Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
31506/12.8T2SNT.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CULPA DA ENTIDADE EMPREGADORA
SUPERIOR HIERÁRQUICO
FACTO NOTÓRIO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I. É facto notório, não carecendo de alegação e prova, dizer-se que a sinistrada, operária fabril com uma experiência profissional de cerca de 30 anos e auferindo a retribuição mensal de € 603,84 é de condição económica modesta e menos favorável que a da sua empregadora, sociedade comercial (art.º 412.º, n.º 1 do CPC).

II. O agravamento da responsabilidade do empregador pela produção do acidente não tem necessariamente que resultar da circunstância directamente imputada ao mesmo (o ter provocado, nas palavras da norma) ou da inobservância directa por ele de normas de segurança no trabalho, podendo isso também ocorrer na pessoa do seu representante, seja ele quem detém um mandato específico para tanto ou aja sob as suas ordens directas, como é o caso do superior hierárquico na empresa (n.º 1 do art.º 18.º da LAT).

III. O facto do superior hierárquico saber da avaria da máquina que provocou o acidente com a trabalhadora e a não comunicar à empregadora para a reparar não isenta esta da responsabilidade pelas consequência daí decorrentes para aquela, embora possa fundamentar o seu direito de regresso contra o primeiro (n.º 3 do art.º 18.º da LAT).

IV. A experiência profissional de 30 anos da trabalhadora e o conhecimento que tinha do funcionamento da máquina e da sua avaria e consequente potencialidade criadora de riscos para a sua integridade física não descaracteriza o acidente, pois que isso não permite por si só dizer que o mesmo foi por ela dolosamente provocado, resultou da violação por ela de normas de segurança sem causa justificativa, proveio exclusivamente da sua negligência grosseira ou da sua privação da razão, como teria que nos termos das alíneas a) a c) do n.º 1 do art.º 14.º da LAT.

V. Admitindo-se alguma culpa da sinistrada na produção do acidente, era em muito menor grau do que a da empregadora pois é apodíctica a necessidade económica dos trabalhadores, sobretudo operários, procurarem nas relações de trabalho subordinado a fonte única ou principal do seu rendimento e a aceitar trabalhar, até rotineiramente, em situações que não são exigíveis.

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


AAA intentou a presente acção declarativa, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra BBB - Companhia de Seguros, S. A. e CCC, S. A. pedindo que as rés sejam condenadas:
a)- no pagamento do subsídio de elevada incapacidade, no valor de € 5 533,70;
b)- no pagamento da indemnização por incapacidade no valor de € 24 941,90;
c)- no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 52 844,22;
d) no pagamento da pensão anual e vitalícia de € 1 890,68;
e)- no pagamento das perdas salariais no período em que esteve em situação de ITA, no valor de € 2 898,03;
f)- no pagamento de juros vencidos e vincendos sobre as referidas quantias desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento, alegando, em síntese, que:
em 14.12.2011, trabalhava por conta da ré CCC com uma máquina balancé 120T e, quando tinha as mãos na mesma para fazer uma peça, a máquina accionou-se e atingiu a mão esquerda da autora. Em consequência foram amputados à autora três dedos da mão esquerda.
a máquina em questão tinha um comando de pedal e um comando bi-manual. O comando bi-manual encontrava-se avariado há cerca de dois anos, facto que era do conhecimento da chefia e dos trabalhadores. Se o comando bi-manual estivesse a funcionar o acidente nunca teria ocorrido porque a sinistrada teria que ter as mãos no comando para a máquina funcionar.
assim, considera que o acidente ocorreu por a CCC ter violado as regras de segurança, razão pela qual a mesma tem a obrigação de indemnizar a autora, nos termos gerais, por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pela mesma sofridos, nos termos peticionados.

