sua eficácia não depende de registo, ainda que incida sobre coisa imóveis. 9. A graduação de créditos, no caso dos autos, na parte respeitante ao identificado imóvel que foi vendido no processo executivo fiscal e cujo produto foi apreendido e transferido para a massa falida, embora proferida em sede de Falência, terá de respeitar as regras da graduação aplicáveis na data em que ocorreu a venda do imóvel e só pode considerar os créditos e as respectivas garantias, existentes naquela data (17.01.2003). 10. Como supra se alegou - e a avocação ao presente processo de Falência do respectivo processo executivo fiscal nº 1350-92/101 196.0 e apensos, demonstrará - pelo produto da venda daquele imóvel só poderão ser graduados, o crédito exequendo da mencionada execução fiscal (Segurança Social) e o crédito reclamado e reconhecido na mesma execução fiscal (S, LDA, ora recorrente). 11. À data da venda do imóvel – 17.01.2003 - inexistiam quaisquer créditos laborais; como resulta expressamente dos presentes autos de falência, os trabalhadores situam expressamente os seus créditos com início em Março de 2003. 12. Inexistindo – como efectivamente inexistiam – e não tendo sido então reclamados na mencionada execução fiscal – como efectivamente o não foram – não podem ser considerados na referida graduação especial pela venda do imóvel, quaisquer créditos laborais. 13. A ora recorrente reclamou o seu crédito e invocou a respectiva garantia real (direito de retenção), sobre o mencionado imóvel, sendo certo que na sentença ora recorrida se reconheceu expressamente o crédito e a garantia, mas não procedeu à referida graduação especial. 14. Os créditos da Segurança Social, incluindo os correspondentes juros, gozam de um privilégio imobiliário. 15. Tal privilégio imobiliário é de natureza geral, razão pela qual está abrangido pelas regras previstas no artº 749º do CC. 16. Além da jurisprudência do STA e do STJ, também o Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre a natureza e o conteúdo dos privilégios creditórios conferidos ao estado e à Segurança Social, no confronto com a hipoteca, concluiu pela prevalência desta sobre os mencionados privilégios. 17. Ora prevalecendo a hipoteca sobre os referidos privilégios creditórios e prevalecendo o direito de retenção sobre a hipoteca como decorre da lei, também o direito de retenção, por maioria de razão, prevalece sobre os mencionados privilégios creditórios da segurança Social. 18. Assim, na graduação de créditos pelo produto da venda do identificado imóvel, o crédito da reclamante S LDA, deverá ser graduado antes do crédito da Segurança Social, uma vez que prevalece sobre este. 19. Nos presentes autos e pelas razões aduzidas, terá de coexistir uma graduação especial e uma graduação geral de créditos; 20. A Mma. Juiz do processo deixou de se pronunciar, nos presentes autos e nas circunstâncias descritas, sobre questão que devia ter apreciado e decidido. 21. O que constitui causa de nulidade da sentença (artº 668º nº 1, d) do CC). 22. Nulidade que pode todavia ser oficiosamente suprida pelo próprio Juiz que proferiu a sentença (artº 668º nº 4 do CC). Assim, na eventualidade da Mma. Juiz a quo não usar da faculdade prevista no artº 668º nº 4 do CPC, deverá a sentença de graduação de créditos proferida nos presentes autos ser declarada nula ou revogada, e em sua substituição ser proferida nova sentença de graduação de créditos que, respeitando o disposto no nº 2 do artº 200º do CPEREF, além da graduação geral para os bens da massa falida, proceda a uma graduação especial para o produto da venda do imóvel ocorrida no processo executivo fiscal, respeitando os créditos então existentes e reclamados e as respectivas garantias. A sentença de que se recorre é a seguinte: “Proferida que foi a sentença de graduação de créditos veio o credor reclamante S requerer que, nos termos do disposto no artigo 668º do Código de Processo Civil se declare nula a sentença de graduação de créditos porquanto na mesma se deveria ter procedido a uma graduação especial pelo produto da venda do imóvel que foi pertença da falida – produto esse que foi apreendido e transferido para a massa falida – ainda que o respectivo imóvel tivesse sido vendido em sede de execução fiscal. Sustenta que declarada a falência são sustados todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes, os quais deverão ser avocados pelo