Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VIEIRA LAMIM | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO DIREITO DE DEFESA AUDIÊNCIA DO ARGUIDO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/19/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEIÇÃO | ||
Sumário: | Não impondo o art. 50.º, ao contrário do que consta do art. 58.º, nº 1, al. b, ambos do RGCO, a necessidade de “descrição dos factos imputados”, só estatuindo a necessidade de “...se ter assegurado ao arguido a possibilidade de ... se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”, a existência de expressões conclusivas nessa notificação, não impede que se considere satisfeito o direito de defesa e audição prevista naquele preceito legal. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
Iº 1. No processo de recurso de contra-ordenação nº3514/05.2TBCLB, do 2º Juízo Tribunal Judicial das Caldas da Rainha, que apreciou o recurso interposto por (A)- HIPERMERCADOS, S.A., da decisão proferida pela Direcção-Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar, que a condenou, por contra-ordenação ao disposto no art.28, nº1, al.a, do Dec. Lei nº560/99, de 18Dez. (rotulagem irregular) e ao disposto no art.58, nº1, al.a, do Dec. Lei nº28/84, de 20Jan. (falta de qualidade da mercadoria), respectivamente, nas coimas de €300 e €400, em cúmulo na coima única de €610, foi proferida decisão judicial, em 29Set.06, julgando improcedente o recurso e mantendo a decisão recorrida.
2. Inconformada com esta decisão judicial, a arguida interpôs recurso, tendo apresentado motivações, das quais extraiu as seguintes conclusões: 2.1 A sentença proferida nos presentes autos, pelo Tribunal a quo encontra-se em oposição com a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, através do Assento nº1/2003 (publicado no Diário da República nº21, I Série, de 25 de Janeiro de 2003), porquanto e para efeitos de imputação da culpa, se satisfez com a mera enunciação de uma deficiente formulação do dolo (a qual, em rigor não caracteriza o dolo, nem a negligência) e entendeu que (nesses termos) não existiu violação dos direitos de audição e defesa conferidos à arguida/recorrente pelos arts.32, nº10, da Constituição da República Portuguesa e 50º do RGCOC, não padecendo a mencionada notificação de qualquer nulidade. 2.2 Tal entendimento representa uma contradição expressa e frontal do disposto no Assento nº1, de 2003, onde se diz: “É relevante para a sua defesa que o arguido conheça os factos que lhe são imputados, incluindo os que respeitam à verificação dos pressupostos da punição e à sua intensidade e ainda a qualquer circunstância relevante para a determinação da sanção aplicável”. E mais adiante explicita: “Se, aliás, a decisão que aplica a coima deve conter esses factos (cf. artigo 58, nº1, do Dec. Lei nº433/82) não se vê como possa ser menor a exigência para o conteúdo da comunicação prévia da imputação destinada a assegurar a defesa, sob pena de se permitir que o arguido seja surpreendido com o teor da decisão da autoridade administrativa”.
3. Admitido o recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o Ministério Público respondeu, concluindo pelo seu não provimento.
4. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto teve vista. 5. No exame preliminar afigurou-se ao relator que ocorria motivo para rejeição do recurso, razão por que os autos foram aos vistos e, em seguida, à conferência. 6. O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas conclusões, reconduz-se à questão de saber se, através da notificação de fls.80/82, foi adequadamente cumprido o direito de audição e defesa do arguido previsto no art.50, do RGCO. * * * É o que decorre, aliás, do nº10, do art.32, da Constituição da República Portuguesa, ao estabelecer “Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”. Como refere o Prof. Jorge Miranda[1], “ significa ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas”. Assim, estabelece o art.50, do RGCO, sob a epígrafe -Direito de audição e defesa do arguido: “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”. Em relação a este preceito, o S.T.J., por acórdão de 16Out.02[2], veio a fixar jurisprudência nos seguintes termos: “Quando, em cumprimento do disposto no art.50, do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe oferecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, na prazo de 10 dias após a notificação, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa”. No caso, na notificação ao arguido, destinada a dar cumprimento a esse direito de audição, além dos factos objectivos e das normas jurídicas violadas, consta “A arguida, na sua actuação agiu com dolo pois, tendo consciência ou obrigação de saber que a prática daqueles factos constituíam infracção, ainda assim não obviou às consequências da mesma e, portanto, conformou-se com a situação”. Reagiu a arguida a essa notificação, invocando a nulidade da mesma por “...apesar de dizer que a arguida agiu com dolo, não o demonstra, nem especifica suficientemente quais os factos que permitiram proceder à imputação subjectiva da infracção à arguida a esse título”. De facto, daquela expressão não consta a descrição integral dos factos que integram o dolo, não dizendo, por exemplo, que a arguida sabia que a mercadoria exposta para venda estava com excesso de maturação e que sabia que a rotulagem dos produtos não estava completa, limitando-se a imputar o dolo de forma conclusiva. Contudo, não impondo o art.50, ao contrário do que consta do art.58, nº1, al.b, ambos do RGCO, a necessidade de “descrição dos factos imputados”, só estatuindo a necessidade de “...se ter assegurado ao arguido a possibilidade de ... se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”, entendemos que a existência de expressões conclusivas nessa notificação, desde que daí não resulte prejuízo para os direitos de defesa, não impede que se considere satisfeito o direito de defesa e audição prevista naquele preceito legal. Do citado Ac. de Fixação de Jurisprudência de 16Out.02, também não decorre, de forma expressa ou implícita, a obrigatoriedade de especificação dos factos concretos em que se traduz o dolo, já que só considera ferida de nulidade a notificação ao arguido que “...não lhe oferecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito...”[3]. Ora, referindo a notificação que a infracção é imputada a título de dolo, ficou a arguida a conhecer todos os aspectos relevantes para uma efectiva defesa, com possibilidade de se pronunciar sobre as sanções em que incorria. Pelo exposto, é evidente que, com a imputação do dolo, embora de forma conclusiva, na notificação efectuada pela autoridade administrativa para os efeitos do art.50, do RGCO, foi assegurado à arguida, de forma adequada, a possibilidade de exercer cabalmente os seus direitos de defesa, razão por que o recurso se apresenta como manifestamente improcedente, o que justifica a sua rejeição em conferência, nos termos dos arts.420, nº1 e 419, nº4, al.a, do CPP. Pelo exposto, os juizes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam em rejeitar o recurso. Condena-se a recorrente em 6UCs de taxa de justiça, a que acresce condenação no pagamento de importância equivalente a 4UCs, nos termos do nº4, do art.420, do CPP. Lisboa, 19/06/07 (Relator: Vieira Lamim) (1º Adjunto: Ricardo Cardoso) (2º Adjunto: Filipa Macedo)
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