Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
474/11.4TTLSB.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: ACORDO DE REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
PRESCRIÇÃO
MORTE DO TRABALHADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1-Os créditos a abrangidos pela regra especial de prescrição - art.ºs º 38.º n.º1, da LCT, 381.º do C.T. 2003 ou 337.º 1, do C.T.2009 - são os créditos directamente emergentes do contrato de trabalho, isto é, os que encontram neste a sua fonte.
2- Assim, não está sujeito ao referido prazo de prescrição um crédito que tem como fundamento um acordo posterior que visava revogar o contrato de trabalho.
3- Tendo o acordo revogatório sido sujeito a termo inicial e verificando-se o óbito do trabalhador na pendência do termo inicial, o contrato de trabalho cessou por caducidade, pelo que não produziu efeitos o acordo revogatório com a inerente compensação pecuniária prevista no mesmo.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório

AA, residente na Rua (…), lote ..., ..., ..., veio intentar a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra CP – Caminhos de Ferro Portugueses, E.P., com sede em Lisboa, pedindo que a R. seja condenada a pagar à A. a quantia de € 43.000,00, acrescida de juros de mora contados à taxa legal. Para tanto, alega em síntese que:
- O seu marido foi trabalhador da R;
- Em Julho de 2008, fruto de negociações, o marido da autora celebrou com a R. um acordo de revogação do contrato de trabalho;
- Os efeitos dessa revogação produziriam efeitos apenas em 01/10/2008, altura em que deveria ser paga uma compensação pecuniária de natureza global;
- O trabalhador veio a falecer em 27 de Agosto de 2008, nunca tendo a R pago a referida compensação.
Regularmente citada, e depois de não se ter obtido a conciliação das partes na respectiva audiência, veio a R contestar, concluindo pela improcedência da acção. Alega sumariamente que:
- O direito que a A pretende fazer valer encontra-se prescrito;
- A A. também não prova ser a única herdeira do falecido trabalhador;
- A obrigação de pagamento pressupunha a subsistência do contrato de trabalho até 01/10/2008, o que não ocorreu, tendo o mesmo contrato de trabalho cessado antes, por caducidade fruto da morte do trabalhador.
A R. respondeu, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas.
Foi deduzido e admitido incidente de intervenção espontânea dos demais AA – BB, CC e DD.
*
O Exmº juiz a quo proferiu despacho saneador e julgou procedente a excepção peremptória de prescrição, absolvendo a R. do pedido.
*
Factos considerados provados na 1ª instância:
1. A A foi casada com EE, no regime da comunhão de adquiridos, desde 20 de Julho de 1974 até ao óbito do mesmo ocorrido em 27 de Agosto de 2008.
2. BB, CC e DD são filhos do falecido EE.
3. O falecido marido e pai, EE, foi funcionário da R durante cerca de trinta anos;
4. Após algumas negociações chegaram a acordo na revogação do contrato de trabalho, tendo em 25 de Julho de 2008 celebrado o Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho que está junto a fls. 13 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5. Por força deste acordo fez-se cessar o contrato individual de trabalho que a ambos vinculava, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 2008.
6. Conforme estabelecido, a entidade patronal pagará uma compensação pecuniária de natureza global no valor ilíquido de € 43.000,00 (quarenta e três mil euros) a que apenas acrescerão os créditos provenientes de retribuição e subsídio de férias e de subsídio de Natal a que o trabalhador eventualmente tenha direito à data da cessação do contrato, bem como a retribuição e demais abonos vincendos por virtude da prestação de trabalho que efectuar até 30 de Setembro de 2008.
7. E, conforme cláusula 5.ª do mesmo contrato, o funcionário, ... perderá o direito à compensação pecuniária, fixada na cláusula 2.ª, devendo proceder à devolução da mesma, se entretanto a tiver recebido, com os juros moratórios ou compensatórios correspondentes ao período de retenção, devidos á taxa legal, se, na data da assinatura do presente acordo, já tiver requerido a pensão de reforma por invalidez ou velhice ou já tiver conhecimento da promoção oficiosa da verificação da incapacidade permanente, que venha a concluir pela sua passagem à reforma.
8. Após a morte do trabalhador a A. solicitou à R o pagamento do valor acordado sem que a mesma o tenha pago.
9. A petição inicial que deu origem a estes autos deu entrada em juízo no dia 3 de Fevereiro de 2011.
*
Os autores recorreram e formularam as seguintes conclusões:
(…)
A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, mas não formulou conclusões.
O Exmº Magistrado do Ministério Público teve vista nos autos e emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Os recorrentes responderam ao parecer do Ministério Público, alegando que o acordo de revogação do contrato afastou a relação das partes do vínculo laboral e não deveria ocorrer aproveitamento pela R. do decesso do ex-funcionário.
*
II-Importa solucionar nos presentes autos se procede a excepção peremptória de prescrição.
Caso seja julgada improcedente a excepção peremptória de prescrição, importa verificar, ao abrigo do disposto no art. 715º, nº2 do CPC, se dos autos resultam os elementos necessários para conhecer da caducidade do contrato por óbito do trabalhador ( questão que o Tribunal a quo considerou prejudicada).
*