Tribunal de Falência, pelo que todos os actos praticados no processo executivo fiscal nº 1350-92/101196.0 e apensos, em que era executada a P estão feridos de nulidade. A venda efectuada, após a data de declaração da respectiva falência é nula. Assim é competente para proferir a sentença de graduação de créditos pelo produto da venda, entretanto apreendida para a massa falida, este tribunal. Alega ainda que a graduação de créditos no processo de falência para os bens da massa falida é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia nos termos do disposto do nº 2 do artigo 200º do CPEREF, constituindo o direito de retenção um direito real de garantia, resultando este direito da lei e não dependendo a eficácia do mesmo de registo, ainda que incida sobre coisas móveis. Mantém-se válidos os pressupostos da instância Correu termos no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Leiria um processo administrativo e fiscal, o qual se encontra apenso aos presentes autos de falência. No âmbito do processo de execução fiscal foram penhorados bens móveis e o imóvel sito no Alto do Nobre, na Estrada da Foz, freguesia de Stº Onofre, concelho de Caldas da Rainha, inscrito na respectiva matriz predial sob o nº 01435/970909. Nesses autos foram reclamados créditos, e em 10.11.2003 foi proferida sentença de graduação de créditos.[1] Dessa sentença recorreu Silva & Silvestre para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo este Tribunal ordenado a remessa dos autos ao “Tribunal de Falência” in casu o 2º juízo Tribunal Judicial da Comarca de Caldas da Rainha. O termo de Remessa foi lavrado em 23 de Maio de 2006. O processo de falência entrou em juízo em 2 de Abril de 2003. Por despacho 25 de Novembro de 2003 foi ordenada a notificação do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha da avocação dos processos executivos existentes contra o falido, o que foi feito.[2] Porém tais processos, conforme se explica infra, só foram remetidos a este tribunal em Maio de 2006. Nestes autos de Processo Especial de Falência foram reclamados os créditos que se encontram identificados a fls. 335 e 336, as quais se dão por integralmente reproduzidas, e foi proferida a competente sentença em 24 de Março de 2005. Como se disse supra, dessa sentença foi interposto recurso, mas tendo a sua utilidade ficado subordinada ao entendimento do tribunal quanto à sua competência para a reforma da mesma. Após as vicissitudes processuais, que se encontram plasmadas nos autos, e que se sanaram com a realização da audiência de 28.07.2006, cuja acta se dá por integralmente reproduzida, compete proferir a competente sentença de graduação de créditos, tendo agora em consideração, a decisão do STA de Maio do presente ano de 2006. No processo falimentar reclamaram créditos, para além do reclamante S, os credores identificados na Relação de Créditos Reclamados elaborado nos termos do disposto no nº 1 do artigo 191º do CPEREF, que se dá por integralmente reproduzida,[3] a Fazenda Nacional; os Serviços Municipalizados e a Segurança Social. De acordo com o disposto no artigo 152º da Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência[4] com “a declaração de falência extinguem-se imediatamente os privilégios creditórios do Estado, das Autarquias Locais e das Instituições de Segurança Social, passando os respectivos créditos a serem exigíveis apenas como créditos comuns, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou da falência.” No caso dos autos não se constituíram créditos na pendência deste processo, pelo que os créditos supra referidos não gozam de qualquer privilégio creditório. Reclamaram créditos os trabalhadores da falida os quais gozam de privilégios mobiliários e imobiliários gerais por força do artigo 4º da Lei 96/2001 de 20.08, a qual se encontrava em vigor à data do decretamento da falência: “Declarada a falência de uma sociedade, com trânsito em julgado, é a essa data que se deve atender para definir a lei aplicável à graduação de créditos.”