Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1128/09.7YXLSB.L1-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULAS NULAS
DEPÓSITO BANCÁRIO
ACÇÃO INIBITÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.Dentro do princípio da liberdade contratual expresso no artigo 405º do C. Civil, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos e incluir neles as cláusulas que lhes aprouver.
2. Nos contratos de adesão acentuam-se as exigências de conduta das partes de acordo com padrões de diligência, honestidade e lealdade (boa fé no sentido ético e objectivo) acentuam-se no caso dos contratos de adesão, dada a notória fragilidade do aderente face ao proponente.
3. Foi por isso que o diploma que regula as cláusulas contratuais gerais - o DL nº 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelo DL. n° 220/95, de 31 de Agosto, a fim de ficar em conformidade plena com a Directiva 93/13/CE, do Conselho, de 5 de Abril de 1993, e, posteriormente pelo DL. n.°249/99, de 7 de Julho – instituiu, no art. 25º, a denominada “Acção inibitória”, com vista a permitir a eliminação de cláusulas que firam aqueles princípios gerais do direito, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares.
4. Se bem que à primeira vista nada pareça obstar à validade do clausulado no sentido do aderente poder autorizar o Banco/credor a ressarcir-se mediante o débito através de quaisquer contas de que o devedor seja co-titular solidário, nos contratos de adesão, só aparentemente assim é.
5. Efectivamente, neste tipo de contratos, não constando da cláusula em apreciação, desde logo, qualquer reserva tendente a assegurar, quer a sustentabilidade dos titulares, no caso de contas ordenado por exemplo, quer os limites da própria penhorabilidade e da ordem de penhorabilidade legalmente impostos em caso de pagamento coercivo (art. 861-A, nºs 2 e 4 do CPC), a mesma confere ao credor uma excessiva faculdade de autotutela executiva, violadora do princípio da proibição do excesso ou da justa medida e, consequentemente lesiva do princípio da boa fé e da confiança do aderente, o que a torna nula, face ao disposto nos artigos 15º, 16º e 12º da Lei das Condições Gerais dos Contratos.
6. O facto da sentença condenatória da acção inibitória ser levada ao registo de cláusulas proibidas previsto no art. 35º do citado o DL nº 446/85, na redacção do DL. n° 220/95, não torna dispensável a publicação da sentença em jornais de circulação diária, nos termos do nº 2 do art. 30º do mesmo diploma. São medidas que se complementam, visando ampliar o leque de pessoas que podem tomar conhecimento da condenação.
(MMG)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório.
1. O Ministério Público intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra o Banco, S.A., pedindo a declaração da nulidade de cláusulas constantes de formulários de contrato de crédito ao consumo utilizados pelo R. no exercício da sua actividade, e a sua condenação na abstenção de tal utilização, de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.
Alegou, em síntese, que o R. tem insertas nos seus formulários relativos a contratos de adesão, mais concretamente contratos denominados de “Crédito Pessoal”, cláusulas que lhe permitem, através do funcionamento de contas solidárias, obter o pagamento de dívidas por parte de pessoas alheias aos contratos de crédito celebrados e ainda cláusulas que lhe permitem a resolução do contrato de forma arbitrária e desproporcional, designadamente em face da verificação de certos eventos ou circunstâncias, algumas das quais totalmente alheias àquele, como por exemplo a execução por outra dívida, perante “quaisquer sinais objectivos de deterioração substancial da situação económica ou financeira do mutuário”, etc…

Citado, o R. contestou, pugnando, em síntese, pela razoabilidade de tais cláusulas, pela sua interpretação conforme à lei, designadamente em face da confiança necessariamente estabelecida entre as partes.

Logo de seguida, em sede de saneador, o tribunal, considerando estar já de posse de todos os elementos necessários, julgou a acção procedente e condenou o réu Banco, S.A., a:
- reconhecer a nulidade das cláusulas 4ª e 9ª, n.º 1, alíneas a), b), c), d), e), g), h) e i) e nº 2 do clausulado intitulado “Crédito Pessoal”,utilizado nos contratos de crédito ao consumo que celebra;
- abster-se de se prevalecer das mesmas cláusulas em contratos já celebrados e de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar;
- a, no prazo de vinte dias, publicar esta sentença em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos, em anúncios de tamanho não inferior a 1/4 de página.

Inconformado, apelou o Banco réu.
Alegou concluindo, em síntese, que:
- As cláusulas contratuais impugnadas deviam ter sido interpretadas de acordo com o disposto nos artigos 237º e 239º do C. Civil – de harmonia com a vontade das partes, prevalecendo nos negócios onerosos, em caso de dúvida, o entendimento que conduzir ao maior equilíbrio – logo, consideradas válidas na medida em que a compensação se opere sobre valores de que o mutuário é titular em contas conjuntas ou colectivas solidárias.
- Obtida/dada a autorização prévia (expressa) dos demais titulares da conta conjunta a declaração constante das cláusulas em causa tem necessariamente que ser interpretada como válida.
- Se vingasse o entendimento expresso na sentença recorrida, seria impossível o débito (ou o crédito) de quaisquer quantias em contas solidárias, porquanto passaria a ser necessário averiguar permanentemente a quem pertencia o valor nelas depositado.
- No que respeita à cláusula 9ª, havendo elementos de facto que permitam objectivamente ao credor (o Banco) recear pela satisfação dos seus créditos é perfeitamente legítimo que este exija ao sujeito devedor o cumprimento antecipado das obrigações resultantes do contrato, à semelhança do que se prevê (art. 780º do C. Civil) e /ou o dever de substituição ou reforço de hipoteca (art. 701º do mesmo Código).
- No comércio e práticas bancária é normal, e comummente aceite a existências de cláusulas de “cross-default”, podendo as partes convencionar que o incumprimento de determinado contrato tenha como efeito o incumprimento de outros, que vigorem entre as partes.
- Ao desconsiderar estes aspectos e declarar nulas as cláusulas em apreciação sem ater à rationem de cada uma, a sentença recorrida desequilibra o contrato a favor do devedor, violando a boa fé contratual e interpretando erradamente o regime previsto na LCCG.
- No que toca à publicidade, esta terá efeitos directos e imediatos sobre a imagem do Banco e gerará distorções em termos de concorrência com outras instituições bancárias que têm/tenham cláusulas idênticas às que o tribunal considerou nulas.
- O registo da sentença no serviço próprio criado pelo DL nº 220/95 acautela o interesse público da publicitação, interesse esse que fica igualmente satisfeito pela impossibilidade do Banco usar ou se prevalecer das cláusulas em causa nas relações com os seus clientes.
- A publicidade da decisão recorrida deve, assim, ser revogada por ser desproporcionada e violar sem fundamento o direito ao bom-nome e imagem do Banco.
Terminou pedindo a revogação da sentença e a sua absolvição do pedido.

