Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9596/2004-6
Relator: AGUIAR PEREIRA
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE INFORMAR
TRIBUNAL ARBITRAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1 - Observa as regras sobre o ónus da prova em relação à adequada e efectiva comunicação das cláusulas de um contrato sujeito ao regime do Decreto Lei 446/85 de 2 de Outubro a decisão que se baseia na prova testemunhal produzida por funcionários da empresa que propôs o contrato acerca do procedimento padrão que antecede a sua celebração, quando nenhuma prova seja produzida sobre eventual procedimento contrário no caso concreto;
2. A decisão sobre a matéria de facto no sentido de que a "ré comunicou ao autor, na íntegra, as cláusulas do contrato em análise, de modo claro e com antecedência, por forma a tornar possível ao autor o conhecimento completo e efectivo das mesmas e que se disponibilizou a prestar ao autor todos os esclarecimentos necessários acerca das cláusulas do acordo" não tem, apesar da utilização de expressões utilizadas no artigo 5º do DL 446/85 de 25 de Outubro, natureza puramente conclusiva;
3. É válida e plenamente eficaz a cláusula inserta num contrato de prestação de serviços de corretagem, sujeito ao regime do Decreto lei 446 / 85 de 2 de Outubro, através da qual as partes acordam em atribuir competência exclusiva para a interpretação, integração de lacunas e resolução de conflitos resultantes do contrato a um Tribunal Arbitral a constituir que deverá julgar de acordo com a legislação portuguesa e observando a forma de processo ordinário;
4. Perante tal cláusula ocorre preterição do Tribunal Arbitral quando a acção seja proposta directamente no Tribunal Judicial.
Decisão Texto Integral: EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

1. (J), intentou acção declarativa com processo ordinário contra FINCOR - SOCIEDADE CORRECTORA, S A, com sede na Rua Braamcamp nº 9 - 7° andar em Lisboa, formulando o pedido de condenação da ré nos seguintes termos:
“a) A indemnizar o autor dos danos patrimoniais directamente decorrentes do não cumprimento da ordem de venda das 1000 acções da PT Multimédia, requerendo o autor que a indemnização tenha como critério o valor da diferença entre 80.000 Euros (80 Euros x 1000 acções) e o valor total de 1000 acções da PT Multimédia de acordo com a sua cotação no fecho da sessão de bolsa do dia anterior àquele em que vier a ser proferida sentença, acrescido de juros à taxa supletiva legal desde 3 de Maio de 2000 até efectivo pagamento.
b) A indemnizar o autor pelo valor despendido com as consultas médicas para tratamento dos danos psicológicos e/ou psiquiátricos emergentes do não cumprimento da ordem de venda das 1000 acções da PT Multimédia, tanto as já realizadas, no montante de 1.320 euros, acrescido de juros à taxa supletiva legal desde a citação da ré até efectivo pagamento, bem como quaisquer outras consultas, despesas com tratamentos ou medicamentos, que venham a ocorrer;
c) A indemnizar o autor pelos danos causados na saúde, personalidade e qualidade de vida, os quais não poderão ser justamente indemnizados por quantia inferior a 15.000 euros, ou quantia superior se sobrevirem danos superiores aos aqui já identificados, acrescida de juros à taxa supletiva legal desde a citação da ré até efectivo pagamento artigo 569º do Código Civil e artigo 471º nº 1, b), do Código de Processo Civil”.
2. Devidamente citada a ré contestou invocando, por um lado, a excepção dilatória da violação da cláusula compromissória atributiva de competência exclusiva a um Tribunal Arbitral a constituir com a consequente declaração de incompetência em razão da matéria dos Tribunais comuns, e, no caso de improcedência de tal excepção, pedindo a improcedência do pedido formulado pelo autor. ­
3. O autor, em articulado de réplica, invocou a nulidade da cláusula do contrato assinado entre as partes em que se previa a atribuição da competência para o conhecimento dos conflitos dele resultantes, em exclusivo, a um Tribunal Arbitral, sendo assim competentes os Tribunais comuns.
4. A ré respondeu também à matéria do articulado referido no número anterior.
5. Designada data para inquirição de testemunhas tendo em vista o conhecimento da invocada excepção foi decidida a matéria de facto a ela atinente, após o que foi proferida douta decisão que julgou procedente a invocada excepção de preterição do Tribunal Arbitral, sendo a ré absolvida da instância.
6. Inconformado recorreu o autor de tal decisão, sendo o recurso admitido como de agravo, com subida imediata e efeito suspensivo.
7. O autor apresentou as suas alegações, que conclui pela forma seguinte:
“a) O thema decidendum do presente recurso é a matéria respeitante ao incidente de competência, designadamente a aplicação da cláusula nº 11ª a do escrito intitulado “contrato de prestação de serviço de corretagem”, celebrado entre as partes.
b) Nos termos desta cláusula “(..) Todas as interpretações, integrações de lacunas e resoluções de conflitos resultantes do presente contrato, serão da competência exclusiva de um tribunal Arbitral a constituir nos termos previstos no Capítulo II da Lei 31 /86 de 29 de Agosto. (..)”.
c) O Tribunal recorrido considerou, bem, que ao escrito supra referido é aplicável o DL nº 446/85 de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL 220/95 de 31 de Janeiro, ou seja o regime das Cláusulas Contratuais Gerais. ­
d) O autor alegou que o pacto de arbitragem não era aplicável ao caso vertente porquanto, entre outras razões, a ré não lhe comunicou o teor das cláusulas que integram aquele documento, o qual apenas teve conhecimento do teor do mesmo na data da respectiva assinatura;
e) Alegou ainda que a ré também não informou o autor de quaisquer aspectos regulados pelo contrato em causa.
j) A ré respondeu alegando que “comunicou ao autor na íntegra, as cláusulas do contrato em análise, de modo claro e com antecedência, por forma a tornar possível ao autor o conhecimento completo e efectivo das mesmas”.
g) A matéria dada como provada sob o nº 7, reproduz o alegado pela ré e consubstancia afirmações de natureza conclusiva e valorativa, que inclusivamente reproduzem o disposto no artigo 5º nº 1 e 2 do DL nº 446/85 de 25 de Outubro.
h) É entendimento pacífico, doutrinário e jurisprudencial o de que deve considerar-se como não escrita a resposta dada a um quesito que seja conclusivo - artigos 511º o nº 1 analogicamente, 646° nº 3, e 659° nº 2, todos do Código de Processo Civil.
i) Ora, o agravante alegou expressamente que a ora agravada incumpriu o disposto nos nº 1 e 2 do artigo 5° do DL nº 446/85 de 25 de Outubro. ­
j) O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabia à ora agravada, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 5° do DL nº 446/85 de 25 de Outubro.
k) Pelo que dever-se-ia haver considerado provado que as mesmas não foram comunicadas de forma adequada e efectiva daquelas cláusulas, considerando-se as mesmas excluídas do contrato - artigo 8° alínea a), do DL nº 446/85 de 25 de Outubro.
l) Donde se deverá concluir pela aplicação das regras gerais da competência, daqui resultando, necessariamente, que se deverá julgar competente o Tribunal recorrido.
m) Por outro lado, sem conceder quanto ao atrás expendido, nos termos do disposto no artigo 21° alínea h), do DL nº 446/85 de 25 de Outubro, são absolutamente proibidas as cláusulas que “excluam ou limitem de antemão a possibilidade de recorrer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contratantes ou prevejam modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei”.
n) A atribuição de competência exclusiva a um Tribunal arbitral é, evidentemente, tanto uma exclusão como uma limitação - e bastava que se verificasse uma destas duas situações -, da possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contratantes.
o) A cláusula 11ª inserta no contrato celebrado entre as partes é, pois, nula, nos termos do disposto no artigo 21° alínea h), do Decreto-lei nº 446/85 de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo D L 220/95 de 31 de Janeiro.
p) Sendo nula a referida cláusula, as regras gerais aplicáveis ao presente pleito determinam a competência dos tribunais judiciais para apreciarem o presente pleito”.

8. Por sua vez a agravada rematou pela forma seguinte as suas contra alegações:
(……………………………………………………………)

9. A Mmª Juiz a quo sustentou tabelarmente a sua decisão nos termos do artigo 744º do Código de Processo Civil.

II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos considerados na decisão impugnada são os seguintes:
­"1. Por escrito particular datado de 12 de Maio de 1999, intitulado "contrato de prestação de serviços de corretagem", as partes acordaram que a ré, mediante contrapartida pecuniária a cargo do autor, interviria por este nas operações de mercado, nacional ou estrangeiro, de capitais, relativamente aos seus valores mobiliários, de acordo com as instruções do autor. (cfr. documento de fls. 114 a 117).
2. Nos termos da cláusula 11ª do escrito referido em 1., consta, em letra de tipo times new roman, de tamanho 12, que: "(..) Todas as interpretações, integração de lacunas e resolução de conflitos resultantes do presente contrato, serão da competência exclusiva de um Tribunal Arbitral a constituir nos termos previstos no Capítulo II da Lei 31/86 de 29 de Agosto. O referido Tribunal funcionará em Lisboa e julgará de acordo com a legislação portuguesa observando-se a forma de processo ordinário.
A decisão do Tribunal Arbitral fica dispensada do depósito no Tribunal Judicial e é insusceptível de recurso”.
3. O escrito referido em 1. foi elaborado pela ré sem prévia negociação com o autor (cf. artigo 2º do articulado de fls. 155).
4. O escrito referido em 1. é igual aos que a ré usa para serem assinados por todos aqueles que pretendem ser seus clientes. (cf. artigo 3° do articulado de fls. 155).
5. Aquando da entrega do escrito referido em 1. ao autor a ré disse ao autor que o texto daquele documento não poderia ser alterado e a sua assinatura era indispensável para que o autor pudesse ser cliente da ré (cf. artigo 4° do articulado de fls. 155).
6. O autor limitou-se a assinar o referido contrato. (cf. artigo 5° do articulado de fls. 155);
7. A ré comunicou ao autor, na íntegra, as cláusulas do contrato em análise, de modo claro e com antecedência, por forma a tornar possível ao autor o conhecimento completo e efectivo das mesmas. (cf. artigo 6° do articulado de fls. 172). ­
8. A ré disponibilizou-se a prestar ao autor todos os esclarecimentos necessários acerca das cláusulas do acordo. (cf. artigo 7° do articulado de fls. 172).

B) Importa agora apreciar do mérito da decisão, tendo em conta o teor das conclusões apresentadas pelo agravante onde se colocam, no essencial, duas questões: a primeira relativa à matéria de facto dada como provada ante a prova produzida (o agravante entende que a ré agravada não cumpriu o ónus da prova que sobre ela impendia pelo que discorda do facto de ter sido considerado provado que lhe foi dado conhecimento do teor da cláusula 11ª), e a questão relativa à validade da cláusula 11ª do contrato celebrado entre as partes e que, sendo nula, não o vincularia à obrigação de recorrer a um Tribunal Arbitral.
1. O Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto tomada pelo Tribunal de 1ª instância nos casos previstos no artigo 712º do Código de Processo Civil.
A discordância do agravante em relação à forma como foi decidida a matéria de facto apresenta duas vertentes: a primeira relativa à inobservância do ónus da prova quanto ao facto de lhe terem sido comunicadas de forma adequada e efectiva o teor das cláusulas contratuais constantes do contrato celebrado, nos termos do artigo 5° do Decreto Lei 446/85 de 2 de Outubro na redacção dada pelo Decreto Lei 220/95 de 31 de Janeiro (publicado a 31 de Agosto de 1995); a segunda relativa à natureza conclusiva da decisão sobre a matéria de facto, nessa parte reproduzindo alegação da ré de que "comunicou ao autor, na íntegra, as cláusulas do contrato em análise, de modo claro e com antecedência, por forma a tornar possível ao autor o conhecimento completo e efectivo das mesmas".
2. Ao caso dos autos são aplicáveis as disposições reguladoras das cláusulas contratuais gerais.
O artigo 5° do DL 446/85 de 25 de Outubro (regime das cláusulas contratuais gerais) estabelece, atenta a filosofia de base do regime das cláusulas contratuais gerais, que cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva, na integra (cf. nº 1 do preceito em causa) e com a antecedência necessária para que o outro contraente, usando de normal diligência, o possa analisar.
No caso dos autos a ré agravada, notificada para produzir prova sobre essa circunstância, ofereceu três testemunhas suas funcionárias e que, como consta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, descreveram a forma como era habitualmente feita a comunicação das cláusulas constantes do contrato tipo proposto ao agravante (leitura das cláusulas em conjunto com os clientes, com cedência prévia de cópias para análise em casa, sendo a assinatura do contrato feita em acto posterior), como, de resto, a todos os clientes.
Essa prova, conjugada com a falta de produção de qualquer tipo de prova que a contrariasse, levou o Tribunal a concluir que no caso dos autos foi respeitado o procedimento padrão da celebração do tipo de contrato a que os autos se referem.
3. O ónus da prova de determinado facto traduz-se no encargo imposto aquele que o alega de demonstrar a sua realidade.
A agravada, a quem cabia provar que tinha comunicado ao autor de forma adequada e efectiva as cláusulas do contrato, produziu prova que, apreciada livremente pelo Tribunal (cf. artigo 396º do Código Civil) conduziu à sua convicção positiva no sentido de que a agravada tinha dado efectivo e adequado conhecimento das cláusulas do contrato ao agravante.
Do que se extrai a conclusão de que a agravada cumpriu o ónus que sobre ela impendia de provar a regular e adequada comunicação das cláusulas do contrato.
4. Também não assiste razão ao agravante quando pretende que a alegação feita pela agravada não contém factos, pelo que se deveria dar por não escrita a decisão que acolheu essa matéria.
A ré agravada alegou que deu conhecimento ao autor do teor do contrato e dos aspectos regulados pelo mesmo, esclarecendo que lhe comunicou, na íntegra, as cláusulas do contrato de modo claro e com a antecedência necessária para que o autor agravante pudesse ter completo e efectivo conhecimento do mesmo e prestando-lhe os esclarecimentos solicitados acerca dos aspectos nele compreendidos. ­
A decisão sobre a matéria de facto, restringindo ligeiramente o teor da alegação, deu como assente que tal comunicação foi feita pela forma regular que tinha sido invocada.
A distinção entre factos e conclusões ou entre matéria de facto e matéria de direito nem sempre se afigura fácil, até porque matérias há que assumem natureza híbrida.
Sobre os factos produz-se prova e, nomeadamente, pronunciam-se as testemunhas que deles tenham conhecimento. As conclusões devem ser extraídas pelo Tribunal na sequência da alegação e prova dos factos.
Se a ré comunicou ou não ao autor agravante o teor das cláusulas do contrato e em que condições, se foram ou não prestados esclarecimentos são factos apreensíveis directamente por qualquer pessoa que os tenha ou possa ter presenciado.
Daí que não tenham natureza puramente conclusiva.
A decisão da matéria de facto no sentido de que a "ré comunicou ao autor, na íntegra, as cláusulas do contrato em análise, de modo claro e com antecedência, por forma a tornar possível ao autor o conhecimento completo e efectivo das mesmas e que se disponibilizou a prestar ao autor todos os esclarecimentos necessários acerca das cláusulas do acordo" não tem, apesar da utilização de expressões também vertidas no já aludido artigo 5° do DL 446/85 de 25 de Outubro, natureza puramente conclusiva.
5. A decisão sobre a matéria de facto não merece, pois, qualquer censura.
6. A segunda questão que o agravante coloca nas suas alegações é a da nulidade da cláusula compromissória atributiva de competência a um Tribunal Arbitral.
A cláusula 11ª do contrato de prestação de serviços de corretagem estabelecido entre o agravante e a agravada é do seguinte teor: “Todas as interpretações, integração de lacunas e resolução de conflitos resultantes do presente contrato, serão da competência exclusiva de um Tribunal Arbitral a constituir nos termos previstos no Capítulo II da Lei 31 / 86 de 29 de Agosto. O referido Tribunal funcionará em Lisboa e julgará de acordo com a legislação portuguesa observando-se a forma de processo ordinário.
A decisão do Tribunal Arbitral fica dispensada do depósito no Tribunal Judicial e é insusceptível de recurso”.
Considerou-se na decisão impugnada, contra o entendimento do agravante, que a aludida cláusula era válida pelo que se declarou procedente a excepção da preterição do Tribunal Arbitral.
E bem, a nosso ver.
­7. É indiscutível a legalidade da subsunção dos litígios emergentes de um contrato de prestação de serviços como é o caso dos autos, à decisão de árbitros.
Nos termos do artigo 10º nº 1 da Lei 31 / 86 de 29 de Agosto, “desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros”.
Porque relativa à resolução de litígios eventuais e futuros estamos em presença de uma cláusula compromissória, no caso atributiva de competência, e que tem que ser reduzida a escrito especificando-se a que relação jurídica o litígio respeitará, sob pena de nulidade.
Todos esses requisitos se mostram preenchidos no caso dos autos, pelo que não se colocam dúvidas acerca da validade formal da cláusula em questão.
8. Estando em presença de um contrato que não é precedido de negociação individualizada deve ele observar o regime estabelecido no Decreto Lei 446/85 de 25 de Outubro.
O agravante invoca o disposto no artigo 21º alínea h) do Decreto Lei 446/85 de 25 de Outubro que classifica de absolutamente proibidas as cláusulas que “excluam ou limitem de antemão a possibilidade de requerer a tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contraentes ou prevejam modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei”.
Face à redacção do preceito acabado de indicar a conclusão que se extrai é que não foi intenção do legislador excluir, quanto aos contratos abrangidos pelo regime das cláusulas contratuais gerais, a possibilidade de intervenção de um Tribunal Arbitral, isto é, que a especial natureza dos contratos sujeitos a tal regime não impunha, como medida de protecção do consumidor final, a proibição do recurso à decisão de árbitros para resolução dos conflitos surgidos entre as partes.
9. Não sendo proibida pela alínea h) do artigo 21º do Decreto Lei 446/85 de 25 de Outubro a possibilidade de estipulação de cláusulas que prevejam a intervenção de Tribunal Arbitral em caso de futuros litígios a cláusula 11ª em apreciação não está, por essa via, ferida de nulidade, posto que a intervenção de tal Tribunal assegure as garantias de procedimento previstas na lei.
Consta da referida cláusula que o tribunal arbitral julgará de acordo com a legislação portuguesa e observando a forma do processo ordinário, com tudo o que isso implica em termos de garantias de defesa e de exercício do contraditório.
Daí que, no caso concreto, se nos afigure que a previsão da intervenção do tribunal arbitral constante da cláusula inserta no contrato a que os autos aludem não é nula e é vinculativa para o agravante que subscreveu tal contrato.
10. O disposto na primeira parte da alínea h) do Decreto Lei 446/85 de 25 de Outubro carece ainda de uma breve abordagem em ordem a tornar claro que a cláusula 11ª não está ferida de nulidade que a torne inoperante.
Da decisão arbitral cabe, de facto, e salvo se as partes a ele expressamente renunciarem, recurso nos termos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal (judicial) da comarca (artigo 29° da Lei 31/86 de 29 de Agosto).
A possibilidade de renúncia antecipada ao recurso não está prevista unicamente para os tribunais arbitrais já que o artigo 681º nº 1 do Código de Processo Civil a enuncia como princípio geral, condicionando apenas a sua validade ao facto de provir de ambas as partes.
O mesmo não sucede quanto aos litígios resultantes dos contratos sujeitos ao regime das cláusulas contratuais gerais, já que quanto a eles, se afigura proibida a cláusula que exclua ou restrinja o recurso a meios de tutela judicial para as situações litigiosas deles emergentes.
11. Do que vem de ser exposto resulta legítima a interpretação segundo a qual aquilo que a primeira parte da alínea h) do artigo 21º do Decreto Lei 446/85 de 25 de Outubro proíbe é apenas a renúncia antecipada ao recurso para os tribunais judiciais da decisão arbitral que vier a ser proferida se a ele houver lugar nos termos gerais.
12. A cláusula 11ª do contrato celebrado entre as partes contém três segmentos perfeitamente distintos: no primeiro prevê-se a atribuição da competência exclusiva a um tribunal arbitral a constituir para resolução dos conflitos que possam surgir no âmbito do contrato; no segundo esclarecem-se as regras substantivas e adjectivas a que tal tribunal ficará sujeito; no terceiro prevê-se a dispensa de depósito da decisão (cfr artigo 24° da Lei de Arbitragem Voluntária) e a insusceptibilidade de recurso da decisão arbitral.
De todos os elementos da mencionada cláusula apenas a parte relativa à impossibilidade de recurso - para o tribunal judicial - constante no último parágrafo se afigura nula.
13. A natureza dos contratos sujeitos ao regime das cláusulas contratuais gerais não afasta a aplicação da regra relativa à redução dos negócios jurídicos do artigo 292° do Código Civil: “A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada”. Os artigos 13° e 14° do DL 446/85 de 25 de Outubro fazem, de resto, expressa aplicação dessa regra.
14. No caso dos autos o facto de a cláusula 11ª do contrato ser nula na parte em que inviabiliza o recurso da decisão arbitral para o tribunal judicial competente não significa que seja igualmente nula, que não é, a cláusula compromissória através das qual as partes acordaram que os litígios resultantes do contrato fossem submetidos ao julgamento de um tribunal arbitral a constituir.
E, por enquanto, é apenas isso que está em causa, como se salienta na decisão recorrida.
15. Em conclusão:
a) Porque a agravada alegou e demonstrou os factos alusivos à regular e efectiva comunicação do teor das cláusulas do contrato ao autor agravante a decisão, fundamentada, da pertinente matéria de facto observou as regras sobre o ónus da prova que impendia sobre a ré;
b) A cláusula 11ª do contrato de prestação de serviços de corretagem celebrado entre o agravante e a agravada é válida e eficaz no que se refere à atribuição de competência exclusiva a um tribunal arbitral para resolução dos conflitos decorrentes do contrato, sujeitando-o à aplicação da legislação portuguesa e à observância da forma de processo ordinário;
c) A acção intentada pelo autor com vista à condenação da ré no pagamento de indemnização decorrente do não cumprimento do contrato deve ser intentada, como acordado, perante um tribunal arbitral.
d) Porque improcedem as conclusões do presente recurso de agravo a douta decisão que julgou procedente a excepção dilatória prevista no artigo 494º alínea j) do Código de Processo Civil deve ser confirmada.

III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao agravo interposto pelo autor e em confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pelo agravante.

Lisboa, 3 de Março de 2005

Manuel José Aguiar Pereira
Urbano Aquiles Lopes Dias
José Gil de Jesus Roque