Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9880/2006-8
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
INTERESSE PÚBLICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- A Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, que alterou o disposto na alínea a) do nº1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, aplica-se  apenas às acções e aos requerimentos de injunção instaurados ou apresentados depois da sua entrada em vigor.
II- A cláusula contratual que estipula como competente o foro da comarca de Lisboa com expressa renúncia a qualquer não pode ser reconhecida  pois o pacto de aforamento, que tal cláusula traduz, extravasa os limites da autonomia contratual consagrada no artigo 405.º n.º 1 do Código Civil.
III- O princípio da aplicação imediata da lei processual assenta no facto de o direito processual ser um ramo de direito público e que apenas regula o modo como as partes podem exercer os seus direitos e, de acordo com tal princípio, a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas ás acções que venham a instaurar-      -se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes.
IV- No caso da Lei nº 14/2006 foi introduzida uma restrição, já salientada, de a lei processual se aplicar apenas às acções instauradas depois da sua entrada em vigor.
V- A norma em causa não ofende  o princípio constitucional da proporcionalidade ou da proibição do excesso nem o princípio da exigibilidade nem o princípio da não retroactividade da lei considerando, quanto a este último, que a nova lei não conduz a uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente que atinja expectativas fundadas e razoáveis dos cidadãos e da comunidade.

(SC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório

1. Banco […9 S.A. intentou a presente acção, com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nos termos do Decreto – Lei nº269/98, de 1 de Setembro, contra Mário […] e mulher Fernanda […], pedindo que os R.R. sejam condenados a pagar-lhe a importância de €6.572,37 acrescida de €1.145,30 de juros vencidos até 12 de Maio de 2006 e de €45,80 de imposto de selo sobre estes juros, e ainda, os juros que, sobre a quantia de €6.572,37 se vencerem, à taxa de 18,93%, desde 13 de Maio de 2006 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair.

Alega, em síntese que, celebrou um contrato de mútuo com os RR., tendo emprestado a quantia de €5.000, a ser pago, com os juros convencionados e o prémio de seguro, em 60 prestações mensais e sucessivas, deixando os RR. de proceder ao pagamento da 12ª prestação e seguintes.

2. Citados, os R.R. não contestaram.
 
3. Foi proferido despacho a julgar o tribunal territorialmente incompetente para conhecer a presente acção e a determinar a remessa dos autos ao tribunal competente.

4. Inconformado com esta decisão, o A. interpôs recurso, que foi recebido como de agravo, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo, nas suas alegações de recurso, apresentado as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª. -O despacho recorrido ao aplicar o disposto na alínea a), do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a reacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos, atento o que consta do contrato aos mesmos junto com a petição inicial, em que as partes escolheram um foro convencional nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 100º, nºs. 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, violou o disposto nos artigos 5º e 12º, nºs. 1 e 2, do Código Civil.

2ª. - O despacho recorrido, ao interpretar e aplicar, como o fez, a alínea a) do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela dita Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos e, consequentemente, a não considerar válida e eficaz a escolha do foro convencional constante do contrato dos autos, atento a data da celebração do mesmo e o disposto no artigo 100º, nºs. 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, do que então se dispunha no artigo 110º do mesmo normativo legal, maxime na alínea a) do respectivo nº 1, é inconstitucional por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não retroactividade consignados no artigo 18º, nºs. 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, e, também ainda, por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, corolários ambos do principio de um Estado de Direito Democrático consagrado no  artigo 2º da Constituição da Republica Portuguesa.

3ª. - Impõe-se, pois, como se requer, procedência do presente recurso, a revogação do despacho recorrido, e a sua substituição por outro que reconheça a competência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para conhecer dos autos onde o mesmo foi proferido, desta forma se fazendo, os artigos 284º, n.º 1, al. a); 285º; 835º e 156º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil.

5. Os recorridos não contra – alegaram.

6. Foi proferido despacho de sustentação.

7. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - Delimitação do objecto do recurso

Conforme deflui do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente.

Dentro dos preditos parâmetros, emerge das conclusões da alegação recursória apresentada que o objecto do presente recurso está circunscrito - apenas - à questão de saber se é aplicável as regras de competência em razão do território impostas pela Lei nº14/2006, de 26 de Abril ao caso presente, tendo em consideração que no contrato celebrado pelas  partes, antes da entrada em vigor da referida disposição legal, foi convencionado o foro.

III. Fundamentação

1. Do contexto processual relevante:

1.1. O A. intentou a presente acção em 12 de Maio de 2006.

1.2. Nesta acção, com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nos termos do Decreto – Lei nº269/98, de 1 de Setembro, o A. refere ter celebrado um contrato de mútuo, tendo emprestado aos RR. a quantia de €5.000.
 
1.3. Os RR. deveriam proceder ao pagamento dessa quantia, acrescida de juros e do prémio de seguro, em 60 prestações mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 10 de Junho de 2005 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes.