[5] O reclamante Silva & Silvestre goza do direito de retenção pelo crédito resultante do não cumprimento do contrato de promessa, imputável à falida P. Com efeito, provado se mostra que em 29 de Outubro de 1999 a reclamante celebrou com a P um contrato promessa de compra e venda do prédio urbano sito no Alto do Nobre, na Estrada da Foz, concelho de Caldas da Rainha, inscrito na respectiva matriz predial sob o nº, a transmitir livre de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço final de 55.000 contos, tendo sido entregue de sinal o montante de 10.000 contos. Em 1 de Janeiro de 2000 a reclamante obtém a tradição do imóvel e executa obras e benfeitorias no mesmo no valor de 20.000 contos. O contrato prometido não foi celebrado até à data acordada: 24.10.2000, passando a promitente vendedora a incorrer numa situação de incumprimento, sendo a reclamante titular de um direito de garantia pelo valor de € 90.890,54 respeitante ao dobro do sinal e juros remuneratórios desde 24 de Outubro de 2000, até 17 de Dezembro de 2002, data em que o prédio foi vendido no âmbito do processo de execução fiscal. Conforme decorre do disposto nos artigos 754º e 755º nº 1 alínea f) ex vi do disposto no artigo 442º, todos do Código Civil, o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição do imóvel a que se refere o contrato prometido, goza do direito de retenção pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte. Cumpre proceder à graduação dos créditos reclamados. “com a declaração da falência surgiu um direito ou situação jurídica de os credores verem graduados os seus créditos em face das garantias constituídas.”[6] Atento o disposto no artigo 200º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência deve o juiz proceder à graduação dos créditos que é geral para os bens da massa falida e especial para os bens a que respeitam direitos reais de garantia. “Na sistematização do Código Civil, há privilégios mobiliários e imobiliários, mas estes são sempre especiais, pois foram estas apenas as que o legislador do Código Civil teve em conta, como ensina Almeida Costa”[7] As leis que atribuem privilégios mobiliário e imobiliário gerais aos trabalhadores estatuem que a graduação de créditos se fará, quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747º do CC, mas pela ordem dos créditos enumerados no artigo 737º do mesmo Código. Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social. No caso sub iudice, há, pois que saber se existe ou não prevalência do direito de retenção sobre o privilégio imobiliário geral criado pela lei 96/2001 de 20.08, conforme defende a reclamante. “O direito de retenção consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha possa exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele. Nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 755º e do artigo 759º do Código Civil a “posição do titular do direito de retenção sobre coisas imóveis – uma espécie de pignoratio privata – é, quanto aos poderes de execução e quanto às preferências sobre os demais credores, igual à do credor hipotecário”[8]. Não se ignora a existência de jurisprudência que defende entendimento contrário àquele que se adopta[9], porém acompanhar-se-á o entendimento adoptado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Março de 2006, que se passa a citar: “ sabe-se que o legislador teve a preocupação de criar e estabelecer na lei quais os privilégios creditórios que gozam de preferência, quer no que concerne aos privilégios mobiliários, quer imobiliários. Fazendo-o em sucessivos diplomas legais avulsos. Temos assim, no que concerne aos créditos laborais, e numa primeira fase, a publicação da Lei 17/86 de 14/6 que no seu art. 12º preceitua que: 1. Os créditos emergentes do contrato individual de trabalho, regulados pela presente lei gozam dos seguintes privilégios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário geral ” 2. Os privilégios dos créditos referidos no nº 1, ainda que resultantes de retribuição em falta antes da entrada em vigor da presente lei, gozam de preferência nos termos do número seguinte, incluindo os créditos respeitantes a despesas de justiça… 3. A graduação de créditos far-se-á pela ordem seguinte: a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no nº 1 do art. 747º do CC, mas pela ordem dos créditos enunciados no art. 737º do mesmo Código. b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no art. 748º do CC e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social. 