III- Apreciação

Atenta a data dos factos em apreço e o disposto no art. 7º, nº1, “in fine” da lei nº 7/2009, de 12/02, deverão ser consideradas na apreciação do caso “subjudice” as regras Código do Trabalho de 2003 referentes à cessação do contrato e à prescrição.
De acordo com o disposto no art. 381º, nº1, do Código do Trabalho de 2003, “todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
O art. 337º, nº1 do Código do Trabalho de 2009 estabeleceu igualmente o prazo de prescrição de um ano, a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato, para os créditos do empregador ou do trabalhador emergentes do contrato de trabalho
Conforme refere João Leal Amado in “ Contrato de Trabalho”, 3ª edição, pág. 330, “ depara-se-nos aqui uma verdadeira suspensão do curso da prescrição enquanto vigorar o contrato de trabalho. E a solução de suspender o curso da prescrição na constância da relação laboral logra fácil explicação, se atendermos à desigualdade das forças em presença nesta relação. Com efeito, à normal superioridade económica e social do empregador acrescenta-se, ao celebrar-se o contrato de trabalho, a subordinação jurídica do trabalhador ( o qual, como se sabe, presta a sua actividade em moldes heterodeterminados), o que tudo vai ter importantes reflexos a nível psicológico, originando- e, o que é mais, justificando- fenómenos de inibição e receio do trabalhador face ao empregador.”
Por outro lado, o prazo de prescrição de um ano é mais curto do que o prazo ordinário de prescrição ( 20 anos) consagrado no art. 309º do Código Civil.
O prazo mais curto previsto na lei laboral é ditado por razões de certeza de direito e de dificuldade de prova ( neste sentido, Ac. do STJ de 21/02/2006- www.dgsi.pt).
Explicada a ratio do prazo de prescrição estabelecido na lei laboral, vejamos, agora, o caso concreto.
Foi celebrado entre a entidade empregadora e o trabalhador em 25.07.2008 um acordo de revogação do contrato de trabalho e foi consagrado expressamente na cláusula 1ª: “Acordam os outorgantes em fazer cessar o contrato individual de trabalho que a ambos vincula, com efeitos a partir de 01 de Outubro de 2008.”
Antes da data prevista para a cessação do contrato, o trabalhador faleceu.
Os recorrentes não peticionam créditos emergentes do contrato de trabalho, mas sim créditos emergentes do novo acordo celebrado entre o trabalhador e a entidade empregadora.
Deverá, para o efeito, ser considerado o prazo de prescrição de vinte anos estabelecido na lei civil, dado que é invocado um novo acordo e as razões de certeza de direito e de dificuldade de prova acima indicadas já não se verificariam ( neste sentido, o Acórdão acima indicado do STJ de 21/02/2006 e Ac. da Relação de Lisboa de 28/02/2007).
Igual posição foi adoptada no Acórdão desta Relação 06/02/2013 ( proferido no âmbito do processo nº 1494/08.1TTLSB.L1) onde se refere que é “ entendimento da doutrina e da jurisprudência, que os créditos a abrangidos pela regra especial de prescrição - art.ºs º 38.º n.º1, da LCT, 381.º do C.T. 2003 ou 337.º 1, do C.T.2009 - são os créditos directamente emergentes do contrato de trabalho, isto é, os que encontram neste a sua fonte .”
Assim e dado que os autores invocam um crédito que não emerge directamente do contrato de trabalho, mas sim de um acordo posterior, não cumpre aplicar o prazo de prescrição previsto no art. 381º, nº1, do Código do Trabalho de 2003.
Ainda não decorreu o prazo de prescrição previsto no art. 309º do Código Civil, pelo que improcede a excepção peremptória de prescrição.

Questão diversa é saber se os recorrentes têm direito à referida quantia e se o acordo de revogação do contrato de trabalho produziu efeitos.
Foi determinada a audição das partes, nos termos e para os efeitos previstos no art. 715º, nºs 2 e 3 do CPC.
Defendem os recorrentes que do acordo de revogação do contrato de trabalho resulta uma promessa de pagamento da quantia de € 43 000.
Consideramos, todavia, que não celebrado entre as partes um contrato-promessa, mas sim um acordo de revogação do contrato sujeito a um termo inicial.
Conforme refere o professor Castro Mendes in “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. II, pag. 245( e nota de rodapé), na nossa ordem jurídica, em geral, ao contrário da ordem jurídica brasileira, o termo inicial suspende a aquisição do direito e não apenas o exercício.
No caso em apreço, o referido acordo revogatório não chegou a produzir efeitos, porque o trabalhador faleceu antes da data prevista para a aquisição do direito.
O contrato de trabalho cessou, assim, por caducidade, nos termos previstos no art. 384º, a) do Código do Trabalho de 2003, pelo que não operou a cessação do contrato por revogação prevista no art. 384 b) do Código do Trabalho.
Quando trata da questão da ocorrência de outros factos extintivos na pendência do termo suspensivo, refere Pedro Furtado Martins in “ Cessação do Contrato de Trabalho”, 3ª edição, Julho de 2012, pág. 132 : “ O deferimento dos efeitos do acordo revogatório para data ulterior à da celebração possibilita que na pendência do termo inicial ocorram outros factos extintivos”.
É o caso vertente : o contrato cessou por óbito do trabalhador antes do acordo revogatório produzir efeitos.
O autor não chegou, assim, a adquirir o direito à compensação pecuniária acordada pela revogação do contrato.
Cumpre ainda referir que, nos termos do acordo celebrado, o trabalhador manteve o direito “ à retribuição e demais abonos vincendos por virtude da prestação de trabalho que efectuar até 30 de Setembro de 2008”, o que pressupõe a vigência do contrato até à data prevista para a sua cessação.
Nos termos do referido acordo era ainda prevista uma outra causa de cessação do contrato por caducidade : a passagem à situação de reforma. Nesta última hipótese o trabalhador também não iria beneficiar da referida compensação pecuniária.
Invocam ainda os recorrentes que ocorreu enriquecimento sem causa.
É certo que a recorrida obteve uma vantagem patrimonial.
Porém, consideramos que ocorre causa justificativa ( a cessação do contrato por óbito do trabalhador), pelo que não estão verificados os requisitos do enriquecimento sem causa previstos no art. 473º, nº1 do Código Civil.
Dos autos não resulta que a R. tenha praticado factos geradores de responsabilidade extra-contratual ou contratual, pelo que não cumpre aplicar o disposto nos arts. 483º e 798º do Código Civil.
*
IV-Decisão

Em face do exposto, acorda-se em revogar a decisão recorrida que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição e julga-se a presente acção improcedente, com fundamento diferente, absolvendo-se a R. do pedido.
Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.

Lisboa, 10 de Abril de 2013

Francisca Mendes
Maria Celina de J. de Nóbrega
Alda Martins
Decisão Texto Integral: