Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
425/13.1TMLSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Sumário (art.º 663.º n.º 7 do CPC)

I. O prazo de um ano, previsto na alínea a) do art.º 1781.º do Código Civil, deve estar completado aquando da propositura de ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge baseada exclusivamente nesse fundamento.
II. Porém, se o divórcio se fundamentar na cláusula geral prevista na alínea d) do art.º 1781.º do Código Civil, o prolongamento no tempo de uma situação de separação de facto, na pendência da ação de divórcio, constitui facto a ponderar, pelo menos ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 5.º do CPC
III. As razões da regra geral da retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio, nas relações entre os cônjuges, ao momento da propositura da ação (art.º 1789.º n.º 1 do CC), determinam que o momento do início da separação de facto apenas tenha relevância, nesta matéria, se ocorrer em data anterior à da propositura da ação (art.º 1789.º n.º 2 do CC). Se a separação de facto se iniciar na pendência da ação de divórcio, os efeitos patrimoniais deste produzir-se-ão, nas relações entre os cônjuges, desde a data da propositura da ação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Em 27.02.2013 Alberto (…) intentou no Tribunal de Família e Menores de Lisboa ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra Maria (…).

O A. alegou, em síntese, que tendo casado com a R. em 27.5.1995, após o falecimento do filho de ambos a relação entre o casal deteriorou-se, de forma que o casal deixou de ter uma vida em comum, assumindo o A. como definitiva a rutura da relação conjugal. Ocorre, pois, o fundamento de divórcio previsto na alínea d) do art.º 1781.º do Código Civil.

O A. concluiu pedindo que fosse decretado o divórcio entre o A. e a R., declarando-se dissolvido o casamento celebrado em 27.5.1995.

Realizou-se, infrutiferamente, tentativa de conciliação.

Em 20.02.2014 a R. contestou, impugnando parcialmente os factos alegados pelo A. e apresentando a sua própria versão, afirmando que as partes estavam separadas de facto desde o fim de junho de 2013.

A R. concluiu que o pedido deveria proceder com fundamento em rutura da vida em comum tal como alegado na contestação.

Em 28.5.2014 a R. requereu que fosse convocada conferência para convolação e decretação do divórcio, uma vez que ambos os cônjuges pretendiam divorciar-se.

Porém, o A. opôs-se, alegando que existia controvérsia quanto à data do começo da separação de facto, que havia que apurar.

Concluiu pedindo que se fixasse o dia 24.9.2012 como a data do início da separação de facto do A. e da R. e se declarasse que os efeitos patrimoniais do divórcio retroagiam à referida data, nos termos do disposto no art.º 1789.º n.º 2 do Código Civil.

Em 06.3.2015 foi proferido saneador tabelar, definido o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

O A. reclamou, pedindo que nos temas da prova se incluísse o apuramento da data do começo da separação de facto entre o A. e a R..

Tal reclamação foi indeferida, por se entender que a separação de facto não fora invocada como fundamento do divórcio.

Porém, no dito despacho exarou-se que as partes poderiam, por acordo, ampliar a causa de pedir para a prevista na alínea a) do art.º 1781.º do Código Civil, caso em que se teria em consideração o disposto no art.º 1789.º n.º 2 do Código Civil.

No início da audiência final, realizada em 18.5.2015, ambas as partes requereram a ampliação da causa de pedir e a fixação da data da separação nos termos do art.º 1789.º n.º 2 do Código Civil.

Nessa data foi proferido despacho em que se admitiu a ampliação da causa do pedido, “passando a considerar-se como fundamento para que seja decretado o divórcio previsto na alínea a) do art.º 1781.º do Código Civil, sendo que o autor fixa a data da separação em Setembro de 2012 e a ré em Junho de 2013.”

Em 05.6.2015 foi proferida sentença em que se julgou a ação procedente e em consequência se decretou o divórcio, fixando-se, para os efeitos previstos no n.º 2 do art.º 1789.º do Código Civil, a separação de facto no dia 07.3.2013.

O A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:

Quanto ao erro de direito do julgamento:

1. Uma decisão é errada quando viola norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorreta da norma reguladora do caso ajuizado.

2. A decisão recorrida lavra em erro de julgamento de direito e de facto.

3. O principio dispositivo é substancialmente a projeção no campo processual, daquela autonomia privada que dentro dos limites marcados pela Lei, encontra a sua afirmação mais enérgica na figura tradicional do direito subjetivo, mas não pode colidir nem derrogar tais limites.

4. O processo não pode ser fim em si mesmo e deve ser sempre construído como instrumento adequado às exigências do direito substancial ao qual deve servir, não podendo a decisão recorrida mudar a razão que as partes fizeram valer para justificar a providência pedida.

5. A lei substantiva não permite à Meritíssima Juíza de Direito do Tribunal "a quo" atribuir à data que fixou para efeitos patrimoniais entre os cônjuges o valor que ela não pode ter.

6. Como refere o n° 1 do art° 1789° do CC, os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da propositura da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.

7. Sendo este o princípio geral, há no entanto a exceção do n° 2 do mesmo artigo que reza assim "Se a separação de facto entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha começado"

8. Destes dois pontos do art° 1789 do CC extrai-se linearmente o seguinte: (i) proferida e transitada a sentença que decrete o divórcio, este produz imediatamente os seus efeitos a partir da data em que a ação foi proposta, ii) pode, no entanto, a produção dos efeitos do divorcio reportar-se à data em que a separação de facto tenha começado, desde que tal seja requerido por um dos cônjuges e se encontre provado no processo.

9. O legislador, ao tomar como referência a data em que no processo se considere como provada a separação de facto, antecipou os efeitos do divórcio em virtude da situação que precede a ação e lhe serve de fundamento.

10. A situação que se verifica posteriormente à instauração da ação para a fixação dos efeitos quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges não pode ter qualquer influência, sob pena de se reverter e violar o princípio da retroatividade consagrada na Lei substantiva que está dotada de regressividade.

11. O momento da dissolução do casamento no que toca às relações patrimoniais entre os cônjuges por Lei substantiva há-de corresponder sempre à data entre duas:

- Desde a data em que um dos cônjuges instaurou a competente ação (n° 1 do art° 1789 CC);

- Ou a partir da data em que no processo, ficou provada a separação de facto entre os divorciados se algum deles o requereu nestes termos, ou seja, formulou um pedido de retroação dos efeitos do divórcio a essa data (n° 2 do art° 1789) CC) que por lei pressupõe sempre ser decorrente da situação que precede a ação e lhe serve de fundamento e nunca situação posterior como a sentença recorrida acolheu ao ter fixado a data concreta da separação para os efeitos desta disposição legal o dia 7 de Março de 2013, data posterior à da entrada da ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge intentada pelo autor, aqui recorrente, em 27 de Fevereiro de 2013.

12. Por isso é que se entende que o campo por excelência de aplicação deste n° 2 do art° 1789 do CC, que permite que os efeitos do divórcio possam retroagir a momento anterior à da instauração da ação, seja nas ações de divórcio intentadas com fundamento da alínea a) do art° 1781 do CC, cujo pressuposto de duração temporal tem que se verificar à data da propositura da ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge.

13. A sentença recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o n° 1 e 2 do arf° 1789° do CC devendo nesta instância recursória ser a decisão revogada quanto à fixação dos seus efeitos patrimoniais à data da separação de facto de 7 de Março de 2013, sendo este segmento decisório ostensivamente irrazoável, violador de norma substantiva expressa, violando de forma intolerável a segurança jurídica e a confiança que os cidadãos depositam na ordem jurídica que os rege, confiança materialmente justificada no reconhecimento da situação jurídica e das suas consequências.

14. Admitindo-se por mera cautela de patrocínio, sem se conceder, que se manterá inalterável a matéria de facto dada como provada, a eficácia retroativa quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges tem que ser julgada reportada à data da propositura da ação, ou seja 27 de Fevereiro de 2013 nos termos do n° 1 e 2 do art° 1789 CC.

15. Tem que se reportar sempre à Lei substancial para se verificar, em cada caso concreto, se o facto superveniente pode atuar como constitutivo ou extintivo do direito em litígio.

16. Ora, o decurso do lapso de tempo exigido pela alínea a) do art° 1781 do CC é um requisito de natureza substantiva, que, por isso, tem de estar verificado à data do pedido.

17. O n° 1 do art° 1782 do CC define a separação de facto, para efeitos da referida aliena a) do art° 1781 do mesmo Código como sendo a situação que não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.

18. A Meritíssima Juíza de Direito do Tribunal "a quo" não podia decretar o divórcio com fundamento na separação de facto dos cônjuges pelo período de um ano consecutivo, uma vez que tal requisito não se verificava à data da instauração da ação.

19. A inverificação deste requisito que integra matéria de direito, não sendo derrogável pela livre disponibilidade das partes não podia ser julgado como o foi pela decisão recorrida.

20. O direito em discussão é dos que não se incluem na disponibilidade das partes. (entre outros, vide Acórdão do STJ de 24.10.2006 processo 0682898 in www.dgsi).