A ré CCC contestou alegando, em síntese, que:
não tinha conhecimento da existência de qualquer avaria no comando bi-manual da máquina com que a autora trabalhava. Se ocorresse qualquer avaria na máquina, cabia à autora informar o superior hierárquico e suspender as operações até a máquina ser reparada.
a autora tinha pleno conhecimento da ficha de utilização da máquina e tinha também formação para operar com a mesma. Tinha ainda formação específica em matéria de saúde, higiene e segurança no trabalho.
o acidente ocorreu por imprevidência ou distracção da autora a qual accionou o comando de pé sem ter tirado a mão. A máquina tinha um botão que permitia à operadora escolher entre trabalhar com pedal ou com comando bi-manual.
considera assim que não houve qualquer violação das regras de segurança da sua parte pelo que entende que, quanto a si, deve a acção improceder.

Também a ré seguradora contestou alegando, em síntese, que:
conforme alegado pela autora na petição inicial, o acidente ocorreu por a ré CCC ter violado as regras de segurança. A não se entender assim, então o acidente ocorreu por negligência grosseira da autora a qual manuseou a peça mantendo a mão em local inadequado. Tal situação implica que o acidente se encontra descaracterizado.
consequentemente, considera que, quanto a si, a acção deve ser julgada improcedente.

Foi proferido despacho saneador que julgou válidos os pressupostos da instância, fixou os factos assentes e elaborou a base instrutória; determinou ainda, nos termos do art.º 132.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, que se procedesse ao desdobramento do processo com vista à fixação do grau de incapacidade da sinistrada para o trabalho, o que foi feito.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferido despacho a decidir a matéria de facto e, de seguida, a sentença, na qual a Mm.ª Juíza julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a)- condenou as rés CCC, S. A. e BBB – Companhia de Seguros, S. A. a pagarem à autora a pensão anual e vitalícia de € 1 892,46 a partir de 23.2.2013, acrescida de juros de mora, sem prejuízo do direito de regresso da seguradora face à empregadora;
b)- condenou a ré CCC, S.A a pagar à autora a quantia de € 2 341,58 a título de indemnização pelo período de ITA, acrescida de juros desde o vencimento;
c)- condenou a ré CCC, S.A a pagar à autora a quantia de € 15 000 a título de indemnização por danos morais, acrescida de juros desde a data da presente decisão;
d)- no mais, julgou a acção improcedente e absolveu as rés do restante contra si peticionado.

Inconformada, a ré empregadora, CCC, S. A. interpôs recurso de apelação pedindo que seja julgado procedente e, por via disso, a mesma absolvida e condenada a Seguradora nos termos da apólice de seguro de acidentes de trabalho, em vigor à data do sinistro, sem prejuízo de se tal não se entender, a indemnização a atribuir ser reduzida a € 7.500,00 e considerada uma repartição de culpa de 50%, com a autora ela na produção do acidente laboral, culminando as alegações com as seguintes conclusões:
1.- As circunstâncias em que o acidente ocorreu decorreram de situação concreta e objectiva que não era do conhecimento da Recorrente.
2.- A máquina em causa tinha dois comandos, o comando pedestre e o comando bi-manual, cabendo ao chefe da secção seleccionar o comando para operar a máquina.
3.- O comando bi-manual estava avariado, mas a avaria não constava do registo de avarias no sistema informático existente para o efeito, ignorando os serviços de manutenção tal avaria e, por consequência, a gestão da própria Recorrente.
4.- A A. fez tudo o que estava ao seu alcance para a observância das regras de segurança no manuseamento do equipamento.
5.- A A. tinha uma experiência profissional de 30 anos e tinha conhecimento dos riscos decorrentes da avaria do comando bi-manual, tendo-se conformado com tal situação e trabalhando a máquina por meio de comando pedestre.
6.- Tal conduta da A., conjugada com a omissão da chefia de participar a avaria, foi a causa primeira do acidente de trabalho ocorrido.
7.- A A. tinha o dever de velar pela boa utilização dos bens relacionados com o trabalho e de cooperar para a melhoria da segurança no trabalho – alíneas g) e i) do n.º 1 do art. 128.º do CT.
8.- A A. nada fez e conformou-se com um possível resultado danoso.
9.- A A. tinha pleno conhecimento da ficha de utilização da máquina com que trabalhava (facto provado 26), sabendo assim como funcionava o comando pedestre.
10.- A A. tinha formação específica em segurança no trabalho (facto provado 27), pelo que não podia ignorara as regras específicas de operação da máquina, sendo certo que, na própria máquina estavam afixadas as instruções escritas relativas ao cumprimento e respeito das normas de segurança da sua operação, conforme ficou provado.
11.- Perante as condutas e os factos, quer os que respeitam à A., quer os que respeitam à R., ora Recorrida, nenhuma outra conduta podia ser exigível à mesma, na ignorância da avaria.
12.- Não existiu assim qualquer responsabilidade agravada da Recorrente.
13.- O comportamento omisso da A., ao aceitar a violação das regras de segurança, que bem conhecia, consubstancia uma conduta voluntária, sendo certo que bem conhecia, para além das normas de funcionamento do equipamento, as regras de utilização da máquina para sua própria segurança.
14.- E não havendo dúvidas quanto ao nexo causal entre a violação das regras de segurança e o evento infortunístico, devia a decisão proferida ter considerado a descaracterização do acidente nos termos do art. 14.º da Lei 98/2009.
15.- A A. bem sabia que, ao accionar voluntariamente o comando pedestre, sem retirar a mão do balancé, tal levaria à produção do acidente, como veio a ocorrer, sem que, de tal acto possa ser assacada culpa à Recorrente.
16.- Na determinação da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais o tribunal há-de decidir segundo a equidade tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
17.- Os danos não patrimoniais articulados e dados como provados não constituem mais do que um conjunto de generalidades sem qualquer facto a sustentá-los, para além da reconhecida lesão física da A.
18.- A douta sentença, não conte qualquer fundamento para a atribuição à A. da quantia de 15.000,00 euros, antes se limitando a atribuir tal valor em face dos factos provados.
19.- Só que, a ser considerada, seja não a responsabilidade agravada da empregadora ou mesmo seja considerada a descaracterização do acidente não deverá ser atribuída a requerida indemnização por danos não patrimoniais.
20.- Porém, se tal não se entender, sempre deverá ser considerada a culpa da A. na produção do evento e a sua essencial contribuição para o mesmo, não devendo ser atribuída indemnização superior a 7.500,00 euros e, havendo lugar a repartição de culpa em, pelo menos 50%, o valor a atribuir sempre deverá ter em atenção tal repartição de culpa.
21.- A douta sentença fez errada interpretação e aplicação dos art.os 14.º e 18.º da Lei 98/2009 e dos art.os 494 e 496, n.º 3 do Código Civil.

Contra-alegaram a autora e ré seguradora, ambas sustentando a confirmação da sentença recorrida.

Admitido o recurso na 1.ª Instância, nesta Relação de Lisboa foi proferido despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao conhecimento do recurso[1] e a determinar que os autos fossem com vista ao Ministério Público,[2] o que foi feito, tendo nessa sequência o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos,[3] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[4] Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas nele se coloca, importa apurar:
a)- da agravação da responsabilidade da apelante pelo acidente de trabalho;
b)- da valoração dos danos não patrimoniais.
***

IIFundamentos.