O Ministério Público contra alegou pugnando pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Matéria de Facto.
2. A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
A) O Réu tem por objecto social a actividade bancária, podendo praticar todas as operações legalmente permitidas aos bancos e pode participar noutras sociedades, de objecto igual ou diferente do seu, mesmo que regidas por leis especiais, bem como em agrupamentos complementares de empresas.
B) No exercício de tal actividade, o Réu procede à celebração de acordos escritos intitulados “Crédito Pessoal” através dos quais declara ceder a outra pessoa determinada quantia em dinheiro, declarando essa pessoa assumir a obrigação de devolver a mesma quantia acrescida de juros.
C) Para tanto o Réu apresenta aos interessados que com ele pretendam negociar um clausulado previamente elaborado e impresso,
D) O qual é composto por uma primeira parte respeitante às condições particulares, com espaços em branco para serem preenchidos apenas destinados à identificação dos mutuários, montante do empréstimo, prestações, taxa de juro, identificação do seguro de vida, declaração de penhor de conta e identificação do avalista.
E) E por uma segunda parte referente às condições gerais, impressa no verso da primeira, e que não contém quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes que em concreto se apresentem, com excepção dos reservados à declaração de renúncia nos termos do art. 8º nº 5 do DL 359/91, de 21.9, às assinaturas e à data.
F) A cláusula 4ª, sob a epígrafe Compensação, estabelece:
“1- O(s/A) mututário(s/a) autoriza(m) expressamente o Banco, sem dependência de qualquer formalidade, seja de que natureza for, a ressarcir-se de todas e quaisquer responsabilidades emergentes do presente contrato mediante o débito de quaisquer outras contas de depósito de que o(s/a) mutuário(s/a) seja(m) ou venha(m) a ser titular(es) ou co-titular(es) solidário(s) no Banco, bem com a proceder à compensação automática de quaisquer dívidas emergentes do presente contrato com quaisquer outros créditos do(s/a) mutuário(s/a) sobre o Banco.
2- Fica, ainda, o Banco autorizado a debitar quaisquer contas de depósitos à ordem ou a prazo, ainda que não vencido, de que o(s) mutuário(s) seja(m) ou venha(m) a ser titular(es) junto do Banco (…), S.A., bem como a proceder à compensação com quaisquer saldos credores, ou valores, independentemente da verificação dos pressupostos legais da compensação.”
G) A cláusula 9ª, sob a epígrafe “Antecipação do vencimento” estabelece no nº 1, alíneas a), b), c), d), e), g), h) e i), e no nº 2:
“1- Sem prejuízo da faculdade de exigir o reforço ou a substituição das garantias prestadas, o Banco poderá considerar antecipadamente vencidas e exigíveis todas as obrigações emergentes do presente contrato, exigir o seu cumprimento imediato e promover a execução da(s) garantia(s), se:
a) não for cumprida pelo(s) mutuário(s) qualquer uma das obrigações previstas no presente contrato, designadamente quando não for efectuado o pagamento pontual de qualquer prestação”.
b) se verificarem situações que possam envolver risco para o reembolso do crédito;
c) o(s) mutuário(s) for(em) executado(s) judicialmente;
d) for celebrado qualquer acordo de pagamento de dívidas com os credores, forem praticados actos que revelem incapacidade de solver compromissos ou se evidenciarem quaisquer sinais objectivos de deterioração substancial da situação económica ou financeira do(s) mutuário(s);
e) não forem pontualmente cumpridas as obrigações decorrentes de outras responsabilidades contraídas junto do Banco ou de outras Instituições Financeiras, nacionais ou estrangeiras;
...
g) não forem pagas despesas ou encargos emergentes do presente contrato ou das garantias que eventualmente a ele venham a ser afectas;
h) for protestada qualquer letra ou livrança em que o(s) mutuário(s) seja(m) obrigado(s) ou se este(s) ingressar(em) a listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco;
i) se revelar incorrecta qualquer declaração ou informação prestada pelo(s) mutuários(s) ao Banco.
2- O não cumprimento do estabelecido em qualquer das cláusulas do presente contrato, bem como de outras obrigações ou responsabilidades contraídas pelo(s) mutuário(s) junto do Banco, dá a este(s) a faculdade de considerar imediatamente vencido o presente crédito”.

Fundamentação.
3. Sendo pelas conclusões da alegação que, em regra, se delimita o objecto do recurso – salvo matérias de conhecimento oficioso – a questão a decidir por este Tribunal traduz-se em aferir da legalidade das cláusulas referidas nos pontos F) e G) da matéria de facto provada e, por conseguinte, da condenação ou absolvição do R. quanto ao pedido da abstenção dessa utilização (com as demais consequências legais, designadamente, quanto à publicidade dessa situação).
Foi pedida pelo A. e declarada, na decisão recorrida, a nulidade das transcritas cláusulas 4ª e 9ª (com excepção do constante na alínea f) desta última), por violação do princípio da boa fé, consagrado nos art. 15º e 16º do DL 446/85, de 25 de Outubro (LCCG) e por se mostrarem desproporcionadas face aos danos que visam prevenir.
Não vem questionado que se está perante o pedido de declaração de nulidade de cláusulas contratuais gerais, sujeitas ao regime estatuído pelo DL nº 446/85 de 25/10, insertas em contratos de adesão, dado tratar-se de cláusulas previamente elaboradas sem qualquer negociação entre as partes, em que os destinatários não estão determinados e se limitam a aceitar ou a subscrever (cf. art. 1º do DL 446/85), e, no caso, aliás quase ilegíveis, dado o tamanho e modo de inserção da letra.
Vejamos.
Como vem sendo repetidamente dito pela doutrina e jurisprudência o contrato de adesão é uma manifestação da sociedade de massas. Oferece, todavia, grandes perigos. A parte que predispõe os termos contratuais está naturalmente tentada a considerar muito mais os seus interesses que os do aderente.
Por isso, os contratos de adesão costumam ser caracterizados por uma defesa exaustiva dos interesses do emitente e um desinteresse marcado pelo que respeita ao aderente (cfr. Oliveira Ascensão, “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. III, pág.364, citado no acórdão do STJ, de 31.05.2011 – proc nº 854/10.2TBPRT.S1.).
Ou seja, trata-se de contratos “em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado” (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, 262.)

Com vista a permitir a eliminação, nesse tipo de contratos, de cláusulas que firam princípios gerais do direito, como o da boa fé, o legislador do diploma que regula as ditas cláusulas contratuais gerais - o citado DL nº 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelo DL. n° 220/95, de 31 de Agosto, a fim de ficar em conformidade plena com a Directiva 93/13/CE, do Conselho, de 5 de Abril de 1993, e, posteriormente pelo DL. n.°249/99, de 7 de Julho – estabeleceu no art. 25º, sob a epígrafe “Acção inibitória” que “As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15º, 16.°, 18.º, 19.º, 21.° e 22.°, podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares”.
E consagrou no art. 32º que:
1 - As cláusulas contratuais gerais objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, ou outras cláusulas que se lhes equiparem substancialmente, não podem ser incluídas em contratos que o demandado venha a celebrar, nem continuar a ser recomendadas.
2 - Aquele que seja parte, juntamente com o demandado vencido na acção inibitória, em contratos onde se incluam cláusulas gerais proibidas, nos termos referidos no número anterior, pode invocar a todo o tempo, em seu benefício, a declaração incidental de nulidade contida na decisão inibitória”.
3 – (….)”.
Como bem salienta o STJ, no acórdão já antes referido, citando diversos autores (v.g. Ana Prata, “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais” e J. Sousa Ribeiro, “O Problema do Contrato – As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual”)optou a lei por uma fiscalização abstracta judicial que ultrapassasse as limitações ou deficiências do controlo a posteriori, dependente da iniciativa do aderente e circunscrito, quanto aos efeitos, ao concreto litígio.
“A acção inibitória tem uma vertente cívico/social, um fim dissuasor, o seu regime acautela interesses difusos de consumidores/aderentes que muitas vezes toleram a lesão dos seus direitos por estarem em causa individualmente valores de pouca monta que não justificam o incómodo de acções judicias, mas que, num somatório de contraentes indeterminados a que a acção inibitória interessa, é da maior relevância como meio de defesa dos consumidores, parte mais fraca na relação jurídico-contratual”.
Vem isto a propósito do facto de, à partida e dentro do princípio da liberdade contratual expresso no art. 405º do c. Civil, as partes terem a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos e incluir neles as cláusulas que lhes aprouver.
Mas se, nos contratos em geral, as partes devem pautar a sua actuação por princípios de boa fé, quer na fase preliminar – art. 227º do C. Civil – quer durante a sua execução – art. 762º do mesmo diploma – as exigências de conduta de acordo com padrões de diligência, honestidade e lealdade (boa fé no sentido ético e objectivo) acentuam-se no caso dos ditos contratos de adesão, dada a notória fragilidade do aderente face ao proponente.
Se “as regras de conduta postuladas pela actuação leal, prudente e que contempla os interesses das partes, deve ser apanágio dos contratos em que se negoceia em pé de igualdade e onde a liberdade contratual está por regra assegurada, com mais rigor deve ser exigida em contratos em que tal igualdade não existe, ou seja, naqueles em que a liberdade negocial está cerceada pela patente disparidade dos contratantes como é o caso dos contratos de adesão sujeitos a cláusulas contratuais gerais.
“Aqui a lei intervém em favor do aderente, adoptando critérios de maior exigência em salvaguarda dos seus interesses como parte contratual, não sendo alheios, todavia, motivos de ordem pública, sopesada a finalidade do contrato, (…) e o tipo de contratação padronizada.” (citado acórdão do STJ de 31.05.2011).
É neste enquadramento jurídico que tem de ser ponderada a legalidade ou não das cláusulas em apreço.

E perante o exposto, afigura-se-nos indubitável que os segmentos tidos por controvertidos da cláusula 9ª do tipo de contratos em apreciação, ao permitirem a antecipação do vencimento do crédito, não só nos casos de falta de cumprimento da obrigação principal (sem paralelo com o regime geral de antecipação do cumprimento das obrigações constante dos artigos 779º. 780º e 1147º do C. Civil), como também perante o incumprimento de uma generalidade de obrigações acessórias e mesmo face a ocorrência de situações totalmente alheias ao contrato (por exemplo, a simples a pendência de acção executiva, o ser protestada qualquer letra ou livrança em que o mutuário seja obrigado, sem se atender a eventuais causas de extinção da responsabilidade), pela sua patente indeterminação e generalidade e pela sua manifesta desproporção e desequilíbrio em desfavor dos hipotéticos aderentes, consubstanciam uma clara violação dos princípios da boa fé e, como tal, geradores da sua nulidade face ao estatuído no art. 15º, 16º e 12º do DL nº 446/85, com as alterações subsequentes, conforme foi decidido.

Questão mais controversa é a da validade ou não da cláusula 4ª dos contratos em apreciação, na parte atinente à autorização ao Banco de se ressarcir de todas as responsabilidades emergentes do contrato mediante o débito de quaisquer outras contas de que o mutuário seja ou venha a ser co-titular solidário e de poder proceder à compensação automática de quaisquer dívidas emergentes do contrato com quaisquer outros créditos do mutuário sobre o Banco.
Para tanto importa atentar que os depósitos bancários, na vertente das contas colectivas, são constituídos por duas modalidades: contas conjuntas e contas solidárias.
Neste último tipo de depósito, qualquer dos depositantes – ou titulares da conta – tem a faculdade de exigir a prestação integral, ou seja, o reembolso pelo banco depositário de toda a quantia que lhe foi entregue, ficando este liberado para com todos os depositantes (artigo 512.º do Código Civil).
Tratando-se de depósito colectivo conjunto só pode ser movimentado a débito por todos os depositantes.
Assim, enquanto no depósito solidário um qualquer depositante pode mobilizar, total ou parcialmente, os fundos depositados, no depósito conjunto, a conta só pode ser movimentada por todos (cfr., com maior desenvolvimento, a Paula Camanho, “Do Contrato de Depósito Bancário”, 139 e Carlos Lacerda Barata e Fernando Conceição Nunes, in “Direito Bancário”, apud “Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, II, 22 e, ainda, por exemplo, o Acórdão do STJ de 11 de Outubro de 2005 – proc. nº 04B1464).
Daí que, à primeira vista, nada parecesse obstar à validade do clausulado - o aderente poderia autorizar o Banco/credor a ressarcir-se mediante o débito de quaisquer contas de que o devedor fosse co-titular solidário.
Mas, no tipo de contratos em causa, só aparentemente assim é.
Como bem se refere no acórdão desta Relação de 12.07.2012 – proc. nº 846/09.4YXLSB.L1-7 (que tratou questão envolvendo cláusulas idênticas, mas inseridas no âmbito de contratos de crédito à habitação) - sobre a questão de saber se quando um banqueiro é credor apenas de um dos titulares pode operar a compensação com o saldo de uma conta solidária, não tem havido consenso nem por parte da doutrina, nem da jurisprudência (cfr. Menezes Cordeiro, “A Compensação Bancária”, 2003, 255-256, parece admitir a compensação, em determinadas condições; Paula Camanho, obra citada, 235 e ss., defende que o Banco não poderá unilateralmente extinguir o crédito que tem perante a totalidade dos titulares da conta operando a compensação com um crédito que detém sobre um deles; por seu turno, na jurisprudência, em sentido afirmativo, v. acórdão do TRL, de 22/1/2012, JusNet 301/2002 e o Ac. do STJ de 9/6/09, JusNet 3168/2009; em sentido negativo, v. Ac. Rel Porto de 16/4/2012, Jusnet 2536/2012, e os Acórdãos do STJ de 6/5/2004, JusNet 2504/2004 e de 5/6/2008, JusNet 2549/2008).
Todavia, independentemente da posição que, para a generalidade dos contratos se possa tomar, certo é que, neste tipo de contratos de massa, de aderentes numa posição seguramente mais frágil que o Banco, não constando da cláusula em apreciação, desde logo qualquer reserva tendente a assegurar, quer a sustentabilidade dos titulares, no caso de contas ordenado por exemplo, quer os limites da própria penhorabilidade e da ordem de penhorabilidade legalmente impostos em caso de pagamento coercivo (art. 861-A, nºs 2 e 4 do CPC), o constante da dita cláusula confere ao credor uma excessiva faculdade de autotutela executiva, violadora do princípio da proibição do excesso ou da justa medida e, consequentemente também lesiva do princípio da boa fé e da confiança do aderente, o que a torna nula, igualmente face ao disposto nos artigos 15º, 16º e 12º da Lei das Condições Gerais dos Contratos.
Acresce que, desde logo pelo modo ilegível da sua inserção no impresso, como já antes se referiu, totalmente dissuasor da sua leitura e apreensão, qualquer das cláusulas em apreciação seriam de considerar excluídas dos respectivos contratos singulares, por força do disposto no art. 8º al. c) do diploma referido.
Bem andou, pois, o Tribunal recorrido ao reconhecer a nulidade das cláusulas 4ª e 9ª, n.º 1, alíneas a), b), c), d), e), g), h) e i) e nº 2 do clausulado intitulado “Crédito Pessoal” do Réu, utilizado nos contratos de crédito ao consumo que celebra e ao condená-lo a abster-se de se prevalecer das mesmas cláusulas em contratos já celebrados e de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar.

4. Por último defende o recorrente que a publicação da sentença decretada é desnecessária e excessiva, já que o registo no serviço próprio criado pelo DL nº 220/95, acautela o interesse público que está subjacente à publicitação.
Decorre de diversos preceitos da Lei nº 24/96, de 31de Julho – Lei de Defesa do Consumidor, como decorria já do mencionado DL 446/85 - a preocupação do legislador em dar a maior publicidade possível às decisões que declarem a nulidade ou proíbam o uso de cláusulas contratuais gerais abusivas.
Com vista a tal, para além de criar um serviço incumbido de organizar e manter actualizado o registo das cláusulas declaradas nulas ou cujo uso tenha sido declarado proibido por decisões transitadas em julgado (art. 34 e 35º do citado DL) facultou a possibilidade da condenação do proponentes das mesmas “ a dar publicidade à decisão de proibição “pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine” (art. 30º)
E com toda a justificação, particularmente nos casos de acções inibitórias, como a presente.
Efectivamente, “trata-se de uma medida de publicitação que se justifica atenta a natureza inibitória da acção e da sentença que vincule o agente económico a uma obrigação de prestação de facto negativo com eficácia para o futuro. Medida que encontra ainda mais justificação quando ordenada no âmbito de uma tal acção despoletada pelo Ministério Público, entidade que actua em defesa de interesses de ordem geral, quer da legalidade quer da tutela dos consumidores.
“O facto de a mesma sentença condenatória também ser levada ao registo de cláusulas proibidas previsto art. 35º, onde são recolhidas as cláusulas gerais declaradas proibidas, não torna dispensável a publicação do trecho da sentença em jornais de circulação diária. São medidas que se complementam, visando ampliar o leque de pessoas que podem tomar conhecimento da condenação. (…).
“Por certo que, em termos comerciais, a referida publicidade não será a que mais convém à Ré.
“Porém, além de os motivos da sentença inibitória lhe serem exclusivamente imputáveis, não são os seus interesses comerciais ou a sua imagem externa que devem ser privilegiados, antes os dos consumidores em geral acautelados com a referida publicitação” (acórdão deste Tribunal de 8.02.2011 – Jusnet 1011/2011).
É, portanto, a ampliação da possibilidade da generalidade das pessoas ter conhecimento da proibição do uso do clausulado declarado nulo que subjaz à publicitação a que alude o citado artigo 30º, publicidade essa que, nos moldes em que foi decretada, se nos afigura perfeitamente adequada ao caso.
Improcede, pelo exposto, a totalidade da argumentação do recorrente, sendo de manter a decidido.

Decisão
5. Termos em que se acorda em negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 18 de Outubro de 2012.

Maria Manuela B. Santos G. Gomes
Olindo dos Santos Geraldes
Fátima Galante