4. Ao crédito de juros de mora é aplicável o regime previsto no número anterior Por sua vez o art. 4º da Lei nº 96/2001 de 20/8, estabelece que: 1. Os créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela lei 17/86 de 14 de Junho, gozam dos seguintes privilégios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário geral ” 3. Os privilégios dos créditos referidos no nº 1, ainda que sejam preexistentes à entrada em vigor da presente lei, gozam de preferência nos termos do número seguinte, sem prejuízo, contudo, dos créditos emergentes da Lei 17/86 e dos privilégios anteriormente constituídos com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da presente lei. 4. A graduação de créditos far-se-á pela ordem seguinte: a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no nº 1 do art. 747º do CC, mas pela ordem dos créditos enunciados no art. 737º do mesmo Código. b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no art. 748º do CC e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social. Ou seja: resulta dos segmentos normativos citados que os créditos de natureza laboral devem ser sempre graduados em primeiro lugar à frente dos demais credores, mesmo dos que tem o crédito garantido por hipoteca.”[10] Tudo visto e a final, atenta a interpretação conjugadas das normas supra referidas, decido a seguinte graduação de créditos: 1º - Os créditos dos trabalhadores. 2º - O crédito de “S, Lda. ” 3º - Os restantes créditos As custas da falência e seus apensos, bem como as despesas da liquidação, saem precípuas de todo o produto da massa falida [11] Registe e Notifique” Os factos a ter em consideração para a análise do recurso são os seguintes: 1. A Sociedade P Ldª, foi decalarada falida por sentença de 6.11.03, transitada em julgado. 2. A apelante S Ldª, reclamou o seu credito na falência no montante de 97 778, 00 euros e invocou a garantia de que dispunha –direito de retenção sobre um imóvel da massa falida que foi objecto de venda num processo de execução fiscal. 3. Na sentença o tribunal a quo graduou o crédito da apelante em segundo lugar, depois dos créditos dos trabalhadores por ter entendido que os créditos de natureza laboral devem ser graduados em primeiro lugar à frente dos demais credores mesmo dos que têm crédito garantido por hipoteca. Colhidos os vistos cumpre decidir. Objecto do recurso. Nos termos do disposto nos art. 684, nº3 e 4 e 690, nº1, do CPC o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art. 660, ex. vi do art. 713, nº2, do mesmo diploma legal. Muito embora no recurso se invoque omissão de pronúncia, nos termos do art 668, nº1, al. d) do CPC, a verdade é que analisando a decisão se verifica que o tribunal a quo se pronunciou sobre a questão suscitada, pelo que nesta parte o recurso não pode proceder. A única questão sobre a qual este tribunal de recurso se tem de pronunciar é do acerto da decisão quanto ao entendimento sustentado pelo tribunal a quo ao graduar em segundo lugar, após ter graduado os créditos dos trabalhadores, o crédito da reclamante. A solução encontrada pelo tribunal a quo, de resto sustentada por jurisprudência deste Tribunal da Relação, merece-nos concordância. Seguiremos de perto o citado Acórdão do TRL de 9.3.06, relatora Ana Luísa Geraldes, que se debruçou sobre questão idêntica. Assim dos artigos 733º e 751º, do CC retira-se o seguinte: - O de que a hipoteca só confere ao credor o direito de ser pago com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial; - privilégio creditório é a faculdade que a lei concede a certos credores de serem pagos; - os privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros e preferem à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores. No que respeita aos créditos laborais, e numa primeira fase, a publicação da Lei nº 17/86, de 14/6, que, no seu art. 12º preceitua que: “1. Os créditos emergentes de contrato individual de trabalho, regulados pela presente lei gozam dos seguintes privilégios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário geral. 2. Os privilégios dos créditos referidos no n.º 1, ainda que resultantes de retribuições em falta antes da entrada cm vigor da presente lei, gozam de preferência tios termos do número seguinte, incluindo os créditos respeitantes a despesas de justiça. A graduação dos créditos far-se-á pela ordem seguinte: a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no n.º l do art. 747° do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no art. 737° do mesmo Código. b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no art. 748° do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas a Segurança Social. 4. Ao crédito de juros de mora é aplicável o regime previsto no número anterior”. Por sua vez o art. 4º da Lei nº 96/2001, de 20/8, estabelece que: “1. Os créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei nº 17/86, de 14 de Junho, gozam dos seguintes privilégios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário geral. 3. Os privilégios dos créditos referidos no nº 1 ainda que sejam preexistentes à entrada em vigor da presente lei, gozam de preferência nos termos do número seguinte, sem prejuízo, contudo, dos créditos emergentes da Lei nº 17/86 e dos privilégios anteriormente constituídos com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da presente lei. 4. A graduação créditos far-se-á pela ordem seguinte: a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no n.º l do art. 747° do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no art. 737° do mesmo Código. b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no art. 748° do Código Civil e ainda dos créditos devidos à Segurança Social.” Quer isto dizer que dos normativos citados resulta que os créditos de natureza laboral devem ser sempre graduados em primeiro lugar, à frente dos demais credores, mesmos dos que tem o crédito garantido por hipoteca ou similar como é o caso dos autos em que a apelante invoca o direito de retenção sobre um imóvel da massa falida que é quanto às preferências sobre os demais credores igual à do credor hipotecário. A sustentar este entendimento, tal como é expresso no citado aresto, está a circunstância de no Novo Código do Trabalho publicado em 27 de Agosto de 2003, (Lei nº 99/2003), entrado em vigor a 1 de Dezembro de 2003. estar expressamente estatuído, no art. 377° que : “1 - Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) Privilégio mobiliário geral;b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste actividade. 2 - A graduação de créditos faz-se pela ordem seguinte: a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747 do Código Civil; b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 748° do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social“. Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação passaram a gozar de privilégio imobiliário especial por força do artigo 377° da Lei nº 99/2003 (Código do Trabalho). Tendo, inclusivamente, sido revogadas, quer a Lei nº 17/86, quer a Lei nº 96/2001, por tal Código – cf. art. 21º, nº 2, alíneas e) e t). Atento tal quadro normativo se dúvidas havia relativamente às normas anteriores elas ficam definitivamente arredadas. Este era de resto o entendimento mais justo considerando que deve ser protegido o elo mais fraco, que são necessariamente os trabalhadores como é imperativo constitucional –cfr. nº 3 do artº 59º da Constituição da República, onde se dispõe, expressamente que ‘os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei’, vincando-se desta forma a dimensão constitucional do direito à retribuição do trabalhador, e, bem assim, cometendo-se ao legislador ordinário que supra as situações em que o princípio da igualdade possa ser colocado em crise. Assim sendo a solução encontrada pelo tribunal recorrido afigura-se-nos acertada pelo que os créditos dos trabalhadores devem ser graduados em primeiro lugar, uma vez que gozam de privilégio imobiliário especial, preferindo, assim, ao direito de retenção da Apelante sobre o imóvel em causa. DECISÃO Pelo exposto julgam a apelação improcedente confirmando a decisão recorrida. Custas pela Apelante. Lisboa, 15 de Abril de 2008 Maria Rosário Barbosa Rosário Gonçalves Maria José Simões __________________________________ [1] Cfr. fls. 127 do apenso Reclamação de Créditos-E [2] Cfr. fls. 285º dos autos de Falência [3] Cfr. Fls. 335 e 336 do Apenso A [4] Na redacção do Decreto-Lei 315/98 de 20.10 [5] Ac. STJ de 30.11.2006, Prcº 06B3699, Relator Cons. Custódio Monte, in www.dgsi.pt/jstj.nsf954 [6] Ac. STJ de 30.11.2006, Prcº 06B3699, Relator Cons. Custódio Monte, in www.dgsi.pt/jstj.nsf954 [7] Ac. STJ de 30.11.2006, Prcº 06B3699, Relator Cons. Custódio Monte, in www.dgsi.pt/jstj.nsf954 [8] Pires de Lima/Antunes Varela, CC Anotado, Vol. 1, pg. 772 e 782 [9] Ver ponto 3.4. deste mesmo acórdão e v.g. Acórdão do STJ supra citado [10] Ac. TRL de 09.03.2006, Procº 8958/2005-6, Relatora Dês. Ana Geraldes, in www.dsgsi.pt/jtrl.nsf33182 [11] Artigo 208º e 249º nº 2do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência |