Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
211/15.4PVLSB-A.L1-9
Relator: PAULA PENHA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – A decisão de revogação, ou não, da suspensão da execução de uma pena de prisão não é automática. Não basta uma qualquer falta de cumprimento dos deveres ou regras de conduta impostas ao condenado e/ou não basta uma qualquer infracção do plano de reinserção social do condenado e/ou o cometimento de um crime, durante o período de suspensão, pelo qual venha a ser novamente condenado;
É sempre necessário o Tribunal aferir, concretamente, o sucedido durante o período de suspensão de execução, a respectiva razão ou razões para o sucedido – colhendo a respectiva prova actualizada e necessária para o efeito, oficiosamente e/ou promovida pelo Ministério Público e/ou requerida pelo arguido;
E só se houver um incumprimento culposo (com dolo ou negligência) dos deveres ou regras de conduta ou do plano de reinserção e/ou se houver uma infracção grosseira (com dolo ou negligência) ou repetida (reveladora de menosprezo reiterado por dolo ou negligência) dos deveres ou regras de conduta ou plano de reinserção e/ou se houver cometimento de novo crime (doloso ou negligente), durante esse período, pelo qual venha a ser condenado e que revele que a suspensão da execução não foi de molde a cumprir as respectivas finalidades, só então, o Tribunal tomará a respectiva decisão;
E a decisão respectiva tem sempre de assentar em informações actualizadas (reportadas o mais próximo possível do momento da decisão a tomar) e em critérios preventivos reportados ao momento desta apreciação (não ao momento em que o agente cometeu o crime cuja execução da pena ficara suspensa);.
II – Por isso, a tomada de decisão judicial sobre a revogação, ou não, da suspensão da execução de pena de prisão sujeita a regime de prova, pressupõe que, depois de recolhida a respectiva prova, haja a audição do condenado na presença do técnico que fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.
Esta presença (legalmente exigida pela lei penal) acentua a necessidade de ser respeitado o contraditório não só ouvindo o condenado, mas também a pessoa que, tendo apreciado o comportamento do arguido, fez um diagnóstico e um prognóstico (negativo ou positivo) relativamente ao cumprimento dos deveres impostos ao mesmo.
Sendo esta uma forma de garantir que a decisão que venha a ser tomada seja a mais acertada perante cada caso concreto.
III – Não podemos olvidar que, aquando de uma revogação da suspensão da execução de uma pena de prisão, com determinação do cumprimento efectivo desta, está em jogo a liberdade do arguido condenado.
Como tal, a limitação da liberdade humana, mesmo sendo de um arguido condenado, é sempre uma restrição a um direito fundamental desse ser humano e cuja dignidade também merece tutela enquanto direito fundamental de todo e qualquer ser humano.
IV – Neste caso concreto, quando foi designada data para audição do arguido condenado, nem sequer foi equacionada pelo Tribunal a quo a necessidade de audição de técnico da DGRSP que elaborou o relatório junto aos autos.
Por isso,  esta falta constitui uma irregularidade. E a qual, apesar de não ter sido invocada, tempestivamente, pelo arguido (parte a quem a mesma aproveita) – aquando da diligência com a presença deste, só o tendo feito aquando do recurso em apreço –, oficiosamente, este Tribunal ad quem não a considera como sanada.
Isto porque não é uma falta inócua ou irrelevante. Antes pelo contrário, afigura-se-nos que a mesma afectou o valor do respectivo acto praticado pela Exmª Juiz do Tribunal de 1ª instância e o qual põe em causa direitos fundamentais do condenado arguido.
Por isso mesmo, impõe-se a sua reparação, através da repetição dessa diligência e com a obrigatória presença do respectivo técnico de reinserção social.
V – Para além disso, também se reputa como essencial para a boa decisão do caso concreto que tal diligência seja precedida de prévia solicitação, quer de um relatório social actualizado, quer de um relatório clínico actualizado e de quaisquer outras informações e/ou diligências que o mesmo Tribunal venha a considerar como necessárias e que lhe permitirão vir a tomar a decisão mais acertada perante este o caso concreto .
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
No processo nº  211/15.4PVLSB que corre termos no Juízo Local Criminal de Lisboa – J5, em 17/1/2023, foi proferida a seguinte decisão (transcrição):
«Em 30/11/2022 foi realizada diligência de tomada de declarações ao arguido, tendo-lhe sido explicada a razão da mesma, tendo o mesmo adoptado a posição que entendeu, estando acompanhado por Il., Advogado.