1.Factos provados:
1.- Desde 13/09/1985 que a sinistrada trabalha por conta e direcção da (..), actual CCC S. A., em Sintra, desempenhando as funções de operária fabril (categoria profissional – operador de máquinas de soldar por pontos 1.ª), mediante a retribuição mensal de € 603,84 o que perfaz a quantia de € 8 453,76, de retribuição anual (alínea A) dos factos assentes).
2.- A responsabilidade emergente de acidente de trabalho encontra-se transferida pela entidade patronal para a BBB – Companhia de Seguros, S. A. através da apólice do seguro n.º 6679329 relativamente à retribuição anual de € 8 453,76 (alínea B) dos factos assentes).
3.- A sinistrada enquanto operária fabril trabalhava, diariamente, com uma máquina balancé T120 (alínea C) dos factos assentes).
4.- Como consequência da situação ocorrida no dia 14.12.2011, tiveram quer ser amputados à sinistrada o segundo, terceiro e quarto dedos da mão esquerda (alínea D) dos factos assentes).
5.- Como consequência da situação ocorrida no dia 14.12.2011, a sinistrada esteve em situação de ITA e ITP nos períodos referidos a fls. 110, tendo recebido da seguradora a quantia global de € 6 228,94 a título de indemnização (alínea E) dos factos assentes).
6.- Submetida a exame médico no Tribunal foi-lhe atribuída IPP de 31,95% a partir de 22.2.2013 (auto de fls. 76) (alínea F) dos factos assentes).
7.- A máquina balancé T120 é composta por dois comandos para actuar em segurança: o comando manual e o comando pedestre (resposta ao art. 1.º da base instrutória).
8.- O comando manual da máquina em que a sinistrada laborava estava avariado, pelo que a sinistrada trabalhava unicamente com o comando pedestre (resposta ao art. 2.º da base instrutória).
9.- A reparação do comando manual desta máquina pendia há cerca de dois anos, sem que nada fosse feito, sendo do conhecimento da chefia e dos trabalhadores, tal avaria (resposta ao art. 3.º da base instrutória).
10.- Em 14/12/2011, pelas 8h00, a sinistrada laborava com o equipamento balancé 120T, e, enquanto colocava na máquina, com as suas mãos, uma peça metálica para dobragem na prensa, esta accionou-se, atingindo-lhe a mão esquerda (resposta ao art. 4.º da base instrutória).
11.- Caso o comando manual não estivesse avariado e tivesse sido accionado o seu funcionamento através da chave que selecciona que é esse o comando em actividade, a sinistrada teria as suas mãos no comando manual e não na área onde ocorreu o corte (resposta ao art. 5.º da base instrutória).
12.- Após o ocorrido no dia 14.12.2011, a sinistrada viu a sua rotina alterada por completo, deixando de poder trabalhar, tendo que se deslocar a várias dezenas de consultas e fisioterapia no (…) Hospital (resposta ao art. 6.º da base instrutória).
13.- A sinistrada viu-se obrigada a tomar medicação para a sua recuperação, tendo a mesma causado muito desconforto à sinistrada por conta dos efeitos secundários fortíssimos da medicação em causa (resposta ao art. 7.º da base instrutória).
14.- A sinistrada passou a utilizar uma prótese estética, dada a amputação dos seus dedos (resposta ao art. 8.º da base instrutória).
15.- Porém, esta prótese é puramente estética, pelo que raramente a sinistrada lhe dá uso, até porque já não se adequa fisicamente à mesma (resposta ao art. 9.º da base instrutória).
16.- A sinistrada anda diariamente com os dedos amputados (resposta ao art. 10.º da base instrutória; que corresponde expressamente ao alegado no art.º 83.º da petição inicial).
17.- A sinistrada viu a sua vida afectiva afectada em razão do sinistro visto que experimentou sentimentos de depressão, angústia, tristeza (resposta ao art. 11.º da base instrutória).
18.- A sinistrada não consegue fazer algumas das tarefas que fazia porquanto não tem sensibilidade e alcance nos dedos da mão em que afectada (resposta ao art. 12.º da base instrutória).
19.- A sinistrada durante o período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho foi ajudada pela sua filha na realização das tarefas da sua vida diária (resposta ao art. 13.º da base instrutória).
20.- No período de 14.12.2009 a 14.12.2011 a maquina balancé 120 T foi reparada pelos serviços de manutenção da ré em 3.1.2010 e 13.4.2011 (resposta ao art. 14.º da base instrutória).
21.- Para além da manutenção de rotina pelos serviços da ré, a máquina foi objecto de uma reparação geral na empresa onde foi construída, a sociedade (…), S. A., a qual ocorreu entre Fevereiro e Março de 2011 (resposta ao art. 15.º da base instrutória).
22.- Quando foi recebida, a máquina funcionava (resposta ao art. 16.º da base instrutória).
23.- Em caso de avaria, a autora tinha que informar o superior hierárquico para a situação existente (resposta ao art. 17.º da base instrutória).
24.- Os pedidos de reparação são feitos pelo chefe de secção onde a máquina se situa existindo um sistema informático para o efeito (resposta ao art. 18.º da base instrutória).
25.- Em 14.12.2011, não havia qualquer registo de avaria da máquina em causa (resposta ao art. 19.º da base instrutória).
26.- A autora tinha pleno conhecimento da ficha de utilização da máquina com que trabalhava (resposta ao art. 20.º da base instrutória).
27.- A autora tinha formação específica em saúde, higiene e segurança no trabalho (resposta ao art. 21.º da base instrutória).
28.- A autora recebeu formação sobre exposição ao ruído e agentes químicos/manuseamento de cargas (resposta ao art. 22.º da base instrutória).
29.- A máquina tinha uma chave que permitia que o chefe de secção pudesse escolher se a mesma trabalhava com o pedal ou com o comando bi-manual, visto que os dois comandos não podiam estar em funcionamento em simultâneo (resposta ao art. 25.º da base instrutória).
30.- A autora regressou ao trabalho em 26.9.2012 (resposta ao art. 26.º da base instrutória).
31.- A autora pediu para regressar à mesma secção onde trabalhava, desde que não fosse para a máquina onde o acidente ocorreu, e continua a executar as mesmas funções que executava anteriormente ao acidente, não havendo redução de produtividade relativamente aos restantes trabalhadores que executam as mesmas funções (resposta ao art. 27.º da base instrutória).
32.- Na máquina em causa estavam afixadas instruções escritas relativamente ao cumprimento e respeito das normas de segurança (resposta ao art. 28.º da base instrutória).
33.- A autora tinha uma experiência profissional de cerca de 30 anos e tinha conhecimento dos riscos acrescidos decorrentes da avaria do comando bi-manual (resposta ao art. 31.º da base instrutória).
34.- Em sede de incidente de fixação de incapacidade foi proferida decisão que considerou que a autora, em consequência das lesões e sequelas descritas nos autos, ficou afectada de IPP de 31,98% desde a data da alta em 22.2.2013 (cf. fls. 25 do apenso).

3.O direito.

3.1.- A questão que primeiramente se coloca na apelação é a de saber se evento que vitimou a sinistrada resultou da falta de observação por parte da empregadora das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.
A este propósito importa desde logo considerar que o n.º 1 art.º 18.º da Lei dos Acidentes de Trabalho refere que "quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais" e o n.º 2 que "o disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido".

Por sua vez, o n.º 1 do art.º 127.º do Código do Trabalho estipula, na alínea h) que o empregador deve "adoptar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho" e na alínea i) que deve "fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidente ou doença".
Finalmente, o Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro estatui, no seu art.º 3.º, que:
"Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve:
a)- Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;
b)- Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização;
c)- Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos;
d)- Quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes;
e)- Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores".
e no seu art.º 16.º que:
"1. Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.
2. Os protectores e os dispositivos de protecção:
(…)
c)- Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes;
d)- Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa;
(…)
3. Os protectores e os dispositivos de protecção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao sector em que esta deve ser realizada".
A primeira conclusão que se nos oferece retirar é a de que o agravamento da responsabilidade do empregador pela produção do acidente não tem necessariamente que resultar da circunstância directamente imputada ao mesmo (o ter provocado, nas palavras da norma) ou da inobservância directa por ele de normas de segurança no trabalho, pois que, como se vê do n.º 1 do art.º 18.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, isso pode também ocorrer na pessoa do seu representante; sendo certo que "o conceito de representante da entidade patronal − seja ela, agora, pessoa individual ou colectiva − pode ser alargado a outras pessoas físicas que, de algum modo, actuem em representação daquela entidade seja porque detém um mandato específico para tanto, seja porque age sob ordens directas da entidade patronal, como é o caso de qualquer pessoa colocada na escala hierárquico-laboral de uma empresa".[5]

