Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4926/2006-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: ERRO NA FORMA DO PROCESSO
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
DECISÃO PROVISÓRIA
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
PROCESSO TUTELAR DE MENORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I- Ocorre erro na forma de processo quando se instaura procedimento cautelar comum nos termos do artigo 381.º e seguintes do Código de Processo Civil, por apenso a acção de regulação do exercício do poder paternal, pedindo a atribuição em exclusivo do poder paternal ou, em alternativa, o exercício por ambos os progenitores visto que, nos processos de jurisdição tutelar cível, atento o disposto no artigo 157.º/1 da Organização Tutelar de Menores, pode o tribunal, em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, decidir, a título provisório, relativamente a matérias que devam ser apreciadas a final.
II- No entanto, o requerimento não deve ser indeferido liminarmente, antes deve o Tribunal aproveitar o requerimento inicial, determinado que se siga a tramitação processual adequada em conformidade com o prescrito no artigo 199.º do Código de Processo Civil

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa :

1.   José […] veio, por apenso à acção de regulação do poder paternal, a correr termos no […] Tribunal de Família e Menores […], requerer providência cautelar, pedindo lhe seja atribuído o exercício exclusivo ou, em alternativa, o exercício por ambos os progenitores, do poder paternal relativo às filhas menores do requerente.
     
No despacho liminar, foi proferida decisão, indeferindo a requerida providência.
     
Inconformado, veio o requerente interpor o presente agravo, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :

-   As providências cautelares dos arts. 381° e segs. do CPC são susceptíveis de aplicação às acções de regulação do poder paternal, por força do que dispõe o art. 161° da OTM, como meio de acautelar o efeito útil da acção e de assegurar a efectividade de um direito ameaçado e de acautelar o efeito útil da acção em que esse direito se pretende fazer valer (arts. 2°, n° 2 , 381°, nºs 1 e 2,  382º e 383º CPC).

-  Cabendo o impulso processual às partes e o direito de escolherem o meio processual que tenham por adequado para a defesa do direito que pretendem fazer valer (arts. 3°, 264º, nº 1, 267°, 268°, 467°, nº 1, CPC), intentado o procedimento cautelar na pendência de acção já proposta, mas sob recurso na Relação, a petição tem sempre de ser autuada, para vir a ser apensada aos autos da acção principal de que é dependência, logo que estes baixem à 1ª instância (idem, art. 383º, nºs 1 e 3).

-  Assim, o primeiro despacho que deve recair sobre a petição de uma providência cautelar em acção sob recurso, tem de ser o de a mandar autuar e de mandar que, depois de autuada, o processo lhe volte concluso.

-   Com o processo da providência concluso, ao juiz incumbe:

a)  Desde logo, determinar a realização de actos necessários à regularização da instância (art. 265º, nºs 1 e 2, CPC).

b) Ou, findos os articulados, lavrar despacho, providenciando pelo suprimento das excepções dilatórias, quando as haja, ou convidando as partes ao aperfeiçoamento dos articulados (idem, art. 508º).

c)  Ou, se se julgar habilitado, conhecer conscienciosamente do mérito da causa (art. 508°-A  b) CPC).

-  Neste quadro, deve ser declarado nulo e de nenhum efeito o despacho de 21/4/05, que mandou remeter o expediente ao Tribunal da Relação; assim como o despacho a que se reporta o de 28/9/05, que, em vez de mandar apensar a providência cautelar à acção de regulação, de que é dependência, como aliás tinha sido requerido pelo ora alegante, a mandou apensar à acção de divórcio, com a qual não tem conexão alguma.

-  Como também deve ser declarado nulo o despacho recorrido na medida em que, sem considerar na sua inteira dimensão a petição da providência e sem ter ouvido o autor dela acerca do seu exacto sentido, a reduziu a um mero pedido de uma decisão provisória ou cautelar.

-  Também deve ser declarado nulo e de nenhum efeito o despacho recorrido, na parte em que, contra a lógica da decisão tomada nele, em vez de mandar oficiosamente o requerimento da petição da providência cautelar, para a acção de regulação, deixa ao critério do ora alegante essa remessa, sem ter em conta que já lá estava.

-   Em face da petição da providência cautelar, não só não se verificam os pressupostos do art. 199º do CPC quanto à moldura do erro na forma do processo, pois é evidente que a providência cautelar intentada é o único meio para o fim que com ela se pretende alcançar, como também não tem base legal o indeferimento liminar da providência à luz desse preceito e desse pretenso erro.

-    Em face do exposto :

a)  Devem ser considerados nulos e de nenhum efeito os despachos indicados nas conclusões.

b) Devem ser revogadas as decisões que indeferem liminarmente a petição da providência cautelar, invocando erro na forma de processo e afirmando que através da acção de regulação se obtêm os resultados que se pretendem com a providência.

c)  Devem considerar-se as notificações que, a requerimento do recorrente, lhe foram feitas, para todos os efeitos legais, nas datas em que efectivamente foram feitas.

-  E deve, consequentemente, desapensar-se a acção de regulação da acção de divórcio e apensar-se, quando baixe à 1ª instância, a providência cautelar à acção de regulação.
   
 Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.  Nos termos dos arts. 684º, nº3, e 690º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente.

Estando aqui apenas em causa a apreciação do despacho recorrido, a questão a decidir resume-se, pois, à admissibilidade da requerida providência.  
     
Em  conformidade com o disposto no art. 157º, nº1, da OTM, nos processos da jurisdição tutelar cível, pode o tribunal, em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente decidir, a título provisório, relativamente a matérias que devam ser apreciadas a final.  
     
Uma vez que a lei (art. 381º CPC), atento o seu carácter subsidiário, não permite o recurso às providências cautelares, quando de outro modo possa ser assegurado o direito que visam acautelar ocorrerá, pois, erro na forma de processo escolhida, pelo ora agravante, para fazer valer a sua pretensão.  
Nos termos do art. 199º, nº1, do C.P.Civil, o erro na forma de processo importa, todavia, unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados - devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
     
Acrescendo que, estando-se perante processo de jurisdição voluntária, se não acha o tribunal adstrito a critérios de legalidade estrita, antes devendo adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna   (arts. 150º OTM e 1410º CPC).
     
Ao invés do decidido, não justificaria, assim, o apontado erro processual o decretado indeferimento liminar da providência - antes se impondo, no caso que, aproveitando-se o respectivo requerimento inicial, se seguisse a subsequente tramitação, de acordo com as regras próprias da forma de processo adequada.

3.  Pelo exposto, se acorda em, concedendo, nessa medida, provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, ordenando-se a sua substituição por outra que determine o processamento do requerido, em conformidade com o que acima ficou expresso.
     
Custas a fixar a final.

21.9..2006

(Ferreira de Almeida - relator)
(Salazar Casanova - 1º adjunto)
(Silva Santos - 2º adjunto)