A fls. 543 e seguintes o Ministério Público pronunciou-se sobre a pena em que o arguido foi condenado nos presentes autos.
Notificado para se pronunciar, o arguido requereu, a fls. 545 e seguintes, ser novamente designada data para a respectiva inquirição alegando não ter medido bem as consequências do seu silêncio, requerendo que se oficie ao Hospital de Santa Maria solicitando relatório clínico detalhado.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de considerar cumprida a necessidade de audição do arguido.
Cumpre apreciar e decidir.
Determina o artigo 492.º, do Código de Processo Penal, que “1 - A modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostos ao condenado na sentença que tiver decretado a suspensão da execução da prisão é decidida por despacho, depois de recolhida prova das circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento. 2 - O despacho é precedido de parecer do Ministério Público e de audição do condenado, e ainda dos serviços de reinserção social no caso de a suspensão ter sido acompanhada de regime de prova.”
Estatui o artigo 495.º, n.º2, do Código de Processo Penal, que “2 - O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente.”.
O arguido foi condenado, nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 05/01/2017 pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º1, alínea b), ambos do Código Penal, numa pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova e à condição de acompanhamento/tratamento em consulta da especialidade de psiquiatria e/ou psicologia, se possível em sub-especialidade preferencialmente direcionada para o seguimento de perturbações de cariz sexual.
A fls. 439 encontra-se junto relatório final.
Encontra-se junta aos autos decisão final proferida no processo n.º 323/20.2PXLSB- cfr. fls. 519 e seguintes.
Foi designada data para tomada de declarações ao arguido, tendo o mesmo comparecido e estando acompanhado por Il. Advogado- cfr. fls. 542 e seguintes.
Foi explicado ao arguido o propósito da diligência e as consequências relativamente à pena que estava a cumprir, não tendo o arguido suscitado dúvidas sobre a matéria nem tendo sequer pedido para conferenciar com o seu Il. Advogado, o que poderia ter feito.
Tomou, pois, o arguido a posição que entendeu tomar, não se justificando repetir a tomada de declarações já realizada.
Também em face da documentação junta aos autos não se revela pertinente oficiar ao Hospital solicitando o relatório médico requerido.
Pelo exposto, indefere-se a requerida repetição da tomada de declarações ao arguido e bem assim a solicitada diligência de pedido de relatório médico.
 *
O arguido foi condenado, nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 05/01/2017 pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal, numa pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova e à condição de acompanhamento/tratamento em consulta da especialidade de psiquiatria e/ou psicologia, se possível em sub-especialidade preferencialmente direcionada para o seguimento de perturbações de cariz sexual.
A fls. 439 encontra-se junto relatório final que concluiu que durante o período de suspensão da execução da pena o arguido compareceu irregularmente nas entrevistas, demonstrando fraca colaboração com os serviços. Mantém instabilidade familiar e profissional, sendo que na parte final do período de suspensão mantinha as consultas de psicologia com mais regularidade. Como factor negativo é anotada a possibilidade de novo envolvimento com o aparelho judicial.
No processo n.º 323/20.2PXLSB, que corre termos no Juízo Local Criminal de Lisboa-Juiz 11, foi o arguido condenado, por sentença transitada em julgado em 28/09/2022, pela prática, em 08 de Janeiro de 2020, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º1 e 204.º, n.º1, alínea f), ambos do Código Penal, numa pena de 300 dias de multa- cfr. fls. 519 e seguintes.
Foram tomada declarações ao arguido, que entendeu não se pronunciar sobre os factos, tendo-se referido às suas condições sócio-económicas, explicitando que aufere rendimento social de inserção no montante de €189, residindo na rua e beneficiando do apoio da Comunidade Vida e Paz, o que se mostra consonante com o teor de fls. 550.
Mais referiu ter uma namorada e um filho, com 6 anos, que reside com o pai do arguido. Do teor de fls. 547 resulta que o arguido consome canábis com regularidade, tendoreduzido progressivamente o consumo de álcool.
O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
O arguido pronunciou-se a fls. 545 e seguintes.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o disposto no artigo 55.º, do Código Penal, “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal: a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º”
Estatui o artigo 56.º, do Código Penal, que “1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.”.
Nos presentes autos, o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado em 05/01/2017 pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal, numa pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova e à condição de acompanhamento/tratamento em consulta da especialidade de psiquiatria e/ou psicologia, se possível em sub-especialidade preferencialmente direcionada para o seguimento de perturbações de cariz sexual.
A fls. 439 encontra-se junto relatório final que concluiu que durante o período de suspensão da execução da pena o arguido compareceu irregularmente nas entrevistas, demonstrando fraca colaboração com os serviços. Mantém instabilidade familiar e profissional, sendo que na parte final do período de suspensão mantinha as consultas de psicologia com mais regularidade. Como factor negativo é anotada a possibilidade de novo envolvimento com o aparelho judicial.
No processo n.º 323/20.2PXLSB, que corre termos no Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 11, foi o arguido condenado, por sentença transitada em julgado em 28/09/2022, pela prática, em 08 de Janeiro de 2020, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código Penal, numa pena de 300 dias de multa- cfr. fls. 519 e seguintes.
Verificamos, pois, que em pleno período de suspensão de execução da pena de prisão o arguido veio a cometer novo delito tendo adoptado uma conduta de fraca colaboração com a Direcção-Geral de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais quer pela ausência de comparência às entrevistas quer pela irregularidade nas consultas de psicologia, evidenciando que as finalidades da punição que estiveram na base da decisão de suspensão de execução da pena de prisão foram comprometidas.
Em sede de tomada declarações ao arguido, ficou evidente a sua fragilidade social, familiar e económica, sendo que do teor de fls. 547 resulta que o arguido consome canábis com regularidade, tendo reduzido progressivamente o consumo de álcool.
Entende, pois, o tribunal que se mostram comprometidas as finalidades que determinaram a suspensão da execução da pena de prisão, impondo-se a respectiva revogação.
Pelo exposto, revogo a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado o arguido AA e determino o cumprimento da pena de 4 (quatro) anos de prisão.
*
Notifique.»
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Inconformado, o arguido recorreu concluindo a sua motivação do seguinte modo (transcrição):
«I - O tribunal de 1.ª instância notificou o arguido para a tomada de declarações, em audiência realizada em 30.11.2022, previamente à decisão de revogação de suspensão da pena de 4 anos de prisão, com suspensão por igual período, aplicada por sentença transitada em julgado em 05.01.2017.
II – No decorrer da suspensão da pena o arguido cometeu um crime de furto qualificado em 08.01.2020 no processo n.º 323/20.2PXLSB, decisão transitada 13.07.2022.
III - O crime de furto qualificado, julgado no Juízo Criminal de Lisboa – Juiz 11, catalogou um juízo de prognose favorável do arguido, como consta a fls. 17/22:
No que concerne às necessidades de prevenção especial, importa considerar o facto de o arguido possuir antecedentes criminais, por crime de diversa natureza, mas encontra-se social e familiarmente inserido, pelo que, em face ao expendido, entende-se que a aplicação de uma pena não privativa da liberdade realizará de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção geral positiva ou de reafirmação contrafáctica das normas violadas e de prevenção especial positiva de ressocialização.
IV – Na tomada de declarações, sobre os factos, o arguido remeteu-se ao silêncio.
V- O arguido desde jovem sofre de alcoolismo e padece de problemas psiquiátricos, acompanhado mediante regime de prova, ainda que existam algumas oscilações, resulta dos autos que o último relatório social data de 20.01.2021. (ref.ª 28275668).
VI - O recorrente realizou algumas diligências no sentido de juntar aos autos relatórios médicos, nomeadamente do serviço de psiquiatria dos Hospital de Santa Maria, para explicar e justificar o seu débil estado de saúde mental, tendo o pedido sido inferido pelo tribunal a quo.
VII - O médico psiquiatra que acompanha o arguido na Comunidade Vida e Paz emitiu relatório médico e consta que, o arguido tem antecedentes de consumo canábis e álcool, e sofre perturbações da personalidade.
VIII – Forma as desordens emocionais que espectaram na tomada de declarações, não tendo o arguido medido as consequências, devido a prescrição de medicamentos, inibitórios, proibitivos de um efectivo discernimento lúcido.
IX - O arguido arrependeu-se do silêncio, invocou prestar novamente declarações, justificando o pedido perante o tribunal a quo, outorgando declaração para esse efeito, pedido que veio a ser indeferido.
X - A repetição da tomada de declarações podia determinar e justificar as razões que levaram infringimento das regras da sua conduta social, pelo cometimento de um novo crime, no decorrer da suspensão da pena.
XI - O relatório social de 20.01.2021, não cumpre os seus efeitos, quando se trata de modificação dos deveres, e regras de conduta, esclarece o n.º 2 do artigo 492.º do CPP, que o despacho é precedido de audição dos serviços de reinserção social no caso da suspensão ter sido acompanhada de regime de prova.
XII - Decorridos dois anos sobre o último relatório social, se fossem ouvidos os técnicos de reinserção, muito provavelmente a decisão que determinou a revogação da pena suspensa, podia sofrer destino diferente.
XIII – Competia ao tribunal a quo ponderar as condições pessoais do arguido, em ordem a fixar a pena – alínea d) do nº 2 do artigo 71º do CP.
XIV - Os antecedentes criminais do arguido descritos no processo n.º 323/20.2PXLSB, consubstanciam que, as condenações não podem ser duplamente valoradas e diferenciadas para considerarem que o arguido se mantem instável.
XV - Ao ponderar que o arguido se mantém social e familiarmente “instável ”, sem estar suportado no relatório de psiquiatria do Hospital de Santa Maria, e a audição dos técnicos de reinserção social, estamos perante uma clara violação da alínea d) do nº 2 do artigo 71º do C.P.
XVI - A dignidade da pessoa humana impede que a pena ultrapasse a culpa, pelo que tal limite encontra consagração no artigo 40º do CP.
XVII – A privação da liberdade deve ser aplicada em derradeiro recurso.
XVIII - Devem os tribunais sempre que possível socorrer-se de outras medidas não privativas de liberdade, que alcancem a finalidade prevista na lei criminal, e que se mostrem adequadas à ressocialização.
XIX – As medidas instituídas no artigo 55.º do C.P., aludem que, pode haver outras medidas, ainda que severas, dando assim, uma última oportunidade ao arguido, evitando as maleficências do meio carceral.
XX - As medidas adequadas serão mediante quadro legal, aquelas que, apliquem injunções, de forma que, o arguido fique ciente da gravidade dos crimes cometidos, dando-lhe uma nova oportunidade de ressocialização e reintegração.
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Nestes termos, e nos demais de Direito e sempre com o douto suprimento, devem V. Exas., nos poderes conferidos ainda que oficiosos, conceder provimento ao presente Recurso, e em consequência, deverão os Venerandos Juízes revogar o despacho do tribunal a quo que determina a revogação da suspensão da pena de prisão, devendo o arguido beneficiar de nova oportunidade de ressocialização, mediante as injunções não privativas de liberdades, adequadas e suficientes à finalidade da punição. E, assim estamos certos que V. Exas. farão, a necessária e a acostumada JUSTIÇA!»
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Respondeu o Ministério Público em 1ª instância, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, com as seguintes conclusões:
«1ª O presente recurso vem interposto do douto despacho proferido a que procedeu à revogação da suspensão da execução da pena de prisão e determinou o cumprimento efetivo da pena de quatro anos de prisão por parte do arguido.
2ª Nos presentes autos, o arguido foi condenado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 1 e 2 e 177º, n.º 1, alínea b), ambos do Cód. Penal, na pena única de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova, acompanhado pela DGRSP e subordinado à condição de acompanhamento em consulta da especialidade de psiquiatria ou psicologia direcionada para o seguimento de perturbações de cariz sexual.
3ª Foi junto aos autos relatório final de acompanhamento da DGRSP no âmbito do qual se concluiu que o arguido compareceu irregularmente nas entrevistas, demonstrando fraca colaboração com os serviços, mantendo instabilidade familiar e profissional, dizendo-se que, na parte final do período de suspensão frequentou as consultas de psicologia com mais regularidade, referindo-se ainda o novo envolvimento com o aparelho judicial (cfr. fls. 439 e ss.).
4ª O arguido veio a ser condenado no processo n.º 323/20.2PXLSB pela prática, em 8/01/2020, de um crime de furto qualificado, numa pena de 300 dias de multa (cfr. fls. 519 e ss.).
5ª Assim, procedeu-se à audição do arguido que, exercendo direito que lhe assiste, não prestou declarações sobre o teor do relatório da DGRSP e a condenação sofrida, apenas referindo as suas condições sócio-económicas.
6ª Conforme resulta do disposto no artigo 56º do Cód. Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado “infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social”; ou “cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
7ª Como é evidente, a revogação da pena de suspensão não opera automaticamente, dependendo sempre da constatação de que o condenado, ao cometer o novo crime, invalidou de forma definitiva a prognose favorável que fundou a suspensão ou seja, a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência (artigo 56º, alínea b) do Cód. Penal e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 508/13.8PBCTB-A.C1, datado de 28-06-2017).
8ª No caso dos autos, é desde logo de salientar o facto de o arguido não ter respeitado a condição de se submeter a acompanhamento psiquiátrico especializado, comparecendo irregularmente às consultas agendadas (cfr. fls. 192, 401 e 402, 423, 440).
9ª Por outro lado, face ao teor da sentença referente ao processo da nova condenação constante dos autos, constata-se que, o arguido cometeu crime de furto qualificado no decurso da presente suspensão.
10ª Tais elementos tornam inevitável a conclusão de que o juízo de prognose favorável ao recorrente que ditou a suspensão da execução da pena de prisão se mostra afastado, face à frustração da expectativa do seu afastamento da criminalidade.
11ª Acresce que, o arguido revelou alheamento e insensibilidade perante a atuação dos serviços de reinserção social, inviabilizando o cabal acompanhamento da suspensão enquanto se manteve em liberdade.
12ª Finalmente, não se mostra violado o disposto no artigo 495º, n.º 2 do Cód. de Processo Penal, já que, no caso dos autos, foi dada ao arguido a oportunidade de explicar ao Tribunal as razões de incumprimento da condição da suspensão e o cometimento de novo crime, optando aquele por se submeter ao silêncio. Foi-lhe ainda dada a oportunidade de se pronunciar sobre o parecer no sentido de revogação da suspensão, o que fez (cfr. fls. 545 e ss.).
13ª Deste modo, a condenação sofrida ter resultado de factos mais graves cometidos no decurso da suspensão, assim como o desrespeito pelas regras e condições impostas à suspensão, não podem deixar de concluir que as razões que determinaram a suspensão de execução da pena de prisão se mostram colocadas em crise, pelo que, bem andou a Mmª Juiz ao determinar a revogação daquela suspensão.
Nestes termos, Vossas Excelências melhor decidindo, farão a costumada Justiça.»
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O Digno Procurador Geral da República junto deste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de procedência do recurso (em suma):
« Começaremos por dizer que, na esteira do Acórdão da Relação do Porto de 9 de setembro de 2015, proferido no processo n.º 83/10.5PAVNO.E1.C1, se considera também que, não tendo estado presente, na diligência a que alude o n.º 2 do artigo 492.º do Código de Processo Penal, o técnico que fiscalizou o cumprimento das condições da suspensão da execução da pena, o despacho recorrido incorreu na nulidade prevista no artigo 119.º, al. c), do Código de Processo Penal.
 Acresce que, do teor dos diversos relatórios relativos à execução do regime de prova que constam dos autos, já se dava conta de que, a partir de um determinado momento, existia uma reduzida colaboração do arguido na concretização do plano de reinserção homologado por despacho judicial de 26 de abril de 2017.
Efetivamente, se até uma determinada altura se relatava que o arguido revelava sempre uma atitude cooperante com a equipa da DGRSP, mostrando-se consciente da necessidade de cumprir os objetivos inerentes ao regime de prova aplicado, mau grado uma situação profissional precária, com períodos de desemprego e a nível pessoal denotando instabilidade emocional e aguardando a sujeição a acompanhamento psiquiátrico, a partir de certo momento, a sua comparência aos encontros com a equipa de acompanhamento passou a ser irregular, tendo começado a descurar o tratamento psiquiátrico – cf. relatórios de 27 de março de 2019 e 20 de dezembro de 2019 – acrescentando-se, no relatório de 1 de agosto de 2020, que continuava a manter instabilidade familiar, irregularidade a nível profissional e na esfera pessoal denota desequilíbrio emocional, desconhecendo-se o seu atual modo de vida, adotando uma atitude negligente relativamente aos objetivos que lhe foram fixados, continuando a descurar o acompanhamento psiquiátrico.
Dispõe o artigo 55.º, do Código Penal, que, se durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal: a) fazer uma solene advertência; b) exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º.
Ora, não obstante os sucessivos avisos da DGRSP de que o arguido não estava a cumprir cabalmente o referido plano, o tribunal decidiu não lançar mão deste poder-dever de supervisão que lhe assistia, circunstância que necessariamente terá contribuído, em maior ou menor grau, para o insucesso do plano de ressocialização. Assim sendo, não causa surpresa que, do relatório final elaborado pela DGRSP conste o que dele consta.
Afigura-se-nos que esta omissão assumiu, neste caso, particular relevância, porque decorre dos autos à saciedade que o arguido padece de alguma debilidade mental estando a ser seguido em consultas de psiquiatria e beneficiando do acompanhamento de uma ONG de cariz social.
Por tal razão, e antes de ser proferida a decisão de revogação da suspensão da execução da pena, não só os elementos clínicos suscitados pela defesa deveriam ter-se tido por pertinentes, como não seria de descurar, de igual forma, a possibilidade de atender às razões invocadas para o silêncio do arguido durante a diligência de inquirição, ordenando-se a sua repetição.
Nesta conformidade, e por todo o exposto, propugna-se pela procedência do recurso e pela revogação do despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que solicite os elementos clínicos solicitados pela defesa e designe dia para nova inquirição do arguido na presença da técnica de reinserção social que chefiou a equipa de acompanhamento.
Facto que prejudica a apreciação do recurso quanto ao segundo fundamento invocado, ou seja, a condenação do arguido, por decisão transitada em julgado, por crime cometido no período de suspensão da execução da pena.
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Não houve resposta a este parecer.
Após os vistos, realizou-se conferência.
 Cumpre apreciar e decidir – tendo em conta que são as conclusões do recorrente que  delimitam o objeto de recurso (art.º 412º, nº 1, do Código de Processo Penal doravante com a abreviatura CPP), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º, nºs 2 e 3, do CPP).

Questões a decidir
Face às conclusões recursivas, no presente recurso é questionado o seguinte:
1ª questão - O Tribunal recorrido devia ter solicitado relatório actualizado, ter ouvido o técnico social e ter atendido ao pedido do arguido para ser repetida a sua audição?
2ª questão – O Tribunal recorrido devia ter ponderado uma decisão não revogatória?
                   
                                                          
Fundamentação
Importa atentar ao seguinte teor incontroverso constante dos autos principais (aqui dados como reproduzidos na íntegra para os quais se remete, nomeadamente) e com interesse para a decisão do presente recurso:
O arguido (AA) nasceu em 14/07/1993, em Lisboa;
No dia 5/1/2017 transitou em julgado a sentença condenatória do arguido, pela prática (em 2014) de um crime de abuso sexual de crianças agravado (previsto e punível pelos arts. 171º, nºs 1 e 2, e 177º, nº 1, al. b), do Código Penal), na pena de 4 anos de prisão e suspensa por igual período com sujeição:
A regime de prova para cumprimento de um plano individual de reinserção social com vista à reorganização profissional do arguido e identificação de factores de risco de repetição de condutas de cariz sexual; e
A condição de acompanhamento/tratamento psiquiátrico em consulta da especialidade de psiquiatria e/ou psicologia, se possível em subespecialidade preferencialmente direcionada para seguimento de perturbações de cariz sexual;
Em 26/4/2017 foi homologado o plano de reinserção social relativamente ao arguido;
Em 8/1/2020, o arguido praticou, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de furto qualificado e no âmbito do respectivo processo (nº 323/20.2PXLSB do Juízo Local Criminal de Lisboa - J11) o arguido foi condenado, em 13/7/2022, na pena de 300 dias de multa, com taxa diária de €5. Tendo essa sentença transitado em julgado a 28/9/2022;
Em 20/1/2021 foi elaborado um relatório social relativamente ao arguido por parte da técnica da DGRSP;
Em 26/10/2022 foi proferido despacho a designar dia e hora para a tomada de declarações ao arguido face àquele relatório social;
Em 30/11/2022 e com a presença de todas as pessoas convocadas (arguido, defensor oficioso e Ministério Público), a Exmª Juiz realizou essa diligência de audição do condenado e na qual este se remeteu ao silêncio, apesar de lhe ter sido explicada a razão da diligência;
Em 7/12/2022, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da revogação da suspensão da execução da pena aplicada ao condenado;
Em 2/1/2023, o arguido veio requerer a sua nova audição,  juntar um relatório psiquiátrico e pedir a solicitação de um relatório clínico  ao Hospital de Santa Maria;
Em 3/1/2023, o arguido veio requerer a junção de uma declaração emitida pela instituição Comunidade Vida e Paz;
Em 11/1/2023, o Ministério Público promoveu o indeferimento deste requerimento;
–  Em 17/1/2023, a Exmª Juiz proferiu o despacho recorrido.
   
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1ª questão –  O Tribunal recorrido devia ter solicitado relatório actualizado, ter ouvido o técnico social e ter atendido ao pedido do arguido para ser repetida a sua audição?
Sem dúvida que sim.
Salvo o devido respeito pela posição assumida pela Exmª Juiz da 1ª instância e pelo Ministério Público junto da 1ª instância, este Tribunal de recurso considera que a decisão recorrida (ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão de 4 anos em que fora condenado o arguido e ao determinar o cumprimento da pena de prisão efectiva ) descurou o cumprimento de tais diligências essenciais perante um direito fundamental do arguido/condenado.
Conforme resulta da nossa lei processual penal (a partir de 2007), depois de recolhida a respectiva prova, a audição do condenado para efeito de tomada de decisão sobre a revogação, ou não, da suspensão de pena sujeita a regime de prova, tem de ocorrer na presença do técnico que fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão - cfr. o art.º 495º, n° 2, do CPP.
Esta presença, legalmente exigida pela lei penal, acentua a necessidade de ser respeitado o contraditório não só ouvindo o condenado, mas também a pessoa que, tendo apreciado o comportamento do arguido, fez um diagnóstico e um prognóstico (negativo ou positivo) relativamente ao cumprimento dos deveres impostos ao recorrente.
Não podemos olvidar que, aquando de uma revogação da suspensão da execução de uma pena de prisão com determinação do cumprimento efectivo desta, está em jogo a liberdade do arguido condenado.
Como tal, a limitação da liberdade humana, mesmo sendo de um arguido condenado, é sempre uma restrição a um direito fundamental desse ser humano e cuja dignidade também merece tutela enquanto direito fundamental de todo e qualquer ser humano – cfr. os art.ºs 1º, 13º, nº 1,  16º, nº 1, 18º, 20º, 26º e 27º da Constituição da República (doravante com a abreviatura CRP).
Por isso mesmo, a lei penal faz depender tal decisão da observância de tais exigências[quer de elementos de prova, quer da audição do condenado na presença do respectivo técnico] como forma de garantir que seja a decisão mais acertada perante cada caso concreto.

Aliás, conforme resulta da disciplina contida quer no art.º 55º do CP quer no art.º 56º do CP e segundo os ensinamentos de Paulo Pinto de Albuquerque no “Comentário ao Código Penal”, 4ª edição actualizada, págs. 342-346:
 Tal não é automático; Não basta uma qualquer falta de cumprimento dos deveres ou regras de conduta impostas ao condenado e/ou não basta uma qualquer infracção do plano de reinserção social do condenado e/ou o cometimento de um crime, durante o período de suspensão, pelo qual venha a ser novamente condenado;
É sempre necessário o Tribunal aferir, concretamente, o sucedido durante o período de suspensão de execução, a respectiva razão ou razões para o sucedido - colhendo a respectiva prova actualizada e necessária para o efeito, oficiosamente e/ou promovida pelo Ministério Público e/ou requerida pelo arguido;
E só se houver um incumprimento culposo (com dolo ou negligência) dos deveres ou regras de conduta ou do plano de reinserção e/ou se houver uma infracção grosseira (com dolo ou negligência) ou repetida (reveladora de menosprezo reiterado por dolo ou negligência) dos deveres ou regras de conduta ou plano de reinserção e/ou houver cometimento de novo crime (doloso ou negligente), durante esse período, pelo qual venha a ser condenado e que revele que a suspensão da execução não foi de molde a cumprir as respectivas finalidades, só então, o Tribunal tomará a respectiva decisão;
E a decisão respectiva tem sempre de assentar em informações actualizadas (reportadas o mais próximo possível do momento da decisão a tomar) e em critérios preventivos reportados ao momento desta apreciação (não ao momento em que o agente cometeu o crime cuja execução da pena ficara suspensa);
Só como última ratio a decisão deverá ser a de revogação da suspensão nos termos do art.º 56º do CP, isto é, só quando estiverem esgotadas ou se revelarem ineficazes as providências do art.º 55º do CP.   
Ora, voltando ao caso concreto, quando foi designada data para audição do arguido condenado, nem sequer foi equacionada pelo Tribunal a quo a necessidade de audição de técnico da DGRSP que elaborou o relatório junto aos autos.
Por isso,  esta falta constitui uma irregularidade.
E a qual, apesar de não ter sido invocada, tempestivamente, pelo arguido (parte a quem a mesma aproveita) aquando da diligência com a presença deste, em 30/11/2022 (conforme prevê o art.º 123º, nº 1, do CPP)  – só o tendo feito aquando do recurso em apreço –, oficiosamente, este Tribunal ad quem não a considera como sanada.
Isto porque não é uma falta inócua ou irrelevante. Antes pelo contrário, afigura-se-nos que a mesma afectou o valor do respectivo acto praticado pela Exmª Juiz do Tribunal de 1ª instância e o qual põe em causa direitos fundamentais do condenado arguido.
Por isso mesmo e ao abrigo do disposto no art.º 123º, nº 2, do CPP impõe-se a sua reparação, através da repetição dessa diligência e com a obrigatória presença do respectivo técnico de reinserção social.
Para além disso, também reputamos como essencial para a boa decisão do caso concreto que tal diligência seja precedida de:
 » prévia solicitação de um relatório social actualizado (pois o último tem quase 2 anos anteriores à decisão recorrida);
» prévia solicitação de relatório clínico aos serviços de psiquiatria quer do Hospital Pulido Valente quer do Hospital de Santa Maria;
» prévia solicitação de informação actualizada junto da instituição Comunidade Vida e Paz;
» e de quaisquer outras informações e/ou diligências que o mesmo Tribunal venha a considerar como necessárias.

Conforme tão certeiramente referiu no seu parecer o Digno Procurador Geral-Adjunto junto deste Tribunal de recurso:
não obstante os sucessivos avisos da DGRSP de que o arguido não estava a cumprir cabalmente o referido plano, o tribunal decidiu não lançar mão deste poder-dever de supervisão que lhe assistia, circunstância que necessariamente terá contribuído, em maior ou menor grau, para o insucesso do plano de ressocialização. Assim sendo, não causa surpresa que, do relatório final elaborado pela DGRSP conste o que dele consta.
Afigura-se-nos que esta omissão assumiu, neste caso, particular relevância, porque decorre dos autos à saciedade que o arguido padece de alguma debilidade mental estando a ser seguido em consultas de psiquiatria e beneficiando do acompanhamento de uma ONG de cariz social.
Por tal razão, e antes de ser proferida a decisão de revogação da suspensão da execução da pena, não só os elementos clínicos suscitados pela defesa deveriam ter-se tido por pertinentes, como não seria de descurar, de igual forma, a possibilidade de atender às razões invocadas para o silêncio do arguido durante a diligência de inquirição, ordenando-se a sua repetição.”
Não podemos deixar de subscrever estas doutas palavas.
Tendo em conta as circunstâncias do caso concreto [tratando-se de um jovem adulto condenado com historial de problemas psíquicos, cuja suspensão da execução da pena de 4 anos de  prisão, por igual período temporal, ficou sujeita a um regime de prova com plano de reinserção social do arguido durante tal período e subordinada a acompanhamento/tratamento em consulta da especialidade de psiquiatria e/ou psicologia],  o Tribunal a quo devia ter dado relevo ao facto de ele ter repensado sobre a não prestação de declarações e ter vindo requerer nova diligência para o efeito, bem como a junção de relatório médico psiquiátrico e a solicitação de elementos clínicos de psiquiatria ao Hospital de Santa Maria.
O Tribunal recorrido não podia nem devia ter tomado a decisão recorrida (ordenando o cumprimento efectivo da pena de 4 anos de prisão) sem envidar todos os esforços ao seu alcance no sentido de obter todas as informações actualizadas sobre a concreta situação deste arguido condenado. E, só depois disso, solicitar parecer do Ministério Público e ouvir o condenado na presença do respectivo técnico que apoiou e fiscalizou o cumprimento das condições de suspensão. E, só depois de tudo isso, proferir uma decisão – nomeadamente com eventual prorrogação da suspensão da execução dessa pena por mais um ano e/ou com exigências acrescidas no plano de reinserção e/ou com novos deveres ou regras de conduta ou com eventual revogação dessa suspensão (nos termos previstos, respectivamente, pelos arts. 55º ou 56º do CP).
Por conseguinte, revoga-se a decisão recorrida com vista à feitura de todas as sobreditas diligências  – sem as quais não pode ser tomada posição sobre a restante decisão pretendida pelo condenado/recorrente e, por isso, estando prejudicada a apreciação e decisão sobre a sua segunda questão.

Decisão
Em face do exposto decidem os juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:
I –  Anular a decisão de revogação de suspensão da pena aplicada nos presentes autos;
II – Determinar que o Tribunal a quo diligencie pela obtenção de:
de um relatório social actualizado;
de relatório clínico dos serviços de psiquiatria quer do Hospital Pulido Valente quer do Hospital de Santa Maria;
de informação actualizada da instituição Comunidade Vida e Paz;
sem prejuízo de quaisquer outras informações e/ou diligências que o mesmo Tribunal venha a considerar como necessárias;
III – Determinar que o Tribunal a quo designe dia para nova audição do arguido/ condenado e na presença da técnica de reinserção social que chefiou a equipa de acompanhamento.
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Sem tributação.
Notifique.
 (Texto elaborado pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)                                                                       
Lisboa, 29 de Junho  de 2023 
Paula de Sousa Novais Penha
Carlos da Cunha Coutinho
Raquel Correia de Lima