Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1701/07-2
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
LEGITIMIDADE
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I A legitimidade das partes pode ser aferida pela relação controvertida, tal como a mesma é configurada pelo Autor (Requerente).
II A defesa da posse, numa situação de perturbação, poderá ser exercida através do procedimento cautelar comum, no caso de se não verificarem as circunstâncias prevenidas no artigo 393º do CPCivil (o esbulho violento), de harmonia com o disposto no artigo 395º do mesmo diploma
(A.P.B.)
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I M V e P(…) R(…), UNIPESSOAL, LDA intentaram procedimento cautelar não especificado contra A D, pedindo a imediata cessação da detenção, a qualquer título, pelo Requerido, da detenção do estabelecimento de restauração denominado P(…) R(…) sito na Avenida (…)na Costa da Caparica, alegando, em síntese ser titular, com a imediata devolução às Requerentes, enquanto titular e exploradora do estabelecimento e a proibição da prática, por aquele mesmo Requerido, de qualquer acto que perturbe a detenção e a exploração do citado estabelecimento pelas Requeridas.

Alegaram para o efeito e em síntese que a primeira Requerente é titular do arrendamento do imóvel, bem como do estabelecimento e única sócia da segunda Requerente, sendo que em Maio de 2006 por doença teve que se afastar da exploração do mesmo aí ficando o Requerido que tinha sido nomeado gerente por aquela, tendo sido acordado entre ambos que posteriormente este ficaria com a exploração do estabelecimento. Contudo, após o tempo pedido pelo requerido de modo a obter financiamento para concretizar o acordado o mesmo não aceitou os contratos que lhe foram propostos tendo mudado a fechadura do referido estabelecimento impedindo o acesso das requerentes ao mesmo. Mais alega que não obstante pagar as rendas e amortização do empréstimo o faz com algum atraso apropriando-se das receitas da segunda requerente.

A final foi proferida decisão a julgar procedente a providência, da qual, inconformado, recorreu o Requerido, apresentando as seguintes conclusões:
- Ao declarar-se que apenas a Requerente M V tem interesse da demanda como arrendatária e ao não se declarar qual o direito da Papa Real a douta sentença recorrida viola o disposto no art° 26° n° 3 do CPC, uma vez que tal como a causa de pedir alegada pelas Requerentes a P(…) R(…) não tem qualquer interesse na demanda, estando a sua posição inquinada de ilegitimidade activa.
- Acresce que mesmo a requerente M V não tem qualquer direito a salvaguardar uma vez que nomeou o Requerido como co-gerente de facto, em Outubro de 2005, não efectuando tal averbamento na Conservatória do Registo Comercial; cedeu a sua parte na gerência, em Maio de 2006, passando este a ser o único gerente, sem se .fixar data para a cessação dessa qualidade e, em violação do contrato, de forma abusiva, em Agosto, esquecendo-se do negócio jurídico celebrado em Maio, revogou a nomeação efectuada em Outubro de 2005, pondo em crise o contrato celebrado em Maio com a interposição e sobretudo com a procedência da presente providência, sito quando teria de alegar e demonstrar que o acordo de Maio não estava a ser cumprido, o que não logrou fazer.
- Efectivamente, a defesa do direito de arrendamento apenas poderia fazer-se demandando a P(…) R(…) e os seus trabalhadores incluídos e a defesa do direito ao trespasse, à cessão de quotas, à cedência de exploração atento o facto de a P(…)R(…)não ser titular do arrendamento apenas com a intervenção do senhorio se poderá efectivar, inexistindo qualquer direito a acautelar pelas Requerentes.
- Mero atraso no pagamento das rendas ou de qualquer outra prestação não gerador de incumprimento do contrato de arrendamento não configura qualquer justo receio, não o podendo configurar a mera alegação desprovida de qualquer (actualidade concreta e demonstrável de que o Requerido contraia obrigações, precisamente ao abrigo do negócio jurídico celebrado em Maio de 2006 que apenas com a douta sentença recorrida o requerido passou a estar impossibilitado de honrar.
- 0 cumprimento da sentença que está a ser levado a cabo pelo Requerido causa isso sim grave e irreparável prejuízo às Requerentes no medida em que continuando a ser trabalhador da P(…) R(…)estai impedido de pagar as rendas e cumprir as demais obrigações, tanto mais que a apesar do tempo decorrido a Requerente M V ainda não se dignou aparecer no estabelecimento para retomar as suas funções de trabalhadora e de gerente da P(…) R(…).
- Se o único direito a acautelar é o arrendamento, o que parece resultar da ausência de indicação na sentença recorrida de qualquer outro direito, então a Requerente M V deveria ter demandado a P(…)R(…) cor recurso à providência prevista no art° 393 ° do CPC.
- Atento o alegado a sentença recorrida viola o disposto nos n° 1, 2 e 3 do art° 381°, bem como o n° 2 do art° 885° e ainda o art° 393°, todos do CPC.

As Requeridas contra alegaram pugnando pela manutenção da decisão recorrida a qual foi sustentada.

II A decisão sob recurso deu como indiciariamente assentes os seguintes factos:
-Por contrato de 28 de Outubro de 2005 a primeira requerente tomou de arrendamento a fracção F, que corresponde ao rés do chão do prédio urbano na Avenida (…), na Costa de Caparica, no qual o pai de seu marido, E P foi o fiador.
- E aí instalou um estabelecimento de restauração, restaurante, café, snack-bar que designou por P(…)R(…).
- Nesse local, inquilinos anteriores tinham exercido actividade de idêntica natureza.
- Em Novembro de 2005, pelo preço de € 35.000,00 (7.500 contos) que pagou logo quase na totalidade, a primeira requerente adquiriu ao inquilino anterior o recheio do último estabelecimento.
- 0 valor referido no número anterior foi emprestado à prime ira requerente pelo pai de seu marido, E P, para adquirir tal recheio e iniciar a actividade, valor que a primeira requerente esperava reembolsar com as receitas do estabelecimento.
- A primeira requerente constituiu a sociedade, segunda requerente P(…) R(…) Unipessoal, Lda. de que é a única sócia e a gerente, manteve a titularidade do estabelecimento e procedeu à sua exploração em nome e através desta sociedade.
- A primeira requerente veio a associar à gestão do estabelecimento pela sociedade o requerido V D, a quem designou gerente da sociedade, embora nunca tivesse procedido ao registo comercial de tal designação.
- Em Maio do corrente ano 2006, a primeira requerente sentiu-se muito cansada e doente, acordou verbalmente com o requerido encarrega-lo da exploração do estabelecimento, em Maio e em Junho, procedendo ao recebimento das receitas e ao pagamento de todas as despesas, designadamente impostos, segurança social, empréstimo, rendas.
- E no final, devendo ou tomar o estabelecimento de trespasse ou cessar a exploração.
- No decurso daquele período, o requerido informou a primeira requerente que tomaria o estabelecimento de trespasse.
- 0 requerido pediu algum tempo à requerente para resolver alguns problemas para obter o financiamento de que carecia.
- A requerente por si e pela sua sociedade não se opôs desde que o requerido ou acordasse ou formalizasse um contrato de locação de exploração do estabelecimento.
- 0 requerido com evasivas, com promessas, com justificações, não realizou o trespasse, nem um contrato promessa de trespasse, nem deixou a administração do estabelecimento, nem locou o estabelecimento.
- 0 requerido tem pago as rendas ao senhorio com algum atraso.
- 0 requerido tem pago a prestação mensal referente à amortização do empréstimo com algum atraso.
- 0 requerido apropria-se das receitas do estabelecimento que não revertem para a segunda requerente, mas são transferidas automaticamente da segunda requerente para o requerido.
- 0 requerido procedeu à mudança das fechaduras do estabelecimento, impossibilitando o livre acesso à requerente em qualquer altura ao estabelecimento.

- Por decisão de 07 de Agosto de 2006, foi revogada a deliberação que conferira ao requerido poderes de gerência da requerente.

- 0 requerido mantém-se no estabelecimento recusando-se entregá-lo às requerentes.

- 0 estabelecimento iniciava a laboração às 10.30 horas e encerrava às 24.00 horas mantendo-se aí o requerido nesse horário.


Insurge-se o Requerido contra a decisão recorrida, uma vez que, na sua tese, não se declarou qual o direito da Papa Real, estando a sua posição inquinada pela ilegitimidade activa.

Vejamos.

Ao contrário do que sustenta o Requerido, ora Agravante, a decisão recorrida conheceu da questão da legitimidade, aferindo o interesse da Requerente/Agravada P(…) R(…), pelo facto de esta ser a sociedade que explora o estabelecimento comercial instalado no local arrendado pela Requerente/Agravada M V, sua única sócia, sua gerente e a qual teria conferido a gerência ao Agravante, o quantum satis nos termos do normativo inserto no artigo 26º, nº3 do CPCivil.

É que, como deflui daquele normativo, a legitimidade das partes afere-se pela relação controvertida, tal como a mesma é configurada pelo Autor (Requerente), de onde, atenta a causa de pedir, se poder concluir, como se concluiu na decisão recorrida, pela legitimidade ad causam da Agravada P(…) R(…).

Pretende ainda o Agravante, por agora em causa o pretenso direito da Requerente/Agravada M V, aventando que a mesma de nada é titular porque lhe conferiu a gerência de facto da Agravada P(…) R(…), tendo o mesmo passado a ser o seu único gerente.

Não se compreende ou mal se compreende esta afirmação.

Se a Agravada M V não é titular de nenhum direito sobre a Agravada P(…) R(…), como é que pode posteriormente retirar ao Agravante os poderes de gerência que lhe havia conferido anteriormente?

É óbvio que tal só foi possível devido à circunstância de ser a sua única sócia e gerente, o que ficou plenamente demonstrado, bem como demonstrado ficou que o Agravante, apesar de lhe terem sido retirados os poderes de gerência que lhe foram conferidos, mantém-se no estabelecimento, recusando-se a entregar o mesmo, mudou as fechaduras e apropria-se das suas receitas, factualidade esta, mais do que suficiente, nos termos do normativo inserto no artigo 381º, nº1 do CPCivil, para consubstanciar o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito das Agravadas.

Por último, o que está em causa na presente providência não é a defesa pelas Requerentes do direito ao arrendamento, mas antes a defesa dos direitos que emergem da exploração de uma sociedade unipessoal que se dedica à restauração e que tem instalado no arrendado o respectivo estabelecimento comercial, é isso que se cura aqui.

E, porque a defesa da posse, numa situação de perturbação, poderá ser defendida através do procedimento cautelar comum, no caso de se não verificarem as circunstâncias prevenidas no artigo 393º do CPCivil (o esbulho violento), de harmonia com o disposto no artigo 395º do mesmo diploma, torna-se evidente que a decisão recorrida bem andou ao deferir a providência.

Improcedem, pois, as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se provimento ao Agravo, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo Agravante

Lisboa, 19 de Abril de 2007

(Ana Paula Boularot)

(Lúcia de Sousa)

(Luciano Farinha Alves)