21. A sentença recorrida considerou a este respeito que o tempo decorrido na pendência da ação também contava para completar o período de um ano.

22. Ignorando que a atendibilidade de factos supervenientes comporta restrições que não podem ser contornadas e ultrapassadas com base no deferimento da ampliação da causa de pedir que por acordo das partes litigantes aconteceu nos autos.

23. O art° 611 do CPC apenas estipula que o Tribunal deve tomar em consideração o facto superveniente, desde que esteja verificado e apurado à data do encerramento da discussão.

24. Mas não permite que o Tribunal se possa servir dele para efeito de justificar a procedência da ação quando tal fundamento concorre apenas na data do julgamento, mas falta na data da propositura da ação, acarretando que tal disposição legal foi mal interpretada e violada pela Meritíssima Juíza de Direito do Tribunal "a quo".

25. O requisito objetivo, fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, previsto rio arte. 1781 alínea a), a separação de facto por um ano consecutivo, deve verificar-se reportado ao momento em que a ação é proposta, o que, não ocorrendo no caso em análise, não permitia considerar que ocorresse tal fundamento para decretar o divórcio entre as partes.

26. O elemento objetivo o único em causa aqui nos autos, dado que o elemento subjetivo - o propósito de não restabelecimento da vida em comum - por ambas as partes está bem evidenciado, da parte do recorrente com a propositura da ação, da parte da Ré recorrida não se tendo oposto ao decretamento do divorcio requerido por aquele, alegando ser igualmente sua intenção que o divorcio fosse decretado, na conformidade da matéria de facto provada face à lei substantiva, encontra-se verificado através de fundamento diverso - rutura definitiva do casamento a que alude a alínea d) do art° 1781 do CC, - e com base em tal fundamento o divórcio por ambos desejado deveria ter sido judicialmente decretado.

27. Uma vez que esse fundamento pode ser demonstrado através da prova de quaisquer factos incluindo os passíveis de integrar as previsões das alíneas a) a c) do mesmo preceito sem a duração temporal nelas previstas, desde que sejam graves, reiterados e demonstrem que objetivamente e definitivamente deixou de haver comunhão de vida entre os cônjuges atento os factos provados o divórcio deveria ter sido legalmente decretado com base na alínea d) do art° 1781 do CC e não pelo da alínea a) dessa mesma disposição legal.

28. A matéria de facto provada integra uma situação de rutura definitiva do casamento entre eles e com base em tal fundamento ser o divórcio decretado (factos provados 3, 4, e 5).

29. Perante a factualidade assim dada como provada a Meritíssima ma Juíza de Direito do Tribunal " a duo" incorreu em erro de determinação da norma aplicável, ao não reconduzir tal factualidade ao fundamento previsto na alínea d) do art° 1781° do CC.

30. E violou por erro de interpretação e aplicação o n° 1 e 2 do art° 1789°, a alínea a) do art° 1781°, ambos do CC e ainda o art° 611 do CPC.

Quanto ao erro de facto de julgamento:

31. O ponto de facto que o recorrente entende ter a decisão recorrida lavrado em erro de julgamento por incorretamente julgado é o relativo à data do começo da separação definitiva do casal que foi dada como provada ser o início de Março de 2013. (Quesito 3° dos factos provados)

32. O meio de prova aduzido para fundamentar a decisão do ponto de facto impugnado não conduz a tal resultado probatório.

33. Na decisão recorrida é afirmado que se julga provado esse facto com base nos depoimentos da Ré e do seu irmão António (…), no entanto, analisando-se tais depoimentos probatórios constantes da gravação (art° 640 n° 1 do CPC) no processo realizada impunham decisão diversa da recorrida sobre esse ponto da matéria de facto impugnada - começo da separação de facto .

34. Fevereiro e não Março foi o mês em que quer a Ré quer o seu irmão ouvido como testemunha indicaram como o mês em que começou a separação entre os cônjuges, aliás, mês, que perante a insistência da Meritíssima Juíza de Direito do Tribunal " a quo" em tentar localizar a data em que já não houve retoma, a Ré lhe respondeu em Fevereiro de 2013 ter sido o mês a partir do qual já não ter havido retoma.

35. Fevereiro e não início de Março de 2013 foi o mês do começo da separação de facto entre os cônjuges, devendo ser essa a data da separação do casal dada como provada e, ao assim não ter decidido lavrou em erro de julgamento dessa matéria de facto.

36. Acresce, com relevância também para prova de tal facto e constante dos elementos dos autos que Fevereiro de 2013 foi ainda o mês em que o recorrente deu entrada em Tribunal da ação de divórcio que deu origem ao seu decretamento na decisão recorrida.

37. Acresce, ainda com relevância para a alteração deste ponto concreto da decisão de facto que a Ré prestou declarações a pedido do recorrente na qualidade de parte interessada na decisão, tendo deposto sobre factos pessoais que tem conhecimento e da natureza desse seu depoimento prestado perante a Mma Juíza de Direito do Tribunal " a quo", resulta que o por si deposto quanto ao início do começo da sua separação assumir uma natureza confessória, um reconhecimento da sua parte, sendo inquestionável ser o mês de Fevereiro a data do começo da sua separação.

38. Com relevância também como meio de prova está o resultado da atuação processual da Ré recorrida sendo para ela nesse articulado inequívoco que a rutura de vida em comum do casal precedia o momento da instauração da ação de divórcio e não que o seu começo se iniciou após a sua instauração, elemento que a decisão recorrida ignorou e não considerou.

39. Acresce, ainda alegar que a Meritíssima Juíza de Direito do Tribunal "a quo" não valorou o depoimento da testemunha R (…), mãe do recorrente, quanto à data da separação e suas referências diretas ao facto dado como provado e que no entendimento do recorrente conduziria a resultado diferente.

40. Não foi valorada a razão de em julgamento a identificada testemunha ter referido temporalmente datas, concretamente duas, reportadas a período temporal e factos precedentes a essa instauração da ação e não posteriores.

41. Sendo mais um elemento de prova com referência temporal a período anterior e não posterior a esse facto que não foi valorado por erro de julgamento de facto na decisão recorrida.

42. Entende o recorrente que da análise crítica das provas produzidas aduziu argumentação nesta instância recursória que se opõe à argumentação produzida na decisão recorrida, colocando a este Tribunal verdadeiramente, uma questão de facto a resolver quanto à data do começo da separação.

43. Entendendo o recorrente que relativamente ao mês em que a separação de facto definitiva do casal ocorreu, deveria ter sido dado como provado, senão o mês anterior, pelo menos o mês de Fevereiro de 2013 e nunca o mês de Março de 2013, posterior à da data da instauração da presente ação de divórcio intentada pelo recorrente em 27 de Fevereiro de 2013.

44. No que respeita à data concreta da separação, considerando-se provado que esta ocorreu em Fevereiro de 2013, o dia exato em que a mesma se verificou para efeitos de se fixar um dia para a separação de acordo com a matéria de facto provada, o dia a ser julgado como provado deverá ser o dia 22 de Fevereiro de 2013, dia em que a Ré comunicou ao recorrente que da sua parte tinha acabado, que se queria separar, ao contrário de todas as outras vezes em que tinham existido outras separações ao longo da vida do casal, tendo o recorrente 5 dias após intentado a ação judicial de divórcio.

45. No entendimento do recorrente, com o devido respeito é óbvio que a Meritíssima Juíza de Direito do Tribunal "a que" nunca podia ter deixado de ter em conta na decisão a dependência lógica ou jurídica entre o pedido e o julgado e na conformidade do direito substancial a que se encontra vinculada na sua decisão, não podendo esta violar o princípio da proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático disposto no art° 2° da CRP que impõe que qualquer decisão judicial não viole a confiança que os cidadãos depositam na ordem jurídica que os rege, quer no reconhecimento das situações jurídicas, quer das suas consequências.

46. Resulta do art° 1789 n° 2 do CC que os efeitos patrimoniais do divórcio quanto aos cônjuges retrotraem-se à data da propositura da ação, a não ser que a separação de facto entre eles esteja provada no processo e qualquer deles requeira que tais efeitos se retrotraiam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha começado, ora a ampliação da causa de pedir foi requerida e deferida por ambas as partes para que fosse fixada a data dessa separação para efeitos desta disposição legal e sendo assim a ser fixada uma data, nunca poderia ter sido fixada data posterior para esse efeito à data da instauração da ação mas apenas anterior e nessa conformidade deveria ter sido fixada a data de 22 de Fevereiro de 2013 que resultou provada para esses devidos efeitos nos presentes autos.

47. Em consequência de todo o vertido, da decisão proferida, mantendo-se nesta instância recursória inalterável a matéria de facto nela dada como provada, devem V.Exas julgar a eficácia retroativa quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges reportada à data da propositura da ação, na conformidade do que consta dos autos, o dia 27 de Fevereiro de 2013 nos termos do n° 1 e 2 do art° 1789° do CPC e reconduzir a factualidade provada ao fundamento previsto na alínea d) do art° 1781° para o decretamento do divórcio decidido e que nesta instância recursória não se coloca em crise.

48. Caso V.Exas julguem procedente a impugnação da matéria de facto relativamente ao ponto de facto relativo à data do começo da separação definitiva do casal, alterando essa decisão, considerando ser o mês de Fevereiro e não Março de 2013 para esse efeito, quanto ao dia exato a ser julgado como provado deverá ser o dia 22 de Fevereiro de 2013, dia em que a Ré comunicou ao recorrente que se queria separar originando a instauração da presente ação de divórcio por parte do A. aqui recorrente, julgando então na conformidade reportada a eficácia retroativa quanto às relações patrimoniais entre os cõnjuges essa data nos termos do 2 do art° 1789° do CC.

A apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO

As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: impugnação da matéria de facto; fundamento a considerar na decretação do divórcio; data da separação de facto, para os efeitos previstos no art.º 1789.º n.º 2 do Código Civil.

Primeira questão (impugnação da matéria de facto)

O tribunal a quo deu como provada a seguinte

Matéria de facto

1. Autor e Ré contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, no dia 27 de Maio de 1995.

2. A 16 de Janeiro de 2006 nasceu F (…), filho de A. e R.

3. Desde o início de Março de 2013 que Autor e Ré não dormem na mesma cama, não mantêm relações sexuais, não tomam refeições juntas, não saem juntos, nem convivem um com o outro.

4. O casal também não manteve economia em comum desde essa data, muito embora tenham continuado a assegurar o pagamento das quantias vencidas mensalmente e referentes à aquisição de bens comuns do casal ou à sua gestão e administração.

5. Autor e R. não pretendem restabelecer a vida em comum entre ambos.

O Direito

Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

O apelante questiona a data dada como provada no n.º 3 da matéria de facto. Segundo o apelante, não foi em março de 2013, mas sim em fevereiro de 2013, que “começou a separação de facto” entre os cônjuges.

Vejamos.

No n.º 3 da matéria de facto não se aponta, genericamente, o início da “separação de facto” entre o A. e a R., mas indica-se um momento temporal desde o qual se verificam (ou não se verificam) determinados comportamentos concretos, por parte dos cônjuges. Assim, a impugnação deste ponto, com o sentido dado pelo apelante (o apelante não nega que a “separação de facto” ocorreu, defende é que se iniciou em data anterior, mais precisamente em fevereiro de 2013), implica a demonstração de que tais factos passaram a ocorrer a partir de uma outra data, ou seja, segundo o apelante, desde fevereiro de 2013.

Sendo certo que está em análise a ocorrência em simultâneo de comportamentos concretos, ainda que cada um deles tenha tido o seu início em momentos diferentes: os cônjuges não dormirem na mesma cama, não manterem relações sexuais, não tomarem refeições juntos, não saírem juntos, não conviverem um com o outro.

O apelante invoca, sobre esta matéria, o depoimento da R., o do irmão da R. (António) e o da mãe do apelante (R …). Aponta também a data em que instaurou a ação (27.02.2013).

Foi ouvida a gravação de tais depoimentos.

A testemunha R (…), mãe do A., apenas soube concretizar que em setembro de 2012, mês em que a R. fazia anos e era habitual o casal passar uns dias fora, o filho (o ora A.) lhe disse que “fora o princípio do fim.”

A , nas declarações que prestou, afirmou que o casal decidiu vender a sua casa em março de 2013 e saíram dela em 21.6.2013. Descreveu os seus esforços para salvar o casamento, até que em 21 ou 22 de fevereiro de 2013 “desistiu” e disse ao A. que o casamento acabara. Na altura o A. ficou admiradíssimo. Uma semana antes o A., que se ia reformar em 28 de fevereiro, começara a falar à R. em irem passar uma semana ao Algarve, após essa data. Realmente ele foi para o Algarve, cerca de uma semana após a dita conversa, e a R. não o acompanhou. Ele foi para o Algarve sozinho e depois deixou de dormir no quarto, dizendo que não fazia sentido que o fizesse, passando a dormir no sofá da sala.

A testemunha António (…), irmão da R., disse que desde finais de 2012 sabia que as coisas não estavam bem entre o A. e a irmã, mas a irmã manifestara a intenção de lutar pela manutenção do casamento. Só em 24 de fevereiro de 2013, data do aniversário de um outro irmão, é que a R. lhes disse que irremediavelmente não dava para continuar. Foi essa “a primeira vez em que senti a minha irmã baixar os braços em relação ao casamento”.