1.4. Os RR. não pagaram a 12ª prestação e seguintes, vencida a primeira em 10 de Junho de 2005, vencendo-se então todas.

1.5.Os Réus residem […] Penafiel.

1.6. As partes convencionaram no artigo 14. das condições gerais do contrato que : “Para todas as questões emergentes do presente contrato estipula-se como competente o foro da comarca de Lisboa com expressa renúncia a qualquer outro.”
 

2. Apreciação do mérito do agravo.

Prescreve o nº1 do artigo 74º do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei nº14/2006, de 26 de Abril que:

“A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana”.

Essa mesma Lei veio alterar o disposto na alínea a) do nº1 do artigo 110º do Código de Processo Civil que passo a ter a seguinte redacção:

“1. A incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nos casos seguintes:

a) Nas causas a que se referem os artigos 73º, a primeira parte do nº1 e o nº2 do artigo 74º, os artigos 83º, 88º e 89º, o nº1 do artigo 90º, a primeira parte do nº1 e o nº2 do artigo 94º.”

Por outro lado, importa ter presente o que dispõe o nº1 do artigo 100º do Código de Processo Civil: “As regras de competência em razão da matéria, da hierarquia, do valor e da forma de processo não podem ser afastadas por vontade das partes; mas é permitido a estas afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de competência em razão do território, salvo nos casos a que se refere o artigo 110º.”

E o artigo 6º da Lei nº14/2006, de 26 de Abril preceitua que:

“A presente lei aplica-se apenas às acções e aos requerimentos de injunção instaurados ou apresentados depois da sua entrada em vigor.”

Não fixando a citada Lei o momento da sua entrada em vigor, a mesma entrou em vigor 5 dias após a data da sua publicação.

Na cláusula 14ª das Condições Gerais do contrato celebrado entre o A. e os RR., em 21 de Maio de 2004, refere-se que: “Para todas as questões emergentes do presente contrato estipula-se como competente o foro da comarca de Lisboa com expressa renúncia a qualquer outro.”

Importa referir que em face das disposições legais em vigor aquando da celebração do contrato entre o A. e os RR. (21 de Maio de 2005) era lícito aos contratantes atribuir a competência territorial para dirimir os conflitos resultantes do contrato ao Tribunal da Comarca de Lisboa (cfr. artigos 74º, 100º e 110º do Código de Processo Civil, na redacção anterior no que respeita ao primeiro e último dos artigos agora referidos), sendo, portanto, válido e eficaz o pacto de aforamento quando foi celebrado.

- Aliás, o tribunal da comarca de Lisboa, como local da sede do A., sempre seria o territorialmente competente, se o A. assim o pretendesse porquanto poderia escolher o Tribunal do local do cumprimento da obrigação (cfr. artigo 774º do Código Civil) – Lisboa – ou o do domicílio dos RR. –

Contudo, a situação altere-se radicalmente com as alterações introduzidas aos artigos 74º e 110º do Código de Processo Civil pela Lei nº14/2006, de 26 de Abril e pelo artigo 6º deste diploma.

Assim, a partir da entrada em vigor da Lei nº14/2006, de 26 de Abril – 5 dias após a sua publicação – em acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, o pacto de aforamento deixou de ser legalmente admissível, sempre que o Réu seja pessoa singular e não resida na área metropolitana de Lisboa ou Porto e o credor tenha o seu domicílio na mesma área metropolitana, não podendo as partes afastar a competência territorial, que será sempre do tribunal do domicílio dos RR. – cfr. os citados artigos 74º, 100º e 110º do Código de Processo Civil – e sendo de conhecimento oficioso pelo Tribunal.

E as normas da Lei nº14/2006, de 26 de Abril são de aplicação às situações em que o pacto de aforamento foi celebrado anteriormente à sua entrada em vigor, porquanto, como se afirma no Ac. da Rel. de Lisboa, de 18 de Janeiro de 2007 “o referido pacto não é mais do quer uma norma definidora da competência territorial fundada em disposição legal que a consente (artigo 100º do C.P.C.) cuja aplicabilidade não pode deixar de ser encarada nos mesmos termos em que é encarada a aplicabilidade das demais normas atinentes à competência territorial. Ora, neste plano, o entendimento é o de que “a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo” (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, pág.47). Daqui decorreria que, tratando-se de acção pendente, a matéria atinente à competência relativa seria apreciada à luz da nova lei processual pois só são irrelevantes as modificações de direito, em matéria de competência, se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou se lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa (artigo 22º da Lei nº3/99, de 13 de Janeiro). Ou seja, são relevantes as modificações de direito em matéria de competência territorial” (Ac. proferido no processo nº10860/06, desta secção).

