Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
68/16.8T8VLS-A.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
DEPÓSITO DO PREÇO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: “I–Na acção de preferência, o preço a depositar pelo autor nos 15 dias seguintes à propositura da acção, sob pena de caducidade, é no valor correspondente ao preço constante do título de transmissão.
II–Tendo os réus procedido à alteração do título de transmissão, alterando o preço da venda, sobre eles recai o ónus de alegação e prova de que o valor retificado corresponde ao valor real.
III–Quando logrem tal prova, importará oportunamente fazer notificar o autor, para, então, proceder ao depósito da correspondente diferença.”.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I–AA, e mulher MS, intentaram ação declarativa com processo comum contra JR, e JS e mulher LS, alegando, em suma, que:

Os A.A. são donos e legítimos proprietários de três prédios rústicos que identificam, sitos na freguesia dos Rosais, Concelho de Velas.
Os referidos prédios confinam pelos lados Norte e Nascente, Sul, e Nascente, respetivamente, com o prédio rústico que também identificam no artigo 9º da sua petição inicial.
O qual - tiveram agora os AA. conhecimento – foi vendido pelo 1º R. aos 2ºs RR., por escritura de compra e venda outorgada no passado dia 06-04-2016, pelo preço de € 7.000,00.
Sendo que o 1º R. não deu conhecimento aos AA. da sua intenção de vender o prédio e das suas condições principais, fosse o preço, a forma de pagamento ou a pessoa do comprador, tendo os RR efetuado o negócio no completo desconhecimento dos AA.
Os AA., pretendendo exercer a sua preferência, procederam ao depósito do preço da venda (€7.000,00) e o valor referente às despesas com a escritura, registo (€205,50), de IMT €350,00 e de imposto de selo € 56,00, no total de € 608,50, embora este último depósito apenas como condicional.

Concluem pedindo:
“A)–Que se reconheça aos AA. o direito de preferência sobre o prédio rústico identificado no ponto 9° do requerimento inicial, substituindo-se aos RRII na escritura de compra e venda.
B)–Que sejam os RR. condenados a entregar o referido prédio aos AA. Livre e desocupado.
C)–Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que os RRlI, compradores, hajam feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio, designadamente o constante da inscrição decorrente da Ap. 1103 de 2016/04/06 (doc. n.º 4) e outras que estes venham a fazer, sempre com todas as legais consequências;
D)–Que seja ordenado o registo do prédio identificado no ponto 9° deste requerimento a favor dos AA.”.

Contestou o 1º R. dizendo, e no que agora interessa, que “Os RR. para fugirem aos impostos declararam um preço inferior…”.
Mas, “quando foram notificados da presente ação, procederam à retificação do valor da escritura pública, por forma a que o valor real do prédio correspondesse ao declarado, isto é, €12.000,00 (…) conforme doc. 3 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.”.
Considerando, em via reconvencional, que “se perdurar o seu intuito de preferir”, “deverão (os AA) fazê-lo pelo preço real pago pelos RII e que consta da escritura de rectificação, ou seja, por € 12.000,00 (…)”, procedendo ao depósito do preço remanescente.

Remata com a improcedência da ação e a absolvição do 1º R. do pedido, ou, caso assim se não entenda, com a condenação dos AA. “a preferir pelo preço real efectivamente pago, ou seja, € 12.000,00 e demais despesas efectuadas com o contrato”.

Houve réplica dos AA., rejeitando “que o valor efetivo da venda tenha sido de 12.000,00 €, apesar do RI ter ido retificar o valor da escritura no dia 15 de Junho de 2016”, e pugnando pela improcedência, por não provado, do pedido reconvencional.

Em despacho pré-saneador, julgou-se e determinou-se:
“Nos termos do disposto no art. 1410° do Código Civil, uma das condições de procedência da acção de preferência consiste em o preferente depositar o preço devido nos 15 dias seguintes aos da propositura da acção.
Este consiste, igualmente, num prazo de caducidade.
Compulsados os autos, verifica-se que os autores cumpriram com esse ónus em relação ao preço inicial (cfr fls 30 dos autos).
Termos em que se tem por interrompida a caducidade (art. 331°, n.º 1 do Código Civil)
Todavia, os autores não depositaram a totalidade do preço devido de acordo com o exposto nas linhas anteriores.
Tal constitui uma condição de procedência da acção.
Termos em que os autores dispõem de um prazo adicional de 15 dias, a contar da notificação do presente despacho, para depositar o preço correspondente ao da alienação real do imóvel.
Regularizada a instância procederemos com a prolação do despacho saneador.
*
Notifique os autores para que depositem a diferença entre o preço efectivamente depositado e o preço que os réus alegam ter sido efectivamente pago, a fim de regularizar a instância (art. 1410° do Código de Processo Civil).
Prazo: 15 dias.”.

Inconformados, recorreram os AA., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“A)–Os ora Recorrentes intentaram contra os recorridos JR, JS e LS uma ação declarativa com processo comum, na qual se pedia que lhes fosse reconhecido o direito de preferência sobre o prédio rústico com a área de 0,677600 ha, ou seja, 6776 m2, sito na…, que confronta a Norte e Sul com..; Nascente, com …e Poente com …; inscrito na matriz sob o art° …° e descrito na Conservatória do Registo Predial das Velas na ficha n° … da Freguesia dos…, bem como que fossem os Recorridos condenados a entregar o referido prédio aos Recorrentes, devendo ser ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que os Recorridos hajam feito a seu favor em consequência da compra do identificado prédio, devendo, ao invés, ser ordenado o registo do mesmo a favor dos, ora, Recorrentes.
B)–Os Recorrentes são proprietários de três prédios rústicos, que confinam os três com o prédio identificado na alínea anterior, o primeiro pelo lado Norte e Nascente, o segundo pelo Lado Sul e o terceiro confina pelo lado Nascente.
C)–Os Recorrentes, em 13 de maio de 2016, data em que a ação declarativa foi instaurada, tiveram conhecimento que o Recorrido JR tinha vendido o prédio identificado no ponto um destas alegações aos, ora, Recorridos JS e LS, por escritura outorgada no dia 6 de Abril de 2016, pelo preço de 7.000,00 € (sete mil euros) tendo os Recorrentes, nos termos do artº 1410º do CC depositado esse preço (documento n.º 8 junto com o requerimento inicial, bem como – à cautela - o valor correspondente ao preço da escritura, registo, IMT e imposto de selo, no valor de 608,5 € (documento n.º 9 junto com o requerimento inicial.
D)–O prédio vendido pelo Recorrido JR e os três supra identificados dos Recorrentes são prédios de lavradio, confinando aquele com estes, tendo os três prédios destes e aquele que foi vendido uma área inferior à unidade de cultura estabelecida para a Região Autónoma dos Açores, nos termos do artº 22º do Decreto Legislativo Regional n.º 35/2008, de 28 de julho, não sendo os Recorridos, compradores do prédio identificado no ponto um destas alegações, à data da escritura nem atualmente, proprietários de qualquer outro prédio que confine com o prédio vendido àqueles pelo Recorrido JR.
E)–Citados os Recorridos, o vendedor do prédio na sua contestação referiu que, apesar da escritura referir que o preço de venda foi de 7.000,00 €, o valor real da venda foi de 12.000,00 €, tendo referido aquele valor para fugir aos impostos, tendo os Recorrentes replicado ao pedido reconvencional do Recorrido, não aceitando como valor real de venda os 12.000,00 €, invocando para essa não aceitação a não junção aos autos de qualquer documento que demonstrasse o pagamento desse valor, a não ser uma transferência de 5.510,00 € e do facto do prédio vendido não ter um valor de mercado superior a 7.000,00 €.
F)–Foi proferido despacho pré-saneador que, com fundamento nos argumentos nele constante determina que "os Autores depositem a diferença entre o preço efetivamente depositado e o preço que os Réus alegam ter sido efetivamente pago, a fim de regularizar a instância".
G)–No exercício do direito de preferência é requisito indispensável, nos termos do artº 1410º n.º do Código Civil que o preferente deposite, no prazo de 15 dias da instauração da ação, o preço devido, nada mais referindo.
H)–Ora, o preço devido é o preço constante do documento que titule a venda, no caso concreto, a escritura de compra e venda, pelo que se o vendedor do prédio, depois de citado para a ação de preferência, decidir retificar a escritura, alterando para mais o alegado preço de venda, com o único argumento que declarou, de fugir aos impostos, este alegado novo preço e respetivo argumento terão de ser provados, não impondo ao preferente o depósito do preço posteriormente retificado, mas sim o constante inicialmente na escritura de compra e venda.
I)–A lei impõe o depósito nos 15 dias subsequentes à propositura da ação, não prevendo nenhum outro momento para realização de um eventual reforço. Por outro lado, se é verdade ter sido tal novo elemento introduzido na contestação, não tendo os Autores, ora Recorrentes, aceitado que o valor constante da retificação correspondesse ao valor real, aos demandados compete a prova de que assim era, pelo que, até à instrução do processo, tal questão é, sem dúvida, controvertida.
J)–O despacho pré-saneador, do qual ora se recorre, violou o artº 1410º do CC, pelo que os Recorrentes, ao contrário do determinado naquele, não têm de depositar o diferencial do preço constante da escritura e o alegado pelo R, ora recorrido, na sua contestação, quando não provou ser este último o preço real.”.

Terminam com a revogação do despacho recorrido.

Não se mostram produzidas contra-alegações.

II–Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se o “preço devido” a considerar para efeitos de depósito, na presente ação, é o declarado na escritura de compra e venda respetiva ou o valor superior declarado pelas partes outorgantes, em escritura de retificação da escritura de compra e venda, celebrada após citação dos aqui RR.
***

Com interesse, emerge da dinâmica processual o referido em sede de relatório.
***

Vejamos.

1.–De acordo com o disposto no artigo 1380º, n.º 4, do Código Civil, é aplicável ao direito de preferência conferido pelo mesmo normativo, aos proprietários de terrenos confinantes, “o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º, com as necessárias adaptações.”.

Nos termos do sobredito artigo 1410º:
“1.–O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.
2.–O direito de preferência e a respetiva ação não são prejudicados pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transação judicial.” (o grifado é nosso).

2.–O prazo definido na lei para a efetivação do depósito do preço devido, é, pacificamente, um prazo de caducidade.[1]
Já o que seja o preço devido, foi objeto de discussão, nomeadamente no tocante à questão de saber se corresponde ao preço real ou ao preço que veio a ser declarado na escritura pública de compra e venda e em que circunstâncias, para, alcançado o conceito, retirar a consequência da não realização do correspondente depósito no prazo e condições estabelecidas na lei.

Podendo contudo afirmar-se ser hoje praticamente uniforme a jurisprudência, relativamente a situações como a hipoteseada nos autos, e que se revelam recorrentes.

Assim, já em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2005,[2] se julgou que “I -Intentada acção de preferência em que os AA. se deparam com um único preço que têm por bom e que é o declarado na escritura de compra e venda, não alegando, por conseguinte, nenhuma simulação do preço, sendo os RR. quem veio dizer na contestação que o preço real era superior, apresentando escritura de rectificação do preço posterior à entrada da acção, e mantendo os AA. na resposta e na contestação do pedido reconvencional que o preço real era o constante na escritura de compra e venda, competia aos RR. provar ser outro o preço real. II - Perante este circunstancialismo não se vê como poderia exigir-se aos AA. o depósito do preço alegado pelos RR., ainda que por mera cautela. III - Afinal, a lógica da solução proposta pela doutrina e jurisprudência para as situações mais frequentes em que o preferente coloca logo a questão da simulação do preço na própria acção de preferência é a mesma que deve presidir à solução de situações como a dos autos. IV - Nestas, também é o preço constante da escritura à data da instauração da acção de preferência que o preferente tem de depositar, embora, provado posteriormente ser superior o preço real, deva depositar a diferença, no prazo fixado pela sentença, sob pena de perder o direito. V - E para o efeito, não se tornava necessário que os AA. tivessem manifestado directamente a intenção de preferir pelo valor mais elevado referido pelos RR., que à data da alegação não passava de um valor meramente hipotético e não demonstrado, tanto mais que os RR. deduziram pedido reconvencional pedindo exactamente a condenação dos AA. a pagarem aos RR. compradores o preço real que alegaram, caso proceda a acção, tendo os AA. ficado logo cientes que, a provar-se o preço alegado pelos RR. era esse que teriam de pagar
como contrapartida da preferência.
(…).”
(grifado nosso).

Tendo-se considerado, em Acórdão do mesmo Tribunal, de 01-04-2014,[3] que:
“IVO preço devido, como condição do exercício do direito de preferência, é aquele que consta do teor da escritura pública, único elemento disponível para os autores, com base no qual instauraram a ação, satisfazendo a exigência legal do depósito preliminar do preço, aquele que ao preferente, em face dos elementos objetivos existentes, se revele como sendo o preço real do negócio. V - Porquanto o direito de preferência não se adquire com a propositura da ação, uma vez que nasce logo que se efetua o contrato de compra e venda, radicando-se na pessoa a quem ele assiste, a retificação do contrato em que ela não interveio, não tem virtualidade para alterar a situação de direito, já criada, sendo, por isso, irrelevantes, em relação ao preferente, quaisquer acordos ulteriores dos contraentes, que alterem ou modifiquem o contrato primitivo. VI - Os contraentes podem, em princípio, provar contra o preferente que, por engano, se declarou, na escritura de venda, um preço não correspondente à realidade, mas, apenas, quando, só por lapso, se tenha declarado um preço diferente do preço real. VII - Retificado o preço pelos réus compradores, depois da ação ter sido instaurada, sobre estes recai o ónus de alegar e provar que a “alteração do preço” visou a emenda de um erro, involuntariamente, cometido ou a correção de um erro propositado (v. g., simulação do preço para pagar menos IMT), e, bem assim como, que o valor corrigido corresponde ao valor real, o que equivale a alegar e provar que o preço modificado foi, realmente, o preço praticado no negócio jurídico efetuado. VIII - Constituindo o preço real da venda matéria controvertida, não era exigível aos preferentes o depósito de outro preço que não fosse o declarado na escritura, pelo que sendo outro o valor real a fixar pelo tribunal, tal não determinaria, sem mais, a caducidade da ação de preferência.” (idem quanto ao grifado).

E, em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-10-2015, que “se, para o exercício do direito de preferência não tinham outra alternativa que não fosse a de preferirem pelo preço declarado na escritura, não se pode dizer que os autores tenham abusado do direito de preferência, excedendo os limites impostos pela boa fé ou pelos bons costumes, sob pena de, com o pretexto de que existe abuso de direito, se estar a negar-lhes, na prática, o exercício desse direito. E a inviabilizar esse exercício em todas as situações em que, por qualquer motivo, as partes declaram um preço muito inferior ao valor real do bem e os preferentes não têm elementos para provar que o preço declarado é simulado e é outro o preço real.”.

O que, acrescentaremos nós, vale mutatis mutandis no tocante ao preço devido a depositar, quando ignorado o preço real à data da propositura da ação de preferência.

Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça mais recente, e conhecido, sobre a matéria, de 08-09-2016,[4] indo neste sentido, quando nele se conclui que “O preço devido corresponderá ao preço real, que pode ser quer o preço pago pelo terceiro adquirente ao alienante, quer o preço acordado entre estes para a transacção, mesmo que ainda não esteja pago, a menos que tal não se tenha provado, situação em que, a final, o preço devido corresponderá, simplesmente, ao preço declarado na escritura pública.” (o grifado é nosso).

Podendo ainda ver-se, nesta linha, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 20-01-2015:[5]
“1.-Na acção de preferência, o autor tem de proceder ao depósito do preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção, sob pena de caducidade.
2.-O valor a depositar corresponde ao preço constante do título de transmissão.
3.-Tendo os réus procedido à alteração título de transmissão, alterando o preço da venda, incumbe-lhes alegar e provar que o valor rectificado corresponde ao valor real e que os autores conheciam “ab initio” o valor rectificado.”….

…E o Acórdão da Relação de Évora, de 17-11-2016,[6] este com a particularidade de chamar à colação o disposto no n.º 2 do artigo 1410º.

Em aparente consonância, portanto, com anotação de P. Lima e A. Varela,[7] onde ler-se pode: “A afirmação de que o distrate (rescisão por mútuo acordo) da alienação não prejudica o direito de preferência vem já do texto da reforma de 1930 (§ 3.° do art. 1566.°), como reacção contra um expediente de que comprador e vendedor se serviam para afastar o direito do preferente, quando viam a situação perdida (C. Gonçalves, ob. e vol. cits., pág. 501, que se insurge contra a doutrina da reforma). A modificação da alienação, que o n.º 2 do artigo 1410.° considera igualmente irrelevante, consiste em regra na correcção do preço indicado para um preço superior, sob pretexto de que houve erro de escrita na indicação.

Manteve-se a expressão distrate (e não se usou o termo resolução ou rescisão), para acentuar o carácter voluntário do acto, sempre posterior à alienação. Se a resolução da alienação resultar da lei ou de qualquer cláusula resolutiva inserta no contrato, já o direito de preferência e a respectiva acção serão, em princípio, prejudicados.” (grifado nosso).

Escrevendo ainda os mesmos Autores,[8] relativamente a hipótese paralela:
“É diferente a hipótese julgada no já mencionado ac. do S. T. l, de 9 de Março de 1978 (R. L. J., 111, pág. 283), porque na escritura de venda dos dois imóveis se faz a discriminação do preço deles, embora os adquirentes tenham vindo alegar que essa discriminação não correspondia à vontade real dos contraentes. Nesse caso, desde que o preferente só teve conhecimento da discriminação dos preços efectuados na escritura menos de seis meses antes de propor a acção de preferência, esta devia ter sido considerada como proposta em tempo, ao invés do que acabou por ser julgado. E o preço que ao autor competia depositar era, precisamente, o preço correspondente à discriminação efectuada na escritura, sendo aos réus que incumbiria alegar e provar que essa discriminação não correspondia à realidade.” (idem quanto ao grifado).

3.–Posto o que, e revertendo ao caso em apreço, não é exigível aos AA. que procedam ao acrescido depósito do montante correspondente à diferença entre o preço declarado na escritura de compra e venda – e por eles depositado no prazo previsto no artigo 1410º, n.º 1, do Código Civil – e o preço de montante superior, que o 1º R. alega, na sua contestação, ter sido o real e consignado em retificação daquela escritura – após serem os RR. citados para a ação – e que os AA., na sua réplica, expressamente impugnam.

Naturalmente, isto, assim, sem prejuízo da alegação – que se mostra feita – e prova, pelos RR., do ora por eles invocado superior preço real, o que, a ser logrado, implicará a oportuna notificação dos AA. para procederem ao depósito da correspondente diferença.

E desse modo, presente que, como refere Antunes Varela,[9] em anotação a Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro de 1983, “O direito de preferência numa versão tradicional autêntica, consiste na faculdade atribuída a alguém de em condições de igualdade (tanto por tanto) chamar a si com preterição de outrem a aquisição de determinada coisa ou direito que o titular pretenda alienar”.

Ou, nas palavras de Agostinho Cardoso Guedes,[10] “A preferência, traduzida no direito de haver para si a coisa alienada, assegura ao respectivo titular uma prioridade de contratar em igualdade de condições, no que esta igualdade de condições representa para o adquirente”.

Pois, como refere Almeida Costa,[11] “apesar da simulação, não se justifica um locupletamento do preferente”.
***

Procedem destarte as conclusões dos Recorrentes.

Devendo a ação prosseguir seus termos, na 1ª instância, dando-se por efetivado de modo bastante, pelos AA., o depósito do preço, previsto no artigo 1410º, n.º 1, do Código Civil.

III–Nestes termos, acordam em julgar a apelação procedente e revogam o despacho recorrido, julgando efetivado, de modo bastante, o depósito do “preço devido”, devendo o processo, se a tanto nada mais obstar, prosseguir seus termos na 1ª instância.

Sem custas, por a elas não terem dado causa os RR., que não contra-alegaram.
*


Lisboa, 2017-03-30


(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)



[1]Vd., entre outros, P. Lima e A. Varela, in “Código Civil, Anotado”, Vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, Lda., 1984, págs. 372-373.
[2]Proc. 4669/04 - 1.ª Secção, Relator: Moreira Alves, in http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_busca.php?buscajur=&areas=000&ficha=10126&pagina=&exacta=
[3]Proc. 854/07.0TBLMG.P1.S1, Relator: HELDER ROQUE, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[4]Proc. 1022/12.4TBCNT.C1.S1, Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[5]Proc. 360/12.0TBCNF.C1, Relator: ARLINDO OLIVEIRA, in www.dgsi.pt/jtrc.nsf.
[6]Proc. 198/13.8TBSRP.E1, Relator: RUI MACHADO E MOURA, in www.dgsi.pt/jtre.nsf.         
[7]In op. cit., pág.381, nota 11.
[8]In op. cit., pág 377.
[9]In RLJ, Ano 119º, pág. 381.
[10]In “O Exercício do Direito de Preferência”, UCE, 2006, pág. 655.
[11]In “Direito das Obrigações”, 9ª Ed., Almedina, 2001, pág. 418,
em continuação de nota 4, a folhas 417.