Face ao teor dos depoimentos, poderá assentar-se que foi aquando da ida ao Algarve, em que o A. foi sozinho, que se consumou a rutura do casal, concretizada em todos os aspetos fáticos referidos no n.º 3 em simultâneo, incluindo a cessação da partilha do leito conjugal. De notar que na petição inicial, remetida ao tribunal em 27.02.2013, ainda se escrevia que os cônjuges dormiam “de costas voltadas um para o outro” (17.º da p.i.). Ora, de acordo com o depoimento da R., o A. foi para o Algarve cerca de uma semana após a conversa em que a R. declarou que o casamento acabara, coincidindo com a reforma do A.. Assim, tendo a referida conversa decorrido em 21 ou 22 de fevereiro e a reforma do A. ocorrido em 28 de fevereiro, o corte definitivo terá ocorrido no início de março, podendo assentar-se, por conseguinte, na data de 1 de março de 2013.

Por conseguinte, o n.º 3 da matéria de facto passará a ter a seguinte redação:

3. Desde 1 de Março de 2013 que Autor e Ré não dormem na mesma cama, não mantêm relações sexuais, não tomam refeições juntas, não saem juntos, nem convivem um com o outro.

Segunda questão (fundamento a considerar na decretação do divórcio)

O A. e a R. casaram em 27 de maio de 1995, ou seja celebraram um negócio jurídico que, na definição legal, “é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código” (art.º 1577.º do Código Civil, diploma que doravante será o mencionado, se nada for dito em contrário).

O matrimónio poderá extinguir-se, em vida dos cônjuges, pelo divórcio, por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges (art.º 1773.º n.º 1).

O divórcio com mútuo consentimento pode realizar-se na conservatória do registo civil ou, em caso de desacordo sobre determinados aspetos acessórios mas relevantes, no tribunal (n.º 2 do art.º 1773.º).

O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos no art.º 1781.º (n.º 3 do art.º 1773.º).

Sob a epígrafe “ruptura do casamento”, no art.º 1781.º estipula-se o seguinte:

São fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:

a) A separação de facto por um ano consecutivo;

b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;

c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;

d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.”

E, nos termos do art.º 1782.º, entende-se que há “separação de facto”, para os efeitos da alínea a) do art.º 1781.º, “quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.”

O atual regime do divórcio foi introduzido no Código Civil pela Lei n.º 61/2008, de 31.10.

Conforme consta na Exposição de motivos do Projecto de Lei n.º 509/10, que esteve na origem daquele diploma, procurou-se adaptar o regime jurídico do divórcio a uma visão atual do matrimónio, tido como espaço de vida a dois assente fundamentalmente no laço afetivo: “decorrendo do princípio da liberdade, ninguém deve permanecer casado contra sua vontade ou se considerar que houve quebra do laço afectivo. O cônjuge tratado de forma desigual, injusta ou que atente contra a sua dignidade deve poder terminar a relação conjugal mesmo sem a vontade do outro. Ao “divórcio-sanção”, em que se procurava apurar a quem cabia a culpa da dissolução do vínculo conjugal, sucede o “divórcio-ruptura”, em que “a invocação da ruptura definitiva da vida em comum deve ser fundamento suficiente para que o divórcio possa ser decretado”, sem a carga estigmatizadora e punitiva inerente ao apuramento da culpa. O divórcio sem consentimento do outro cônjuge assentará em causas objetivas, que manifestem uma situação de rutura definitiva da relação conjugal, traduzida não só num determinado período de afastamento dos cônjuges (separação de facto), mas também noutros factos que indiciem claramente, de acordo com a cláusula geral prevista na alínea d) do art.º 1781.º do Código Civil, o fim do vínculo matrimonial.

In casu, o A. fundamentou o pedido de divórcio na cláusula geral prevista na alínea d) do art.º 1781.º do Código Civil.

Porém, no início da audiência final as partes acordaram na “ampliação da causa de pedir”, “estendendo-a” à alínea a) do art.º 1781.º do Código Civil, invocando o A. que as partes se encontravam separadas de facto desde setembro de 2012 e a R. que o estavam desde junho de 2013.

A requerida “ampliação da causa de pedir” foi admitida, por despacho que transitou em julgado.

In casu, pois, apesar de a separação de facto não ter sido (pelo menos expressamente) indicada como causa de pedir na petição inicial, esse fundamento de divórcio pode ser conhecido nesta ação, face à “ampliação” ocorrida, assente no acordo das partes (art.º 264.º do CPC).

Questão diversa é se a invocada causa de pedir pode fundamentar o divórcio, no caso dos autos.

Nos termos da alínea a) do art.º 1781.º do Código Civil, é fundamento do divórcio sem consentimento do outro “a separação de facto por um ano consecutivo.”

Ora, é certo que alguma jurisprudência, invocando a prevalência do princípio da atualidade plasmado no art.º 663.º do CPC de 1961, atualmente art.º 611.º do CPC, defende que pode levar-se em consideração, no preenchimento do requisito da duração temporal da separação de facto, o tempo decorrido na pendência da ação (vide acórdão do STJ, de 03.11.2005, processo 05B2266; acórdão do STJ, de 06.3.2007, processo 07A297 e acórdão da Relação de Lisboa, de 15.5.2012, processo 1017/09.5TMLSB.L1-7).

Porém, a opinião dominante, chamando a atenção que o art.º 663.º do CPC de 1961, atual art.º 611.º, ressalva as restrições estabelecidas noutras disposições legais (n.º 1 do dito artigo) e dispõe expressamente que “só sãoatendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida” (n.º 2 do artigo), realça que, sendo o decurso do prazo de um ano elemento substantivo do direito, potestativo, de obter o divórcio com base na separação de facto dos cônjuges, tal prazo tem de estar decorrido no momento da propositura da ação, sendo, assim, irrelevante, para o preenchimento dessa causa de pedir, o decurso do prazo na pendência da ação (vide STJ, 24.10.2006, processo 06B2898; STJ, 10.10.2006, processo 06A2736; STJ, 03.10.2013, processo 2610/10.9TMPRT.P1.S1; Relação de Lisboa, 10.02.2011, processo 568/09.6TBMFR.L1-2; Relação do Porto, 14.6.2010, processo 318/09.7TBCHV.P1; Relação do Porto, 15.3.2011, processo 5496/09.2TBVFR.P1; Relação do Porto, 29.3.2011, processo 1506/09.1TB0A2.P1; Relação de Lisboa, 22.10.2013, processo 16/11.1TBHRT.L1-7; Relação de Guimarães, 11.9.2012, processo 250/10.1TBMBRG.G1; Relação de Évora, 21.3.2013, processo 292/10.7T2SNS.E1; Relação de Lisboa, 15.5.2012, processo 9139/09.6TCLRS.L1-7). Reforça-se, assim, o respeito pela intenção do legislador, que entendeu ser necessário um mínimo de tempo decorrido como demonstrativo da verificação da rutura da vida em comum, evitando-se resultados indesejáveis, como, no limite, autorizar qualquer dos cônjuges a propor a ação de divórcio, com fundamento na separação de facto, no dia seguinte à ocorrência da separação, contando com a demora do processo para perfazer o ano exigido na lei.

Na sentença recorrida ajuizou-se que estavam preenchidos os requisitos para que fosse decretado o divórcio com base na separação entre os cônjuges por mais de um ano: ficou provado que pelo menos desde março de 2013 o A. e a R. vivem separados de facto e não mantêm qualquer relacionamento entre si, e, além disso, não têm a intenção de restabelecer a vida em comum.

Ora, alega o apelante, a ação foi proposta em 27.02.2013, pelo que, não existindo nessa data separação de facto, o tribunal a quo não poderia levar em consideração esse fundamento do divórcio, por ser irrelevante a circunstância de, à data da sentença (proferida em 05.6.2015), fruto do tempo entretanto decorrido após o início da ação, as partes estarem separados de facto há mais de um ano.

Note-se que o apelante não põe em causa o decretamento do divórcio, tal como a apelada. Pelo contrário, ambas as partes se conformaram com a dissolução do matrimónio no âmbito desta ação, por força da sentença.

Aquilo com que o apelante se rebela é com a data declarada pelo tribunal a quo, quanto aos efeitos do divórcio no âmbito das relações patrimoniais entre os cônjuges. O tribunal a quo fixou tal data em 07.3.2013, dia em que entendeu se iniciou a separação de facto entre os cônjuges. O apelante, como argumento adjuvante para que a data a ter em consideração seja anterior, pelo menos a data da propositura da ação, invoca a inadmissibilidade de se tomar em consideração, pelas razões apontadas, uma separação de facto com início posterior à data da instauração da ação.

Com tal argumentação arrisca-se o apelante a fazer naufragar o divórcio, caso esta Relação lhe dê razão naquele aspeto (como se dá) e, agora em discordância com o apelante, não vislumbre outro fundamento para a dissolução do matrimónio. Isto porque, estando-se no âmbito de relação jurídica indisponível, esta Relação poderá conhecer oficiosamente da falta de fundamentação para o divórcio decretado e revogar a sentença (artigos 608.º n.º 2, parte final, e 663.º n.º 2 do CPC).