E o princípio da aplicação imediata da lei processual assenta no facto de o direito processual ser um ramo do direito público e que apenas regula o modo como as partes podem exercer os seus direitos.

Por outro lado, e aplicando-se o disposto no artigo 12º do Código Civil, com as necessárias adaptações, sempre se dirá que, na área do direito processual “ a nova lei se aplica às acções futuras e também a actos futuramente praticados nas acções pendentes” (A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág.49), continuando válidos os actos processuais anteriormente praticados.

Contudo, no seu artigo 6º, a Lei nº14/2006, de 26 de Abril veio colocar um limite, excluindo da sua aplicação as acções já instauradas (“…aplica-se apenas referindo às acções … instauradas … depois da sua entrada em vigor”).

Assim, temos de concluir que “o pacto de competência celebrado deixou de ser reconhecido como válvula de afastamento da competência legal, na medida em que no momento em que o autor instaura a acção, o pacto extravasa os limites da autonomia contratual, consagrada no artigo 405º nº1 do Código Civil, não lhe sendo reconhecida qualquer eficácia” (Ac. da Rel. de Lisboa, de 14 de Dezembro de 2006, proferido no processo nº9885/06 desta secção).

No caso presente:

A acção foi intentada em 12 de Maio de 2006 e trata-se de uma acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias, os RR. são pessoas singulares e residem na área da comarca de Penafiel (Sta. Luzia – Paço de Sousa), pelo que o Tribunal competente em razão do território é o do domicílio dos RR., como se decidiu na 1ª instância.

O recorrente suscita a questão da inconstitucionalidade da norma contida na alínea a) do nº1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, se interpretada e aplicada como o fez o Tribunal de 1ª instância (interpretação que agora se acolheu), invocando o disposto nos artigos 18º, nºs2 e 3 e 2º da Constituição da República.

Prescreve os nºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição da República que:

“2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”

O princípio da proporcionalidade encontra-se consagrado, entre outras disposições no nº2 do artigo 18º da Constituição da República, “e que se analisa em três vectores: necessidade, adequação e racionalidade.

A necessidade supõe a existência de um bem juridicamente protegido e de uma circunstância que imponha intervenção ou decisão; equivale a exigibilidade desta intervenção ou decisão. A adequação significa que a providência se mostra adequada ao objectivo almejado, se destina ao fim contemplado pela norma, e não a outro; significa, pois, correspondência de meios a fins. A racionalidade ou proporcionalidade stricto sensu implica justa medida; que o órgão competente proceda a uma correcta avaliação da providência em termos quantitativos (e não só qualitativos); que a providência não fique aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido – nem mais, nem menos.

A falta de necessidade ou de adequação traduz-se em arbítrio. A falta de racionalidade, mais frequentemente, em excesso. E, por isso, fala-se, correntemente, também em princípio da proibição do arbítrio e da proibição do excesso.”(Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, 2005, vol. I, pág163).

Ou nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, “o princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornam-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos” (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, vol. I, págs. 392 e 393).

Ora, no caso presente, a norma em causa não é manifestamente inadequada ou excessiva, com inconvenientes manifestamente desproporcionados em relação a vantagens que podem dela advir para a boa administração da justiça, fazendo o que se poderia chamar de melhor utilização de meios.
 
Como é de todos sabido, existe uma manifesta concentração de litigância nos grandes centros, nomeadamente em Lisboa e Porto e respectivas áreas metropolitanas, em parte devido à concentração nesses locais dos centros de decisão da maioria das grandes e médias empresas, impossibilitando o sistema de justiça de dar uma resposta atempada, e ficando uma parte significativa de comarcas com um número reduzido de processos; assim, não existe um aproveitamento racional de todos os meios do Estado na administração da Justiça.

Daqui que, com a alteração, se permite uma melhor utilização de meios, não obrigando, por outro lado, a parte mais débil a maior despesas e dificuldades na sua defesa, em confronto com uma empresa que pode utilizar os seus recursos de forma racional e por todo o país porquanto a sua organização o permite.

Por outro lado, não é arbitrária essa alteração, pois verifica-se que se teve o cuidado, pois nenhuma justificação haveria, que se o réu residisse na área metropolitana, se mantinha a possibilidade de escolha do foro pelo Autor ou se o Réu fosse uma pessoa colectiva.
Assim, não se está em presença de uma medida desproporcionada, antes pelo contrário,  perfeitamente equilibrada.

Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional, de 19 de Dezembro de 2006, sobre esta mesma questão, e em recurso interposto pelo ora A. “Alega o recorrente, em primeiro lugar, que a norma que vem questionada viola o disposto no artigo 18º, nºs2 e 3, da Constituição. É, contudo, manifesto que, nesta parte, não lhe assiste qualquer razão. E, desde logo, pela razão evidente de que aquele preceito constitucional se refere às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, o que, manifestamente, não é o caso da norma que vem questionada. Com efeito, não se vislumbra qual o direito, liberdade e garantia que possa estar a ser restringido pela norma cuja constitucionalidade vem questionada… Como é óbvio, o direito de as partes convencionarem o foro territorialmente competente para a resolução dos litígios eventualmente resultantes dos contratos que celebrem não é um direito constitucionalmente garantido, não constituindo direito, liberdade e garantia, no sentido do artigo 18º da Constituição, pelo que, no caso, este preceito não é, pura e simplesmente, aplicável.
(…) inconstitucionalidade numa eventual violação da exigência de proporcionalidade, como limitação geral ao exercício do poder público, decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição … sempre se dirá que tal pretensão também não procederia, pois além de não estar em causa nenhum direito constitucionalmente garantido, também se não vislumbra que a medida legislativa seja manifestamente inadequada, corresponde a opção manifestamente errada do legislador ou tenha carácter manifestamente excessivo ou inconvenientes manifestamente desproporcionados em relação às vantagens que apresenta.”

Por outro lado, o recorrente invoca a violação do princípio de não retroactividade da lei, bem como da segurança jurídica e da confiança, corolários do princípio de um Estado de Direito Democrático.

Preceitua o artigo 2º da Constituição que:
“A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.”

Em primeiro lugar, importa referir que o princípio da não retroactividade da lei encontra-se consignado na Constituição, de forma expressa, somente em matéria penal (nºs 1 e 4 do artigo 29º), para as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (nº3 do artigo 18º) e para o pagamento dos impostos (nº3 do artigo 103º).

O Tribunal Constitucional vem afirmando que o princípio do Estado de direito democrático postula “uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas” pelo que “a normação que, por natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático terá de ser entendida como não consentida pela lei básica” (Ac. nº303/90, do Tribunal Constitucional, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17º Vol., pág.65).

Por outro lado, o mesmo Tribunal vem referindo que não está vedada ao legislador a emissão de normas com eficácia retroactiva, invocando os ensinamentos de Vieira de Andrade, pois “entender o contrário representaria, ao fim e ao resto, coarctar a «liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade» do legislador, características que são «típicas», «ainda que limitadas», da função legislativa” (cfr. a obra deste autor: Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa, pág.309; cfr. Ac. do Tribunal Constitucional nº304/2001, in www.tribunalconstitucional.pt).

E só quando a lei nova vem trazer uma “alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações e situações” é que a lei viola aquele mínimo de certeza e segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de direito (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional – processo nº937/06 – de 19 de Dezembro de 2006, in www.tribunalconstitucional.pt, já anteriormente citado e que temos seguido na sua argumentação).

Assim, no caso presente, não existe a violação do citado artigo 2º da Constituição, porquanto a cláusula de aforamento sempre estaria condicionada por eventual reorganização judiciária, pela aplicação imediata das normas processuais, como é por todos entendido, e que no caso presente o próprio legislador limitou para as acções que fossem propostas após a sua entrada em vigor (o que ocorreu com esta acção).

Por outro lado, a intervenção do legislador não se mostrou arbitrária, nos termos atrás referidos, pretendendo maximizar os recursos do Estado, e permitindo uma justiça mais célere, pois se possibilita, em determinadas circunstâncias, que os Tribunais mais solicitados e consequentemente com menor capacidade de resposta em face do elevado número de processos, possa satisfazer os cidadãos e outros Tribunais verão as suas capacidades utilizadas.

O facto da grande capacidade económica e de meios que os grandes utilizadores dos Tribunais das áreas metropolitana de Lisboa e do Porto possuem não os obriga a um excessivo esforço.

Em conclusão, “a aplicação da alínea a) do nº1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº14/2006, de 26 de Abril, aos contratos celebrados antes da entrada em vigor desta última Lei, ainda que se entenda que se trata de uma aplicação retroactiva da mesma, não consubstancia violação de forma inadmissível, intolerável ou arbitrária dos direitos ou expectativas fundadas do recorrente, não se verificando, por isso, o desrespeito dos mínimos de certeza e segurança salvaguardados pelo artigo 2º da Constituição” (Ac. do Tribunal Constitucional, de 19 de Dezembro de 2006, no processo nº937/06, em recurso interposto pelo ora recorrente, e atrás citado).


 - cfr., no sentido de que não existe violação de qualquer disposição constitucional, os Ac. desta secção do Tribunal da Relação, de 14 de Dezembro de 2006, no processo nº9885/06, de 18 de Janeiro de 2007, no processo nº10860/06 e de 25 de Janeiro de 2007, no processo nº440/07 -.

Desta forma, o recurso não merece provimento.  


IV. Decisão

Posto o que precede, nega-se provimento ao agravo e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2007

(A. P. Lima Gonçalves
(António Valente)
(Ilídio Sacarrão Martins)