Deste modo, no caso sub iudicio não colhe a afirmação da apelante segundo a qual a situação concreta e objectiva em que ocorreu o acidente não era do seu conhecimento pois não constava do registo de avarias no sistema informático existente para esse efeito.
É que, como se provou, se é verdade que a chefia conhecia a avaria da máquina (facto 9), que a ela compete pedir a reparação no sistema informático (facto 24) e que isso não foi feito (facto 25), tudo isso poderá eventualmente relevar, sim, mas para fundamentar o direito de regresso por parte da apelante perante o trabalhador que concretamente exercia a chefia e/ou o que efectuou a manutenção da máquina e omitiu o dever de lhe prestar aquela informação e/ou de realizar a reparação, nos termos do n.º 3 do art.º 18.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, mas não a isenta da responsabilidade daí decorrente para com a apelada.
Também não se pode subscrever a afirmação da apelante de que fez tudo o que estava ao seu alcance para observar as regras de segurança no manuseamento do equipamento pois que, como vimos atrás, a avaria perdurava por cerca de dois anos (facto 9) mas durante esse período a máquina foi reparada, por duas vezes, pelos seus serviços (facto 20) e, portanto, por trabalhadores seus especialmente habilitados e cuja função era precisamente impedir que situações como aquela ocorressem, sem que, como daí se conclui, o tivessem feito. Pelo que essa omissão dos serviços de manutenção da apelante, que eram seus representantes nessa área, também serve a causa da agravação da sua responsabilidade pela ocorrência do acidente.
Não pode igualmente considerar-se, como pretende a apelante, que a experiência profissional de 30 anos da apelada (factos 1, 3 e 33) e o conhecimento que tinha do funcionamento da máquina (factos 26 e 32) e da sua avaria e consequente potencialidade criadora de riscos para a sua integridade física (facto 33) descaracterizava o acidente porquanto esses factos não permitem por si só dizer que o mesmo foi dolosamente provocado pela sinistrada, resultou da violação por ela de normas de segurança sem causa justificativa, proveio exclusivamente da sua negligência grosseira ou da sua privação da razão, como teria que ser por força do estatuído pelas alíneas a) a c) do n.º 1 do art.º 14.º da Lei dos Acidentes de Trabalho: é que, como vimos, o acidente ocorreu por causa da avaria da máquina e não fora isso não teria ocorrido pois que a sinistrada teria "as suas mãos no comando manual e não na área onde ocorreu o corte" (facto 11), sendo certo que era à apelante que competia repará-la e mantê-la em funcionamento seguro.[6]

3.2. Vejamos de seguida o que dizer da valoração dos danos não patrimoniais sofridos pela sinistrada, no que desde logo se terá que considerar que a improcedência do segmento anterior da apelação restringe a questão à pretendida culpa concorrente daquela na produção do sinistro e daqueles danos.
Estipula o n.º 1 do art.º 18.º da Lei dos Acidentes de Trabalho que "quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais".
Por sua vez, diz-nos o n.º 1 do art.º 496.º do Código Civil que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito" e o n.º 4 que "o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º"; estabelecendo este último normativo que "quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem".

A propósito dos danos não patrimoniais, a sentença em apreciação considerou relevantes a prova dos seguintes factos:
"- após o ocorrido no dia 14.12.2011, a sinistrada viu a sua rotina alterada por completo, deixando de poder trabalhar, tendo que se deslocar a várias dezenas de consultas e fisioterapia no ' British Hospital' ;
- a sinistrada viu-se obrigada a tomar medicação para a sua recuperação, tendo a mesma causado muito desconforto à sinistrada por conta dos efeitos secundários fortíssimos da medicação em causa;
- a sinistrada passou a utilizar uma prótese estética, dada a amputação dos seus dedos;
- porém, esta prótese é puramente estética, pelo que raramente a sinistrada lhe dá uso, até porque já não se adequa fisicamente à mesma;
- a sinistrada anda diariamente com os dedos amputados;
- a sinistrada viu a sua vida afectiva afectada em razão do sinistro visto que experimentou sentimentos de depressão, angústia, tristeza;
- a sinistrada não consegue fazer algumas das tarefas que fazia porquanto não tem sensibilidade e alcance nos dedos da mão em que afectada;
- a sinistrada durante o período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho foi ajudada pela sua filha na realização das tarefas da sua vida diária.

Acresce que a autora terá naturalmente sentido dores e terá experienciado sofrimento físico em virtude do acidente, da amputação dos dedos e posterior recuperação".

Com base nisso, entendeu "que tais danos merecem a tutela do direito e consider[ou] adequada e proporcional à sua reparação a quantia de € 15 000", acrescida de "juros de mora desde a data da presente decisão".

Não se pode, pois, dizer, como a apelante, que os danos não patrimoniais dados como provados não constituem mais do que um conjunto de generalidades sem qualquer facto a sustentá-los, para além da reconhecida lesão física da sinistrada. É que ter a sinistrada sentido "muito desconforto … por conta dos efeitos secundários fortíssimos da medicação" que se "viu[…] obrigada a tomar medicação para a sua recuperação"; ter visto "a sua vida afectiva afectada em razão do sinistro visto que experimentou sentimentos de depressão, angústia, tristeza"; "não consegu[ir] fazer algumas das tarefas que fazia porquanto não tem sensibilidade e alcance nos dedos da mão em que afectada"; as "dores" que "terá naturalmente sentido" e o "sofrimento físico [experienciado] em virtude do acidente, da amputação dos dedos e posterior recuperação" é algo muito real e concreto, ou seja, tudo factos e de evidente relevância para a determinação dos danos não patrimoniais por ela sofridos com o acidente e, consequentemente, para a determinação do seu direito a vê-los reparados.

Por fim, pretexta a apelante que a culpa na produção do acidente deve ser repartida igualmente com a sinistrada e por via disso a indemnização dos danos não patrimoniais fixada em € 7.500,00. Dir-se-á, portanto, que aceita como justo o valor de € 15.000,00 para esse efeito considerado na sentença.

É verdade que o art.º 494.º do Código Civil estabelece que "quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

Porém, mesmo que se admitisse que em certa medida a sinistrada teve alguma culpa na produção do acidente ao aceitar trabalhar nas descritas condições e, sobretudo, sabendo que isso representava um risco sério para a sua integridade física, sempre seria de a quantificar em muito menor grau do que a da apelante. É que nunca é demais recordar a apodíctica necessidade económica que leva os trabalhadores, sobretudo operários, a procurarem nas relações de trabalho subordinado a fonte única ou principal do seu rendimento e nessa medida geradora de dependência face ao empregador, o que os leva a aceitar trabalhar, até rotineiramente como no caso sub iudicio, em situações que não são exigíveis.

Por outro lado, importa ainda considerar a desequilibrada situação económica das partes, em claro desfavor da sinistrada. É certo que em bom rigor se não apurou a situação económica de qualquer delas, mas não podemos ignorar que a sinistrada era operária fabril (facto provado 3.), com uma experiência profissional de cerca de 30 anos (facto provado 33.) e auferia uma retribuição mensal de € 603,84 (facto provado 1.), pelo que sem qualquer ofensa para a verdade nem desprimor para ela poderemos concluir que a sua condição económica é modesta, mesmo para a realidade média do nosso país; já quanto à apelante, se apenas sabemos que é uma sociedade comercial, é a empregadora da apelada e isso habilita-nos a dizer, como facto notório e, por conseguinte, não carecendo de alegação e prova (art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), que tem uma situação económica mais favorável que a dela.

Deste modo, fica claro que não sobram quaisquer razões para, considerando o estatuído no art.º 494.º do Código Civil, estabelecer a indemnização em montante inferior ao correspondente aos danos causados, devendo, portanto, confirmar-se a sentença recorrida.
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IIIDecisão.
Termos em que se acorda negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2, por referência à Tabela I-B do Regulamento das Custas Processuais).
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Lisboa, 24-10-2018.


(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)


[1]Art.º 652, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[2]Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[3]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[4]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[5]Carlos Alegre, em Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais - Regime Jurídico Anotado, 2001, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, página 1103.
[6]Art.º 3.º, alínea e) do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro.