Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10696/2005-4
Relator: ISABEL TAPADINHAS
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I - Se a parte quiser que sejam reapreciados pelo Tribunal da Relação os depoimentos gravados tem de indicar nas conclusões do recurso não só os pontos concretos da matéria de facto que pretende ver modificados mas também os concretos meios de prova que, no seu entender, levam a decisão diversa.
II – As declarações constantes de documentos particulares não impugnados são vinculativas para os seus autores, sendo verdadeiras.
III – No entanto, ainda que quanto à materialidade dessas declarações os documentos sejam inatacáveis, já quanto à veracidade delas não o são e tendo sido produzida prova testemunhal que a poderia afastar, o Tribunal da Relação deixa de ter o poder de alterar a matéria de facto em causa.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório

Henrique … instaurou, em 5 de Junho de 2002, acção emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra Lobbe …, SA, pedindo que se declare a ilicitude do seu despedimento, condenando-se, consequentemente, a ré a pagar ao autor as quantias de € 1.496,39, a título de retribuições vencidas e as vincendas até final, € 8.978,36, a título de indemnização por antiguidade, € 24.514,46, a título de somatório das verbas discriminadas no art. 16° da petição – € 1.496,39, de férias vencidas em 01.01.01 + € 1.496,39, de subsídio de férias respectivo + € 997,60, de férias relativas ao tempo de actividade prestado no ano da cessação do vínculo + € 997,60, de proporcional do subsídio de férias respectivo + € 997,60, de proporcional do subsídio de Natal relativo ao mesmo ano + € 3.366,89 (300.000$00 - 210.000$00 x 7,5 meses), de diferenças salariais entre 01.01.01 e 31.08.01 (não contando com 15 dias de férias gozados em Agosto) + € 13.112,06, de comissões relativas ao período de 01.01.01 a 31.08.01 + € 3.621,14, de despesas de deslocações, pela utilização de viatura própria ao serviço da ré, no período de 01.01.01 a 09.04.01 - descontados os montantes do art. 17° da petição - € 1.571,21, de 15 dias de férias em Agosto de 2001 + o correspondente subsídio de férias + o proporcional do subsídio de Natal -, acrescidas de € 1.856,06, a título de juros de mora vencidos e os vincendos até efectivo pagamento do devido.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, o seguinte:
- de 01.09.96 a 31.08.01, o autor trabalhou sob as ordens direcção e fiscalização da ré, prestando a actividade profissional de delegado comercial, mediante a retribuição mensal de, inicialmente, 125.000$00 e, ultimamente, de 300.000$00, acrescida de comissões de 5% sobre as vendas mensais efectuadas, prémio ajudas de custo e despesas de deslocações variáveis, isto apesar de constar do contrato e recibos juntos como docs. 1 a 4 quantia inferior à convencionada, tanto no que concerne à retribuição base, quanto à percentagem das comissões;
- sempre recebeu ordens, orientações e directrizes do administrador Rui Oliveira e as suas condições contratuais não sofreram alteração substancial no decurso da relação laboral, tanto mais que, as tarefas que sempre lhe couberam no âmbito da sua actividade profissional se reconduziram inalteravelmente à venda de serviços de gestão de resíduos industrias, a potenciais clientes do sector industrial espalhados pelo país;
- tais serviços de gestão eram fornecidos pela ré -constituindo o seu objecto social - e o autor procedia a essa actividade no interesse, por conta, em nome e sob a autoridade e direcção da ré;
- logo, estamos em presença de um típico contrato de trabalho subordinado e não de prestação de serviços, como formalmente - mas não material e objectivamente - parece resultar do doc. 5 a 5-D, o qual, nesta medida e perspectiva, se impugna para todos os legais efeitos;
- impugna-se, igualmente, a estipulação do prazo do período experimental (180 dias), constante do doc. 2 (cláusula segunda), pois, há muito estava ultrapassado (e aliás, desde a data da celebração e entrada em vigor do contrato até final decorreram 184 dias), sendo certo que, as tarefas desempenhadas não revestiam um grau de complexidade técnica e responsabilidade tal, que obrigasse a um prazo tão dilatado para aquilatar da aptidão do demandante para o seu exercício;
- no dia 31.08.01, os administradores Rui Oliveira e Vítor Carmona comunicaram-lhe que ou aceitava sua requalificação como “comissionista” ou “se ia embora”;
- como o autor recusou, foi, desde logo, despedido verbalmente, cessando, a partir daquele dia a relação laboral;
- emitiram então a declaração que junta como doc. 6, da qual consta como motivo de cessação a inadaptação ao posto de trabalho por redução do volume de serviço;
- tal motivo não se compagina com realidade dos factos e, além do mais, não existia motivo bastante para fazer cessar o contrato, não foram cumpridos os requistos do art. 3º do Decreto- Lei nº 400/91 de 16 de Outubro e as comunicações escritas a que se reportam os arts. 4° a 6° do mesmo diploma;
- assim, por não ter sido precedido de motivo integrador de justa causa ou prévia elaboração de processo disciplinar e pelas razões apontadas, o despedimento efectuado é ilícito, o que confere ao autor direito a perceber as retribuições que se vencerem desde 30 dias antes da propositura da presente acção até à data da sentença, perfazendo as vencidas € 1.496,39, bem como ao pagamento de uma indemnização por antiguidade no montante, para já, de € 8.978,36, em detrimento da reintegração;
- na data da cessação, encontravam-se vencidas as seguintes prestações pecuniárias: € 1.496,39, a título de férias vencidas em 01.01.01, € 1.496,39, a título de subsídio de férias respectivo, € 997,60, a título de proporcional de férias relativas ao tempo de actividade prestado no ano da cessação do vínculo (2001), € 997,60, a título de proporcional do subsídio de férias respectivo, € 997,60, a título de proporcional do subsídio de Natal relativo ao mesmo, € 3.366,89 (300.000$00 - 210.000$00 x 7,5 meses), a título de diferenças salariais entre 01.01.01 e 31.8.01 (não contando com 15 dias de férias gozados em Agosto), € 13.112,06, a título de comissões relativas ao período de 01.01.01 a 31.08.01, € 3.621,14, a título de despesas de deslocações, pela utilização de viatura própria ao serviço da ré, no período de 01.01.01 a 09.04.01, conforme teor do doc. 7 a 7-C, aqui dado por integralmente reproduzido;
- a estas quantias que totalizam € 26.085,67 há que deduzir a quantia de € 1.571,21 (315.000$00) correspondente a 15 dias de férias que gozou em Agosto de 2001, que lhe foram pagas na medida de 105.000$00, com o correspondente subsídio de férias de 105.000$00 e ainda proporcional do subsídio de Natal de 105.000$00, pelo que reclama a diferença de € 24.514,46;
- sobre as quantias em dívida incidem juros de mora, à taxa legal, desde a data do seu vencimento até à data do seu integral reembolso, totalizando os vencidos € 1.856,06.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da ré para contestar, o que ela fez, concluindo pela improcedência da acção, com a condenação do autor como litigante de má fé, em multa e na indemnização de € 1.500,00 a favor da ré.
Para tal, alegou, resumidamente, o seguinte:
- é falso tudo o que o autor alega na sua petição inicial, salvo no que respeita à existência do contrato de trabalho e do aditamento juntos aos autos como docs 1 e 2 bem como do contrato de prestação de serviços junto como doc. 5;
- de Setembro de 1999 a Março de 2001, o autor apenas prestou serviços à ré nos termos e por força do contrato de prestação de serviços ajuizado, sendo que nesse período nunca esteve sob as ordens, direcção e fiscalização da ré pois o autor sempre agiu com total independência, ficando ao seu critério a escolha e coordenação dos meios que entendesse mais adequados à produção do resultado, sendo de sua propriedade os instrumentos, equipamentos e todos os meios utilizados nessa actividade e sendo de sua exclusiva responsabilidade o risco e o pagamento dos custos da sua actividade;
- à ré apenas interessava o resultado final dos serviços prestados, isto é, a prestação de serviços na área dos resíduos industriais perigosos aos clientes angariados, efectuando o pagamento ao autor das comissões de acordo com a facturação dos serviços prestados aos clientes angariados e não em face do tempo gasto pelo autor ou do custo dos meios, humanos e materiais, utilizados na actividade de angariação, não existindo subordinação jurídica ou económica no sentido da que existe no contrato de trabalho;
- o autor era livre de angariar, ou não, clientes, tendo como única consequência, em caso de não angariação, o não recebimento das comissões por não existir facturação de serviços, mas não existindo qualquer sancionamento pelo facto de não executar a angariação de novos serviços e/ou clientes para a ré;
- o autor não estava sujeito nem ao regime de férias nem ao regime de faltas, bem como não estava sujeito ao poder disciplinar da ré e também não estava pessoalmente obrigado a qualquer período pré-fixado de trabalho diário, semanal ou mensal, ou a qualquer horário de trabalho, ao contrário do que acontecia com as pessoas que com a ré tinham vínculo laboral e do que também aconteceu com o próprio autor após a celebração do contrato de trabalho em 1 de Março de 2001;
- só com a celebração do contrato sem termo em 1 de Março de 2001 é que entre o autor e a ré se estabeleceu um vínculo laboral tendo em vista o exercício, pelo autor das funções e actividade de delegado comercial da ré e dada a importância e responsabilidade das funções e, de modo especial, o facto de a ré ter receio e desconhecer se o autor se adaptaria e como se comportaria ao passar de uma actividade liberal - em que ele próprio, sem controle de ninguém, decidia como, quando e em que condições eram executadas as suas tarefas – para regime de trabalho subordinado, com grande responsabilidade a nível interno e externo e em que teria que cumprir horários e executar as suas tarefas segundo as ordens e instruções da entidade patronal, foi acordado, no interesse das duas partes, que o regime experimental seria de 180 dias;
- mas mesmo que assim não fosse - o que se admite sem conceder e para facilidade de raciocínio - nada impedia que entre as partes se fixasse esse período de 180 dias, ou até outro mais longo, atento o facto de o princípio geral da liberdade contratual também aqui vigorar, pois os normativos legais que fixam os prazos do período experimental são meramente supletivos e não imperativos;
- os termos e condições do vínculo laboral, designadamente quanto à remuneração, local, condições e horário de trabalho eram as que constam do contrato, sendo falso o que em contrário ou diferente se alega na petição;
- é falso que o termo do contrato tenha ocorrido para além do período experimental de 180 dias;
- no dia 22 de Agosto de 2001 o autor reuniu-se com o Sr. Vítor Carmona e com o Sr. Rui Oliveira no sentido de fazerem o balanço da actividade desenvolvida pelo autor desde Março de 2001, tendo-se concluído que a actuação do autor no regime de vínculo laboral tinha sido um desastre e de tal modo insatisfatória que não permitia que a ré pudesse confiar na capacidade e responsabilidade do autor no desempenho das suas funções como empregado, pois os resultados obtidos tinham sido nulos, não tinha conseguido promover a actividade da ré junto de clientes novos nem tinha conseguido aumentar a facturação, tendo todos os intervenientes concluído, inclusive o próprio autor. que a experiência como empregado da ré não tinha resultado, nem poderia resultar no futuro e que a única solução seria a de dar o contrato de trabalho por terminado de imediato, mormente porque ainda se estava no período experimental e nem sequer seria necessário alegar a existência de justa causa (o que se revelaria desprestigiante para o autor e o podia vir a prejudicar);
- por essa razão e nesse exacto momento, por acordo de todos os intervenientes, pôs-se termo ao contrato de trabalho ajuizado isto sem prejuízo da ré ter manifestado a sua disponibilidade para aceitar a colaboração do autor no regime de prestação de serviços;
- no final da reunião e a confirmar a concretização da cessação do contrato de trabalho nos termos acordados, a ré emitiu e o autor recebeu logo um cheque de 100 contos, por conta dos créditos a que tinha direito e que melhor constam discriminados no recibo que como doc. 4 foi junto com a petição inicial, para logo de seguida retirar os seus pertences pessoais da sua secretária, devolver as coisas que eram da ré e abandonar o seu local de trabalho;
- na reunião também ficou acordado que a ré ia apurar as contas finais e preparar o recibo de quitação e o demais expediente habitual nos termos de contratos, designadamente a declaração para efeitos da Segurança Social e que o autor, no final do mês, passaria para assinar os recibos e receber o saldo que se apurasse a seu favor bem como a declaração da situação de desempregado;
- aconteceu que o autor, contra o que tinha ficado acordado, só no dia 3 de Setembro, uma 2a feira, é que passou pelas instalações da ré tendo nessa data levado o cheque do valor ainda em falta, assinado os recibo de quitação e levado a declaração da situação de desempregado e foi nessa data que lhe foi pago o saldo ainda em dívida das remunerações a que tinha direito pelo termo do contrato e que eram do valor global de 399.990$00 (€ 1.995,14), apenas tendo ficado por regularizar o pagamento das comissões, pois não tinha sido possível contabilizá-las;
- as comissões foram processadas no dia 6 e Setembro e do valor global de 127.797$00, valor que desde então está à disposição do autor mas que este, apesar de avisado para tal, ainda não veio receber, mais nenhuma quantia sendo devida ao autor a título de comissões, pois todas as anteriores já lhe tinham sido pagas;
- a declaração da situação de desemprego quando foi assinada pela ré era do teor da fotocópia junta como doc. 6, o único documento que existe nos arquivos da ré, verificando-se que, já depois disso, em condições e por razões que a ré desconhece e repudia, foram aditadas referências que não só não foram ordenadas pela ré como não correspondem à verdade;
- logo após o termo do contrato de trabalho ajuizado, o autor passou a exercer a actividade da gestão de resíduos, passando, nessa actividade, a auferir rendimentos não inferiores aos que auferiu enquanto trabalhador da ré e que até foram aumentados quando nessa mesma actividade aplicou o subsídio que obteve do Fundo de Desemprego;
- atenta a realidade dos factos, o autor litiga com manifesta e despudorada má fé, pelo que se impõe a sua condenação em multa e indemnização a favor da ré, devendo esta ser fixada em valor não inferior a € 1.500,00.
Na resposta o autor afirmou não ter assinado o recibo junto com a contestação como doc. 4. impugnando o respectivo teor e pronunciou-se pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má fé, concluindo como na petição inicial.
A fls. 55 foram proferidos, entre outros, um despacho em que se declarou não haver lugar à realização de audiência preliminar e um outro em que se dispensou a fixação da base instrutória.
Instruída e julgada a causa foi ditada para a acta sentença cuja parte dispositiva se transcreve:
Sendo assim e em conclusão, julga--se parcialmente procedente por parcialmente provada, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum laboral, com o número 180/2002, que o Autor HENRIQUE … propôs contra a Ré LOBBE…, SA, decidindo-se, em síntese, o seguinte:
A - Reconhecer a relação estabelecida com a Ré, entre 1/1/2001 e 31/8/2001, como sendo um autêntico e genuíno contrato de trabalho;
B - Declarar a ilicitude do despedimento, com efeitos a partir de 31/8/2001, de que o Autor foi alvo por parte da Ré;
C - Condenar a Ré a pagar ao Autor uma indemnização, calculada nos termos do artigo 13.° do Decreto-Lei n.° 64-A/89 de 27/02, no montante de Esc. 1.000.000$00/Euros 4.987,98, acrescida de juros de mora à taxa legal de 7% até 30/4/2003 e de 4%, a partir de 1/5/2003, desde a data da citação até ao seu integral pagamento;
D - Condenar a Ré a pagar ao Autor o montante de Esc. 39.833$30/Euros 198,69, a título de diferença dos proporcionais do subsídio de Natal referentes ao ano de 2001, acrescida de juros de mora à taxa legal de 7% até 30/4/2003 e de 4%, a partir de 1/5/2003, desde 4/9/2001 até ao seu integral pagamento;
E - Condenar a Ré a pagar ao Autor o montante de Esc. 127.797$00/Euros 637,45, a título de comissões;
F - Condenar a Ré a pagar ao Autor o montante que vier a ser apurado em liquidação em execução de sentença e que resultar da dedução dos rendimentos auferidos pelo Autor, no âmbito da sua actividade por conta própria, entre 5/5/2002 e a presente data, sobre a importância de Esc. 8.225.476$00/Euros 41.028,50, devida a título das retribuições fixas líquidas vencidas (aí se incluindo as férias, subsídio de férias e subsídio de Natal) entre 5/5/2002 e a presente data, acrescido de juros de mora à taxa legal de 7% até 30/4/2003 e de 4%, a partir de 1/5/2003, desde a data da citação até ao seu integral pagamento;
G - Condenar a Ré a pagar ao Autor o valor médio das comissões que normalmente teria auferido se tivesse continuado a trabalhar para a Ré, entre 5/5/2002 e a presente data, e que deverão ser consideradas para efeitos de retribuição mensal, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, radicando-se tal cálculo naquelas relativas ao período de 1/1/2001 a 31/8/2001, relegando-se o mesmo para liquidação em execução de sentença;
H - Nos termos e para os efeitos do artigo 13.°, número 2, alínea b) do Decreto-Lei n.° 64-A/89 de 27/02, deverão ser igualmente deduzidos aos montantes referenciados na alínea anterior, os rendimentos auferidos pelo Autor, no âmbito da sua actividade por conta própria, entre 5/5/2002 e a presente data, que vierem a ser apurados em sede de liquidação em execução de sentença;
I - Às prestações a que se refere a alínea G), acrescerão os juros de mora à taxa legal de 7% até 30/4/2003 e de 4%, a partir de 1/5/2003, desde a data da citação até ao seu integral pagamento;
J - Condenar a Ré a pagar ao Autor o montante que vier a ser apurado em sede de liquidação em execução de sentença, a título de despesas de deslocações, pela utilização de viatura própria ao serviço da Ré, no período de 1/1/2001 e 9/4/2001, vencendo-se juros de mora, à taxa legal, desde a data da sua quantificação até ao seu efectivo pagamento.
*
Custas a cargo do Autor e da Ré, na proporção do decaimento, fixando-se o mesmo em 1/3 e 2/3, respectivamente - artigo 446.°, número 1 do Código de Processo Civil.
Na sentença fixou-se o valor da acção em € 74.382,18.
Inconformada, a ré veio interpor recurso de apelação dessa decisão, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
a)- Foi desprezada, salvo o devido respeito, a prova documental materializada no contrato de prestação de serviços celebrado em 1 de Setembro de 1999 e junto com a petição inicial como doc. 5, bem como no contrato de trabalho sem termo celebrado em 1 de Março de 2001 e junto com a petição inicial como doc. 2, tanto mais que a prova testemunhal que abordou tal matéria se limitou a afirmações vagas que não tinham, nem poderiam ter, o poder de infirmar o que de tais documentos resultava;
b) - O Meritíssimo Juiz “a quo”, fazendo, salvo o devido respeito, mau uso do poder da livre apreciação das provas consagrado no art° 655° do Cod. Proc. Civil, não só desvalorizou a prova documental como sobrevalorizou a prova testemunhal;
c) - Ao decidir como decidiu o Meritíssimo Juiz “a quo”, para além da violação dos princípios gerais de direito e de outros normativos legais, a suprir doutamente, não só fez indevido uso do princípio da livre apreciação das provas, consagrado no n.° 1 do art.° 655° do Cód. Proc. Civil, como violou, por erro de aplicação e interpretação, o art.° 55° do Dec. Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro, ainda aplicável ao caso dos autos, bem como o art.° 352° do Cód. Civil e os art.°s 490° e 563° do Cód. Proc. Civil.
NESTES TERMOS
e nos mais e melhores de direito, (...), deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente e provado e, em consequência, alterar-se a matéria de facto dada como fixada, no uso dos poderes conferidos pelo art.° 712° do Cód. Proc. Civil, dando-se como provado que entre o A. e a R. apenas existiu o vínculo laboral materializado no contrato escrito celebrado em 1 de Março de 2001, e, em conformidade, julgar-se o pedido do Apelado integralmente improcedente porque, no respeito do contrato e dos normativos legais que disciplinam o período experimental, à Ré, ora Apelante, era legítimo por fim ao vinculo laboral sem necessidade de invocar a existência de justa causa por se estar, ainda, no decurso do período experimental (...).
O autor na sua contra-alegação pugnou pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, e assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3a ed., pág. 148).
No caso em apreço, verifica-se que não existem questões que importe conhecer oficiosamente.
As questões colocadas no recurso delimitado pelas respectivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 684º, nº 3, 690º, nº 1 e 713º, nº 2 do Cód. Proc. Civil – são as seguintes:
saber se a matéria de facto que vem fixada da 1ª instância deve ser alterada, dando-se como provado que entre o apelado e a apelante apenas existiu o vínculo laboral materializado no contrato escrito celebrado em 1 de Março de 2001 e, na afirmativa;
saber se à apelante era legítimo pôr fim ao vínculo laboral sem necessidade de invocar a existência de justa causa por se estar, ainda, no decurso do período experimental.
Fundamentação de facto
A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
1) A ré dedica-se à prestação de serviços de gestão de resíduos industriais;
2) O autor, de 1 de Setembro de 1996 a data indeterminada de Setembro de 1998, desempenhou funções para a ré, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante o recebimento de uma contrapartida pecuniária mensal de montante não apurado, tendo cessado, por sua livre iniciativa, a referida relação profissional, dado que preferiu passar a prestar serviços para a ré nos moldes descritos nas alíneas 3) a 8);
3) O autor, de data indeterminada de Setembro de 1998 – cf. fls. 166 em que se refere que este facto foi objecto de confissão, no depoimento de parte prestado pelo autor - até meados de Dezembro de 2000, passou a trabalhar por conta própria, sempre agindo com total independência, ficando ao seu critério a escolha e coordenação dos meios que entendesse mais adequados à produção do resultado, sendo de sua propriedade os instrumentos, equipamentos e todos os meios utilizados nessa actividade e de sua exclusiva responsabilidade o risco e o pagamento dos custos da mesma;
4) A ré, durante esse período de tempo a que alude a alínea anterior, apenas interessava o resultado final dos serviços prestados, efectuando o pagamento ao autor das comissões de acordo com a facturação aos clientes angariados e não em face do tempo gasto pelo autor ou do custo dos meios, humanos e materiais, utilizados na actividade de angariação;
5) O autor era livre de angariar, ou não, clientes, tendo como única consequência, em caso de não angariação, o não recebimento das comissões por não existir facturação de serviços, mas não existindo qualquer sancionamento pelo facto de não executar a angariação de novos serviços e/ou clientes para a ré;
6) O autor não estava sujeito a qualquer período pré-fixado de trabalho diário, semanal ou mensal, ou a qualquer horário de trabalho, bem como ao regime de férias, faltas e ao poder disciplinar da ré;
7) A ré, durante o período referido na alínea 3), apenas fornecia ao autor, para um mais eficaz desenvolvimento das suas funções, cartões de visita e telemóvel;
8) O autor e a ré celebraram, com a data de 1 de Setembro de 1999, o acordo constante do documento junto, como n° 5, a fls. 13 a 17 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, denominado “Contrato de Prestação de Serviços”, através do qual o primeiro se comprometeu a prestar à primeira, em regime livre, mas com exclusividade e obrigação de sigilo, serviços como profissional por conta própria, compreendendo a angariação de clientes na área dos Resíduos Industriais Perigosos, e contra o recebimento de honorários, comissões e rapéis, correndo por conta do autor todas as despesas que ele houvesse de efectuar no desempenho de tais funções;
9) O autor, numa reunião havida no dia 12 de Dezembro de 2000, nas instalações da ré, com toda a equipa comercial da empresa e com o seu novo Director Comercial, ao verificar que outros vendedores tinham percentagens comissionais superiores às suas e que reclamavam para si os seus clientes habituais, apresentou, nesse momento e de imediato, a sua demissão como comissionista, retirando-se, de seguida;
10) A administração da ré, tendo tomado conhecimento de tal atitude, por parte do autor, chamou-o às instalações da empresa, cerca de uma semana depois, e aí acordou com ele que o autor iria passar a desempenhar funções para a ré, pelo menos, nos moldes e condições que se acham descritas na alínea seguinte, comprometendo-se a exarar por escrito tal acordo verbal, o que, ao contrário do prometido, foi protelando e adiando, até à assinatura do documento referenciado na alínea 15);
11) O autor, pelo menos a partir de 1 de Janeiro de 2001 e até 31 de Agosto de 2001, voltou a desempenhar funções para a ré, como delegado comercial, por conta e sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante o recebimento de uma contrapartida pecuniária mensal líquida no montante, pelo menos, de 200.000$00, acrescida de comissões à taxa de 1,5% sobre o valor das vendas realizadas, sem IVA;
12) As ordens, orientações e directrizes a que se alude na alínea anterior eram transmitidas ao autor pelos Srs. Vítor Carmona, Rui Oliveira e pelo Director Comercial Luís Manuel de Almeida Vidal, entre Janeiro e Maio de 2001, altura em que este último deixou de estar ao serviço da ré;
13) As funções a que se refere a alínea 11) eram desenvolvidas, em regime de exclusividade e com sujeição a sigilo, com os materiais e equipamento pertencentes à ré, nas instalações desta última ou nos locais para onde se tivesse deslocar por motivo daquelas (clientes) e mediante um horário e período normais de trabalho, havendo regularmente reuniões de trabalho;
14) O autor, com a data de 20 de Fevereiro de 2001, subscreveu o documento junto, como n° 1, a fls. 7 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, denominado “Aditamento de contrato para utilização de telemóvel”, através do qual lhe era cedido pela ré, ”para melhor coordenação e rentabilidade do serviço”, um telemóvel, fazendo-se referência, na cláusula Segunda, a um “contrato para utilização de telemóvel, celebrado em 21/01/2001”;
15) O autor e a ré, com a data de 1 de Março de 2001, assinaram o documento cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, denominado “Contrato de trabalho sem termo”, junto, como n° 2, a fls. 8 a 10 dos autos, através do qual o primeiro se comprometeu a trabalhar, em regime de exclusividade, por tempo completo e indeterminado, com um período experimental de 180 dias, por conta, a favor e sob as ordens e direcção da segunda, com as funções de delegado comercial, contra o recebimento da retribuição mensal líquida de 200.000$00, acrescida de comissões à taxa de 1,5% sobre o valor das vendas realizadas, sem IVA;
16) O autor, entre 1 de Janeiro de 2001 e 9 de Abril de 2001, para desempenho das funções acordadas com a ré, circulou com a sua própria viatura, suportando as correspondentes despesas, tendo a partir do segundo momento indicado, passado a transitar, para aquele mesmo efeito, com um veículo pertencente à ré;
17) As funções ou os serviços que o autor desempenhou para a ré entre 1 de Setembro de 1996 e 31 de Agosto de 2001, independentemente da relação profissional que estabeleceu com aquela, sempre se traduziram na venda de serviços de gestão de resíduos industriais a potenciais clientes do sector industrial, em todo o território nacional;
18) O autor gozou 15 dias de férias durante o mês de Agosto de 2001, tendo recebido a título de contrapartida pecuniária por tal gozo o montante de 105.000$00, bem como o correspondente subsídio de férias, no valor de 105.000$00;
19) No dia 22 de Agosto de 2001, o autor teve uma reunião com os Srs. Vítor Carmona e Rui Oliveira, administradores da ré, onde foi abordada a insatisfação da ré relativamente à prestação funcional do primeiro, tendo ficado combinada uma segunda reunião, após o termo do gozo de férias por parte do mesmo, tendo, nessa altura e a seu pedido, por motivos pessoais, sido emitido o cheque, no montante de 100.000$00, junto como doc. n° 1, a fls. 41 dos autos;
20) No dia 30 de Agosto de 2001, o autor e os Srs. Vítor Carmona e Rui Oliveira, administradores da ré, tiveram uma nova reunião, onde lhe transmitiram a sua intenção de pôr termo, a partir de 31 de Agosto de 2001, à relação profissional que mantinham, por estarem insatisfeitos com a sua integração na equipa de vendas, com o respeito das regras impostas pela empresa e com a sua prestação funcional, nesse quadro específico, propondo-lhe, em alternativa, uma colaboração nos moldes que se acham descritos nas alíneas 3) a 8);
21) O autor não aceitou voltar a prestar serviço para a ré nos moldes propostos (alíneas 3) a 8) e face à reiteração da intenção daquela no sentido da cessação da relação profissional existente a partir do dia 31 de Agosto de 2001 (“É pá, se não queres, vais-te embora!”), limitou-se a afirmar “OK, então, vou-me embora!”;
22) Os administradores da ré, fundando-se no acordo escrito mencionado na alínea 15), estavam convencidos de que podiam provocar, por sua iniciativa e sem quaisquer consequências para a empresa, a relação estabelecida com o autor, por ainda estar a decorrer o período experimental de 180 dias fixado no mesmo;
23) No final da reunião, a ré emitiu e o autor recebeu logo um cheque de 99.990$00 (doc. 2, junto a fls. 42) por conta dos créditos a que tinha direito;
24) Na reunião também foi referido que a ré ia apurar as contas finais e preparar o recibo de quitação e o demais expediente habitual, designadamente a declaração para efeitos da Segurança Social;
25) O autor, no dia 3 de Setembro, uma 2a feira, passou pelas instalações da ré, tendo nessa data levado o cheque no valor de 399.990$00, correspondente às prestações que lhe eram devidas em virtude do termo da relação profissional com a ré (vencimento, prémio de rendimento, subsídio de férias e proporcionais do subsídio de Natal), assinado o recibo de fls. 45 (doc. 5, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) e levado a declaração da situação de desempregado, que se mostra junta a fls. 46 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
26) Nessa data, ficou por regularizar o pagamento de comissões, pois não tinha sido ainda possível contabilizá-las;
27) Comissões que foram processadas no dia 6 de Setembro e no valor global de 127.797$00, importância que ainda não foi liquidada ao autor, por este se ter escusado a recebê-la;
28) O autor, tendo-se deslocado aos serviços da Segurança Social, com vista a desencadear o processo de recebimento do subsídio de desemprego, foi avisado de que a Declaração a que alude a alínea 25), nos exactos termos em que se encontrava elaborada, não lhe permitia reclamar aquela prestação social, pelo que o autor se deslocou às instalações da ré, com vista a que tal documento fosse preenchido de acordo com as indicações recebidas nos serviços da Segurança Social, o que veio a acontecer, tendo um colaborador da ré aditado a declaração final (Motivo da cessação) que consta do documento junto pelo autor a fls. 18 dos autos;
29) O autor, pelo menos desde 1 Abril de 2002, exerce a actividade da gestão de resíduos, sob a denominação comercial de “Henrido”, auferindo rendimentos não apurados na sequência de tal actividade.
Fundamentação de direito
Quanto à 1ª questão
À modificabilidade da decisão de facto refere-se, na parte que ora interessa, o nº 1 do art. 712º do Cód. Proc. Civil, que dispõe o seguinte:
1 - A decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690-A a decisão com base neles proferida.
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se a recorrente apresentar documento novo superveniente e que por isso, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Resulta, por seu turno, do preceituado no art. 655º do Cód. Proc. Civil que o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para existência ou prova de facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
O princípio da livre apreciação das provas só cede, pois, perante situações de prova legal que fundamentalmente se verificam nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais ou judiciais.
Como vimos uma das situações em que a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação é a que se verifica quando, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, como aconteceu no nosso caso, a decisão proferida com base nesses depoimento tiver sido impugnada, nos termos do art. 690°-A do Cód. Proc. Civil.
Nos termos do nº 1 desse art. 690°-A, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Por sua vez, no n° 2 daquele artigo estabelece-se:
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do n°2 do artigo 522º-C.
Segundo o nº 2 do art. 522º-C quando haja lugar a registo áudio (...), deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.
No casos em que houve gravação dos depoimentos prestados, incumbe, por conseguinte, ao recorrente relativamente ao pedido de reapreciação da matéria de facto:
- circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso indicando claramente qual a parcela ou segmento o “ponto” ou “pontos” da matéria de facto da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento;
- fundamentar as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios, constantes de auto, ou de documento incorporado no processo, ou de registo ou gravação nele realizada, que, no entender do recorrente, impõem decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados.
- e, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n° 2 do artigo 522°-C.
A reapreciação da prova é, pois, meramente auditiva, não abrange sequer todo o depoimento prestado por uma qualquer testemunha, mas apenas o depoimento que incidiu sobre os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e que tem de indicar por referência ao assinalado na acta da audiência de julgamento.
É, assim, clara a necessidade da individuação dos factos considerados incorrectamente julgados, e a localização na fita registadora dos depoimentos testemunhais que incidiram sobre tais factos, feita através do documento autêntico que é a acta de julgamento, o que visou, em confronto com o regime anterior, facilitar a tarefa quer do tribunal quer dos próprios intervenientes processuais, que assim mais facilmente descortinam os pontos de divergência sobre a matéria de facto invocados pela recorrente.
Este é o regime aplicável no tocante à reapreciação da prova.
Ora, no caso concreto, em sede das conclusões do recurso (e são estas que relevam), a apelante não estruturou da forma indicada a sua impugnação da decisão sobre a matéria de facto, ao contrário do que procurou fazer na alegação.
Na verdade, nessas conclusões, a apelante nem sequer procede à identificação das testemunhas cujo depoimento, em seu entender, impunha uma decisão de facto diversa e também não indica, através da referência ao assinalado na acta, quais as passagens dos depoimentos gravados em que a sua discordância de funda, limitando-se a dizer que foi desprezada (...) a prova documental materializada no contrato de prestação de serviços celebrado em 1 de Setembro de 1999 e junto com a petição inicial como doc. 5, bem como no contrato de trabalho sem termo celebrado em 1 de Março de 2001 e junto com a petição inicial como doc. 2, tanto mais que a prova testemunhal que abordou tal matéria se limitou a afirmações vagas que não tinham, nem poderiam ter, o poder de infirmar o que de tais documentos resultava e que o juiz “a quo”, fazendo (...) não só desvalorizou a prova documental como sobrevalorizou a prova testemunhal.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 05.2.04, disponível em texto integral na Internet (www.dqsi.pt), se a parte quiser que sejam reapreciados pelo Tribunal da Relação os depoimentos gravados tem de indicar nas conclusões do recurso não só os pontos concretos da matéria de facto que pretende ver modificados mas também os concretos meios de prova que, no seu entender, levam a decisão diversa.
Lê-se nesse Acórdão o seguinte:
O artº 690º do C.P.Civil estabelece a obrigatoriedade de serem elaboradas conclusões das alegações de recurso, sob pena deste não ser conhecido.
Após o estabelecimento da gravação da prova e da consequente possibilidade da matéria de facto poder ser alterada em recurso, foi acrescentado o artº 690º - A, que determinou que, sob pena de rejeição, o recorrente que impugne aquela matéria deverá especificar os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios que levam a decisão diversa da recorrida.
A história do preceito e a sua inserção sistemática levam-nos a concluir que a referida especificação deverá obrigatoriamente constar das conclusões do recurso.
Nem significa tal exigência um excesso de formalismo.
É que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, não significa um julgamento ex novo e global dessa matéria, mas sim a possibilidade do tribunal de 2ª instância fiscalizar os erros concretos do julgamento já realizado. Dupla jurisdição não quer dizer forçosamente repetição. É o que o legislador pretendeu assinalar no preâmbulo do DL 35/95 de 15.02 (...), quando aí consignou, que o duplo grau de jurisdição visava “apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”
Ora, o exercício desta faculdade fiscalizadora sobre pontos concretos da decisão da matéria de facto só é possível, não com o arrazoado da alegação, mas sim com a rigorosa delimitação desses pontos nas conclusões do recurso. Bem como dos meios de prova que lhes respeitam.
Não se ignora que no Ac. do STJ de 01.10.98 (BMJ nº 480, pág. 348), se entendeu que deveria ser estendido ao art. 690°-A o disposto no n° 4 do art. 690º em homenagem aos princípios gerais da cooperação e da decisão do processo pelo juiz.
Salvo o devido respeito não nos parece que este seja o melhor entendimento.
Como vimos, o art. 690° do Cód. Proc. Civil estabelece a obrigatoriedade de serem elaboradas conclusões das alegações de recurso, sob pena deste não ser conhecido.
Após o estabelecimento da gravação da prova e da consequente possibilidade da matéria de facto poder ser alterada em recurso, foi acrescentado o art. 690° - A, que determinou que, sob pena de rejeição, o recorrente que impugne aquela matéria deverá especificar os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios que levam a decisão diversa da recorrida.
O legislador, ao acrescentar, com o art. 690º - A, o elenco dos ónus a cargo do recorrente, não podia deixar de ter presente a solução que determinara para a falta ou a imperfeição das conclusões e que é o convite à sua apresentação ou reformulação – art. 690º nº 4. Se nada disse a esse respeito no nº 1 do art. 690º - A, é de presumir – art. 9º, nº 3 do Cód. Civil - que quis solução diferente, pois, caso contrário tê-lo-ia dito expressamente.
De resto, o entendimento sufragado pelo Ac. do STJ de 01.10.98 é energicamente recusado pela doutrina mais autorizada.
Assim, Amâncio Ferreira (“Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3a edição, pág. 150, anotação 301) critica abertamente a solução adoptada nesse acórdão. A principal razão que aponta para a imediata rejeição do recurso é a de que o legislador nada declarou ou previu quanto a essa possibilidade de convite prévio, ao contrário do que sucede nos casos dos arts. 690°, n° 4 e 75°-A, n° 5 da Lei do Tribunal Constitucional. Esta é também a posição assumida por Lopes do Rego, (“Comentários ao Código de Processo Civil”, 1999, pág. 466), Leal Henriques (“Recursos em Processo Civil”, 3a edição, pág. 61) e Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 3°, pág. 53).
Por conseguinte, face à inobservância descrita, ao disposto na citada alínea b) do n° 1 do art. 690°- A do Cód Proc. Civil, indicando, nas conclusões da respectiva alegação, os concretos meios de prova em que se funda a impugnação, é de rejeitar o recurso relativo à decisão da matéria de facto.
Das alegações de recurso, depreende-se que, no entender da apelante, devia ter sido dado como provado que a cessação do contrato de prestação de serviços, datado de 1 de Setembro de 1999 (ponto 8) da matéria de facto) e o início do contrato de trabalho, datado de 1 de Março de 2001 (ponto 15) da matéria de facto) que sucessivamente a vincularam ao apelado ocorreram nesta última data - 1 de Março de 2001 – e não em 1 de Janeiro de 2001, como se diz na sentença recorrida.
O despacho que decidiu a matéria de facto faz parte integrante da decisão recorrida e constitui fls. 158 a 164.
Resulta desse despacho, que a matéria de facto que aqui interessa considerar, ou seja, os pontos 3) e 9) a 14), inclusive, assentou na análise crítica, dos depoimentos das testemunhas Luís Manuel de Almeida Vidal, que desempenhou as funções de Director Comercial da ré entre Dezembro de 2000 e Maio de 2001, tendo, nessa qualidade, acompanhado a contratação e prestação funcional do autor, referindo, impressivamente, que tinha-o conhecido numa reunião em que tinham estado presentes todos os vendedores da empresa e durante a qual, o mesmo, sendo comissionista e trabalhando por conta própria, descontente com as percentagens das comissões que, relativamente a ele, eram praticadas pela ré e que eram inferiores a outras, de que beneficiavam outros vendedores, anunciou publicamente que ia deixar de exercer aquelas funções, situação que, tendo chegado ao conhecimento da administração da aqui demandada, a levou a chamar o autor e a alcançar um acordo de natureza laborai com ele, vindo este a exercer funções para a mesma a partir, pelo menos, do início de Janeiro de 2001, Humberto Barcínio Gomes Pinto, que desempenhou as funções de responsável pelas Relações Públicas da ré, entre o ano de 1994 e Setembro de 2001, tendo, nessa qualidade, acompanhado a contratação e prestação funcional do autor entre Setembro de 1996 e Agosto de 2001, dando conta dos diversos tipos de relacionamento profissional que existiram entre as partes ao longo desse tempo (contrato de trabalho, comissionista e contrato de trabalho), referindo, como a testemunha anterior, que numa reunião em que tinham estado presentes todos os vendedores da empresa e durante a qual, o autor, sendo comissionista e trabalhando por conta própria, descontente com as percentagens das comissões que, relativamente a ele, eram praticadas pela ré e que eram inferiores a outras, de que beneficiavam outros vendedores, bem como o facto destes reclamarem para si os clientes daquele, anunciou publicamente que ia deixar de exercer aquelas funções, situação que, tendo chegado ao conhecimento da administração da aqui demandada, a levou a chamar o autor e a alcançar um acordo de natureza laborai com ele, vindo este a exercer funções para a mesma, ao que pensa, logo a partir de Dezembro de 2000, referindo ainda outros aspectos do funcionamento da ré e do relacionamento profissional das partes, (...) Rui Eduardo Rego Pereira de Oliveira, que desempenhou as funções de administrador da ré, entre 1989 e 2002, conhecendo o autor no quadro das mesmas, tendo deposto acerca das circunstâncias em que haviam contratado o autor, no ano de 2001 (...).
A alínea b) do nº 1 do art. 712º do Cód. Proc. Civil prevê a possibilidade de a Relação alterar a decisão da 1ª instância desde que os elementos fornecidos pelo processo imponham decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas mas o que aí se contempla é a hipótese de, por exemplo, o tribunal a quo não ter acatado a força probatória de um documento que se encontra no processo e que não foi impugnado nos termos legais.
Sendo assim e sabido que os documentos que o apelante invoca, ou seja, o contrato de prestação de serviços, datado de 1 de Setembro de 1999 e o contrato de trabalho, datado de 1 de Março de 2001, são documentos particulares, ainda assim importa referir que o primeiro daqueles documentos, em nada abona a tese do apelante e que atento o disposto nos arts. 376º, 392º e 393º do Cód. Civil, a eficácia probatória de um documento particular diz apenas respeito à materialidade das declarações dele constantes e não também à veracidade das mesmas, sendo admissível, portanto, prova testemunhal para a afastar, como, de resto o é para se interpretar qualquer documento.
As declarações constantes dos documentos particulares só são vinculativas para os seus autores, sendo verdadeiras.
Deste modo, ainda que quanto à materialidade das declarações constantes do contrato de trabalho tal documento seja inatacável, já quanto à veracidade delas não o é e tendo sido produzida prova testemunhal que a poderia afastar, esta Relação deixa de ter o poder de alterar a matéria de facto em causa (Ac. da RC de 26.02.86, CJ, Ano XI, T. I, pág. 148).
Afigura-se-nos, portanto, que não tendo a apelante respeitado os requisitos que devem ser observados quando, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, a decisão proferida com base nesses depoimentos tiver sido impugnada não contém o processo todos os elementos de prova necessários à sua reapreciação da matéria de facto por este tribunal, sendo certo que os elementos fornecidos pelo processo não impõem uma decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas e que a apelante também não apresentou documento novo superveniente que seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Deste modo, por falta dos requisitos necessários à reapreciação, por este tribunal, da matéria de facto, não pode proceder o fundamento do recurso relativamente à sua impugnação.
Quanto à 2ª questão
O que acaba de ser dito leva a que fique prejudicada a questão de direito que pressupunha a pretendida alteração à matéria de facto, de acordo com a pretensão da apelante, ficando, por isso, prejudicada a análise da 2ª questão, ou seja a de saber se à apelante era legítimo pôr fim ao vinculo laboral sem necessidade de invocar a existência de justa causa por se estar, ainda, no decurso do período experimental – o contrato de trabalho teve início em 1 de Janeiro de 2001 e não em 1 de Março de 2001, como pretendia a apelante de modo que quando a mesma pôs termo ao contrato, no dia 31 de Agosto de 2001, tinha já decorrido o período experimental de 180 dias fixado nesse contrato, isto admitindo, que à apelante era lícito alargar o período experimental de 60 ou 90 dias para 180, o que não se concede, face ao disposto no art. 55º, nº 3 do Regime Jurídico de Cessação do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, em vigor à data em que ocorreu a cessação.
Improcedem, portanto, in totum as conclusões do recurso.
Decisão
Nestes termos, acorda-se em negar provimento à apelação, mantendo a douta sentença recorrida.
Custas da acção por apelado e apelante na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente e da apelação pela apelante.
Lisboa, 18 de Janeiro de 2006