Porém, afigura-se-nos que a matéria de facto provada indicia, objetivamente, a falência do matrimónio sub judice, ao abrigo da cláusula geral prevista na alínea d) do art.º 1781.º do Código Civil. Sendo certo que, quanto ao preenchimento dessa cláusula, o prolongamento no tempo de uma situação de separação de facto, na pendência da ação de divórcio, constitui facto a ponderar, pelo menos ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 5.º do CPC (vide acórdão do STJ, de 03.10.2013, processo 2610/10.9TMPRT.P1.S1). Com efeito, há mais de dois anos que o A. e a R. vivem cada um para seu lado, sem fazerem tenção de retomar a vida em comum. O que constitui fundamento para o divórcio, nos termos da alínea d) do art.º 1781.º do CPC.

Nada obsta, pois, ao decretamento do divórcio.

Terceira questão (data da separação de facto, para os efeitos previstos no art.º 1789.º n.º 2 do Código Civil)

Sob a epígrafe “data em que se produzem os efeitos do divórcio”, no art.º 1789.º do Código Civil estipula-se o seguinte:

1. Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.

2 - Se a separação de facto entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha começado.

3. Os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir da data do registo da sentença.”

Assim, como refere o n.º 1 do art.º 1789.º, os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retrotraem-se à data da propositura da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges. Pretende-se que, formalizado o litígio entre os cônjuges, pela propositura da ação, nenhum deles seja prejudicado por atos de insensatez, prodigalidade ou pura vingança, praticados pelo outro, desde a proposição da ação, sobre valores do património comum (vide, v.g., Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, volume IV, 2.ª edição, 1992, Coimbra Editora, pág. 561). Podendo também ponderar-se que “proposta uma acção de divórcio por um cônjuge contra outro, a situação criada faz terminar quaisquer relações e, mesmo, quaisquer expectativas de ordem patrimonial, de sorte a se não justificar mais, se a acção proceder, que qualquer dos cônjuges venha a beneficiar ou ser prejudicado pelo aumento ou pela diminuição do património, determinado em razão do outro” (acórdão da Relação de Coimbra, 17.4.1990, Colectânea de Jurisprudência, ano XV, tomo II, pág. 65).

O n.º 2 contém, porém, a possibilidade de, mediante requerimento de qualquer dos cônjuges, os efeitos patrimoniais do divórcio retroagirem ao momento do início da separação de facto, que a sentença fixará, se esta se provar no processo. O texto inicial deste preceito, introduzido pelo Dec.-Lei n.º 496/77, de 25.11, apenas conferia legitimidade para tal requerimento antecipatório dos efeitos patrimoniais do divórcio entre os cônjuges ao cônjuge que não fosse julgado único ou principal culpado pelo divórcio. Aqui visava-se defender os interesses do cônjuge inocente ou menos culpado contra delapidações e abusos que pudesse cometer o cônjuge exclusiva ou predominantemente culpado desde o momento em que cessasse a coabitação e até que fosse proposta e decidida a ação de divórcio.

Atualmente, afastada a indagação da culpa no decretamento do divórcio, a específica retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio nas relações entre os cônjuges ao momento do início da separação de facto pode ser requerida por qualquer dos cônjuges, com isso beneficiando qualquer um deles.

Seja como for, as razões da regra geral da retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio, nas relações entre os cônjuges, ao momento da propositura da ação, determinam que o momento do início da separação de facto apenas tenha relevância, nesta matéria, se ocorrer em data anterior à da propositura da ação. Se a separação de facto se iniciar na pendência da ação de divórcio, os efeitos patrimoniais deste produzir-se-ão, nas relações entre os cônjuges, a partir da data da propositura da ação.

Conclui-se, pois, que nesta parte o apelante tem razão, devendo ser revogada a decisão recorrida, no segmento em que se fixou, para os efeitos previstos no n.º 2 do art.º 1789.º do Código Civil, a separação de facto no dia 07.3.2013, data essa posterior à da propositura da ação.

DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e consequentemente:

a) Altera-se a sentença recorrida, revogando-se esta na parte em que nela se fixou, para os efeitos previstos no n.º 2 do art.º 1789.º do Código Civil, a separação de facto no dia 07.3.2013;

b) Mantém-se a sentença na parte restante.

As custas da apelação são a cargo do apelante e da apelada, em partes iguais.


Lisboa, 17.12.2015

Jorge Leal

Ondina Carmo Alves

Olindo dos Santos Geraldes