Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
506/14.4TBAGH.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: DANOS NÃO PATRIMONIAIS
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: Não é excessiva a indemnização de € 6.000,0o por danos não patrimoniais infligidos ao trabalhador pelo empregador que, na sequencia de uma negociação destinada a pôr fim à relação laboral que não chegou a bom porto, o descriminou, impondo-lhe nomeadamente uma mudança injustificada de local de trabalho, deixando de lhe pagar pontualmente o vencimento e suplemento remuneratório, mantendo-o desocupado, retirando-lhe instrumento imprescindível para poder trabalhar, mantendo-o à margem dos restantes trabalhadores, criando-lhe um ambiente hostil, tudo com a intenção de o perturbar, levando o trabalhador a sentir-se descriminado, isolado, atingido na sua dignidade, atitude discriminatória que durou quase um ano, até que o trabalhador se quedou de baixa por doença do foro psiquiátrico.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa


RELATÓRIO:


A) A. (autor): AAA
R. (de ré) e recorrente: BBB
O A. propôs a ação alegando que a R. não lhe pagou atempadamente os salários dos meses de Dezembro de 2010, Janeiro, Fevereiro e Março de 2011, bem como o subsídio de Natal de 2010; quando foi saber o porquê foi-lhe dito que, como não estava a produzir, não estava a desenvolver qualquer trabalho, não recebia. Procurou apoio jurídico e, assim, conseguiu que a R. lhe pagasse em Abril de 2011 os salários em falta. Todavia, durante o período de quatro meses em que não recebeu salário, o A. viu-se obrigado a utilizar o “plafond” de duas contas bancárias suas para poder fazer face às despesas, nomeadamente, pagar prestação da casa, do carro, comida e gastos correntes como água, luz, gás e telefone. Todavia, não conseguiu fazer face a todas as despesas e viu-se obrigado a contrair um empréstimo pessoal de € 3.500,00 junto do Banco (…) SA, que ainda está a pagar e a  que acrescem juros, pelo que o valor total a pagar é de €4.268,08. O não pagamento pontual causou-lhe prejuízos que traduzidos em juros devidos pela utilização de cartão de crédito, pelo não pagamento atempado do crédito à habitação e respectivo reforço do crédito à habitação e juros que tem pago e que continuará a pagar até 2021 por se ter visto obrigado a contrair o empréstimo pessoal. A R. descriminou-o comparativamente com os restantes trabalhadores que exerciam a mesma função na empresa, nomeadamente não lhe dando trabalho e aos outros desenhadores não faltar trabalho; colocou-o noutra sala, que não a dos desenhadores, sendo ele foi o único a mudar de localização e sem que o seu lugar, na sala original, tenha sido ocupado por ninguém; proibiu-o expressamente de comunicar com os colegas, enquanto os colegas falavam uns com os outros; retirou-lhe material essencial ao desenvolvimento da actividade para o qual fora contratado, - o computador -, situação que não ocorreu com nenhum outro desenhador; retirou-lhe o acesso ao código do alarme e a chave de entrada nas instalações da R. enquanto os colegas mantinham os códigos do alarme e as chaves; e, por fim, transferiu-o temporariamente para outra ilha, invocando necessidade de cumprir trabalho de clientes que a R. tinha em S. Miguel, sendo certo que apenas lhe deram um trabalho para cumprir numa semana e desde a segunda semana de Maio de 2011, até fins de Junho de 2011 – data em que entrou de baixa médica -, não lhe terem dado mais nenhum serviço, nem o contactaram. Foi intenção da R. com os comportamentos descritos, perturbar o A.. O A. sentiu-se descriminado, afectado na sua dignidade, pois o ambiente em que trabalhava era hostil e degradante para a sua pessoa, o que culminou na situação de doença, que ainda se prolonga, mesmo após ter deixado de ser trabalhador da R.
Com estes fundamentos pediu a condenação da R. a pagar-lhe:
-a quantia que se apurar de juros e penalizações que este teve que pagar pelo facto de não lhe terem sido pagos, atempadamente os salários referentes aos meses de Dezembro de 2010, Janeiro, Fevereiro e Março de 2011, juros esses e penalizações que se reportam às prestações de crédito Habitação e crédito de reforço para habitação que o A. não pôde cumprir pontualmente nos referidos meses por não ter recebido o salário; no pagamento da quantia de juros e penalizações pela utilização do cartão de crédito do A. para pagamento de despesas correntes de água, luz, gás telefone e alimentação nos meses que não lhe foi pago salário pela entidade patronal;
-os juros e despesas do contrato de crédito pessoal que se viu obrigado a contrair para fazer face às suas despesas, nos meses em que a Ré não lhe pagou o salário e cujo empréstimo termina apenas em 2021,
-65.000,00€ (sessenta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais; acrescido de juros vincendos à taxa legal, desde a data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento.
*
A R. contestou, negando comportamentos discriminatórios, fundamentando-se em prerrogativas de gestão e organização do trabalho, negou que fossem devidas quantias por subsídio de quilómetros; imputou ao A. comportamentos negligentes e conflituosos; motivou a sua deslocação para a ilha de S. Miguel, mais desconhecendo a situação creditícia do Autor.
O Autor veio apresentou articulado de resposta.
*
Efetuado o julgamento, o Tribunal julgou parcialmente procedente a acção e condenou a Ré Costa Poim - Fiscalização, Estudos e Projetos de Engenharia, Lda. a pagar ao A. Paulo Jorge Linhares Oliveira 6.000,00 € a título de danos morais, acrescida de juros de mora vincendos até integral e efectivo pagamento da quantia, contados da data da citação; e absolveu a Ré do demais peticionado.
*

A R. não se conformou e recorreu, formulando estas conclusões:
a)Incumbia ao autor o ónus da prova dos danos no presente processo, assim como do respectivo grau;
b)Assim como lhe incumbia a prova do eventual (mas indispensável) nexo de causalidade entre estes e o comportamento da ré ora recorrente;
c)a verdade é que ficou provado apenas que o mesmo se sentiu incomodado, discriminado e afectado na sua dignidade nada mais se tendo provado do que isso;
d)forçoso é concluir-se que o grau de incómodo e afetação foi pelo mínimo possível e tão reduzido que não terá ultrapassado o mero incómodo, sentimento de desconforto e afectação que (não se provou mais do que isso) não ultrapassou um certo mal estar mínimo dificilmente enquadrável na tutela jurídica.
e)Tanto assim que nem demandou repouso, nem tratamento médico nem levou a qualquer estado depressivo ou qualquer outro de doença.
f)Razão pela qual não ficaram provados danos que justifiquem a tutela direito, que mereçam ser indemnizados;
g)Pelo que o Tribunal a quo ao condenar a ré a pagar indemnização ao autor, violou os artigos 28.º e 29.º do Código de Trabalho e artigos 483.º, 487.º, 562.º, 563.º do Código Civil;
Caso assim se não entenda e se entenda que se justifica a condenação em indemnização, sempre se teria de concluir que:
h)Os danos que ficaram provados são de diminuta amplitude e de tão diminuta gravidade que se encontram no limiar da não tutela pelo direito;
i)Pelo que recorrendo à equidade, na total ausência de quaisquer elementos que permitam quantificar o grau de lesão quer dos direitos do autor que o grau ou dimensão dos danos indemnizáveis, o facto de não ter o autor sofrido danos patrimoniais nem tendo sofrido qualquer estado de doença imputável à ré ora recorrente, permitem concluir que o montante indemnizatório nunca poderá ser superior a 750,00€;
j)Ao condenar a ré no pagamento de 6.000,00€ mais juros ao autor, o Tribunal a quo violou o princípio da equidade consagrado no nº 3 do artigo 566º do Código Civil e consequentemente este normativo.
Findou pedindo seja revogada sentença recorrida, absolvendo-se a ré ora recorrente da totalidade do pedido; caso assim não se entenda, se se entender ser de condenar a ré ora recorrente, mesmo assim deverá ser revogada a sentença recorrida, reduzindo-se o montante da indemnização para montante nunca superior a 750,00€.
*

A R. contra-alegou, pedindo a confirmação da sentença e concluindo:
1.Tem sido entendido pela nossa doutrina e alguma jurisprudência que se deve afastar liminarmente a obrigatoriedade da verificação do dano, uma vez o “bem jurídico que é sempre lesado” pelo assédio “é a dignidade da pessoa humana”.
2.Ou seja, tem sido entendido que não é necessário demonstrar o dano.
3.A prova de comportamentos lesivos, por parte da entidade patronal, lesivos da dignidade da pessoa humana são por si suficientes.
4.O nexo de causalidade encontra-se demonstrado em virtude do que se considerou provado nos pontos 41 e 42 dos factos provados;
5.Não se tratam apenas de meros incómodos como quer fazer crer o recorrente;
6.Na verdade o comportamento do recorrente violou claramente o art.º 129.º do CT, bem como o artigo 127.º do mesmo Código.
7.Sendo que tais comportamentos são ilícitos;
8.E suscetíveis de condenação da entidade patronal em valores indemnizatórios
9.Nessa medida, o Tribunal não violou os artigos 28.º e 29.º do CT e os artigos 483.º, 487.º, 562.º, 563.º do CC;
10.Os comportamentos do recorrente para com o recorrido são merecedores de censura,
11.Lesaram a dignidade do recorrido,
12.O montante da indemnização deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização, e deve ser proporcionado à gravidade do dano.
13.Assim, entendemos que o grau de culpabilidade do recorrente é intenso atenta a natureza da violação do dever de ocupação efetiva – factos provados 19),21),22) a 26) e pela transferência injustificada – factos provado 20) a 40).
14.O elevado grau de ilicitude da sua conduta que emerge das circunstâncias apuradas;
15.As consequências do comportamento ilícito do recorrente, traduzidas, em termos objetivos, na lesão de um bem jurídico essencial da personalidade, ligado à própria dignidade da pessoa humana;
16.Sendo que, da nossa parte, só merece censura o montante indemnizatório que o Tribunal a quodeterminou;
17.Por considerarmos que o montante mais justo, tendo em conta tudo o que foi dado como provado, seria sempre igual ou superior a 15.000,00 €;
18.Nunca o valor peticionado pelo recorrente no seu recurso,
19.Por ser um valor apurado sem atender a critérios de equidade e sem ter em conta a ilicitude do comportamento do recorrente.
Pelo exposto, o recurso interposto pelo recorrente deve ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos seus precisos termos, execepto quanto ao quantitativo indemnizatório que deve ser superior nos termos peticionados pelo ora recorrido.

*
O DM do Ministério Público emitiu douto parecer pugnando pela manutenção da sentença.
Não houve resposta ao parecer.
Foram colhidos os competentes vistos.
*

A)É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC do CPC. Deste modo o objecto do recurso consiste em saber se a indemnização por danos não patrimoniais se mostra adequadamente calculada.
*

Factos assentes:
1.Em 1 de Junho de 2008 o Autor (A.) começou a trabalhar para a Ré (R.), em situação de contratado sem termo.
2.O A. foi contratado pela R. para desempenhar as funções de Desenhador Técnico;
3.No âmbito da sua função executava peças desenhadas em suporte informático até ao pormenor necessário à sua finalidade, nomeadamente execução de projectos de obras no âmbito dos diversos ramos da Engenharia, utilizando conhecimentos de materiais, de processos, de técnicas de execução e de práticas de construção, tudo por conta da R.
4.O A. auferia de salário mensal base a quantia de 705,00€ (setecentos e cinco euros).
5.Executou desenhos de obras como a Escola Profissional dos Arrifes; a remodelação do Quartel dos Bombeiros Voluntários de Angra do Heroísmo, entre outros trabalhos, tudo por conta e direcção da R..
6.Desde que foi contratado para trabalhar para a R. o local de trabalho do A. era onde trabalhavam os outros funcionário da R. que desempenhavam as mesmas funções que a sua – desenhadores.
7.Em Setembro de 2010 houve negociações entre as partes com vista à cessação da relação laboral.
8.Pelo menos em Setembro de 2010 o A. foi mudado de local de trabalho, ou seja, passou do local onde trabalhava juntamente com os seus outros colegas desenhadores e foi colocado, numa sala, sozinho, ao lado da Secretaria.
9.A sala onde foi colocado, por ordem da R. é uma sala que é adstrita aos fiscais de obras que trabalham por conta da R.
10.É uma sala que está vazia praticamente todo dia, pois os fiscais de obras andam no terreno e só frequentam a referida sala no início e ao fim de cada dia de trabalho.
11.Situação que estes trabalhadores estranhavam, uma vez que viam o A. na empresa, cumprindo o seu horário normal de trabalho.
12.Pois apesar de este não trabalhar no mesmo local que os colegas desenhadores – como sempre trabalhara – viam-no em horário de trabalho, na sala dos ficais de obras que fica junto à secretaria, local onde fazem o registo de entrada e saída do trabalho, registo esse que o A. continuava a fazer diariamente.
13.Como não foi possível entendimento entre A. e R. com vista à saída do A. da empresa, este continuou a ser empregado da R. e o seu local de trabalho continuou a ser a sala dos fiscais de obras, afastado de todos os seus colegas de trabalho, os desenhadores.
14.Sendo que o seu lugar na sala dos desenhadores não foi ocupado.
15.Estava vazio.
16.Por esse facto, o A. sentia-se isolado, pois estava afastado, quer dos colegas desenhadores, quer dos restantes trabalhadores da R, passava o dia sozinho.
17.O A. sentiu-se discriminado em relação aos restantes trabalhadores da R. pois o comportamento desta para consigo era manifestamente diferente que o comportamento da empresa para com os restantes trabalhadores, nomeadamente para os trabalhadores que exerciam as mesmas funções que a sua.
18.A R. deixou de pagar os quilómetros que este despendia na sua viatura pessoal, para deslocação entre a empresa e as obras a que tinha que se deslocar para efectuar o seu trabalho, sendo certo que tal quantia continuava a ser paga aos seus colegas desenhadores.
19.O A. chegava ao seu local de trabalho e ficava horas sem fazer nada, pois não lhe davam nenhum trabalho para executar.
20.O facto de não lhe ser dado trabalho para fazer fez com que o A. ficasse incomodado, e até desmotivado.
21.Após a conclusão de um projecto pendente desde Novembro, o A. deixou de receber trabalho para desenvolver, ou seja, não lhe davam qualquer trabalho para desenvolver, não lhe davam nada para fazer, enquanto os seus colegas continuavam a receber trabalho para desenvolver por parte da R.
22.Em Janeiro/Fevereiro de 2011 retiraram-lhe o computador.
23.O A. chegou à empresa, entrou na sala dos fiscais de obras e verificou que o seu elemento essencial de trabalho – computador - não estava lá.
24.O A. não trabalhava porque a própria R. não lhe dava trabalho para fazer.
25.O A. sem computador não podia trabalhar.
26.O A. deslocava-se ao seu local de trabalho e ficava sentado numa secretária à espera que as horas passassem.
27.A R. deixou de pagar o vencimento ao A.
28.Assim, não lhe pagou atempadamente, os salários referentes aos meses de Dezembro de 2010, Janeiro, Fevereiro e Março de 2011, bem como o subsídio de Natal de 2010.
29.O A. recebeu os salários em dívida;
30.Em Abril de 2011 o A. recebeu uma carta da R. na qual esta decidia pela sua transferência para a Ilha de São Miguel invocando que abrira uma delegação da R. naquela ilha e que o A. era o desenhador mais experiente para destacar para aquela Ilha.
31.Foi também informado via email e posteriormente por carta que o Eng.º Madeira estaria à sua espera no Aeroporto João Paulo II, em Ponta Delgada para o levar ao apartamento onde ficaria a residir temporariamente enquanto estivesse na Ilha de São Miguel.
32.A R. não tinha, como disse no supra mencionado mail, na sua sede em Angra do Heroísmo, a chave do apartamento onde ia ficar em São Miguel, pelo que não a pôde levantar antes de embarcar.
33.À chegada ao aeroporto João Paulo II, em Ponta Delgada, não estava ninguém à sua espera, pelo que o A. ligou para o Eng.º Madeira e este lhe disse como estava a jantar que apanhasse um táxi para a morada do apartamento, pois ia lá ter consigo para lhe entregar a respectiva chave.
34.Esteve mais de uma hora à porta do referido apartamento à espera que o Eng.º Madeira aparecesse.
35.O local de trabalho do A. era o apartamento onde residia.
36.O apartamento era composto por quarto, sala, cozinha e casa de banho.
37.A R. não tinha, na Ilha de São Miguel, qualquer loja, espaço ou delegação.
38.Apenas tinha arrendado o apartamento onde o A. agora residia temporariamente.
39.O A. foi transferido para outra ilha, temporariamente, alegadamente pelo facto de a R. necessitar de apostar no mercado daquela ilha, nomeadamente desenvolvendo trabalhos de clientes que a R. dispunha naquela Ilha, bem como na angariação de mais clientes.
40.Situação que nunca se verificou.
41.Foi intenção da R., com os comportamentos descritos, perturbar o A.
42.Com os referidos comportamentos o A. sentiu-se descriminado, afectado na sua dignidade, pois o ambiente em que trabalhava era hostil e degradante para a sua pessoa.
43.Em Junho de 2011, e em consequência de observação por um médico psiquiatra, o A. entrou de baixa médica, tendo sido lhe diagnosticada uma depressão.
44.O A. esteve de baixa médica até Agosto de 2011, regressou ao trabalho em Setembro de 2011, mas voltou a apresentar atestado médico.
45.O A. não se encontra vinculado à R, uma vez que foi despedido por extinção do posto de trabalho.
*

C)De Direito:
Muito embora a R. peça afinal a revogação da sentença recorrida e a absolvição do pedido, é evidente que as conclusões, que delimitam o objeto do recurso, não suportam este pedido: não está em causa saber se existiu assédio moral, mas tão somente a existência de danos decorrentes da conduta da R. e, ao menos, com a gravidade que a sentença lhe atribuiu.
Não nos vamos, pois, debruçar sobre a existência de assédio (que, diga-se en passant, manifestamente se verificou, como resulta dos factos provados, n.º 8 e ss, e do disposto no art.º 29 do Código do Trabalho).
Importa abordar tão somente a matéria dos danos não patrimoniais.
*

É óbvio que o A. foi descriminado por não ter chegado a determinado acordo com a R.  (factos provados 13 a 15 e 8: 13. Como não foi possível entendimento entre A. e R. com vista à saída do A. da empresa, este continuou a ser empregado da R. e o seu local de trabalho continuou a ser a sala dos fiscais de obras (para onde fora mudado, 8, do local onde trabalhava juntamente com os seus outros colegas desenhadores, sendo colocado, numa sala, sozinho, ao lado da Secretaria), afastado de todos os seus colegas de trabalho, os desenhadores. 14. Sendo que o seu lugar na sala dos desenhadores não foi ocupado. 15. Estava vazio). Essa discriminação persistiu ao longo do tempo e assumiu formas caricatas, como a retirada de instrumentos de trabalho (o computador), a colocação durante dias e dias em situação de nada ter para fazer (o que é, note-se, frequente em casos de assédio moral ao trabalhador), o seu sancionamento retributivo, deixando de receber custo de deslocações que realmente não fazia porque não lhe era atribuído trabalho, não pagamento atempadamente, deslocando-o temporariamente para outra ilha onde a R. não desenvolvia atividade, tudo com (41) intenção de, com os comportamentos descritos, perturbar o A.
Temos, pois, imposto ao trabalhador:
-isolamento dos colegas
-inação forçada
-tratamento desigual
-não pagamento pontual de retribuições
-transferência temporária injustificada.
Tudo isto é grave. O tratamento desigual, com isolamento dos colegas e inação forçada é frequente nos casos graves de assédio, sendo que a inação prolongada e injustificada (já não pomos a questão em termos de violação do dever de ocupação efetiva, que apesar de grande parte da doutrina e da jurisprudência aceitarem é discutível nos casos em que a falta de ocupação só por si não acarreta prejuízos ao trabalhador, ao contrário do que ocorre em situações muito especificas, como um futebolista de top ou um quadro técnico altamente especializado) só por si é apta a provocar danos não patrimoniais significativos ao trabalhador, forçado a cumprir horários, a manter a pose de quem está a trabalhar (nem pensar em ler ou ocupar o espírito de qualquer modo durante as horas que deviam ser de serviço, nem pensar!), enquanto ao mesmo tempo nada tem para fazer e é socialmente ostracizado. Tais hostilidades psicológicas desembocam num numero significativo em depressão e outros problemas psiquiátricos dos visados.
No caso além do exposto ainda temos um tratamento desigual ao nível retributivo e até a transferência do visado para outra ilha, mais agravando o quadro imputável à R. (a talho de foice não podemos deixar de trazer à colação - não ignorando evidentemente que a escala era outra - o famoso e lamentável caso France Telecom, com os numerosos suicídios que a mera manipulação do local de trabalho provou).
E tudo isto para perturbar o A..
E o A. (16) por esse facto sentia-se isolado, pois estava afastado, quer dos colegas desenhadores, quer dos restantes trabalhadores da R, passava o dia sozinho. (17) O A. sentiu-se discriminado em relação aos restantes trabalhadores da R. pois o comportamento desta para consigo era manifestamente diferente que o comportamento da empresa para com os restantes trabalhadores, nomeadamente para os trabalhadores que exerciam as mesmas funções que a sua. (20) O facto de não lhe ser dado trabalho para fazer fez com que o A. ficasse incomodado, e até desmotivado. (42) Com os referidos comportamentos o A. sentiu-se descriminado, afectado na sua dignidade, pois o ambiente em que trabalhava era hostil e degradante para a sua pessoa. (43) Em Junho de 2011, e em consequência de observação por um médico psiquiatra, o A. entrou de baixa médica, tendo sido lhe diagnosticada uma depressão. (44) O A. esteve de baixa médica até Agosto de 2011, regressou ao trabalho em Setembro de 2011, mas voltou a apresentar atestado médico.
Face ao exposto, e mesmo pondo de lado a depressão (cuja origem não ficou provada, não podendo dizer-se que foi causada pelos factos, nem podendo dizer-se, como diz a R., "tal não teve origem em qualquer  dos factos que ficaram provados nos autos", fls. 13 das alegações), concorda-se inteiramente com a valoração expendida na sentença:
(...) Concretizamos o juízo da equidade na atribuição dos danos não patrimoniais nos seguintes factores casuísticos:
-A duração do comportamento da Ré, mantido de Setembro a Junho;
-A retribuição auferida pelo Autor, no valor mensal de 705,00€ serve de padrão de ressarcimento, porquanto ficaram afectadas as garantias do trabalhador decorrentes do equilíbrio prestacional como definido no contrato de trabalho;
-A conduta descrita da Ré envolve vários e repetidos comportamentos de assédio moral;
-Esta pluriocasionalidade do ilícito manifestou-se sob a forma de vários actos discriminatórios no âmbito da relação laboral, de mudança injustificada de local de trabalho; de interrupção de pagamento de vencimento e suplemento remuneratório; de desocupação efectiva;
-Tais comportamentos (...) geram responsabilidade contra-ordenacional;
-Para tanto a Ré criou um ambiente de intimidação, de perseguição e constante perturbação do Autor, consubstanciada em actos arbitrários e que culminaram na deslocação do Autor para outra ilha;
-(... Os factos) denotam comportamentos de extremo alheamento e desrespeito dos mais basilares deveres de tratamento condigno do Autor, sem contemplações pela sua qualidade de pessoa humana e ao vinculo laboral mantido desde Junho de 2008;
-A Ré agiu com dolo directo, especialmente intenso pela manutenção e duração da conduta típica;
-Além da função ressarcitória, a responsabilização por ilícitos de assédio moral deve servir evidentes propósitos sancionatórios e dissuasores de comportamentos futuros idênticos para com outros trabalhadores, havendo que incutir nas relações laborais a exigibilidade de observância das garantias que salvaguardam os trabalhadores, demandando da tutela jurisdicional uma reacção assertiva;
-A gravidade e a danosidade pessoal para o Autor são de especial relevância (...)
Assim é. A R. agiu de forma censurável, provocou danos que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, e há lugar a ressarcimento, com base na equidade (art.º  483.º e 496.º 1 e 3, do Código Civil) - “O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do responsável) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1987, 501).
Face a tudo o exposto, entende-se que a indemnização apurada não peca por excesso, encontrando abrigo nos aludidos preceitos legais.
Destarte, a sentença não merece censura e vai confirmada.
*

Pelo exposto julga-se improcedente o recurso e confirma-se a sentença recorrida.

Custas do recurso pela recorrente.

Lisboa, 25 de janeiro de 2017

Sérgio Almeida
Celina Nóbrega
Paula Santos