Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2919/2008-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: CUSTAS
TAXA DE JUSTIÇA
INCIDENTE TRIBUTÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I. No regime de custas anterior ao introduzido pelo DL 324/2003, de 17/12, nas ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide, que devam ser tributadas segundo os princípios que regem a condenação em custas, a taxa de justiça é fixada pelo juiz em função da sua complexidade, do processado a que deu causa ou da sua natureza manifestamente dilatória entre metade de 1 UC e 10 UC (art. 16º do CCJ).
II. Decidir se determinado depoimento de parte deve ser admitido no âmbito da produção de prova é decidir de uma questão incidental, questão estranha ao desenvolvimento normal da lide e que não é essencial à resolução desta, e cuja utilidade económica não é determinável, pelo que se trata de ocorrência processual tributável com a taxa de justiça prevista pelo art. 16º do CCJ, com afastamento da taxa de justiça prevista no art. 18º/2 do mesmo código.
III. Assim sendo a taxa de justiça aplicável aos recursos de Agravo contados no processo não era a taxa de justiça prevista no art. 18º/2 (metade da constante na tabela), mas antes a prevista no art. 16º, a fixar, nas respectivas decisões entre metade de 1 UC e 10 UC.
(PR)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I. OBJECTO DO RECURSO.
No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A e B, apresentaram reclamação da conta, elaborada na sequência de recursos de Agravo interpostos nos autos, requerendo a sua reelaboração de acordo com o preceituado pelo art.º 16.º, do C.C.J., alegando, em síntese, que nos agravos em apreço estava em causa questão incidental, o impedimento do administrador da C para depor como parte, aplicando-se, por isso, a esses recursos a previsão do citado artigo.
Mais alegaram que, tendo-se limitado a exercer o seu direito de defesa em sede de Agravo de 1.ª instância, e não tendo sido admitido o agravo para o S.T.J., o valor das custas é atentatório do direito constitucional de acesso à justiça.
Foi cumprido o disposto no art.º 61º/1, do CCJ, emitindo, em consequência, o Senhor Contador a informação junta aos autos e estes foram com vista ao Ministério Público, o qual se pronunciou pelo indeferimento da reclamação, considerando inaplicável o disposto no art.º 16.º, do CCJ em sede do recurso que deu origem à condenação em custas.
Decidindo da reclamação apresentada, foi proferido douto despacho, do seguinte teor, na parte que interessa:
“As reclamantes vieram defender a aplicação à elaboração da conta do disposto no art.º 16.º, n.º 1, do C.C.J. considerando que os recursos que determinaram a sua condenação em custas tiveram por objecto uma questão incidental.
Sob a epígrafe “Taxa de Justiça noutras questões incidentais” estatui o art.º 16.º, do C.C.J., no seu n.º 1, que nas ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devem ser tributadas segundo os princípios que regem a condenação em custas e na incompetência relativa, nos impedimentos, nas suspeições, na habilitação, na falsidade, na produção antecipada de prova, no desentranhamento de documentos, bem como noutras questões incidentais não referidas no art.º 14.º, a taxa de justiça é fixada pelo juiz em função da sua complexidade, do valor da causa, do processado a que deu causa ou da sua natureza manifestamente dilatória, entre 1UC e 20UC .
Por outro lado os artigos 18.º e 19.º, do mesmo diploma legal, disciplinam a taxa de justiça aplicável nos tribunais superiores.
Lê-se assim no n.º 1, do art.º 18.º, do C.C.J., que nos recursos dirigidos ao S.T.J. a taxa de justiça é calculada nos termos do art.º 13.º desse diploma.
Por outro lado dispõe o n.º 2, do mencionado artigo que nos recursos dirigidos aos Tribunais da Relação a taxa de justiça é metade do constante da tabela do anexo I, não sendo devida a taxa de justiça subsequente, e não havendo lugar a quaisquer reduções.
Por último lado, dispõe o n.º 3 do citado artigo 18.º que nas reclamações para a conferência, nas reclamações do despacho que retiver ou rejeitar o recurso, nos recursos de decisões proferidas em incidentes e nos agravos de decisões interlocutórias que subam com outro recurso aplica-se o disposto no art,º 16.º, do C.C.J.
Resulta assim evidente da letra dos preceitos atrás referidos que em sede de recurso de agravo a taxa de justiça aplicável é aquela que resulta do art.º 18.º, do C.C.J., sem prejuízo da redução prevista no mesmo diploma legal.
Com efeito, havendo norma específica para os recursos, e para as questões suscitadas junto dos tribunais superiores, é esse o preceito aplicado à conta a elaborar neste e não o art.º 16.º do C.C.J.
Apenas se o caso objecto desta reclamação integrasse a previsão do n.º 3 do art.º 18.º, do C.C.J., haveria lugar à aplicação da disciplina do art.º 16.º, do C.C.J., por força da remissão aí efectuada para esse preceito.
No entanto a questão objecto de recurso – a decisão que indeferiu o depoimento de parte do embargado – não constitui incidente da causa mas sim decisão interlocutória do processo de embargos de terceiro, “(...) ou seja, a que é proferida ao longo do processo e que não é liminar ou final, (...)”. (in Salvador da Costa, “Código das Custas Judiciais”, 6.ª edição, 2004, pág. 182).
Ora só se aplica a previsão do n.º 3, do art.º 18.ª, do C.C.J., aos agravos de decisões interlocutórias que subam juntamente com outro recurso, o que não sucedeu nestes autos.
Por último refira-se que não pode o tribunal apreciar o valor global das custas a cargo dos reclamantes, as quais resultaram da aplicação das normas do Cód. Custas Judiciais e das Tabelas a ela anexas aprovadas pelos órgãos com competência legislativa de harmonia com a Constituição da República Portuguesa, e que com respeito pelo princípio constitucional da separação de poderes fizeram a ponderação dos valores a pagar em sede de custas judiciais.
Em face do exposto julga-se a reclamação da conta improcedente por inexistir fundamento legal para aplicar à conta elaborada o regime previsto no art.º 16.º, do C.C.J.”
Inconformado com a decisão, vieram as reclamantes interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
  - O raciocínio que está na base do douto Despacho recorrido enferma de um vício que o faz cair pela base: no despacho em causa, a Mma Juíza "a quo" aplicou o art. 18° do C.C.J., na redacção resultante do Decreto-Lei n° 324/2003, de 27 de Dezembro de 2003.
- Sucede que o art. 14°, n° 1, prescreve que as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 324/2003, de 27 de Dezembro de 2003, "só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor", isto é, após 1 de Janeiro de 2004.
- O processo a que se refere a conta de custas recorrida foi instaurado em 2002.
         - Aliás, a própria conta se encontra elaborada de acordo com a tabela referida no artigo 13° do C.C.J., na versão anterior ao Decreto-Lei n° 324/2003, mais concretamente de acordo com a redacção do art. 32° do anexo ao Decreto-Lei n° 323/2001, de 17 de Dezembro.
- Ora, na redacção anterior ao Decreto-Lei n° 324/2003, o art. 18°, n° 2, do C.C.J. é claro, ao salvaguardar a aplicação do art. 16°, no cálculo da taxa de justiça nos tribunais superiores: "Nas apelações, revistas e agravos de decisões proferidas em quaisquer acções ou incidentes, sem prejuízo do disposto no artigo 16°, a taxa de justiça é de metade da constante da tabela" (...)".
- Isto é, o art. 18, n° 2, do C.C.J., na anterior redacção, é claro ao salvaguardar a aplicação do artigo 16°, n° 1, mesmo nos tribunais superiores, pelo que deve a taxa de justiça ser fixada entre 1UC e 10UC, nos termos do artigo 16°, n° 1, na sua anterior redacção.
- É importante notar que, nos agravos, esteve apenas em causa o impedimento previsto no artigo 617° do C.P.C., sob a epígrafe "Impedimentos": "Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes".
- Pelo que encontra plena aplicação o artigo 16° da C.C.J., ao estabelecer um regime especial (menos oneroso) de taxa de justiça para "os impedimentos".
- Sucede que mesmo que fosse aplicado o artigo 18°, n° 3, na redacção actual (do Decreto-Lei n° 324/2003), o que não se concede, sempre haveria lugar à aplicação do artigo 16°.
- É que o artigo 18°, n° 3, do C.C.J. visa estender a aplicação do artigo 16° a outras hipóteses que só se colocam perante tribunais superiores.
- Pelo que a interpretação do artigo 18°, n° 3, formulada pela Mma Juíza a quo, contraria esta norma, ao considerar que a mesma restringe a aplicação do artigo 16°, nos tribunais superiores.
- Com o devido respeito, não faz sentido inferir uma restrição da aplicação do artigo 16° de uma norma (o art. 18°, n° 3), que visa exactamente o oposto, isto é, estender a aplicação do art. 16° a outras hipóteses que só se colocam perante os tribunais superiores.
- Face ao exposto, deve alterar-se a decisão recorrida e ordenar-se a elaboração da conta de custas, de acordo com as normas aplicáveis.
Não houve contra-alegação.
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento do agravo, cumpre decidir.
A questão a resolver é a de saber se a conta deve ser elaborada de acordo com o pretendido pelas recorrentes.
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II.   FUNDAMENTOS DE FACTO.
Os factos a tomar em consideração para conhecimento do agravo são os que decorrem do relatório acima inscrito.
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III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.
Para adequada resposta à questão que se deixa definida, importa indagar do regime de custas aplicável à elaboração da conta, colocada em discussão através do presente recurso.
Cabe, antes de mais, chamar à análise que a presente acção foi instaurada em 2002 e que a conta, cuja feitura é questionada, foi elaborada em 2007, estando em causa a liquidação de custas de recursos que foram interpostos relativamente a uma questão incidental no processo, que era a da admissão, ou não, de determinado depoimento de parte.
O Decreto-Lei n.º 324/2003, de 17 de Dezembro, veio introduzir alterações ao Código das Custas Judiciais, designadamente em normativos que têm relevância para apreciação do presente recurso.
O regime de custas por ele inovado entrou em vigor em 01.01.2004 (art. 16º/1 deste diploma), mas as alterações introduzidas só são aplicáveis aos processos instaurados após a sua entrada em vigor (art. 14º/1), excepção feita relativamente ao valor da taxa de justiça inicial e subsequente a pagar, em acções e recursos, que é a constante da nova tabela (art. 14º/2).
O que exposto se deixa, desde já permite avançar que à contagem das custas em discussão no presente recurso se aplica o regime de custas anterior ao introduzido pelo DL 324/2003, de 17/12, tal como defendem as recorrentes na sua alegação.
Dispunha o art. 18º/2 do CCJ, na versão revogada, mas ainda aplicável no presente processo, que ”nas apelações, revistas e agravos de decisões proferidas em quaisquer acções ou incidentes, sem prejuízo do disposto no art. 16º, a taxa de justiça é metade da constante da tabela”.
E o art. 16º estabelecia que “nas ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributadas segundo os princípios que regem a condenação em custas e na incompetência relativa, nos impedimentos, nas suspeições, na habilitação, na falsidade, na produção antecipada de prova, no desentranhamento de documentos e noutras questões incidentais cuja utilidade económica não seja determinável, a taxa de justiça é fixada pelo juiz em função da sua complexidade, do processado a que deu causa ou da sua natureza manifestamente dilatória entre metade de 1 UC e 10 UC”.
Decidir se determinado depoimento de parte deve ser admitido no âmbito da produção de prova é decidir de uma questão incidental, questão estranha ao desenvolvimento normal da lide e que não é essencial à resolução desta, e cuja utilidade económica não é determinável, pelo que se trata de ocorrência processual tributável com a taxa de justiça prevista pelo art. 16º do CCJ, com afastamento da taxa de justiça prevista no art. 18º/2 do mesmo código (continuamos a falar da versão antiga, aplicável no caso dos autos).
Assim sendo a taxa de justiça aplicável aos recursos de Agravo contados no processo não era a taxa de justiça prevista no art. 18º/2 (metade da constante na tabela), mas antes a prevista no art. 16º, a fixar, nas respectivas decisões entre metade de 1 UC e 10 UC.
Como nas decisões dos Agravos dos autos, nem na Relação nem no Supremo, fora fixada a taxa de justiça devida, considera-se de aplicar a taxa normal nos termos do art. 82º do CCJ (versão anterior), por aplicação analógica, dado que na redacção antecedente não continha a parte cível do CCJ disposição paralela à do actual n.º 3, do art. 16º, que estabelece a taxa a aplicar em suprimento da taxa variável que devia ser fixada pelo juiz.
Procedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de revogar a decisão recorrida.
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IV.  DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se provimento ao agravo e revoga-se a decisão recorrida, ordenando-se a reforma da conta de acordo com o que acima se expôs.
Sem Custas.
Lisboa,  17 de Abril de 2008. 

Fernando Pereira Rodrigues
Maria Manuela Gomes
Olindo Geraldes