Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18781/20.3T8LSB.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
CONTRADIÇÃO FUNDAMENTOS E DECISÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS INSTRUMENTAIS
FACTOS CONCLUSIVOS
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
CONTRATO DE MÚTUO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE (RECURSO PRINCIPAL) PROCEDENTE (RECURSO SUBORDINADO)
Sumário: (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art.º 663.º, n.º 7, do CPC)
I - Não é de considerar nula, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, a sentença que julgou a ação parcialmente procedente, da qual consta a decisão da matéria de facto, incluindo o elenco(s) dos factos provados e não provados e a respetiva motivação, bem como a fundamentação de direito, em que se apreciou a pretensão dos Autores, fundada em responsabilidade pré-contratual, quanto as três diferentes parcelas indemnizatórias.
II - Vindo o Tribunal de 1.ª instância a concluir que apenas se justificava indemnizar, por um lado, os danos atinentes ao montante acrescido que os Autores acabaram por pagar à credora cessionária (fixando tal verba em 15.000 € ao invés dos 29.000€ peticionados) e, por outro lado, os danos não patrimoniais (fixando a respetiva verba indemnizatória em 5.000€), mas já não os invocados danos atinentes ao valor, inferior ao de mercado, obtido com a venda urgente de um apartamento, tão pouco é de considerar nula a sentença nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, pois os fundamentos de facto e de direito da sentença não estão em oposição com a decisão de procedência parcial da ação, nem a parte decisória da sentença se mostra ininteligível.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO

“AA” e “BB”, Autores na ação declarativa que, sob a forma de processo comum, intentaram contra BANCO SANTANDER TOTTA S.A., interpuseram o presente recurso de apelação da sentença que julgou a ação parcialmente procedente.
Na Petição Inicial, apresentada em 16-09-2020, os Autores peticionaram a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de 141.000,00€ “a título de responsabilidade pré-contratual nos termos do art.º 227.º, n.º 1 do Código Civil”, alegando, para tanto e em síntese, que:
- Em 2008, foi celebrado entre os Autores e o Banco Banif e Comercial dos Açores um contrato de “mútuo com hipoteca e mandato”, tendo sido concedido aos Autores o empréstimo da quantia de 100.000,00€, contrato que os Autores incumpriram a partir de 12-01-2009;
- Em julho de 2011, o Banif foi notificado para reclamar créditos no âmbito de uma ação executiva movida por outro credor (proc. n.º xxx/10.6TBPDL), na qual havia sido efetuada uma penhora sobre o imóvel dado em garantia no referido contrato de mútuo, tendo reclamado o seu crédito no valor de 135.089,62€;
- Os Autores intercederam junto do Banif no sentido de ser reestruturada a dívida e, nos meses de junho de 2013 a junho de 2014, os Autores procederam ao pagamento de várias prestações mensais, no valor de 500 € cada;
- Em 2015, foi aplicada ao Banif uma medida de resolução e sucedeu-lhe a Ré nos direitos e obrigações transferidas do Banif;
- No início de 2017, os Autores encetaram negociações junto da Ré, na agência desta em Ponta Delgada, com vista a regularizarem e extinguirem todos os créditos;
- Fruto dessas negociações, acordaram os Autores com a Ré o pagamento da quantia de 91.000,00€ (que advém do capital até então devido 101.236,25 € deduzido dos montantes pagos pelos Autores de 9.626,72€), a efetuar mediante a entrega inicial de 40.000,00€ e do remanescente em prestações cujos montantes e datas viriam a ser fixados por escritura a celebrar com a Ré;
- Para o efeito, os Autores promoveram a venda urgente de um imóvel que um dos filhos tinha no Porto, o qual foi vendido em 31-05-2017 pelo preço de 184.000,00€;
- Foi criada uma conta bancária pela Ré para que os Autores depositassem o valor de 40.000,00€;
- Em meados de agosto de 2017, quando os Autores se deslocaram àquela agência com o objetivo de pressionarem para a marcação da escritura e efetuarem o pagamento de 40.000,00€, foram informados que o crédito havia sido cedido pela Ré a uma entidade terceira denominada “Sandalgreen, Assets, S.A.”;
- No dia 24-08-2017, os Autores tomaram conhecimento formal de que o crédito havia sido cedido em 26 de junho de 2017, nunca tendo a Ré enviado qualquer comunicação aos Autores sobre o contrato de cessão de créditos;
- A cessionária não considerou as negociações anteriormente encetadas e exigiu o montante total que entendia ser devido e, após várias negociações, foi paga pelos Autores e por um filho destes, a quantia de 120.000,00 €;
- Os Autores sofreram prejuízos no valor de (i) 29.000,00€, atenta a diferença entre o valor da dívida que tiveram de suportar (120.000 €) e o valor acordado de 91.000,00€, a que acresce o valor de (ii) 62.000,00€ correspondente à diferença entre o valor real ou de mercado do imóvel do Porto e o valor pelo qual foi vendido em 2017;
- Os Autores tiveram que efetuar deslocações e reuniões para que o problema fosse resolvido, mantendo-se a sua vida em suspenso por mais 2 anos, com noites sem dormir e desespero, o que se traduz em danos não patrimoniais que devem ser ressarcidos em montante não inferior a 50.000,00€;
- A Ré incorreu em responsabilidade pré-contratual nos termos do art.º 227.º do Código Civil e também enquanto intermediária financeira, cuja culpa se presume nos termos do art.º 304.º-A do DL n.º 357-A/2007 de 31-10.
Citada a Ré, apresentou Contestação na qual se defendeu por exceção perentória (invocando a prescrição, nos termos do art.º 498.º do Código Civil, uma vez que os Autores tomaram conhecimento do seu pretenso direito, fundado em responsabilidade pré-contratual, o mais tardar em 24-08-2017 e a ação foi intentada em 16-09-2020, mais de 3 anos depois, não sendo aplicável o disposto no art.º 304.º-A do CVM, por não estarmos perante qualquer atividade de intermediação financeira, sendo que, em todo o caso, aplicar-se-ia o prazo de prescrição de 3 anos) e por exceção dilatória (ilegitimidade ativa relativamente ao pedido de 62.000,00€, posto que os imóveis alienados não pertenciam aos Autores, mas sim a “CC”, que não é parte nos autos, e, além disso, o invocado pagamento de 120.000,00€ foi, segundo dizem os Autores, realizado por estes e por um filho, que também não é parte nos autos). Mais se defenderam por impugnação motivada, de facto e de direito, alegando, em síntese, que:
- Foi discutida a hipótese de acordo, entre a Ré e os Autores, em meados de 2017, a qual implicaria um pagamento pelos Autores de 40.000,00€ (que acabou por não ser efetuado), sendo o remanescente a liquidar em prestações, implicando um encargo total mínimo para os Autores (com capital, juros, impostos e encargos) de cerca de 118.000€;
- A Ré acabou por ceder o crédito em 26-06-2017, não merecendo reprovação a sua conduta, pois os Autores tinham um longo passado de incumprimento e a Ré acabou por entender não concretizar a hipótese de acordo falada com os Autores;
- Não são indemnizáveis quaisquer danos, até porque os imóveis do Porto não pertenciam aos Autores e a Ré desconhecia que os Autores estivessem a vendê-los para pagamento dos referidos 40.000,00€.
Concluiu a Ré pugnando pela improcedência da ação.
Notificados para o efeito, os Autores apresentaram articulado de Resposta às exceções, argumentando, em síntese, que: os prazos de prescrição e caducidade foram alargados no âmbito das medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo Coronavírus SARS-COV-2 e da doença Covid 19; os Autores são parte legítima porque foi com a Ré que os Autores estabeleceram a relação material controvertida, tendo o contrato de financiamento sido celebrado com os Autores e não com um dos filhos destes; o pagamento de 120.000,00€ foi feito pelos Autores e não por terceiros; o imóvel vendido havia sido adquirido pelos Autores e registado em nome da filha mais velha, através de financiamento bancário cujas prestações eram pagas pelos Autores, que tinham a posição de fiadores, pertencendo aos Autores “a propriedade de facto”.
Realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, que julgou improcedentes as exceções de ilegitimidade ativa e prescrição, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Em 16-06-2023, os Autores vieram requerer a junção aos autos de cópia de um requerimento que haviam apresentado, em 03-12-2018, no processo executivo n.º xxx/10.6TBPDL, e duas declarações do Novo Banco dos Açores datadas de 15-11-2018 atestando que os Autores e os seus filhos “CC” e “DD” estão em situação de cumprimento quanto a três empréstimos.
Realizou-se audiência de julgamento, em três sessões, com produção de prova testemunhal e prestação de declarações de parte pela Autora, tendo sido proferido, na sessão de 16-06-2023, Despacho com o seguinte teor:
«Não obstante a última sessão remontar ao dia 16 de maio de 2023, vieram os Autores no dia de hoje, pelas 07.33, requerer a junção aos autos de dois documentos, referindo apenas que só agora conseguiram aceder aos mesmos pois estiveram extraviados.
Conforme resulta claro do disposto no artigo 423.º do C.P.C, após o limite temporal previsto no n.º 2 do artigo 423.º só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. Ora, os documentos em causa remontam a 2018, estavam na posse dos Autores, e nada foi concretizado acerca do seu “extravio”, e muito menos a razão pela qual só na data de hoje terão sido localizados. A possibilidade de entrega em momento anterior dos documentos deve ser aferida num quadro de normal diligência, e para este efeito importa lembrar que estamos perante uma ação movida em 2020, com despacho saneador proferido em 21 novembro de 2022, sem que até ao presente os Autores tenham feito qualquer menção à existência destes documentos, e sendo que um deles inclusivamente corresponde a um requerimento apresentado pelos próprios em 3 de dezembro de 2018, e que foi junto ao processo xxx/10.6TBPDL, e os restantes correspondem a declarações passadas pelo Novo Banco em 15 de novembro de 2018, uma delas respeitante aos Autores, e outra a “CC” e “DD”, e que tudo indica terão sido solicitadas pelos próprios. Acresce que não estamos perante documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Nesta medida, não está preenchido o condicionalismo previsto no artigo 423.º, n.º 3 do C.P.C., razão pela qual não se admite a requerida junção documental.
Oportunamente desentranhe.
Notifique.»
Após, foi proferida a Sentença recorrida, cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e em consequência condena-se o Réu no pagamento aos AA da quantia global de €20.000,00 (vinte mil euros), a título de indemnização por danos causados em virtude de responsabilidade pré-contratual.
Condenam-se as partes no pagamento das custas da acção na proporção do decaimento (art.º 527º nºs 1 e 2 do C.P.C.).
Registe e notifique.”
Inconformados com esta decisão, vieram os Autores interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (que apesar de prolixas se reproduzem, omitindo algumas passagens desnecessárias para a compreensão do objeto do recurso):
A. O presente recurso é interposto da douta Sentença proferida em 13.07.2023 (…)
B. Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento espelhado na sentença em crise, certo é que os Recorrentes não se podem conformar com tal sufrágio e entendem que a decisão em apreço incorreu em vício de nulidade de sentença e/ou erro de julgamento e concomitante violação de lei.
C. Em concreto, os Recorrentes insurgem-se contra os seguintes segmentos decisórios:
- Condenação meramente parcial do Réu quanto ao pedido de pagamento da indemnização por danos morais (formulado no valor total de €50.000,00, sendo que apenas foi atendido o montante de €5.000,00)
- Absolvição total do Réu quanto ao pedido de pagamento da indemnização pelos danos resultantes da venda urgente e imediata do imóvel detido pelos Recorrentes (formulado pedido no valor de €62.000,00).
D. E se quanto ao juízo formulado pelo tribunal a quo no que respeita aos danos morais ou não patrimoniais os Recorrentes não ignoram que prevalece a equidade como estalão aferidor de tal quantum, necessariamente filiado nas circunstâncias casuísticas da situação em causa, não deixam de criticar o valor tímido arbitrado.
E. E quanto ao não atendimento do pedido de indemnização relacionado com a perda gerada pela venda urgente do imóvel, constata-se uma insanável contradição entre a fundamentação acolhida e depois a decisão final tomada de absolvição do Réu.
F. Analisada a matéria assente, e com interesse para o presente recurso, logo resulta demonstrado que: (…)
G. De igual sorte, da matéria dada como provada, é ostensivo que a venda do imóvel aconteceu  unicamente por causa da operação de reestruturação do crédito com o Réu, caso contrário não teria  ocorrido, destinando-se tal liquidez gerada ao pagamento do valor imediatamente exigido pelo Réu,  que tal venda porque precipitada pela pressão do Banco foi urgente (quase instantânea) e por isso  abaixo do preço justo de venda e de mercado – circunstância que causou também imenso  sofrimento, sentimento de perda afetiva, angústia, perplexidade, apreensão, tristeza, afetação na  saúde, além dos danos patrimoniais da alienação de um imóvel por um valor aquém do possível em  condições normais de transmissão (factos provados n.ºs 14, 15, 18, 19, 20, 21, 25, 26, 29 e 48).
H. Ao invés, o Tribunal, no que ao produto da venda do imóvel respeita, especulou (porque não existe factualidade assente que lhe permita deduzir tal conclusão), que tal pecúlio não serviu apenas para cumprir com o acordado com o Banco Réu (liquidação imediata do valor de €40.000,00 – condição necessária e imprescindível para a firmar a operação de consolidação/reestruturação do crédito) - o que, já se antecipa, não é verdade.
I. Mas mesmo que (por absurdo e à cautela de patrocínio se admita), se considerasse que outros credores (mas quais, como, e em que montantes) beneficiaram da venda urgente e apressada do imóvel, por força da liquidez obtida,
J. (E note-se que é a venda realizada nestes apertados e precipitados moldes, e não a venda em período temporal e circunstâncias normais de mercado que origina a perda cujo dano vem peticionado – aqueloutra não representaria perda alguma dado que correspondia à permuta de um ativo imobiliário pelo justo e equivalente valor pecuniário), sempre o Banco Réu seria (ao menos em parte) responsável pelo dano gerado.
K. Ao arrepio da factualidade assente, contudo (e porque aos Autores não era exigível que fizessem prova de um facto negativo - ou seja, que o produto da venda não serviu para pagar, com  urgência, a outros credores – como seria possível fazer tal prova? – era ao Réu que competia fazer a  competente contraprova), o Tribunal entendeu desresponsabilizar (e totalmente) o Réu por um dano  que (objetivamente) lhe imputou na causação, embora sem lhe determinar o dever de pagar uma  indemnização – por aparente falta de nexo de causalidade.
L. E é contra este segmento decisório que também se rebelam os aqui Recorrentes, dado que a venda apressada e injusta do imóvel (cujo valor real e de mercado se provou ser superior – embora sem o conseguir quantificar rigorosamente – cf. factos assentes) tem como único «culpado» e responsável o Banco Réu, e mesmo que não se considerasse no todo (a sua culpa pela geração do  dano), pelo menos sempre numa grande fatia teria que lhe ser imputada a consequente responsabilidade,
M. E nunca absolver (in totum) o Réu pelo dano que este solitariamente (ou na pior das hipóteses, maioritariamente) provocou na esfera jurídica dos Autores, dado que está demonstrado que o imóvel só foi vendido e dentro daquele negativo contexto por força das negociações avançadas e exigências (temporais) formuladas pelo Réu, que para mais bem sabia (facto igualmente provado) que o imóvel estava a ser urgentemente alienado para obtenção da solicitada liquidez no montante de €40.000,00.
N. Neste conspecto, não se pode, de todo, acompanhar a sentença recorrida, quando ali se preconiza (a propósito do dano correlacionado com a perda de valor decorrente da venda urgente do imóvel) que: “(…)”
O. Ou seja, sem qualquer facto que suporte tal juízo, o Tribunal especulou, com o devido respeito, contrariando a matéria assente, negando a responsabilidade do Réu pela causação de tal dano com fundamento numa circunstância desconhecida e não provada – a venda urgente do imóvel serviu também para pagar outros créditos (com essa mesma urgência de liquidez e necessidade de liquidação) – mas quais créditos urgentes?, que montantes?, etc.! O crédito do exequente há muito que estava reestruturado.
P. Bem pelo contrário, os Autores sempre evidenciaram que apenas o crédito reclamado pelo Banif/Santander se encontrava em situação de «incumprimento», porque não havia ainda sido, a despeito de todos os esforços desenvolvidos, objeto de consolidação/reestruturação, e que por via disso só este crédito podia espoletar a venda executiva do património imobiliário daqueles, com as consequências nocivas e indesejáveis daí advenientes.
Q. Destarte, o Tribunal a quo, ao rejeitar o pedido de condenação do Réu no pagamento da indemnização pelo dano gerado com a venda urgente, apressada e injusta do imóvel localizado no Porto, com fundamento de que tal pecúlio/liquidez pode ter sido (especulação) aplicado também perante outro credor bancário, incorreu em manifesto erro de julgamento ou vício de nulidade de sentença,
R. Mas mesmo que no limite o Tribunal entendesse que a venda do imóvel tivesse servido o  propósito de satisfazer outra dívida bancária (urgente) – o que explicaria a venda apressada do imóvel, então nunca haveria como não concluir que tal venda sempre, e ainda assim, foi sobretudo motivada/oriunda na necessidade de obter os €40.000,00, no imediato, para pagar ao Réu (ou seja,  foi o Réu quem criou, pela expetativa legitimamente criada, esta necessidade urgente de liquidez),  conforme acordo entre as partes.
S. E os danos cujo ressarcimento vem peticionado nestes autos respeitam exclusivamente aos prejuízos gerados pelo Banco Réu com o seu comportamento errático e contraditório, em sede pré-contratual, frustrando e atraiçoando uma negociação em fase avançada, quebrando, sem pudor e consideração alguma pelos direitos da contraparte, os padrões mínimos de lealdade, de ética e de lisura que devem nortear as relações entre as partes.
T. Enfatiza-se que é o próprio Tribunal que realça que a venda do imóvel surge, com conhecimento do Banco Réu, apenas pela necessidade de obter a liquidez dos €40.000,00, para pagamento imediato da operação de consolidação/reestruturação do crédito detido pelo Réu.
U. Logo, não pode depois o Tribunal concluir que afinal o comportamento assumido pelo Réu foi de todo indiferente ao dano ocasionado pela venda urgente e apressada do imóvel, abaixo do seu valor justo,
V. Tem, pois, que se admitir e reconhecer que quanto ao dano consistente na perda de valor decorrente da venda apressada e urgente do imóvel, estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade pré-contratual, até porque, mesmo numa visão mais redutora e clássica (interesse contratual negativo), mister é aceitar-se que este dano só existiu porque se frustraram as negociações havidas entre as partes, e que nunca teria existido não fosse o início das negociações para reestruturação do crédito, e a traição e má-fé do Banco Réu que depois as abandonou e se desligou de tal acordo em estado avançado de concretização.
W. Está assim, suficiente e seguramente, comprovada a responsabilidade do Banco Réu quanto ao dano gerado – perda de valor de venda do imóvel – unicamente ocorrida com motivo e por força das negociações estabelecidas pelas partes, para mais quando se provou que o Banco teve perfeito conhecimento da venda apressada e urgente que iria ser/foi feita, para que fosse atingido esse mesmo desiderato vertido no acordo que culposamente rompeu.
X. (…)
Y. No caso dos autos é convicção dos Recorrentes que existe por banda da sentença recorrida violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ou assim não se entenda, do preconizado na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Z. Com efeito, a sentença recorrida não especifica, no que tange ao pedido indemnizatório relacionado com os danos resultantes da perda de valor ocasionada pela venda urgente e apressada do imóvel, os fundamentos de facto em que assente e alicerça a sua decisão.
AA. Ao rejeitar tal pedido mediante o raciocínio especulativo consistente na circunstância da liquidez financeira (pecúlio) alcançada pela venda do imóvel poder ter sido aplicada no pagamento de outro crédito exequendo,
BB. Mas sem qualquer facto que sustente ou comprove tal asserção, é inevitável concluir-se que a sentença padece de nulidade por ofensa da norma que a obriga a especificar/concretizar os alicerces factuais que sedimentaram e determinam tal segmento decisório.
CC. Ou caso assim não se entenda, então é de inferir que a sentença recorrida, quanto a este concreto segmento decisório viola o plasmado na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pois que há contradição ou oposição entre os fundamentos esgrimidos (venda urgente do imóvel e por um preço naturalmente abaixo do justo valor só acontecer por força da necessidade imposta pelo Banco Réu da exigência do pagamento imediato de €40.000,00) e a decisão tomada de não imputar ao Réu qualquer responsabilidade por tal perda…quando antes lhe imputou um nexo de causalidade entre a situação que originou o dano e a sua conduta voluntária, ilícita, culposa e lesiva concorrente a tal evento.
DD. Ou, no limite, ocorre obscuridade ou ambiguidade quanto à decisão de absolvição do Réu atinente a este pedido, que a torna ininteligível –
EE. Pois não se compreende nem se assimila como o Tribunal associa a conduta do Banco Réu à
objetiva necessidade de alienação do imóvel no contexto de venda urgente (com inevitável perda de valor sobre o preço de mercado ou justa transação), de que tem pleno conhecimento, bem sabendo que tal venda era a condição para os Autores obterem a liquidez que lhes exigiu previamente para pagarem, no imediato, o montante de €40.000,00, e igualmente se advoga que a venda não tinha ocorrido se não fosse esta necessidade de realizar este (específico) pagamento – cf. factualidade assente,
FF. Mas depois se conclui (sem prova alguma, reitera-se), ao arrepio e em sentido avesso daquelas premissas, que afinal o valor da venda urgente também se destinou ao pagamento de outros créditos (necessariamente urgentes), mas quais? Existe assim uma obscuridade ou ambiguidade que torna a decisão ininteligível, tanto mais que irresponsabiliza (totalmente) o Banco Réu por um dano que antes afirma (nos fundamentos da decisão) aquele ter provocado.
GG. Pelo que, ao não se ter decidido a responsabilização do Banco Réu (ao menos parcialmente) no pagamento da indemnização devida por aquele dano gerado na esfera jurídica dos Autores, que reconhecidamente este criou, ocorre nulidade de sentença, que aqui se argui para todos os devidos efeitos legais.
HH. Certo é que ocorre também erro de julgamento quanto à decisão sobre a matéria de facto, uma vez que os Autores lograram provar nos autos que apenas a dívida titulada pelo Réu estava em situação de incumprimento/descontrolo, estando todas as outras saldadas ou em situação de cumprimento/regularização, e apenas a falta de consolidação deste crédito mantinha ativo o processo n.º XXX/10.6TBPDL.
II. O Tribunal não deu como provado que apenas o crédito titulado pelo Réu estava numa situação de incumprimento, daí que fosse tão necessário, imprescindível e pertinente para os Autores consolidarem/reestruturarem este crédito, o que bem tentaram através das negociações que o Banco Réu culposa e exclusivamente frustrou (nesta parte assim tendo entendido a douta sentença).
JJ. Ora, o juízo do Tribunal merece censura quanto à não inclusão desta factualidade como assente, atenta a sua relevância, quer para a descoberta da verdade material, quer para a sorte do litígio, tendo sido produzida abundante prova nesse sentido.
KK. Por seu turno, os Autores dispõem de prova documental bastante que demonstra que desde 2012 que o crédito detido pelo BES/Novo Banco se encontrava em situação de regularização/cumprimento, estando a ser cumprido o plano prestacional acordado, sucedendo que a execução que corre termos sob o processo n.º XXX/10.6TBPDL só continuou a tramitar por força da não consolidação/reestruturação unicamente da dívida titulada pelo Banif, a quem sucedeu legalmente o aqui Banco Réu.
LL. Tendo a sentença, de forma surpreendente, decidido que a liquidez gerada pela venda urgente do imóvel poderá também ter sido destinada a pagar outros créditos similares (urgentes) – embora sem qualquer prova fáctica nesse sentido, torna-se necessário fazer a contraprova de tal suposição ou suspeita especulativa do Tribunal – apenas conhecida com a prolação da sentença,
MM. Pelo que, nos termos do autorizado pelo n.º 1, parte final, do artigo 651.º do CPC respeitosamente se requer a V. Exas. a admissão da junção aos autos da seguinte documentação, dado que se reputa de fundamental para escrutinar a verdade material, contradizendo o juízo especulativo do tribunal a quo:
- Requerimento submetido em 03.12.2018 no processo n.º XXX/10.6TBPDL, donde se comprova que desde 2012 que o crédito exequendo (Exequente: Banco Espírito Santo/Novo Banco) se mostra consolidado/reestruturado, estando a ser pago em prestações), bem como liquidados todos os outros créditos, e que apenas o crédito titulado pelo Banco Réu (Credor Reclamante) permanece em situação de incumprimento.
- Declarações emitidas pelo Novo Banco, datadas de 15.11.2018 que atestam a situação de regularização dos créditos bancários dos Autores e seus filhos.
NN. Sobre a decisão a proferir quanto à questão de facto impugnada, constitui modesto entendimentos dos Recorrentes que, em face da prova testemunhal/declarações de parte reproduzidas, e bem assim, da documentação aqui junta, devia o Tribunal a quo ter dado como provado que:
- a liquidez financeira gerada pela venda urgente do imóvel se destinou exclusivamente/sobretudo a ser alocada ao pagamento imediato exigido pelo Réu do valor dos €40.000,00 acordados, e
- e que os Autores não dispunham de quaisquer outras dívidas cujo crédito tivesse que ser urgentemente liquidado, até porque no âmbito do processo n.º XXX/10.6TBPDL o restante passivo bancário se encontrava em situação de regularizado/cumprimento.
OO. E com tal aditamento à factualidade assente ganha total merecimento o presente recurso, dado que o Banco Réu foi efetivamente o responsável pelos danos ocasionados com a venda urgente do imóvel, sendo que sempre teve perfeito e contemporâneo conhecimento da alienação em curso, conformando-se com tal forma dos Autores granjearem a liquidez de que necessitavam para cumprir, perante si, com a exigência prévia que lhes impôs, de liquidar imediatamente (ultimato) o valor acordado de €40.000,00, como condição essencial e inultrapassável para aceitar a reestruturação/consolidação da dívida.
PP. Pelo que, ao frustrar esse plano negocial avançado e trilhado entre as partes, desbaratando culposamente todo o esforço e sacrifício desenvolvido pelos Autores, que se viram forçados (mercê de tais negociações em que naturalmente confiaram na lealdade e honestidade da parte contrária – para mais, um reputado Banco) a alienar património imobiliário valioso para satisfazer a demanda do Réu, este é legalmente responsável por tal dano na esfera jurídica da contraparte – designadamente quanto à diferença entre o preço de venda praticado, naquele contexto de «ultimato» e o preço de venda normal ou justo – preço que sempre seria o praticado não tivessem ocorrido as negociações entre as partes e as exigências formuladas pelo Réu.
QQ. Trata-se assim de um dano diretamente decorrente do regime de responsabilidade pré-contratual (artigo 227.º do CC), o qual postula que: “(…)”.
RR. E sobre o inexpressivo e tímido entendimento do Tribunal quanto à valorização/métrica feita dos danos morais sofridos pelos Autores, se estes se congratulam porque foram atendidos dado que qualificados de graves e merecedores da tutela jurídica (o que nem sempre sucede),
SS. Por outro lado, não podem deixar de notar a pouca relevância e peso que lhes foi concretamente atribuído – o valor de €5.000,00 muito honestamente não satisfaz todo o desgosto, sofrimento, angústia, revolta, tristeza, e até problemas de saúde sentidos em decorrência dos comportamentos do Réu.
TT. Com efeito, não apenas os Réu se viram (ingloriamente) privados de um dos seus ativos imobiliários, que tanto estimavam, valioso e com apego sentimental e afetivo, por um preço muito abaixo do seu justo preço de transação, o que por si só gera tremenda frustração, como se viram atropelados por uma abruta rutura de negociações do Réu, contra todas as expetativas e princípios de ética e lisura contratual, negociações que tanto ansiavam para finalmente reestruturar o único passivo bancário que não estava consolidado, e que punha em causa o restante património a poder ser vendido em praça pública, como se viram mergulhados num turbilhão de novas guerras negociais com um cessionário que os obrigou a um desgaste imenso e sacrifício financeiro adicional para liquidação daquele crédito, por um valor superior ao já acordado com o Réu, como todo esse calvário foi de molde a agravar sobremaneira, a condição de saúda da Autora “BB”, com constantes intervenções médicas e clínicas (cf. prova junta nos autos), ataques de pânico, tristeza e mágoa profundas.
UU. Note-se que a própria confiança no universo bancário ficou obviamente ferida de morte, pois como se pode pedir aos Autores para novamente depositarem crédito e credulidade na palavra e atuação dos bancos, quando estes inopinadamente abandonam o que antes acordaram com os seus clientes, e fazem tabula rasa de tudo quanto antes se combinou!
VV. Neste conspecto a sentença deu como provado que:
“42. Os AA ficaram tristes com o facto de a venda de um imóvel que estimavam não ter servido o propósito a que se destinava (arts. 81º e 83º da p.i).
48. Os Autores tiveram várias deslocações e reuniões para que o problema fosse resolvido, o que lhes causou transtorno e desespero, e noites sem dormir (arts. 90º e 92º da p.i)”.
WW. Ora, os danos morais cujo ressarcimento os Autores peticionaram, e que resultaram provados nestes autos, não se resumiram ou cingiram às deslocações e reuniões para resolver o problema (e à maçada/aborrecimento que tais eventos originam), ou à tristeza pela venda de um imóvel que apreciavam e que foi alienado ao «desbarato».
XX. Mais do que isso, e com sacrifício de saúde da própria Autora esposa (“BB”), os danos morais reconduzem-nos também, além do agravamento daquele quadro clínico pessoal, para todo o sofrimento, angústia, revolta, sentimento de injustiça, impunidade e de impotência perante um Banco (que é entidade poderosa) poder fazer um rompimento injustificado e inopinado de negociações, a seu bel prazer, frustrando totalmente um desejo legítimo de finalmente ter podido alcançar a almejada reestruturação/consolidação da dívida, e com isso igualmente «estancar» o processo n.º XXX/10.6TBPDL que continuava, por força disso, a manter-se ativo, causando turbulência no espírito e fomentando permanente intranquilidade e tensão (subtraindo-lhe a paz) aos Autores e família, atento o risco de ser vendido em praça pública, a preços ridículos, o seu património imobiliário.
YY. Em concreto são várias as passagens dos depoimentos e declarações de parte que evidenciaram, à saciedade, mas com rigor e honestidade intelectual, o sofrimento, a tristeza, a angústia, a revolta, a impotência, e a ansiedade vividas – bem como os danos infligidos na condição de saúde da Autora “BB”.
ZZ. (Decisão sobre a matéria de facto neste segmento que devia ter sido proferida). Destarte, em face da prova produzida nos autos, devia o Tribunal a quo ter considerado factualidade assente, além daquela que acima se reproduziu – pontos 42 e 48, também a seguinte:
- em especial a Autora “BB” começou a padecer de problemas de saúde, a precisar de medicação, tendo sido vítima de ataques de pânico, de desmaios com frequência, a ser assistida em sucessivos episódios de intervenção médica e hospitalar, eventos que foram originados pelo impasse/incerteza na resolução do problema com o Réu e pela sua quebra abruta das negociações em curso e também com a consequente «perda» do imóvel por um valor injusto.
AAA. E note-se que a jurisprudência vem sendo cada vez mais assertiva na função e missão teleológica punitiva no ressarcimento dos danos morais, sobretudo nas hipóteses em que é acentuado o grau de culpa do lesante (é o caso), forte a sua condição financeira (é por demais evidente que é o caso) devendo aquela ser verdadeiramente dissuasora do ilícito e da conduta impune e prevaricadora, não lhe sendo indiferente um leitmotiv pedagogicamente moralista e com apreciável substrato ético.
BBB. O pagamento da indemnização pelos danos morais tem assim intrínseco e inato um estatuto de reparação de um sentimento (nobre) ofendido, de uma ética e de uma moralidade quebradas, com descaramento e desfaçatez, como foi o caso presente,
CCC. Pelo que importa reconhecer como justo e adequado o valor peticionado, com recurso à equidade, de €50.000,00, pois das condutas do Réu resultou destruída e minada a confiança dos Autores no sistema bancário, abalada seriamente a crença na palavra dada e no comprometimento de instituições que se pretendem ser (dever ser) reputadas e acima de todas as suspeitas, dilacerada a saúde da Autora “BB”, amargurados e angustiados os sentimentos de propriedade pela perda de ativos imobiliários de forma inglória e ao desbarato, etc.
DDD. Nesta conformidade, o valor arbitrado de €5.000,00 peca absolutamente por defeito, mostrando-se timorato ou inexpressivo (quase miserabilista) em face de toda a extensão de danos originada, a forte censura da atuação culposa do lesante e bem assim, tendo por referência a fortíssima capacidade financeira deste – sempre tal valor é justamente merecedor de uma revisão, o que se impõe e aqui se impetra.
EEE. Ao decidir como o fez, a sentença violou, inter alia, o disposto nos artigos 227.º, 496.º, 562 e 563.º, todos do CC, e artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC; razão pela qual não se pode manter na ordem jurídica, devendo nessa medida ser revogada, e substituída por outra decisão que condene o Réu no pagamento de uma indemnização, a título de danos morais, no valor de €50.000,00, e uma indemnização (esta a título de danos patrimoniais) no valor de €62.000,00, ou noutro que em incidente de liquidação de sentença se venha concretamente a determinar/quantificar, em virtude dos danos gerados (e causalmente provocados pelo Réu) com a venda urgente do seu imóvel com a inerente perda de valor que essa transmissão fatalmente acarretou nesses moldes.
Com a sua alegação de recurso, os Apelantes apresentaram os (mesmos) documentos cuja junção já tinham requerido no requerimento de 16-06-2023.
Terminaram os Apelantes, requerendo que seja admitida a junção dos documentos e que seja declarada a nulidade de sentença, atentos os fundamentos invocados, prosseguindo-se com a apreciação do seu mérito, revogando-a, com a alteração da decisão sobre a matéria de facto, substituindo-se por outra que julgue inteiramente procedentes os pedidos formulados e respeitantes aos danos morais sofridos e aos danos patrimoniais gerados pela perda de valor decorrente da venda urgente do imóvel, imputável causalmente à conduta ilícita e culposa do Réu.
Foi apresentada alegação de resposta pela Ré, em que pugnou pela improcedência do recurso, bem como interposto recurso subordinado, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
A) Como se depreende do acórdão recorrido, o mesmo entendeu que se verificou in casu responsabilidade pré-contratual do BST, tendo, por via disso, condenado o Banco a pagar aos AA. uma indemnização de €20.000,00.
B) No entender do BST é, salvo o devido respeito, patente que tal decisão (da qual pelo presente se recorre) assentou numa errada apreciação da prova.
C) Assim, como se procurará demonstrar, julga-se que a prova produzida foi inequívoca no sentido de que não se verificou responsabilidade pré-contratual imputável ao BST.
D) Assim, entende-se que a consideração como provada da matéria constante dos pontos 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 30, 32, 33, 41 e 42 dos Factos Provados (que foi essencial para o Tribunal a quo concluir pela existência da responsabilidade pré-contratual) resultou de uma errada apreciação probatória. 
E) Com efeito, face aos elementos de prova trazidos aos autos (e aos que o não foram) a referida matéria não podia ser considerada provada.
F) Entende o BST que, da prova produzida e carreada para os autos, resultou que o Banco nunca se comprometeu com os AA. quanto a um qualquer acordo definitivo.
G) Assim, e muito antes pelo contrário, o que ficou provado foi que as funcionárias do balcão de Ponta Delgada que falaram com os AA. não tinham poderes de decisão, circunstância que foi transmitida aos AA.,
H) E que, o BST sempre informou os AA. que a hipótese de acordo que foi falada dependeria sempre da aceitação dos órgãos competentes do Banco, em Lisboa.
I) E ainda que, a apresentação aos órgãos de decisão do BST da hipótese de reestruturação da dívida, falada em meados de 2017 no balcão de Ponta Delgada, implicava a entrega prévia pelos AA. de €40.000,00.
J) Nota-se, aliás, que, bem revelador do cariz absolutamente embrionário e destituído de compromisso dos contatos em causa, não existe qualquer documento que corporize os termos do acordo pretendido pelos AA.
K) Sendo que, reitera-se, se julga que resultou provado nos autos (maxime pelos depoimentos das testemunhas “EE”, “FF” e “GG”, todas com conhecimento directo dos factos) que o BST nunca comunicou aos AA. qualquer tipo de aceitação da proposta de reestruturação que foi falada no balcão de Ponta Delgada.
L) Pelo contrário, ficou provado que foi sempre dito pelo BST aos AA. que se tratavam de meras negociações preliminares, e que, em qualquer caso, tudo estaria sempre dependente da decisão final dos serviços centrais de Lisboa do BST.
M) Veja-se, a propósito, os depoimentos das testemunhas “EE” (de 00:04:00 a 00:07:00, de 00:09:00 a 00:10:00, 00:12:00 a 00:13:00, 00:26:00 a 00:32:00 e 00:36:00 a 00:43:00), “FF” (de 00:04:00 a 00:07:00, 00:25:00 a 00:27:00, 00:33:00 a 00:35:00, 00:37:00 a 00:38:00, 00:40:00 a 00:41:00, 00:48:00 a 00:51:00 e 00:54:00 a 00:56:00) e “GG” (de 00:03:00 a 00:06:00, 00:11:00 a 00:12:00, 00:19:00 a 00:23:00, 00:25:00 a  00:26:00, 00:33:00 a 00:34:00 e 00:44:00 a 00:46:00), supra transcritos.
N) Acresce, por outro lado, o cariz absolutamente inverosímel da tentativa de explicação avançada pela A. para não ter efetuado o pagamento de €40.000,00.
O) No cenário exposto, o BST acabou por entender não concretizar a hipótese de acordo falada com os AA. (que, aliás, face ao não pagamento dos €40.000,00, nem sequer chegou a ser apresentada superiormente).
P) Tendo optado por ceder o crédito em causa a uma entidade terceira, o que fez em 26.06.2017.
Q) Ou seja, o BST, no exercício do seu legítimo direito de liberdade contratual, entendeu não concretizar a hipótese de acordo falada com os AA.
R) Os quais, recorde-se, tinham um longo passado de incumprimento dos seus deveres de pagamento para com o BST (e, anteriormente, para com o Banif), assim como para com outros Bancos (veja-se, como confessado pelos AA na p.i., o Novo Banco).
S) Face aos citados depoimentos das testemunhas “EE”, “FF” e “GG”, julga-se que deve ser alterada a resposta aos pontos 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 30, 32, 33, 41 e 42 dos Factos Provados, no sentido de a matéria dos mesmos constante passar a ser considerada como não provada.
T) Notando-se ainda, a esse propósito, a diferença qualitativa da prova testemunhal produzida (já que, documental só existe o referido e-mail a indicar o IBAN para o pagamento dos €40.000,00).
U) Com efeito, da parte do BST foram prestados depoimentos por três pessoas com conhecimento directo dos factos, e que foram inequívocas no sentido de que os AA. bem sabiam que o que foi falado era uma mera hipótese de acordo, que teria ainda que ser apresentada e decidida superiormente, e que, para que essa apresentação fosse feita, era necessário que os AA. realizassem um entrega prévia (€40.000,00) o que estes não fizeram.
V) Ao invés, da parte dos AA., a sua prova relativa às negociações assentou, na prática, em quatro declarações de parte.
W) Com efeito, as testemunhas dos AA., quanto ao tema das negociações, foram o seu filho, “DD”, proprietário registado de um imóvel onde os AA. alegadamente vivem (avaliado, aliás, segundo os próprios AA., em mais de 3,4 milhões de euros – vd. doc. nº 20, junto com a p.i.), filho esse que confessadamente pagou dívidas dos AA., tendo um óbvio interesse no desfecho do caso.
X) Depois, prestou depoimento também a filha dos AA., proprietária registada do imóvel do Porto, que não só manifestou um evidente interesse no desfecho do caso, como um total desconhecimento direto dos contactos com o BST.
Y) Sendo que, ainda prestou depoimento uma outra pessoa (“DA”) que se auto-apelidou de terceira filha dos AA., e cuja parcialidade só foi ultrapassada pelo manifesto desconhecimento direto dos factos que revelou.
Z) Culminando a prova dos AA. a este propósito nas declarações de parte da própria A., que assentaram na mirabolante tese de que eram os Bancos que não queriam receber os seus créditos, pois eles, AA., apesar de estarem em incumprimento desde 2008, sempre quiseram pagar.
Aqui chegados,
AA) Em consequência da descrita alteração da matéria de facto provada, impõe-se concluir que a conduta do BST não merece reprovação.
BB) Ou seja, pensa-se que da prova produzida resultou claro que o BST, nas negociações que manteve com os AA., procedeu com inteira boa fé.
CC) Pelo que não se demonstrou a responsabilidade pré-contratual que os AA. pretendem imputar ao BST, circunstância que, por si só, implica a improcedência da ação.
DD) Com efeito, o que resultou da prova produzida foi o seguinte: - Que as negociações, da parte do BST, foram exclusivamente realizadas por duas funcionárias do balcão de Ponta Delgada, sem capacidade de decisão, consoante era do conhecimento dos AA.
- Que o que foi transmitido aos AA. pelas duas funcionárias do balcão de Ponta Delgada foi que se tratavam de meras negociações, de cariz necessariamente preliminar, pois a entidade com competência para decidir era outra (em Lisboa), à qual teria que ser apresentada a proposta de acordo.
- Que, para esse efeito, os AA. deveria efetuar um depósito prévio de €40.000,00, o que estes não fizeram.
EE) No quadro exposto, julga-se cristalino que não se verificou responsabilidade pré-contratual por parte do BST.
FF) Ao entender diversamente, a sentença recorrida incorreu em ilegalidade, por violação do art.º 227º do CC, o que impõe a sua revogação.
GG) Por outro lado, sem conceder, e por extrema cautela de patrocínio, ainda se aduz o seguinte quanto à indemnização de € 20.000,00 a que o BST foi condenado a pagar pela sentença recorrida.
HH) Assim, a sentença recorrida começa por condenar o BST a pagar aos AA. €15.000,00 a título de “danos patrimoniais decorrentes do maior valor pago à cessionária, amortizado pelo tempo” – vd. última pág. da sentença.
II) Referindo, a propósito, ainda (e apenas) a sentença que “…a despesa dos AA., caso o acordo com o Réu tivesse sido formalizado, não seria de €91.000,00, mas sim superior…” – idem. JJ) Após o que, sem mais, decide condenar o BST a pagar aos AA. €15.000,00.
KK) Ora, é patente a falta de prova e de fundamento desta condenação.
LL) Com efeito, o pagamento de €120.000,00 feito pelos AA. ocorreu em 31.05.2019 – vd. ponto 46 dos Factos Provados.
MM) Pelo que, qualquer hipotético dano decorrente de tal pagamento não tem o cariz de dano negativo, e portanto nunca seria susceptível de ser indemnizado nesta ação.
NN) Sem conceder, reitera-se que, segundo os próprios AA. reconhecem, não terão pago a totalidade dos ditos €120.000,00.
OO) Com efeito, os próprios AA. alegam que o dito pagamento de €120.000,00 “foi realizado, em simultâneo, pelos AA. e pelo filho destes” – vd. art.º 60º da p.i.
PP) Desta forma, cumpre reiterar que os AA. carecem de legitimidade para formular o presente pedido indemnizatório.
QQ) Tal circunstância implica também, por si só, o decaimento do presente pedido indemnizatório.
RR) Novamente sem conceder, cumpre ainda referir, por muito extrema cautela de patrocínio, que, como ficou demonstrado pelo depoimento da testemunha “GG”, o acordo falado entre as partes implicava um encargo total mínimo para os AA. (com capital, juros, impostos e encargos) de cerca de €118.000,00.
SS) Ou seja, o montante de €120.000,00 que terá sido pago em 31.05.2019 pelos AA. era praticamente idêntico ao que foi falado entre os AA. e o BST (sendo que está provado que a cessionária pretendia que os AA. lhe pagassem um valor superior a €200.000,00 – vd. ponto 45 dos Factos Provados).
TT) O que, também por isso, implica a inexistência de qualquer prejuízo para os AA.
UU) Por fim, nota-se que a sentença não explicita minimamente o motivo pelo qual fixou a indemnização em causa em €15.000,00.
VV) Tal circunstância implica a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615º, nº 1, al. b), do CPC.
WW) Por outro lado, a título de danos não patrimoniais, a sentença entendeu condenar o BST a pagar aos AA. €5.000,00.
XX) Ora, a este propósito, não pode deixar de se referir que a pretensa prova dos danos não patrimoniais invocados pelos AA. assentou apenas nos depoimentos, totalmente parciais, da própria A., dos seus 2 filhos, e da referida pessoa que se considera sua 3ª filha.
YY) Pelo que, obviamente, tais pretensos danos (ainda que reduzidos dos €50.000,00 cobiçados pelos AA. para €5.000,00) não poderiam ser considerados provados.
Terminou a Ré pugnando pela procedência do recurso, alterando-se a decisão quanto à matéria de facto e revogando-se a sentença recorrida.
Os Autores não apresentaram alegação de resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

II - FUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Além da questão prévia da admissibilidade da junção documental, identificamos as seguintes questões a decidir:
Do recurso independente
1.ª) Se a sentença é nula nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, por não especificar os fundamentos de facto da decisão atinente ao pedido indemnizatório por danos resultantes da perda de valor ocasionada pela venda urgente do imóvel; ou caso, assim não se entenda, se a sentença é nula quanto a este segmento decisório nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, por oposição entre os fundamentos e a decisão; ou,  no limite, por obscuridade ou ambiguidade quanto à decisão de absolvição do Réu atinente a este pedido, que a torna ininteligível;
2.ª) Se devem ser aditados três novos pontos ao elenco dos factos provados;
3.ª) Se a Ré incorreu na obrigação de indemnizar os Autores em 62.000 € (ou no valor a liquidar) pelos danos resultantes da venda urgente e imediata do imóvel detido por eles, com fundamento em responsabilidade pré-contratual;
4.ª) Se o montante da indemnização por danos não patrimoniais devida pela Ré deve ser fixado em 50.000 € (ao invés do 5.000,00€ fixados na sentença);
Do recurso subordinado
1.ª) Se a sentença é nula, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, por não explicitar o motivo pelo qual o Tribunal condenou a Ré a pagar a parcela indemnizatória fixada em 15.000,00€;
2.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto, dando-se como não provados os factos vertidos nos pontos 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 30, 32, 33, 41 e 42 do elenco dos Factos Provados;
3.ª) Se a Ré não está obrigada a indemnizar os Autores por não estarem verificados os requisitos da responsabilidade pré-contratual, pois não atuou de má fé nas negociações, nem da sua atuação advieram danos para eles.

Questão prévia da admissibilidade da junção documental

Os Autores-Apelantes vieram requerer a junção dos seguintes documentos (os mesmos cuja junção já havia sido indeferida por despacho proferido em audiência de julgamento):
- a cópia de um requerimento (supostamente) apresentado por eles, em 03-12-2018, no processo executivo n.º XXX/10.6TBPDL - que dizem ser “Requerimento submetido em 03.12.2018 no processo n.º XXX/10.6TBPDL, donde se comprova que desde 2012 que o crédito exequendo (Exequente: Banco Espírito Santo/Novo Banco) se mostra  consolidado/reestruturado, estando a ser pago em prestações), bem como liquidados todos os  outros créditos, e que apenas o crédito titulado pelo Banco Réu (Credor Reclamante) permanece em situação de incumprimento”;
- e duas declarações do Novo Banco dos Açores datadas de 15-11-2018 das quais consta que os Autores e os seus filhos “CC” e “DD” estão em situação de cumprimento quanto a três empréstimos - que os Autores dizem ser “Declarações emitidas pelo Novo Banco, datadas de 15.11.2018 que atestam a situação de regularização dos créditos bancários dos Autores e seus filhos”.
Alegam os Apelantes, em ordem a justificar a oportunidade da requerida junção, que a reputam fundamental para escrutínio da verdade material, contradizendo o juízo especulativo do Tribunal a quo, ao decidir, nas palavras dos Autores, que “a liquidez gerada pela venda urgente do imóvel poderá também ter sido destinada a pagar outros créditos similares (urgentes) – embora sem qualquer prova fáctica nesse sentido”. Pretendem, pois, os Autores fazer “a contraprova de tal suposição ou suspeita especulativa do Tribunal”.
Apreciando.
Sobre a junção documental na fase de recurso importa ter presente o disposto nos artigos 423.º a 451.º do CPC e também o n.º 1 do art.º 651.º do CPC, nos termos do qual as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º do mesmo Código ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
O art.º 425.º do CPC preceitua que, depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento. Em anotação a este artigo, explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 243, “Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder da parte ou de terceiro, que, apesar de lhe ser feita a notificação nos termos do art.º 429 ou 432, só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento. Acresce o caso em que o documento, com que se visa provar um facto já ocorrido e alegado, só posteriormente se tenha formado (contendo, por exemplo, uma declaração confessória extrajudicial desse facto); mas não o documento que, embora posteriormente formado, prove um facto não alegado e, ele próprio, de ocorrência posterior (…).
A ocorrência posterior que torna necessário o documento pode ser a própria sentença, que haja decidido com base em facto novo oficiosamente cognoscível (art.º 412) ou em solução de questão de direito nova (art.º 5-3), com desrespeito do princípio do contraditório.
No caso, é manifesto que a junção dos documentos podia ter sido requerida em momento anterior, aliás, até foi efetivamente requerida antes mesmo do encerramento da audiência de julgamento (com o requerimento de 16-06-2023), existindo despacho, com força de caso julgado formal (pois os Autores não interpuseram recurso do mesmo) que assim o entendeu.
O cerne da questão reside, pois, em saber se, como defendem os Apelantes, a junção documental, antes indeferida, afinal se tornou necessária em virtude da sentença.
A única referência que na sentença consta passível de consubstanciar a referida “suspeita especulativa” encontra-se na fundamentação de direito, quando se afirma, a propósito da indemnização peticionada a título de danos patrimoniais, o seguinte: “Por outro lado, ficou por demonstrar por que razão o dinheiro obtido com a venda do imóvel sito no Porto, cujo preço ascendeu a €184.000,00, mesmo descontando a comissão paga à imobiliária e o pagamento do que ainda estaria em falta no crédito hipotecário (que remontava a 1998), não foi logo aplicado na liquidação daquela dívida, e se acaso o foi noutra (por exemplo, para pagamento do credor que havia movido a acção executiva) então teve utilidade e serviu um propósito similar”. Concluindo-se, por isso, que apenas “devem ser atendidos os danos patrimoniais decorrentes do maior valor pago à cessionária, amortizado pelo tempo (o pagamento ocorreu dois anos depois), sem esquecer que a despesa dos AA, caso o acordo com o Réu tivesse sido formalizado, não seria de €91.000,00 mas sim superior (ou seja, no cálculo deste dano não pode pura e simplesmente subtrair-se €91.0000 aos €120.0000 pagos à cessionária”, chegando-se, com tais premissas, ao valor de 15.000,00 € a título de indemnização pelos danos patrimoniais. Considerou o Tribunal que não havia que indemnizar pelo valor diferencial da venda, ante o valor da dívida da responsabilidade dos Autores (cujo valor reclamado em 2011 ascendia cerca de 135.000,00€, tendo apenas sido pago por conta da dívida entre 2013 e 2014 o montante total de 6.000,00€) e que, se o acordo previsto tivesse sido formalizado, não deixavam os Autores de ter vendido, por sua opção, o imóvel no Porto abaixo do valor de mercado, despendendo mais do que os 91.000,00€ e, dado que as prestações relativas à quantia de 51.000,00€ contemplariam certamente juros remuneratórios, como sempre sucede nos contratos de restruturação de dívida com Bancos, a que acresceriam as próprias despesas da escritura com hipoteca a cargo dos devedores.
Portanto, não foi considerado na sentença nenhum facto novo oficiosamente cognoscível, nem sequer equacionada nenhuma solução para uma nova questão de direito. Na verdade, o que foi afirmado na sentença é, vendo bem as coisas, não resultar dos factos que foram alegados e provados que os Autores tivessem direito a uma das parcelas indemnizatórias peticionadas - no montante 62.000,00€ -, correspondente à diferença entre o valor real ou de mercado do imóvel do Porto e o valor pelo qual foi vendido em 2017.
De modo algum se poderá, pois, considerar que a junção documental se tornou necessária em virtude da sentença, pois os Autores bem sabiam que seria discutida a existência de um dano a esse título e a ressarcibilidade daquela verba, ante o conjunto dos factos alegados e que poderiam quedar provados, entre os quais avultava precisamente o atinente à pendência de ação executiva intentada por outro Banco, estando até bem evidenciado pela sua anterior conduta processual (com o requerimento de 16-06-2023), ao pugnarem pela junção dos documentos, que estavam perfeitamente cientes de que a questão iria ser apreciada e que poderia vir a ser ponderada a falta de demonstração de inexistência de outras dívidas.
Pelo exposto, é de rejeitar a junção documental ora efetuada em sede de recurso pelos Autores-Apelantes, condenando-os no pagamento de multa, que se afigura adequado fixar em uma UC, nos termos dos artigos 443.º, n.º 1, do CPC e 27.º, n.º 1, do RCP.

Da nulidade da sentença (1.ª questão de ambos os recursos)

Defendem os Autores-Apelantes que a sentença é nula nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, por não especificar os fundamentos de facto da decisão que desatendeu o pedido indemnizatório por danos resultantes da perda de valor ocasionada pela venda urgente do imóvel; ou caso, assim não se entenda, que a sentença é nula quanto a este segmento decisório nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, por oposição entre os fundamentos e a decisão; ou,  no limite, por obscuridade ou ambiguidade quanto à decisão de absolvição do Réu atinente a este pedido, que a torna ininteligível.
Por sua vez, a Ré, no seu recurso subordinado, defende que a sentença é nula, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, por não explicitar o motivo pelo qual o Tribunal condenou a Ré a pagar a parcela indemnizatória fixada em 15.000,00 €.
Apreciando.
Nos termos das alíneas b) e c) do art.º 615.º, n.º 1, do CPC, a sentença é nula quando:
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
De referir que o disposto na alínea b) mais não é do que uma decorrência e manifestação do dever de fundamentar a decisão consagrado na lei processual civil e na lei fundamental, designadamente no art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do CPC, estatuindo este último que o juiz, na fundamentação da sentença, declara, além do mais, quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados.
Tem sido tradicionalmente entendido que a nulidade da sentença apenas deve ser declarada quando se verifica uma absoluta falta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito que justificam a decisão, não bastando que a fundamentação ou motivação seja deficiente, insuficiente ou até errada - casos que, em regra, se resolvem nos recursos com a invocação de erro de julgamento. Apenas uma fundamentação de facto ou de direito insuficiente ao ponto de não possibilitar às partes uma compreensão cabal e análise crítica das razões (de facto e de direito) da decisão judicial pode ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade dessa decisão. Neste sentido, veja-se, a título exemplificativo: o acórdão do STJ de 03-03-2021, no proc. n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “II. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.”; e o acórdão do STJ de 02-03-2011, proferido no proc. n.º 161/05.2TBPRD.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança do ponto 1. do respetivo sumário: “À falta de fundamentação de facto e de direito deve ser equiparada a fundamentação que exponha as razões, de facto e de direito, para a decisão de modo incompleto, tornando deste modo a decisão incompreensível e não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação”.
Na fundamentação de direito constante da sentença recorrida (que está dividida em duas partes), avultam as considerações de que acima (a propósito da questão prévia) demos conta, numa parte intitulada “B) Da indemnização a atribuir aos AA”, em que se começa por referir a discussão na jurisprudência e na doutrina a respeito do âmbito da obrigação de indemnizar na responsabilidade pré-contratual, ou melhor, a de saber “quais são os danos indemnizáveis nesta situação”. Outras considerações constam da sentença, na parte intitulada “A) Responsabilidade pré-contratual – pressupostos”, em que, a terminar, é afirmado que: “O Banco Réu tomou inclusive conhecimento de que os AA estavam a promover a venda de um imóvel para proceder ao pagamento da quantia de €40.000,00.
Ou seja, estamos perante negociações avançadas que criaram nos AA a legítima expectativa de consumação do acordo de reestruturação da sua dívida, a ponto de os levar a tomar a decisão de vender apressadamente e abaixo do valor de mercado um imóvel que estimavam e do qual retiravam proveitos. No processo negocial os AA tiveram uma actuação irrepreensível, remetendo diversa documentação ao Réu para que este pudesse acelerar a marcação da nova escritura com vista à reestruturação daquele crédito e constituição de hipoteca. Após a venda do imóvel, o Banco Réu chegou a indicar uma conta onde os AA deveriam depositar a quantia de €40.000,00.
O Banco gerou nos AA uma situação de confiança digna de tutela e que já não podia defraudar injustificadamente.
(…) Ora, como vimos, os AA confiaram legitimamente na conclusão do contrato, a sua ruptura mostra-se injustificada no contexto, frustrando expectativas fundamentadas da contraparte na realização do negócio. Foi porque confiaram na contraparte e na seriedade das negociações que os AA venderam um imóvel abaixo do valor de mercado, venda que pelo menos no imediato não serviu o seu propósito, e o valor que mais tarde pagaram à cessionária, depois de muita negociação, foi efectivamente sensivelmente superior ao que pagariam ao Réu, para além dos transtornos, frustração e tristeza que compreensivelmente sofreram. Ou seja, tiveram prejuízos decorrentes da confiança de que as negociações chegariam a bom porto. Estão assim reunidos os pressupostos de verificação de responsabilidade pré-contratual do Banco Réu com a inerente obrigação de indemnizar.”
Analisando toda a fundamentação da sentença, constatamos que na mesma se considerou a venda do apartamento do Porto como um elemento indicador de que os Autores tinham confiado que as negociações iniciadas com a Ré culminariam na realização do acordo de reestruturação da sua dívida. No entanto, considerou-se que a circunstância de a venda ter sido efetuada abaixo do valor de mercado não justificava que aqueles fossem indemnizados pelo valor diferencial, afirmando-se inclusivamente a este respeito que “pretendem colocar-se numa situação mais vantajosa do que aquela que resultaria do cumprimento do acordo de reestruturação delineado com o Banco Réu, esquecendo que na sua base havia um dívida da sua responsabilidade (cujo valor reclamado em 2011 ascendia cerca de €135.000,00 tendo apenas sido pago por conta da dívida entre 2013 e 2014o montante total de €6.000,00) e que se o acordo previsto tivesse sido formalizado continuavam a ter vendido, por sua opção, o imóvel no Porto abaixo do valor de mercado, e teriam despendido mais do que os €91.000,00”.
Portanto, é inevitável concluir que a sentença se encontra fundamentada a este respeito, não sendo nula por falta de especificação dos fundamentos que a justificam.
Quanto às demais causas de nulidade invocadas pelos Apelantes, previstas no art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, importa ter presente que uma tal nulidade apenas se verifica quando se constate que os fundamentos de facto e/ou de direito da sentença não podiam logicamente conduzir à decisão que veio a ser tomada no segmento decisório da sentença ou quando neste se verifica uma obscuridade ou ambiguidade que torna essa mesma decisão ininteligível. A “decisão” a que se refere este preceito legal não é, obviamente, a decisão da matéria de facto, sendo a lei muita clara a este respeito, ao prever que, quando a decisão da matéria de facto seja deficiente, obscura ou contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando se mostre indispensável a sua ampliação quanto a determinados factos ou quando não esteja tal decisão devidamente fundamentada sobre factos essenciais para o julgamento da causa, não é caso para arguição da nulidade da sentença, antes para a impugnação da decisão da matéria de facto e sua modificação, que até pode ser oficiosamente determinada em certas situações, nos termos previstos nos artigos 640.º e 662.º do CPC. Portanto, não se trata no preceito legal em apreço da decisão em sentido amplo, abrangendo a fundamentação de facto e/ou de direito, mas da decisão em sentido estrito, isto é, repete-se, do segmento decisório da sentença. Nesta linha de pensamento, a título de exemplo, destacamos os acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt):
- de 03-03-2021, proferido no proc. n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, acima referido, conforme resulta da seguinte passagem do respetivo sumário:
“I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
(…) III. A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
IV. Verifica-se tal nulidade quando existe contradição entre os fundamentos e a decisão e não contradição entre os factos provados e a decisão, ou contradições da matéria de facto, que a existirem, configuram eventualmente erro de julgamento.”
- de 09-03-2022, no proc. n.º 4345/12.9TCLRS-A.L1.S1, conforme se retira da seguinte passagem do respetivo sumário:
“I - As nulidades da sentença/acórdão, encontram-se taxativamente previstas no art.º 615º CPC e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/acórdão também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença/acórdão, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
II - A nulidade da sentença/acórdão prevista no 1º. segmento do al. c) do nº. 1 do citado art.º 615º - fundamentos em oposição com a decisão - ocorre quando os fundamentos de facto e/ou de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão, existindo, pois, uma contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e conclusão/decisão final.
Que a “decisão” visada no art.º 615.º, n.º 1, al. c) corresponde à parte decisória da sentença, ensinam também, entre outros autores, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, págs. 734-737, explicando que: “(…) a ininteligibilidade da parte decisória da sentença, contemplada na alínea c), quando subsista após a rejeição da arguição de nulidade, pelo juiz ou pelo tribunal de recurso, ou após a falta desta arguição (ver os arts. 615-4 e 617-1), merece a qualificação de nulidade. Com efeito, embora a ininteligibilidade, decorrente de ambiguidade ou obscuridade, tenha o tratamento da anulabilidade, carecendo de arguição da parte, a falta desta ou a sua rejeição tem o efeito de tornar definitivamente inaproveitável a sentença, por falta de decisão compreensível (…) No regime atual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória da sentença, só releva quando gera a ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236-1 CC e 238-1 CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar. Sendo assim, se o vício não for corrigido, a sentença não poderá aproveitar-se, sendo nula, nos termos gerais dos arts. 280-1 CC e 295 CC. (…)
Os casos das alíneas b) a e) do n.º 1 (excetuada a ininteligibilidade da parte decisória da sentença: ver o n.º 2 desta anotação) constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade.
Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum).
Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art.º 607-3). (…)
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determina consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.”
Atentando na sentença recorrida, que julgou a ação parcialmente procedente, constata-se que da mesma consta a decisão da matéria de facto, incluindo o elenco(s) dos factos provados e não provados e a respetiva motivação, bem como a fundamentação de direito, em que se apreciou a pretensão dos Autores quanto as três diferentes parcelas indemnizatórias, incluindo, precisamente, a atinente a danos pelo valor diferencial de venda do aludido apartamento, vindo o Tribunal de 1.ª instância a concluir que apenas se justificava indemnizar, por um lado, os danos atinentes ao montante acrescido que os Autores acabaram por pagar à credora cessionária (mas considerando adequado fixar tal verba em 15.000€ ao invés dos 29.000€ peticionados) e, por outro lado, os danos não patrimoniais (fixando a respetiva verba indemnizatória em 5.000€).
Assim, e tendo em atenção o sentido que a expressão “decisão” tem no art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, é por demais evidente que não se verifica nenhuma das causas de nulidade aí previstas, pois os fundamentos de facto e de direito da sentença não estão em oposição com a decisão de procedência parcial da ação, nem a parte decisória da sentença é ininteligível, antes pelo contrário, nada tendo de ambíguo ou obscuro.
As objeções dos Apelantes traduzem-se verdadeiramente na invocação de erro de julgamento, a apreciar adiante, mas não configuram causas de nulidade da sentença.

Finalmente, quanto à nulidade invocada pela Ré no recurso subordinado, ao abrigo do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, por não estar, segundo diz, explicitado o motivo pelo qual foi condenada a pagar a parcela indemnizatória de 15.000,00€, remetemos, por economia, para as considerações suprarreferidas, sendo inevitável concluir que não assiste razão à Ré.
Efetivamente, na sentença, ainda que de forma sucinta, consta a fundamentação dessa decisão condenatória, mormente quando se afirma (resta saber se bem) que “devem ser atendidos os danos patrimoniais decorrentes do maior valor pago à cessionária, amortizado pelo tempo (o pagamento ocorreu dois anos depois), sem esquecer que a despesa dos AA, caso o acordo com o Réu tivesse sido formalizado, não seria de €91.000,00 mas sim superior (ou seja, no cálculo deste dano não pode pura e simplesmente subtrair-se €91.0000 aos €120.0000 pagos à cessionária”.
Aliás, à semelhança do que fazem os Autores, também a Ré, na sua alegação de recurso, evidencia ter compreendido os fundamentos de facto e de direito em que se estriba a decisão condenatória, manifestando a sua discordância, ao invocar erros de julgamento (de facto e de direito).
Pelo exposto, improcedem as conclusões de ambas as alegações de recurso atinentes à arguição de nulidades da sentença.

Dos Factos

Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (acrescentámos para melhor compreensão e por estarem plenamente provados os factos que constam entre parenteses retos; assinalámos com asterisco os pontos impugnados, onde, por economia, desde já inserimos, igualmente entre parenteses retos, as alterações feitas por via da procedência parcial da impugnação da decisão da matéria de facto):
1. Por contrato celebrado no dia 12 de Agosto de 2008, entre os Autores e a entidade bancária “Banco Banif e Comercial dos Açores, S.A.” (que resultou da alteração da denominação “Banco Comercial dos Açores”), com o NIPC ..., foi celebrado um contrato de mútuo com Hipoteca e Mandato, no qual esta concedeu aos Autores, a título de empréstimo, a quantia global de 100.000,00€ (cem mil euros) (destinado a reestruturação de responsabilidades financeiras, nos termos do documento complementar anexo), junto à p.i. como doc. 1 e que se dá por reproduzido (art.º 1º da p.i.).
2. No respetivo contrato ficou convencionado que a quantia mutuada, acrescida dos juros remuneratórios, seria liquidada pelos Autores no prazo de dez anos, mediante prestações mensais, constantes de capital e juros, que seriam pagas por débito na conta de Depósitos à ordem, titulada pelos Autores à data da celebração deste contrato (prevendo-se na cláusula sexta do documento complementar anexo, além do mais, que “no caso de incumprimento do pagamento dos juros remuneratórios o Banco procederá à capitalização dos juros vencidos, desde que não correspondam a um período inferior a três meses, ou por menor período, caso venham a existir disposições legais que o permitam” e que “Os juros devidos pela mora incidirão sobre o capital vencido, podendo neles ser incluídos os juros remuneratórios em dívida capitalizados, correspondentes ao período mínimo de um ano, ou por menor período se vier a ser autorizado por disposição legal”; na cláusula sétima, além do mais, que “quaisquer garantias que assegurem o capital, juros contabilizados ou não, e demais encargos e despesas devidas se mantém, em caso de eventual extinção deste empréstimo decorrente da sua substituição por um novo empréstimo”; na cláusula décima primeira que “O não cumprimento do qualquer das obrigações assumidas neste contrato ou a ele inerentes e/ou relativas à garantia prestada, nomeadamente o atraso no pagamento dos juros ou amortizações, bem como a apreensão judicial por qualquer forma do bem hipotecado, e ainda nos casos previstos no Art.º 780º do Código Civil ou se o bem hipotecado for objeto de apreensão judicial ou qualquer outra forma de oneração, implica o imediato vencimento de tudo o que for devido, seja principal ou acessório, com a consequente exigibilidade de todas as obrigações ou responsabilidades, ainda que não vencidas”; e na cláusula décima segunda que “O Banco fica desde já autorizado a proceder à compensação, total ou parcial, das quantias em dívida emergentes deste contrato, com valores existentes em quaisquer contas de que os mutuários sejam titulares”) (art.º 2º da p.i.).
3. Para garantia do capital mutuado e respetivos juros remuneratórios e moratórios, os Autores constituíram, a favor da entidade supra mencionada, hipoteca sobre a fração autónoma designada pela letra “A”, consistente numa moradia com cave, rés-do-chão, primeiro andar e sótão, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no Caminho (…) n.º (…), freguesia de (…), concelho de Ponta Delgada, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…) e inscrita na respetiva matriz com o artigo (…) (hipoteca registada mediante ap. 19 de 2008/08/18, sendo o montante máximo assegurado de 148.883€) (art.º 3º da p.i).
4. Com a assinatura do respetivo contrato mútuo com hipoteca, os Autores confessaram-se devedores da quantia ali mencionada à entidade identificada em 1., assumindo o cumprimento de todas as cláusulas que integram todo o contrato (art.º 4º da p.i).
5. A entidade com a qual os Autores contrataram este mútuo, foi alvo de um projeto de fusão, por incorporação, pela entidade que lhe veio a suceder – BANIF - Banco Internacional do Funchal, S.A., com o NIPC … – tendo sido transmitidos a esta todos os direitos, obrigações e património global da sociedade incorporada, com efeitos a partir do dia 31-12-2008 – data em que foi registada a fusão (art.º 5º da p.i).
6. Os Autores deixaram de pagar as prestações que se iam vencendo a partir do dia 12-01-2009 (art.º 7º da p.i).
7. O que originou uma quantia em dívida no valor de 97.380,35 € a título de capital e de 33.342,07€ a título de juros remuneratórios e imposto de selo devido, reportados à data de 25 de julho de 2011, mês em que o BANIF - Banco Internacional do Funchal, S.A. foi notificado para reclamar créditos no âmbito de uma ação executiva intentada por outro credor (o então Banco Espírito Santo dos Açores, S.A. - cf. embora não numerado, doc. 3 junto com a PI) – Proc. n.º XXX/10.6TBPDL – e na qual havia sido averbada uma penhora sobre o imóvel dado em garantia no contrato de mútuo referido (arts. 8º e 9º da p.i).
8. Em 08-09-2011 o “BANIF - Banco Internacional do Funchal, S.A.” reclamou ali créditos, no valor de 135.089,62€, no qual se incluíam capital (97.380,35€), juros (33.342,07€) e todas as despesas suportadas (sendo 4.367,20€ de importo de selo), através da reclamação junta em cópia como doc. n.º 3 à p.i. (art.º 10º da p.i) (apesar de não numerado, cf. doc., que na PI vem referenciado com doc. 3, junto com o requerimento de 16-09-2020).
9. Nos meses de junho de 2013 a junho de 2014, os Autores procederam mensalmente ao depósito no Banco Banif da quantia de 500,00 €, com vista a liquidar a dívida junto deste Banco (art.º 11º da p.i).
10. O objetivo dos Autores era regularizar o crédito detido pelo BANIF para que pudessem, em simultâneo, regularizar o crédito exigido na ação n.º XXX/10.6TBPDL (art.º 12º da p.i).
11. Em 20-12-2015, pelas 23h30, e por força da deliberação extraordinária no Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi aplicada ao BANIF - Banco Internacional do Funchal, S.A. uma medida de resolução mediante a qual, parte dos direitos e obrigações correspondentes aos seus ativos, passou a ser transferida para o Réu – Banco Santander Totta, S.A. (art.º 14º da p.i).
12. Ficou determinado alienar ao Réu os direitos e obrigações que constituíssem ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, do “BANIF”, constantes do anexo 3 à deliberação referida (art.º 15º da p.i).
13. O Réu sucedeu nos direitos e obrigações transferidas do “BANIF - Banco Internacional do Funchal, S.A.”, cujo alienação e execução das respetivas medidas teve efeitos imediatos, e o Réu passou a ser imediatamente credor dos Autores nos montantes referentes ao contrato de mútuo com hipoteca referido no ponto 1. (arts. 16º e 17º da p.i).
14. Em 2017 os Autores encetaram negociações com o Réu, através de funcionárias do balcão de Ponta Delgada, por forma a regularizarem e extinguirem imediatamente todos os créditos (arts. 19º e 21º da p.i).
*15. Fruto das negociações encetadas entre o Banco Réu, através das funcionárias do balcão de Ponta Delgada, e os Autores, estes acordaram verbalmente em fixar a dívida no valor de 91.000,00€ com um pagamento imediato de 40.000,00€ (arts. 23º e 24º da p.i). (15. No decurso das negociações encetadas entre o Banco Réu, através das funcionárias do balcão de Ponta Delgada, e os Autores, estes últimos mostraram disponibilidade para, conforme sugerido por aquelas, fazerem, a curto prazo, um depósito de 40.000,00€ numa conta a abrir para o efeito nesse Banco, quantia que, caso fosse aprovada pelo Banco a proposta de reestruturação que estava a ser gizada, serviria para pagamento de parte da dívida.)
*16. O remanescente seria liquidado em prestações, cujos montantes e datas de pagamento viriam a ser fixados por escritura a celebrar com o Réu (art.º 26º da p.i). (16. O remanescente da dívida seria liquidado em prestações, com montantes e datas de pagamento a definir no decurso das negociações para reestruturação da dívida, de modo a constarem da proposta referida em 15.)
*17. Foi acordado com as funcionárias do balcão de Ponta Delgada que o remanescente do valor em dívida, a ser pago em prestações mensais, iria ser garantido com uma nova hipoteca sobre o imóvel, fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a uma moradia com cave, rés-do-chão, primeiro andar e sótão, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no Caminho (…), n.º (…), freguesia de (…), concelho de Ponta Delgada, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…) ((…) da freguesia de (…)) e inscrita na respetiva matriz com o artigo (…) (art.º 30º da p.i). (facto eliminado)
*18. Para efeitos de obterem liquidez que lhes permitisse efetuar o depósito da quantia de 40.000,00€ e com isso reduzir e pagar parcialmente a quantia em dívida, os Autores promoveram a venda urgente de um imóvel sito no Porto, assim como o lugar de garagem e arrecadação, registados em nome da sua filha “CC” (art.º 27º da p.i). (18. Para efeitos de obterem liquidez que lhes permitisse, como pretendiam, a aprovação de uma reestruturação da dívida, com a redução e o pagamento parcial da quantia em dívida, os Autores promoveram a venda urgente de um imóvel sito no Porto, assim como o lugar de garagem e arrecadação, registados em nome da sua filha “CC”.)
*19. O Banco Réu, através das funcionárias do balcão de Ponta Delgada, sabia que os Autores estavam a promover a venda de um imóvel no Porto para conseguir pagar a quantia de 40.000,00€ (arts. 113º e 114º da p.i). (facto eliminado)
*20. A urgência no depósito da quantia de 40.000,00€ foi a única razão pela qual os Autores diligenciaram pela venda das frações sitas no Porto, registadas em nome da sua filha, abdicando de explorar o mercado e vender por um preço superior face ao que era praticado naquele ano (art.º 35º da p.i). (facto eliminado)
*21. Se não fossem as negociações encetadas com o Réu, os Autores não teriam promovido a venda do imóvel sito no Porto (art.º 73º da p.i). (facto eliminado)
22. O imóvel sito no Porto foi adquirido para que a filha dos Autores nele habitasse quando ingressou na faculdade no Porto, com recurso a financiamento bancário cujas prestações eram pagas pelos Autores (arts. 89º e 90º do articulado de resposta).
23. Quando a filha mais velha terminou a licenciatura, o apartamento foi utilizado pelo filho mais novo com a mesma finalidade (art.º 90º do articulado de resposta).
24. Eram os Autores que suportavam as despesas de IMI, condomínio e demais despesas inerentes ao imóvel (art.º 97º do articulado de resposta).
25. Sempre que os Autores, ou algum dos seus filhos, se deslocavam de Ponta Delgada à cidade do Porto - o que acontecia frequentemente - era neste apartamento que ficavam evitando despesas de alojamento e acréscimos com despesas de alimentação (art.º 82º da p.i).
26. O imóvel estava em ótimo estado de conservação, rodeado de comércios, serviços, perto de jardins, com vista desafogada (arts. 75º e 76º da p.i).
27. No dia 31 de maio de 2017, os Autores, na qualidade de procuradores da sua filha (em nome da qual estava registada a aquisição), venderam o prédio urbano, de 124 m2, correspondente às frações designadas pelas letras “E” (habitação), “BC” (vaga de garagem) e “CG” (arrecadação), sito na Rua (…), n.º (…) da união de freguesias de (…), concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana com o artigo n.º (…) (quanto às duas primeiras frações e do prédio descrito na CRP do Porto sob o n.º (…) da freguesia de (…) e inscrito na matriz predial urbana com o art.º (…) quanto à fração (…)), pela quantia total de 184.000,00€ (170.000€ a fração (…), 10.000€ a fração (…) e 4.000€ a fração (…)), tendo pago uma comissão à imobiliária e a dívida ao credor hipotecário em montante não concretamente apurado (incidindo hipotecas sobre as frações (…) e (…) registadas pela ap. 45 de 2000/08/17 (fração (…)) e ap. 31 de 1998/07/17 (fração (…)) e sobre a fração (…) registada pela ap. 31 de 1998/07/17 – cf. doc. 27 junto com a PI e requerimento de 18-09-2020 - escritura de compra e venda junta com a PI, cadernetas prediais e certidão do registo predial), permanecendo com a diferença (art.º 28º da p.i – resposta explicativa).
28. Na altura o mercado imobiliário na cidade do Porto estava em grande ascensão (art.º 29º da p.i).
29. À data da venda do imóvel no Porto, o preço por m2, naquele ano e zona – Rua (…), freguesia de (…) – ascendia a um valor de referência de superior àquele por que foi vendido, em montante não concretamente apurado (art.º 68º da p.i em parte).
*30. Enquanto duravam as negociações, os Autores remeteram diversa documentação ao Réu para que esta pudesse acelerar a marcação da nova escritura com vista à reestruturação daquele crédito e constituição de hipoteca, nomeadamente a avaliação referente ao imóvel levada a cabo pelos Autores, que deu entrada no Réu em 19 de junho de 2017 bem como as suas declarações de rendimentos, entre outros (art.º 31º da p.i). (30. Enquanto duravam as negociações, os Autores remeteram diversa documentação ao Réu com vista a negociar a reestruturação daquele crédito, nomeadamente a avaliação referente ao imóvel levada a cabo pelos Autores, que deu entrada no Réu em 19 de junho de 2017, bem como as suas declarações de rendimentos, entre outros.)
31. No dia 16 de junho de 2017, a funcionária “FF” remeteu à Autora o email junto à p.i. como doc. 22 e que se dá por reproduzido, a fls. 69 verso, no qual indicou o n.º de conta para a Autora efetuar o depósito da quantia de 40.000,00€ (Constando designadamente desse email o seguinte “Bom dia Sr.”BB”, o seu nº de conta para poder depositar os 40.000 EUR é”, seguindo-se a indicação do n.º de conta e uma imagem de consulta do sistema do Banco efetuada nessa mesma data por “FF”, onde constam o n.º de conta, o nome de “BB”, o NIB e o IBAN). (arts. 31ºe 32º da p.i).
*32. Os Autores aguardaram pela indicação da Ré na marcação da escritura e assinatura do acordo (art.º 34º da p.i). (facto eliminado)
*33. No dia 19 de junho de 2017 os Autores dirigiram-se ao balcão para efetuar o depósito de 40.000,00€ e foram informados por um funcionário que os recebeu, com quem não tinha entabulado negociações, que “continuariam em contencioso”, ao que a Autora tentou falar com a funcionária “FF” que não se encontrava na agência, optando por não realizar qualquer depósito até esclarecimento da situação (art.º 37º da p.i em parte – resposta explicativa). (33. No dia 19 de junho de 2017 os Autores dirigiram-se ao balcão do Banco Réu, na Calheta, Ponta Delgada, agência onde não encontrava a testemunha “FF”; nessa data, os Autores optaram por não realizar o depósito da quantia de 40.000€ referida no ponto 15.)
34. Os Autores não chegaram a efetuar o pagamento dos ditos 40.000,00€ (art.º 45º da contestação).
35. No dia 26 de junho de 2017 o Réu vendeu à Sandalgreen, Assets, S.A. uma carteira de créditos onde se incluía o crédito detido sobre os Autores, conforme contrato junto à p.i. como doc. 23 e que se dá por reproduzido (art.º 42º da p.i).
36. No dia 24 de agosto de 2017, os Autores receberam por parte da entidade “Whitestar” um email contendo uma carta em anexo, datada de 17-07-2017, que dava conhecimento da respetiva cessão de créditos com efeitos a partir do dia 26 de junho, conforme email junto à p.i. como doc. 23 e que se dá por reproduzido (arts. 42º da p.i).
37. Os Autores não tomaram anteriormente conhecimento da cessão nem de que se encontravam em curso negociações com vista à cessão de créditos do Réu que duravam há meses, informação que o Réu não prestou, como não deu qualquer justificação para o sucedido (arts. 39º, 44º, e 45º da p.i – resposta explicativa).
38. As cessões de créditos em incumprimento efetuadas pelas instituições bancárias são realizadas em bloco (isto é, abrangem uma enorme multiplicidade de créditos) e não individualmente (art.º 100º da contestação).
39. O crédito sobre os Autores fazia parte do conjunto de créditos que seria cedido pelo Banco Réu na operação em causa (art.º 101º da contestação).
40. Incrédulos com a situação decorrente da cessão de créditos, após a receção da informação dada pela cessionária, os Autores deslocaram-se por diversas vezes à agência do Réu, sita na cidade de Ponta Delgada, onde foram encetadas as negociações, no sentido de pedir uma explicação sobre o sucedido (art.º 53º da p.i).
*41. As funcionárias furtaram-se a mais encontros, e depois de esforços nesse sentido, as respostas que obtiveram das pessoas com as quais tinham vindo a tratar de todas as negociações – funcionárias do Réu – é que estas também desconheciam toda a situação, tendo ficado, de igual forma, surpreendidas com tal facto, e uma delas mostrou-se até envergonhada (art.º 54º da p.i). (facto eliminado)
*42. Os Autores ficaram tristes com o facto de a venda de um imóvel que estimavam não ter servido o propósito a que se destinava (arts. 81º e 83º da p.i). (Os Autores estimavam o imóvel referido no ponto 27.)
43. No dia 29 de dezembro de 2017, através do incidente de habilitação de cessionário que esta sociedade apresentou no proc. n.º XXX/10.6TBPDL, os Autores tomaram conhecimento do teor do contrato de cessão de créditos celebrado entre a Ré e a Sandalgreen, Assets, S.A., contendo como anexo I a listagem dos créditos que haviam sido cedidos e por que montantes (art.º 48º da p.i).
44. Neste contrato consta que o crédito detido pelo Réu (relativo aos Autores) foi cedido à entidade “Santalgreen Assets, S. A.” pelo valor de 11.663,00 € (onze mil, seiscentos e sessenta e três euros) (art.º 50º da p.i).
45. A cessionária não considerou as negociações que haviam sido encetadas anteriormente entre os Autores e o Réu, exigindo daqueles o montante total que consideraram ser devido àquela data, e onde foram imputados todos os juros de mora vencidos até então, cujo valor final ultrapassava a quantia de 200.000,00€ (art.º 58º da p.i).
46. Após várias negociações e porque os Autores pretendiam evitar a venda coerciva do imóvel penhorado no âmbito do proc. XXX/10.6TBPDL, e sobre o qual incidia a garantia real a favor da nova cessionária, foi paga pelos Autores a quantia de 120.000,00€ (cento e vinte mil euros) à entidade “HEFESTO, STC, S.A.” que, entretanto, havia sucedido num outro contrato de cessão de créditos, e emitiu o respetivo recibo e declaração de quitação em 30 de maio de 2019 (art.º 59º da p.i).
47. Para efeitos de regularizar a dívida com a cessionária, os Autores recorreram e pediram a intervenção de diversos advogados para que estes encetassem e concluíssem as negociações havidas com aquela entidade cessionária que pretendia valores mais altos do que aqueles que os Autores haviam tomado como certos junto da Ré (art.º 87º da p.i).
48. Os Autores tiveram várias deslocações e reuniões para que o problema fosse resolvido, o que lhes causou transtorno e desespero, e noites sem dormir (arts. 90º e 92º da p.i).

Na sentença foram considerados não provados os seguintes factos:
1. A matéria alegada pelos Autores nos arts. 11º (na parte em que em meados do ano 2013, os Autores intercederam junto do “BANIF” no sentido de ser resolvido aquele crédito e foi reestruturada a dívida até então existente), 37º (na parte em que a deslocação para efetuar o depósito de 40.000,00€ tivesse ocorrido no mês de agosto e que foi aquando desta deslocação que os Autores tomaram conhecimento da cessão de créditos), 60º (que o pagamento foi realizado, em simultâneo, “pelos Autores, e pelo filho destes”, no dia 31 de maio de 2019 - data em que conseguiram também proceder ao pagamento e resolução do processo judicial n.º XXX/10.6TBPDL junto do outro credor), 68º (na parte em que o preço por m2 ascendesse a 2.030,00€ (dois mil e trinta euros), e 69º (que o valor à data da p.i. por m2 seja de 3.340,00€), da p.i.;
2. A matéria alegada pelo Réu nos arts. 44º (que o acordo falado entre as partes implicasse um encargo total mínimo para os Autores (com capital, juros, impostos e encargos) de cerca de 118.000,00€), 88º (que o Réu desconhecesse que os Autores estavam a vender o imóvel do Porto para efetuarem o pagamento de 40.000,00€), e 98º (que o Réu tivesse transmitido aos Autores a decisão de ceder o crédito a entidade terceira) da contestação.

Da modificação da decisão da matéria de facto (2.ª questão de ambos os recursos - por razões lógicas, serão apreciadas primeiramente as questões suscitadas no recurso subordinado)

Pontos 15, 16, 17 e 30

Lembramos que na sentença foi dado como provado que:
15. Fruto das negociações encetadas entre o Banco Réu, através das funcionárias do balcão de Ponta Delgada, e os Autores, estes acordaram verbalmente em fixar a dívida no valor de 91.000,00€ com um pagamento imediato de 40.000,00€.
16. O remanescente seria liquidado em prestações, cujos montantes e datas de pagamento viriam a ser fixados por escritura a celebrar com o Réu.
17. Foi acordado com as funcionárias do balcão de Ponta Delgada que o remanescente do valor em dívida, a ser pago em prestações mensais, iria ser garantido com uma nova hipoteca sobre o imóvel, fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a uma moradia com cave, rés-do- chão, primeiro andar e sótão, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no Caminho (…), n.º (…), freguesia de (…), concelho de Ponta Delgada, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…) e inscrita na respetiva matriz com o artigo (…).
30. Enquanto duravam as negociações, os Autores remeteram diversa documentação ao Réu para que esta pudesse acelerar a marcação da nova escritura com vista à reestruturação daquele crédito e constituição de hipoteca, nomeadamente a avaliação referente ao imóvel levada a cabo pelos Autores, que deu entrada no Réu em 19 de junho de 2017 bem como as suas declarações de rendimentos, entre outros.
O Tribunal a quo motivou a decisão da matéria de facto a este respeito referindo que:
«A convicção do tribunal acerca dos factos provados e não provados baseou se na ponderação de todo o acervo probatório produzido nos autos, à luz das regras de experiência comum, analisado de forma conjugada e crítica nos termos que passamos a expor.
(…) Os pontos 15 a 17 e 30 (quanto ao acordo verbal alcançado entre os AA e as funcionárias do Réu no balcão de Ponta Delgada para reestruturação da dívida e envio de documentação para efeitos da celebração da escritura com hipoteca sobre uma casa dos AA) são fruto da conjugação das declarações prestadas por “DD”, filho dos AA, que referiu foi a várias reuniões no âmbito das negociações em 2017 e “chegou-se a um valor” que era de €91.000,00, havia um requisito que era efectuar “uma entrega inicial de €40.000,00”, sendo o restante, €51.000,00, pago em prestações, tendo entregue documentação para a realização da escritura (IRS e documentação relativa aos imóveis a dar em garantia), e pela Autora que deu conta das negociações e valores acordados, e do envio de documentação, designadamente as plantas da casa que serviria de garantia, em conjugação com os documentos juntos à p.i. como docs. 20 e 21, a saber: email remetido por “DD” para a funcionária “FF” em 19/06/2017 contendo a caderneta predial de um prédio “fracção A” sito em Ponta Delgada em seu nome (doc. 20); e uma “avaliação de propriedade”, com carimbo de entrada no Banco Réu em 19/06/2017, referente à mencionada “fracção A” e a outra “fracção B” afecta a comércio, atribuindo-se um valor total à propriedade superior a 3 milhões de euros (doc. 21).
As testemunhas “EE” e “FF”, funcionárias do Réu no balcão de Ponta Delgada com quem os AA negociaram a restruturação da dívida, confirmaram a existência de várias negociações e o alcançar de “uma negociação final”. A testemunha “EE” declarou que este acordo passava pela entrega de um valor “que se fosse aprovado superiormente, resolvia-se” ainda que não tivessem referido o valor em que se fixaria a dívida por dele não se recordar, recordando-se que o valor a entregar era de €40.000,00. Explicou que este pagamento seria “uma prova de boa fé” ficariam numa conta criada para o efeito e não seriam utilizados “até haver aprovação superior”, sem se recordar do que “taxativamente disse aos AA”, confirmou que estava em causa uma consolidação com hipoteca e por isso pediram dados do imóvel. “FF” prestou declarações idênticas e disse nomeadamente que “falou-se em €40.000,00, era o valor que o cliente tinha de pagar para retirar o processo de contencioso” “era uma salvaguardar para defender a posição do balcão” “para avançar com o pedido de aprovação”, como também confirmou ter tido acesso à documentação do imóvel a dar em hipoteca.»
A Ré defende que tais factos devem ser considerados não provados, invocando, em síntese, os depoimentos das testemunhas “EE”, “FF” e “GG” e a falta de credibilidade do depoimento da testemunha “DD” e das declarações prestadas pela Autora.
Apreciando.
Desde já adiantamos, que, ante o conjunto da prova produzida, analisada conjugada e criticamente, à luz de regras de experiência e juízos de normalidade, não ficámos convictos de que os factos se tenham passado exatamente da forma descrita na sentença recorrida.
Assim, quanto aos factos atinentes à existência de um concreto acordo verbal de reestruturação da dívida, os únicos meios de prova foram as declarações prestadas pela Autora e o depoimento do seu filho “DD”, testemunha esta que, na prática, revelou ter tanto interesse na causa como os Autores, ante a confusão de patrimónios de que o próprio (e também a sua irmã “CC”), deu conta – em particular, considerando a participação daquele nas empresas da família, a sua presença nas reuniões com o Banco, enquanto proprietário da fração hipotecada e com disponibilidade para dar em garantia outra fração de que era proprietário, e pela circunstância de ser ele quem efetuou alguns dos depósitos a que se refere o ponto 9 do elenco dos factos provados, entre 2013 e 2014, para amortização parcial da dívida (cf. documentos 4, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 15 juntos com a PI).
Temos, pois, que tanto a Autora como o seu filho deram conta de uma determinada versão dos factos – que, como melhor se explicitará adiante, até se nos afigura algo inverosímil quanto a vários aspetos – prestando declarações e um depoimento, cuja parcialidade e subjetividade foi bem evidente, sem que estejam suficientemente corroborados por outros meios de prova, mormente testemunhal e documental. Foram, ao invés, quanto a factos da maior relevância, contrariados pelos documentos juntos aos autos e pelos depoimentos das testemunhas “EE”, “FF” e “GG”, prestados de forma que se nos afigurou segura e sincera, não obstante serem funcionárias da Ré, deixando-nos com sérias dúvidas quanto à veracidade das afirmações que em contrário foram feitas pela Autora e pelo seu filho.
De salientar a incipiente prova documental, parecendo-nos que, tratando-se da concretização de um acordo (ainda que verbal) de reestruturação de dívida, o normal seria que existissem alguns documentos elucidativos da forma como havia sido obtido, os quais, contrariamente ao que entendeu o Tribunal recorrido, não existem, pelo menos com a relevância e o sentido que lhes foi atribuído.
Em face de uma situação de incumprimento de dívida que já remontava a 2009 (que, segundo a Autora reconheceu e também resulta do contrato de mútuo celebrado com o BANIF, já tinha “migrado” do BCA (Banco Comercial dos Açores) e havia sido reestruturada), tendo o Banco reclamado o pagamento dessa dívida em 2011, cujo montante então ascendia a 135.089,62€ (97.380,35€ de capital e 33.342,07€), não podemos deixar de considerar algo inusitado que os Autores (desacompanhados de advogado) tivessem, em meras conversas com duas funcionárias da agência de Ponta Delgada, logrado obter o acordo destas no sentido de uma redução do valor da dívida para 91.000 €, tudo isto sem um único email ou outro suporte documental do qual resulte um esboço do dito acordo ou o “caminho” para o alcançar.
Além disso, os próprios termos do (suposto) acordo verbal se nos afiguram algo inusitados, parecendo-nos inverosímil que elementos tão importantes como os montantes e as datas de pagamento das prestações mensais para liquidação do valor remanescente (supostamente de 51.000€) não fossem considerados na negociação, mas viessem a ser, pura e simplesmente, fixados por escritura a celebrar, sem que os Autores tivessem uma palavra a dizer a esse respeito; não se concebe que os Autores estivessem dispostos a celebrar a escritura, sabendo apenas que se obrigavam a pagar 51.000€ em prestações, desconhecendo se seriam duas, 12 ou mais prestações, além dos respetivos montantes.
A par da inexistente ou, pelo menos, insuficiente prova documental que corrobore as declarações dos Autores e o depoimento do seu filho (adiante analisaremos os documentos que aqueles apresentaram e foram considerados pelo Tribunal recorrido), constatámos que, contrariamente ao que se afirma na sentença, as testemunhas “EE” e “FF” não confirmaram o alcançar de uma “negociação final” de acordo. Muito pelo contrário, disseram repetidamente, de forma segura, que as negociações não chegaram a ser concluídas e que, enquanto ainda decorriam, aconteceu a cessão do crédito (sem que elas disso tivessem prévio conhecimento), não tendo os Autores dado seguimento às mesmas, pois acabaram por não proceder ao depósito de 40.000€.
Dos depoimentos prestados por estas duas testemunhas resultou, em traços gerais, terem sido os Autores quem se lhes dirigiu no sentido de tentarem obter uma reestruturação da dívida e que, nas reuniões mantidas, procuraram em conjunto gizar uma proposta de reestruturação da dívida que fosse idónea para ser submetida a aprovação superior (aprovação essa que, segundo referiu a testemunha “EE”, não era da competência delas, mas de outras duas pessoas, uma das quais o Diretor da Direção de Recuperações). Explicaram as testemunhas que, dado o montante em dívida e a circunstância de o incumprimento ter vários anos, lhes pareceu que seria apropriado que a proposta a submeter incluísse a entrega de uma quantia significativa (os tais 40.000€), dizendo a testemunha “EE” que a ideia passava por manter o contrato que existia e, caso viesse a ser aprovada a reestruturação, os 40.000€ seriam para pagamento de parte da dívida, pelo menos dos juros vencidos. Ambas as testemunhas foram categóricas explicando que o email em que é indicada uma conta para realização do depósito dessa quantia (cf. ponto 31 do elenco dos factos provados) se inseriu nessa estratégia e que não se tratava (ainda) de realizar um pagamento.
Ora, isto faz-nos todo o sentido, já que, para efetuarem o pagamento parcial da dívida, os Autores não precisavam da indicação de uma nova conta bancária para o depósito, bastando-lhes proceder como antes tinham feito, entre junho de 2013 e junho de 2014 – cf. ponto 9 do elenco dos factos provados.
Face aos depoimentos prestados por aquelas duas funcionárias do Banco e também pela testemunha “GG”, mais se nos afigura que as mesmas procuravam corresponder à solicitação dos Autores, no sentido de submeterem a aprovação superior uma proposta de reestruturação da dívida que fosse considerada consistente, servindo o depósito como um indicador sério de que os Autores tinham vontade e capacidade de cumprirem com a reestruturação da dívida em vista.
De salientar que na própria sentença se alude ao que foi dito por tais testemunhas, aparentemente sem que tenha sido colocada em causa a sua credibilidade, referindo que, segundo a testemunha “EE”, o depósito dos 40.000€ seria «“uma prova de boa fé” ficariam numa conta criada para o efeito e não seriam utilizados “até haver aprovação superior”, sem se recordar do que “taxativamente disse aos AA”, confirmou que estava em causa uma consolidação com hipoteca e por isso pediram dados do imóvel». E ainda que «”FF” prestou declarações idênticas e disse nomeadamente que “falou-se em €40.000,00, era o valor que o cliente tinha de pagar para retirar o processo de contencioso” “era uma salvaguardar para defender a posição do balcão” “para avançar com o pedido de aprovação”».
Não nos parece, pois, demonstrado que a possibilidade de os Autores entregarem a quantia de 40.000€ tenha sido combinada como tratando-se de um pagamento imediato, para amortização parcial de uma determinada quantia, no quadro de um acordo já alcançado.
Ademais, importa ter presente que esta negociação aconteceu numa altura em que o Banco Santander dispunha de uma garantia hipotecária sobre a fração autónoma (…) A, mas sobre a qual incidia também uma hipoteca registada em data anterior, mediante ap. 21 de 2008/04/02, a favor do Banco Espírito Santo dos Açores, S.A. para garantia do capital de 150.000€ (e do montante máximo assegurado de 212.250€), fração essa cuja aquisição, por doação, estava inscrita a favor do filho destes, “DD” (já não sendo os Autores os seus proprietários), mediante ap. 2572 de 2009/02/17, e sobre a qual incidia uma penhora registada, mediante ap. 86 de 2011/05/17, a favor do BES dos Açores, S.A. (entretanto Novo Banco), no âmbito do proc. n.º 705/10.8TBPDL, em que era exequente esta última instituição bancária, sendo a quantia exequenda de 153.884,83€ (cf. certidão junta com a reclamação de créditos cuja cópia os Autores juntaram com a PI e caderneta predial junta com a PI). A testemunha “EE”, ao recordar a data das reuniões, referiu maio/junho de 2017, acrescentando que estava marcada a venda judicial para muito breve, que seria no mês seguinte.
Tudo isto sugere que os Autores, quando se dirigiram ao Banco, tomando a iniciativa de negociar a reestruturação da dívida, estavam à procura de uma solução para a situação de incumprimento em que se encontravam, apreensivos ante a possibilidade de venda judicial da fração penhorada (que era a casa de morada de família – conforme declarações da própria Autora), sendo certo que o fizeram sem estarem acompanhados ou representados por advogado, o que, até pela complexidade da negociação em causa (por estar pendente ação executiva com dois credores hipotecários, em que o Novo Banco, seria pago com prioridade pelo produto da venda), não era aconselhável, pois podiam não compreender bem o que estava a ser discutido e todas as suas implicações. Veja-se que, como disse a Autora, lograram depois, com a intervenção dos seus advogados “suspender as vendas todas” e concluir com sucesso a negociação feita com a cessionária (cf. pontos 46 e 47 do elenco dos factos provados).
Atentando na prova documental, destacamos, no que concerne ao valor da dívida a reestruturar e ao momento em que as negociações decorreram, o documento junto com a Petição Inicial (embora não esteja numerado, será o doc. 18) datado de 06-06-2017, que a testemunha “EE” explicou tratar-se (conforme, aliás, do mesmo consta expressamente) do print de uma “Consulta a Dívida em Contencioso”, efetuada por si – aliás, o nome da testemunha figura no documento, imediatamente antes da data (“2017-06-06”), do mesmo constando também “Dep. Recuperações”. Ante a explicação dada por esta testemunha, não podemos deixar de admitir como provável que essa consulta tenha sido feita aquando do contacto inicial por parte dos Autores, em ordem a verificar qual o montante da dívida que estes pretendiam reestruturar, até porque se a negociação já estivesse a decorrer não haveria necessidade disso.
Seja como for, trata-se de um documento que, contrariamente ao que o Tribunal a quo, na esteira das declarações prestadas pela Autora, parece ter entendido, não serve para comprovar a existência de um acordo de redução da dívida para o montante de 91.000€, antes evidencia bem, até pelas notas manuscritas, a génese da confusão em que os Autores (mas não as funcionárias da Ré) incorreram quanto ao valor da reestruturação que estava a ser negociada (cf. alegações de facto do art.º 23.º da sua Petição Inicial que vieram a ser dadas como provadas).
Com efeito, nesse documento consta, na coluna relativa a “Valores iniciais (Entrada contencioso)” (portanto, não à data de 06-06-2017, mas aquando da entrada em contencioso) o valor em dívida de capital de 101.236,25€ (ora, sendo o montante do mútuo de 100.000€, é claro que neste valor já se considerou a capitalização de juros); mais consta, numa outra coluna relativa a “Valores cobrados”, o total de 9.626,72 €, dos quais 5.981,55 € de capital, 3.504,96 € de “Juros (Vencidos+Mora)”, bem como 140,21 € de imposto de selo; além disso e, ao lado das referidas colunas, consta uma nota manuscrita (que parece ser, pela semelhança da letra, da autoria da mesma pessoa que, na parte superior do documento anotou o seguinte “PS: Documento fornecido p/ Santander totta”), com o seguinte teor: “Deduzo q. seja o valor
capital – 101.236,25€
juros -     9.626,72€
Valor - 91.610.00 €
q. tenha chegado aos 91.000,00€”
Não quedou demonstrada a autoria destas notas, mas percebe-se, pelos depoimentos das testemunhas “EE” e “FF” que não foram estas funcionárias que as fizeram. Tratando-se de documento que foi entregue aos Autores e que estes analisaram e interpretaram, à luz da informação transmitida por aquelas funcionárias do Banco, o que nos parece ter sucedido é que os Autores assumiram (erradamente, desde já o adiantamos) que ao valor de capital indicado (101.236,25€) - percecionado como sendo o valor da sua dívida -, haveria que deduzir os tais valores cobrados (9.626,72€) e que, assim, chegariam a um valor de 91.000€ - tanto assim que a Autora até disse que, pelas suas contas, o Banco lhes perdoava 600 e tal euros.
Porém, os Autores não podiam ter retirado essa conclusão nem do que lhes foi dito (considerando os depoimentos prestados por tais testemunhas), nem sequer da análise do referido documento. Basta ver que, se o valor cobrado de capital (5.981,55€) se referisse a um pagamento posterior à entrada em contencioso (e não refere), seria esse - e só esse - o valor a abater ao capital em dívida de capital de 101.236,25€, não se obtendo assim o valor de 91.000€.
Na verdade, o montante de “Valores cobrados” diz respeito aos valores que foram sendo pagos até à entrada em contencioso, reportando-se ao cumprimento do contrato, nada tendo a ver com o dos pagamentos que foram posteriormente efetuados, cujo valor é na ordem dos 6.000€, conforme referido, aliás, no ponto 9 do elenco dos factos provados e também resulta do mesmo documento, estando indicado no quadro relativo ao “Valor Entregas” o montante de 6.114,36€.
Parece, pois, que os Autores, munidos do dito documento que lhes foi entregue e da liquidez que tinham obtido cerca de uma semana antes com a venda do apartamento, assumiram - mal - que o valor total da quantia em dívida ficaria em apenas 91.000€, não tendo percebido o que lhes estava a ser dito pelas testemunhas “EE” e “FF”.
Ora, correto teria sido considerar o valor de capital em dívida aquando da entrada em contencioso, como, aliás, consta do aludido documento (n.º 18), mas sem olvidar o montante da dívida que havia sido reclamada na execução pendente, ou seja, o facto de, à data da reclamação de créditos, em setembro de 2011, além do capital em dívida já estarem vencidos juros de mora no valor de 33.342,07€, sendo óbvio que somente o valor total das ulteriores entregas avulsas (na ordem dos 6.000€) é que haveria de ser deduzido ao montante total em dívida (de capital e juros), numa imputação que não resulta do documento em análise (aliás, o normal e expetável era a imputação nos juros).
Nesta linha de pensamento, mostra-se bem mais plausível o que foi dito pela testemunha “GG”, Gestora na Área de Recuperação (cujo local de trabalho era em Lisboa), a qual, de forma segura, quando lhe foi perguntado se sabia da operação de restruturação/renegociação e se teve então conhecimento dos montantes que foram falados, das condições que foram acordadas, ou impostas ou estabelecidas, e em que fase estaria essa operação, referiu que “o montante em dívida, na altura, seria 118.000€”.
Parece-nos, pois, que estava efetivamente a ser gizada uma proposta de acordo de reestruturação da dívida, de cujos termos constaria a redução do respetivo montante, mas não resultar do conjunto da prova produzida que essa redução fosse para o valor de 91.000€ (e se seria ou não, na ordem dos 118.000€, é algo que aqui não releva, sendo indiferente que esse facto não tenha ficado provado).
Quanto ao estado das negociações, também se nos afiguram relevantes os documentos 20 e 21 juntos com a Petição Inicial, evidenciando, contrariamente ao que foi entendido pelo Tribunal recorrido, que as negociações ainda estavam a decorrer no mês de junho.
Com efeito, esses documentos são todos posteriores à venda das frações do Porto e consistem designadamente num email remetido por “DD” para a funcionária “FF”, datado de 19-06-2017, com a caderneta predial de um prédio sito no Caminho (…), Ponta Delgada, e numa “avaliação de propriedade”, com carimbo de entrada no Banco Réu em 19-06-2017, referente à mencionada “fração A” e a outra fração (“B”) afeta a comércio (atribuindo-se um valor total à propriedade superior a 3 milhões de euros); de salientar que mesmo a certidão relativa às declarações de IRS dos Autores está datada de 12 de junho de 2017. O facto de ter sido efetuada a entrega destes documentos, em particular a dita avaliação, não indicia, antes pelo contrário, que já tivesse sido obtido um acordo verbal de reestruturação da dívida prestes a ser formalizado mediante escritura pública cuja marcação se aguardava. Ao invés, evidencia que estavam ainda a ser apresentados pelos Autores elementos no sentido de instruírem um pedido de reestruturação da dívida.
Efetivamente, é sabido que as avaliações de imóveis solicitadas pelas instituições bancárias (que tantas vezes condicionam a concessão de crédito) são realizadas por peritos avaliadores, em ordem a habilitarem a tomada da decisão sobre a aprovação do crédito, não se bastando tais instituições com avaliações entregues pelos próprios clientes. Isto mesmo foi dito pela testemunha “EE”, quando afirmou que estava “em cima da mesa”, ou seja, que estava a ser discutida a possibilidade de uma consolidação com hipoteca, multifunções, acrescentando que a entrega da documentação do imóvel seria “para poder fazer uma avaliação à posteriori” e acrescentando que “A avaliação será, é sempre o banco que faz”.
Aliás, vendo bem, é isso que consta do ponto 30 do elenco dos factos provados, tendo sido dado como provado que, enquanto duravam as negociações - o que significa que ainda não estavam concluídas -, os Autores remeteram diversa documentação ao Réu. Portanto, tudo indica que as funcionárias do Balcão ainda estavam a recolher elementos no sentido de ultimarem a proposta de reestruturação da dívida que haveria de ser remetida para aprovação superior, sendo muito provável que a documentação servisse para comprovar a situação financeira dos Autores à data, e para se saber qual valor real da fração que já estava hipotecada (até porque, repete-se, também incidia sobre a mesma uma hipoteca anterior e a fração estava penhorada na execução instaurada por credor hipotecário que seria pago com preferência ao Banco Santander pelo produto da venda), bem como o valor de uma outra fração que o filho dos Autores estaria disponível para dar como nova garantia, porventura a fração B do prédio sito no Caminho (…), n.º (…), a qual também foi objeto da avaliação apresentada a 19 de junho de 2017 – cf. doc. 21 junto com a PI.
Em face desses documentos e considerando que o crédito estava garantido por hipoteca incidente sobre a fração autónoma referida no ponto 17 (sem olvidar o teor da cláusula sétima do documento complementar – cf. ponto 2 do elenco dos factos provados), afigura-se-nos pouco plausível que fosse acordada, no âmbito da reestruturação em vista, uma nova hipoteca sobre a mesma fração; quanto muito, faria sentido um reforço das garantias, com uma nova hipoteca, sobre outra fração, de preferência que não estivesse onerada com hipoteca anterior a favor do Novo Banco e penhorada.
De salientar que, segundo disseram as referidas funcionárias do Banco, nenhuma delas tinha poderes (ou deu a entender junto dos Autores que os tinha) para aprovar a proposta de reestruturação da dívida, que estava - apenas e só - a ser gizada para corresponderem à solicitação feita diretamente pelos Autores. Lembramos que estes se dirigiram ao Banco sabendo que estava pendente uma ação executiva (segundo a testemunha “EE” estava marcada uma venda judicial para final de junho, tendo as últimas reuniões acontecido quando faltava cerca de 1 mês a 15 dias para tal data). Neste contexto, não podemos deixar de admitir como provável que, com a venda das frações do Porto, os Autores tenham pretendido obter liquidez de modo a evitarem que a fração penhorada fosse vendida (a terceiros), mas, como não pretendiam (nem sabemos se podiam) pagar a totalidade das dívidas, o seu objetivo era conseguirem a reestruturação da dívida em apreço, apresentando-se no balcão do Banco Santander, em Ponta Delgada, para a negociarem.
Neste sentido, o depoimento da testemunha “GG” foi particularmente esclarecedor, tendo sido categórica ao afirmar que a proposta correspondia, em bom rigor, a um pedido de reestruturação por parte do cliente e não chegou a ser aprovada, nem mesmo a ser submetida a aprovação superior, pois havia sido indicado aos Autores que deveriam dar um sinal da sua capacidade para cumprirem, o que passaria pelo depósito (não se tratava de pagamento imediato) da quantia de 40.000€ e este nunca chegou a acontecer. Explicou também que a circunstância de estar iminente e depois ter acontecido a cessão de créditos não iria, à partida, neste caso, como noutros de que tinha conhecimento, inviabilizar a reestruturação da dívida, pois o Banco poderia, enquanto a cessão não acontecesse, retirar o crédito em questão da carteira (não o vendendo/cedendo) ou, se a venda já tivesse acontecido, poderia fazer, nas suas palavras, um “put back” e “retomar o crédito”.
Tudo ponderado, não podemos secundar o entendimento do Tribunal recorrido (baseado na credibilidade que lhe mereceram as declarações prestadas pela Autora e o depoimento do seu filho “DD”), parecendo-nos que assiste, em parte, razão à Ré nas críticas que dirigiu à decisão recorrida.
Em nosso entender, assumem maior relevância probatória os documentos acima analisados e os depoimentos prestados pelas testemunhas “EE”, “FF” e “GG”, as quais descreveram os acontecimentos de forma segura, mais consentânea com a prova documental que foi produzida e mais plausível, explicando designadamente que o depósito dos 40.000€ foi perspetivado como uma forma de evidenciar junto dos responsáveis pela aprovação da proposta de reestruturação que os devedores já tinham condições para retomar o pagamento da dívida, mas que, como o depósito dessa quantia não chegou a ser feito pelos Autores, não tiveram continuidade as negociações no sentido da conclusão do acordo de reestruturação em vista.
Não ficámos convictos de que, conforme consta do ponto 15, fruto das negociações encetadas entre o Banco Réu, através das funcionárias do balcão de Ponta Delgada, e os Autores, estes acordaram verbalmente em fixar a dívida no valor de 91.000,00€ com um pagamento imediato de 40.000,00€, mas apenas de que, no decurso das negociações encetadas entre o Banco Réu, através das funcionárias do balcão de Ponta Delgada, e os Autores, estes últimos mostraram disponibilidade para, conforme sugerido por aquelas, fazerem, a curto prazo, um depósito de 40.000,00€ numa conta a abrir para o efeito nesse Banco, quantia que, caso fosse aprovada pelo Banco a proposta de reestruturação que estava a ser gizada, serviria para pagamento de parte da dívida.
Tão pouco ficámos convencidos de que, nos termos do acordo referido no ponto 15 da sentença, o remanescente dos 91.000€ seria liquidado em prestações, cujos montantes e datas de pagamento viriam a ser fixados por escritura a celebrar com o Réu, conforme consta do ponto 16 da sentença, mas apenas de que o remanescente da dívida, em montante que não nos foi possível apurar (ou se já estaria definido), seria liquidado em prestações, com montantes e datas de pagamento a definir no decurso das negociações para reestruturação da dívida, de modo a constarem da proposta referida em 15.
Muito menos se nos afigurando que um tal (suposto) acordo (descrito no ponto 15 da sentença) envolvesse a constituição de uma nova hipoteca sobre a fração autónoma já hipotecada e penhorada, pelo que o ponto 17 do elenco dos factos provados da sentença será eliminado.
Finalmente, quanto ao ponto 30, pese embora a nossa convicção quanto ao envio e à apresentação pelos Autores (ainda que também por intermédio do seu filho) de diversa documentação, não nos parece que isso tenha acontecido para que o Banco Réu pudesse acelerar a marcação da nova escritura com vista à reestruturação do crédito e à constituição da hipoteca referida no ponto 17, a incidir sobre a fração A do prédio sito no Caminho (…), n.º (…), freguesia de (…), concelho de Ponta Delgada.
Pelo exposto, altera-se a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
Dando como provado que:
15. No decurso das negociações encetadas entre o Banco Réu, através das funcionárias do balcão de Ponta Delgada, e os Autores, estes últimos mostraram disponibilidade para, conforme sugerido por aquelas, fazerem, a curto prazo, um depósito de 40.000,00€ numa conta a abrir para o efeito nesse Banco, quantia que, caso fosse aprovada pelo Banco a proposta de reestruturação que estava a ser gizada, serviria para pagamento de parte da dívida.
16. O remanescente da dívida seria liquidado em prestações, com montantes e datas de pagamento a definir no decurso das negociações para reestruturação da dívida, de modo a constarem da proposta referida em 15.
30. Enquanto duravam as negociações, os Autores remeteram diversa documentação ao Réu com vista a negociar a reestruturação daquele crédito, nomeadamente a avaliação referente ao imóvel levada a cabo pelos Autores, que deu entrada no Réu em 19 de junho de 2017, bem como as suas declarações de rendimentos, entre outros.
Dando como não provado (embora nos parecesse que, para evitar repetições, teria sido preferível utilizar letras ao identificar os factos considerados não provados, reservando os n.ºs para os factos provados, daremos seguimento à numeração que consta da sentença):
3. Fruto das negociações encetadas entre o Banco Réu, através das funcionárias do balcão de Ponta Delgada, e os Autores, estes acordaram verbalmente em fixar a dívida no valor de 91.000,00€ com um pagamento imediato de 40.000,00€.
4. O remanescente dos 91.000€ seria liquidado em prestações, cujos montantes e datas de pagamento viriam a ser fixados por escritura a celebrar com o Réu.
5. Foi acordado com as funcionárias do balcão de Ponta Delgada que o remanescente do valor em dívida (de 91.000€), a ser pago em prestações mensais, iria ser garantido com uma nova hipoteca sobre o imóvel, fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a uma moradia com cave, rés-do- chão, primeiro andar e sótão, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no Caminho (…), n.º (…), freguesia de (…), concelho de Ponta Delgada, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…) e inscrita na respetiva matriz com o artigo (…). – eliminando-se o ponto 17 do elenco dos factos provados.
6. O referido em 30. foi feito para que o Banco Réu pudesse acelerar a marcação da nova escritura com vista à reestruturação daquele crédito e a constituição de hipoteca sobre a fração A do prédio sito no Caminho (…), n.º (…), freguesia de (…), concelho de Ponta Delgada.

Pontos 18, 19, 20, 21

Lembramos que na sentença se considerou provado que:
18. Para efeitos de obterem liquidez que lhes permitisse efetuar o depósito da quantia de 40.000,00€ e com isso reduzir e pagar parcialmente a quantia em dívida, os Autores promoveram a venda urgente de um imóvel sito no Porto, assim como o lugar de garagem e arrecadação, registados em nome da sua filha “CC”.
19. O Banco Réu, através das funcionárias do balcão de Ponta Delgada, sabia que os Autores estavam a promover a venda de um imóvel no Porto para conseguir pagar a quantia de 40.000,00€.
20. A urgência no depósito da quantia de 40.000,00€ foi a única razão pela qual os Autores diligenciaram pela venda das frações sitas no Porto, registadas em nome da sua filha, abdicando de explorar o mercado e vender por um preço superior face ao que era praticado naquele ano.
21. Se não fossem as negociações encetadas com o Réu, os Autores não teriam promovido a venda do imóvel sito no Porto.
Além da passagem acima citada, o Tribunal a quo motivou a decisão da matéria de facto a este respeito referindo que:
«Os pontos 18 a 26 (relativos à venda urgente do imóvel no Porto a fim de obter liquidez, ao fim visado com a sua aquisição e pagamento dos respectivos encargos pelos AA, a respectiva utilização familiar e bom estado e localização privilegiada) aferem-se das declarações prestadas neste sentido por “HH”, engenheiro civil, trabalhou na avaliação de imóveis para o Banif (teve acesso à documentação do imóvel e embora não o conhecesse pessoalmente mas conhecesse outras fracções do empreendimento que visitou “nos anos 2000”, declarou que a documentação permite comprovar a sua localização central e respectiva envolvência, áreas, e estado de conservação, referiu que se tratava de um imóvel num “empreendimento com excepcionais regalias de condomínio”), “DD” (explicou que todo o património em seu nome e da sua irmã foi adquirido pelos pais, razão pela qual os pais tinham uma procuração passada pelos filhos com amplos poderes; o imóvel do Porto foi adquirido pelos pais no estado de novo quando a irmã foi estudar para a faculdade no Porto, ficou em nome da irmã que tinha 19 anos para poder beneficiar do crédito bonificado, sendo os pais a suportar as despesas, foram os pais que o decidiram vender dada a urgência em obter €40.000,00, a irmã não se opôs “nem dava opinião”, deu conta do uso e importância do imóvel para a família, disse ainda que as funcionárias do Banco tinham conhecimento da venda do imóvel para efectuar o depósito embora não o tivessem sugerido), “DA”, gerente comercial, amiga dos AA (declarou ter sabido da venda do apartamento do Porto apenas com o propósito de “resolver o problema com o Santander”, sabendo da sua localização, “ao pé do Palácio de Cristal”), “CC”, assistente social, filha dos AA (declarou que o imóvel “não era seu”, apenas “estava averbado” no seu nome, deu conta do contexto e finalidade da sua aquisição, da utilização que dele foi feita nos moldes dados como provados, os pais é que pagavam os impostos, o condomínio, da sua utilização mais recente como alojamento local, e da necessidade de o vender rapidamente no contexto da negociação com o Réu, explicou que em 2017 tinham mais património do que liquidez), e da própria Autora em declarações de parte que deu conta da localização do imóvel e respectiva envolvência, em conjugação com as respectivas certidões prediais e matriciais juntas como docs. 27 (o imóvel corresponde a 3 fracções autónomas, incluindo estacionamento e arrecadação), e com as fotografias do imóvel juntas como doc. 29.
De notar ainda que, são os AA que intervêm na escritura como vendedores ainda que munidos de uma procuração passada pela filha, a proprietária formal do imóvel, o que não deixa de ser revelador de que eram os próprios que o geriam e decidiam da sua sorte, actuando como seus proprietários. É bem sabido que no tempo do crédito bonificado a jovens (note-se que o prédio havia sido adquirido em 1998), foram inúmeras as aquisições de prédios pagos pelos pais e registados em nome dos filhos.
A testemunha “EE” declarou a dado passo do depoimento que “havia um processo em curso para venda de um imóvel” durante as negociações, e de forma vaga a testemunha “II” declarou “não se recordar” se na altura soube da venda do imóvel no Porto no sentido de obter liquidez rapidamente, admitindo que os AA informaram que iam tentar arranjar o dinheiro (os €40.000,00).
É inteiramente crível até atenta alguma proximidade que se foi gerando que naquele processo de negociação que os AA tivessem dado conta às funcionárias que iriam vender um apartamento para obter a quantia necessária ao depósito que lhes estava a ser pedido com alguma rapidez, ainda que não lhes tenham dado pormenores acerca do imóvel, preço e demais circunstâncias da venda.
O ponto 27 (quanto à data de venda do imóvel e seu preço, ao pagamento de comissão e dívida hipotecária) afere-se da correspondente cópia da escritura junta como doc. 19 à p.i. e das declarações prestadas por “DD” que disse que do preço da venda pagaram a dívida resultante do empréstimo hipotecário (e que era de cerca de 50.000,00€) e a comissão à imobiliária, tendo ficado com a diferença. Da escritura resulta que o negócio foi objecto de intervenção do mediador e que sobre as fracções estavam registadas hipotecas.»
A Ré defende que tais factos devem ser considerados não provados, por não ter sido produzida prova convincente a esse respeito, desvalorizando as declarações de parte prestadas pela Autora e os depoimentos das testemunhas que são filhos dos Autores, bem como da testemunha “DA”, e afirmando merecerem maior credibilidade a este respeito os depoimentos prestados pelas testemunhas “EE” e “FF”.
Apreciando.
No seguimento das considerações que acima fizemos a respeito da modificação da matéria de facto provada, que, nos dispensamos de reproduzir, desde já adiantamos não termos ficado convictos de que a venda do imóvel do Porto, “formalmente” propriedade de uma filha dos Autores, tenha sido realizada com o propósito de estes procederem ao depósito de 40.000€.
Efetivamente, por um lado, não está provado quando ao certo, no ano 2017, se iniciaram as negociações entre Autores e Banco Réu - nem a Autora o disse, nem as testemunhas souberam, de forma cabal e convincente, precisar esse facto, apenas existindo prova documental de que uma das reuniões aconteceu a 06-06-2017. Saber se a disponibilidade dos Autores para efetuarem o depósito de 40.000€ foi discutida com as funcionárias “EE” e “FF” antes ou depois da venda das frações do Porto é algo que só a Autora e o seu filho “DD” afirmam ter acontecido, não tendo a filha da Autora nem a testemunha “DA” revelado terem conhecimento direto dos factos, muito menos uma noção clara da forma como as negociações decorreram, tratando-se de depoimentos que nos mereceram pouca credibilidade.
Muito embora se nos afigure, face ao depoimento da testemunha “HH”, que os Autores tiveram urgência na venda, parece-nos tão ou mais provável que essa venda tenha sido promovida como forma de os Autores obterem liquidez para evitarem a venda judicial da fração penhorada na ação executiva pendente (que estaria prevista para o fim do mês seguinte, como foi dito, de forma espontânea, pela testemunha “EE”), sabendo que para isso precisariam de pagar ou reestruturar a dívida que tinham ao Banco Santander. Com efeito, até por se tratar de uma dívida que estava há vários anos em contencioso, somos levados a pensar que a iniciativa dos Autores, dirigindo-se ao Banco para tentarem ver resolvida a situação de incumprimento em que se encontravam foi despoletada por um receio concreto - e não apenas, como disse a Autora, pelo incómodo de saber que tinha uma dívida -, não podendo ignorar que, se não tivessem liquidez para o efeito, dificilmente lograriam conseguir esse objetivo último.
De salientar que os Autores poderiam facilmente ter apresentado uma prova documental que indicasse de forma segura o momento em que encetaram diligências para venda, mormente juntando aos autos cópia do contrato de mediação (celebrado com a agência indicada na escritura pública), o que teria permitido perceber quando foi celebrado (e, nessa medida, avaliar até que ponto a venda estaria relacionada com as negociações em apreço), ou arrolado como testemunha um funcionário da agência de mediação que pudesse elucidar sobre o sucedido e a motivação dos Autores. Mas não o fizeram, não estando as declarações de parte da Autora e os depoimentos dos seus filhos (que também parecem ter interesse na causa, pela forma como descreveram que o património familiar era detido e administrado), corroborados por outros meios de prova.
Já as demais testemunhas, funcionárias do Banco, deram conta dos contactos mantidos com os Autores e o filho destes, mas não mostraram, mesmo quando inquiridas diretamente a esse respeito, terem conhecimento da venda de frações no Porto em ordem à obtenção de liquidez para depósito da aludida quantia. A testemunha “GG” afirmou de forma categórica que “Nunca, nunca pela “FF” e pela “EE” me foi dito que os clientes estariam a vender um imóvel para pagar esse valor. Eu não tive esse conhecimento”. Portanto, mesmo que não esteja provado o desconhecimento por parte destas funcionárias quanto à situação da venda do imóvel ter sido realizada com o propósito de pagar 40.000€, a verdade é que também não se mostra, de modo algum, provado que tivessem esse conhecimento, muito menos para realizar um suposto pagamento, pois, como vimos, não se tratava ainda de cumprir um acordo de reestruturação que tivesse sido concretizado, mas apenas de criar as condições de facto que propiciassem a aprovação do pedido de reestruturação que estava a ser gizado.
Por outro lado, não podemos deixar de admitir que outros factores possam ter servido de incentivo para a decisão da venda, designadamente a circunstância de o mercado imobiliário na cidade do Porto estar em ascensão na altura (cf. ponto 28), sendo certo que não se provou qual o valor de referência do m2 naquele ano e zona (cf. ponto 29), nem que os Autores sabiam que o valor de mercado iria subir, e uma vez que os filhos dos Autores já não estavam a estudar no Porto (cf. ponto 23) e eram os Autores quem suportava as despesas de IMI, condomínio e demais despesas inerentes ao imóvel (que incluía prestações devidas para amortização do crédito hipotecário).
Além disso, é um facto que os Autores optaram, antes mesmo de terem conhecimento da cessão do crédito, por não fazerem o depósito de 40.000 €, de modo a darem seguimento às negociações, sendo certo que se o objetivo da venda fosse cumprir o acordado verbalmente, depositando 40.000 € para pagamento parcial da quantia em dívida, poderiam facilmente tê-lo feito, não se compreendendo - a não ser precisamente no contexto de negociações pouco avançadas e cuja conclusão satisfatória ainda não lhes inspirava confiança - que tivessem ficado a aguardar e nunca o tenham efetuado (cf. ponto 34).
Assim, tão ou mais plausível do que a sequência temporal dos acontecimentos descrita nos pontos em apreço, é que os Autores, recendo que a venda judicial viesse a acontecer (numa data mais ou menos próxima), tenham decidido colocar à venda o apartamento (e as demais frações), perspetivando que o conseguiriam vender depressa e a um preço que então tinham por adequado, fazendo-o antes de se apresentarem no Banco a solicitar uma reestruturação da dívida, não estando demonstrado que abdicaram de vender as frações por um preço superior face ao que era praticado naquele ano precisamente para pagarem a quantia de 40.000€.
Em suma, quanto ao ponto 18, a prova produzida não foi suficiente para nos convencer de que a venda aí referida tenha sido para os Autores obterem liquidez que lhes permitisse efetuar o depósito da quantia de 40.000,00€, apenas nos levando a pensar que o fizeram para efeitos de obterem liquidez que lhes permitisse, como pretendiam, a aprovação de uma reestruturação da dívida, com a redução e o pagamento parcial da quantia em dívida.
De igual modo, face ao conjunto da prova produzida, também não ficámos convencidos de que (i) o Banco Réu, através das funcionárias do balcão de Ponta Delgada, sabia que os Autores estavam a promover a venda de um imóvel no Porto para conseguir pagar a quantia de 40.000,00€, nem de que (ii) a urgência no depósito da quantia de 40.000,00€ foi a única razão pela qual os Autores diligenciaram pela venda das frações sitas no Porto (sendo inútil repetir que estavam registadas em nome da sua filha – cf. pontos 18 e 27), abdicando de explorar o mercado e vender por um preço superior face ao que era praticado naquele ano, e que (iii) se não fossem as negociações encetadas com o Réu, os Autores não teriam promovido a venda do imóvel sito no Porto, pelo que serão eliminados os pontos 19, 20 e 21 do elenco dos factos provados.
Assim, decide-se alterar a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
Dando como provado que:
18. Para efeitos de obterem liquidez que lhes permitisse, como pretendiam, a aprovação de uma reestruturação da dívida, com a redução e o pagamento parcial da quantia em dívida, os Autores promoveram a venda urgente de um imóvel sito no Porto, assim como o lugar de garagem e arrecadação, registados em nome da sua filha “CC”.
Dando como não provado que:
7. O referido em 18 tenha sido para os Autores obterem liquidez que lhes permitisse efetuar o depósito da quantia de 40.000,00€.
8. O Banco Réu, através das funcionárias do balcão de Ponta Delgada, sabia que os Autores estavam a promover a venda de um imóvel no Porto para conseguir pagar a quantia de 40.000,00€ – eliminando-se o ponto 19 do elenco dos factos provados.
9. A urgência no depósito da quantia de 40.000,00€ foi a única razão pela qual os Autores diligenciaram pela venda das frações sitas no Porto, registadas em nome da sua filha, abdicando de explorar o mercado e vender por um preço superior face ao que era praticado naquele ano. – eliminando-se o ponto 20 do elenco dos factos provados.
10. Se não fossem as negociações encetadas com o Réu, os Autores não teriam promovido a venda do imóvel sito no Porto – eliminando-se o ponto 21 do elenco dos factos provados.

Pontos 32 e 33

Na sentença foi dado como provado que:
32. Os Autores aguardaram pela indicação da Ré na marcação da escritura e assinatura do acordo.
33. No dia 19 de junho de 2017 os Autores dirigiram-se ao balcão para efetuar o depósito de 40.000,00 € e foram informados por um funcionário que os recebeu, com quem não tinha entabulado negociações, que “continuariam em contencioso”, ao que a Autora tentou falar com a funcionária “FF” que não se encontrava na agência, optando por não realizar qualquer depósito até esclarecimento da situação.
Neste particular, o Tribunal a quo motivou a decisão da matéria de facto referindo que:
«Os pontos 32 a 34 (o aguardar pela marcação da escritura, a deslocação ao Banco para efectuar o depósito de €40.000,00 e a sua não realização em face do que então lhes foi dito por um funcionário) é fruto das declarações de parte da Autora que o narrou de forma espontânea e inteiramente genuína, recordando-se da dia exacto em que se deslocou ao Banco, do “comentário feito pelo tesoureiro”. Mais declarou que tentou então falar com a funcionária “FF”, mas não foi localizada, e por isso decidiu não proceder ao depósito. As funcionárias com quem tinha lidado “fugiram de cena”. A testemunha “DD” referiu que os pais foram à agência para pagar os €40.000,00 e foram atendidos por outro senhor que lhes disse que podiam fazer o depósito, “mas o processo iria continuar”. Os pais tentaram falar com “EE” e a “FF” mas não conseguiram, “houve um fugir a dar alguma explicação”.»
A Ré defende, em síntese, que tais factos devem ser considerados não provados, face aos citados depoimentos das testemunhas “EE”, “FF” e “GG”.
Apreciando.
No seguimento das considerações que acima fizemos e para as quais remetemos, não ficámos convencidos de que os Autores estivessem a aguardar pela marcação de escritura e assinatura de um acordo, já que, ainda não havia nenhum acordo de reestruturação da dívida, mas estava apenas a ser gizado um pedido ou proposta nesse sentido, numa negociação em curso, no âmbito da qual ainda estavam a ser entregues documentos pelos Autores (bem como pelo seu filho), designadamente no dia 19 de junho de 2017, elementos esses que obviamente careciam de análise e poderiam vir a dar lugar a uma avaliação da fração hipotecada (fração A) e de outra fração a hipotecar (fração B).
Regista-se que os Autores não cuidaram de identificar um tal funcionário do Banco, nem de o arrolar como testemunha, não nos merecendo credibilidade suficiente as declarações da Autora quanto aos factos descritos na parte em que não se mostram corroboradas por nenhum outro meio de prova convincente (não valendo como tal o depoimento do filho “DD”, que não assistiu a tal situação), tanto mais que não deixa de ser algo inusitado o relato que fez, descrevendo a conversa com um funcionário cuja identidade se desconhece, o qual não estivera envolvido no processo de negociações e não desempenhava funções no Departamento de Recuperações.
Acreditamos que os Autores se tenham deslocado à agência do Banco Santander da Calheta Ponta Delgada, face ao carimbo de entrada do documento “Avaliação da propriedade” que juntaram com a Petição Inicial, tendo a Autora também dito que se tinham deslocado à agência para entregarem elementos relacionados com a sua casa. Assim sendo, parece-nos provável que, na altura, o funcionário bancário que os atendeu lhes tenha explicado que tal documento não dispensaria uma avaliação a realizar por perito avaliador que entregaria, ele próprio, o relatório ao Banco, como é prática normal; aliás, no caso até nos parece que seria indispensável, considerando que a avaliação que foi apresentada não está assinada (desconhecendo-se quem seja o autor de tal documento), nem sequer datada.
Mas não foi produzida prova que nos tenha convencido de que os Autores, na altura, se tenham deslocado à agência com o propósito específico de efetuar o depósito de 40.000€, pois ainda estavam a entregar elementos ao Banco e não foi minimamente explicado como se propunham efetuar aquele depósito, que, tanto eles como os seus filhos (se o dinheiro estivesse depositado em contas de que estes fossem titulares) poderiam facilmente realizar mediante uma transferência bancária.
Também não ficámos convencidos de que o local habitual de trabalho da testemunha “FF” fosse a agência da Calheta, dada a natureza das suas funções (identificou-se como “gestora de incumprimento”) e uma vez que a testemunha “EE”, quando interrogada sobre as reuniões mantidas com os Autores, referiu espontaneamente que tinham reunido (e ficou claro do seu depoimento e do prestada pela testemunha “FF” que o fizeram em conjunto) no Edifício Solmar, em Ponta Delgada.
De salientar que dos depoimentos daquelas testemunhas não resultou que se tivessem furtado a quaisquer tentativas de contacto pessoal por parte dos Autores. De qualquer forma, a ter existido uma observação por um funcionário do Banco no sentido de a dívida continuar em contencioso (o que até seria correto, face à negociação em curso e enquanto a proposta de reestruturação não tivesse aprovação superior), não se percebe por que motivo não cuidaram os Autores de esclarecer a situação junto das funcionárias do Banco com as quais tinham falado, de modo a desfazer algum (eventual) equívoco da sua parte, o que poderiam facilmente ter feito nem que fosse através de correio eletrónico (de cujo endereço dispunham).
Não podemos, pois, deixar de admitir como muito provável que os Autores, por essa altura, percebendo, pela forma como foram atendidos e pelo desenrolar das negociações, que a reestruturação que tinham em vista (ao assumirem - incorretamente, como vimos - que poderiam beneficiar de uma redução da dívida para o montante de 91.000€) poderia não vir a ser aprovada e receando que pudessem “perder” o valor depositado (receio compreensível, considerando os mecanismos legais de que o Banco poderia lançar mão), entenderam que não deveriam realizar um tal depósito, como, aliás, resulta bem evidenciado pelo ponto 34.
Tudo ponderado, face à prova produzida, não ficámos convictos de que os Autores aguardaram pela indicação da Ré na marcação da escritura e assinatura do acordo, pelo que será eliminado o ponto 32, nem de que os Autores pretendiam - aquando da referida deslocação à agência - efetuar o depósito de 40.000,00€ e foram informados por um funcionário que os recebeu, com quem não tinham entabulado negociações, que “continuariam em contencioso”, ao que a Autora tentou então falar com a funcionária “FF”, pretendendo o esclarecimento da situação, pelo que, nessa parte, será dado como não provado o vertido no ponto 33.
Pelo exposto, altera-se a decisão da matéria de facto, eliminando o ponto 32. do elenco dos factos provados, passando os factos aí vertidos a constituir o ponto 11 do elenco dos factos não provados, e ainda nos seguintes termos:
Dando como provado que:
33. No dia 19 de junho de 2017 os Autores dirigiram-se ao balcão do Banco Réu, na Calheta, Ponta Delgada, agência onde não encontrava a testemunha “FF”; nessa data, os Autores optaram por não realizar o depósito da quantia de 40.000€ referida no ponto 15.
Dando como não provado que:
12. Aquando do referido em 33 os Autores pretendiam efetuar o depósito de 40.000,00€ e foram informados por um funcionário que os recebeu, com quem não tinham entabulado negociações, que “continuariam em contencioso”, ao que a Autora tentou então falar com a funcionária “FF”, pretendendo o esclarecimento da situação.

Pontos 41 e 42

Na sentença foi dado como provado que:
41. As funcionárias furtaram-se a mais encontros, e depois de esforços nesse sentido, as respostas que obtiveram das pessoas com as quais tinham vindo a tratar de todas as negociações - funcionárias do Réu - é que estas também desconheciam toda a situação, tendo ficado, de igual forma, surpreendidas com tal facto, e uma delas mostrou-se até envergonhada.
42. Os Autores ficaram tristes com o facto de a venda de um imóvel que estimavam não ter servido o propósito a que se destinava.
O Tribunal a quo motivou, neste particular, a decisão da matéria de facto, referindo que:
«Os pontos 40 a 42 (a surpresa dos AA com a cessão de créditos, as deslocações à agência para pedir explicações, a resposta dada, e a tristeza pela venda do imóvel), resulta das declarações prestadas por “DD” e pela Autora (declarou que as senhoras do balcão “nunca mais disseram nada”, por acaso um dia encontrou uma delas, a “FF”, que disse estar surpreendida e envergonhada com o sucedido), confirmadas por “DA” (referiu que a Autora ficou muito desgostosa com o facto de ter vendido um imóvel “que não era suposto ser vendido muito menos por aquele preço” sem que tivessem resolvido a dívida com o Santander) e pela filha “CC” (relatou como a sua mãe ficou, inclusive com ataques de pânico, em virtude de não se ter concretizado o motivo da venda).»
A Ré defende, em síntese, que tais factos devem ser considerados não provados, face aos citados depoimentos das testemunhas “EE”, “FF” e “GG”.
Vejamos.
As referidas testemunhas funcionárias do Banco não confirmaram, antes pelo contrário, as declarações da Autora a este respeito, não existindo prova convincente do facto referido em 41. Além disso, não podemos deixar de registar que o normal seria, se os Autores tivessem sido confrontados com tal situação, não mais logrando falar pessoalmente com tais funcionárias no balcão do Banco, como antes tinham feito, que procurassem contactá-las telefonicamente ou por via de correio eletrónico. Efetivamente, dispondo os Autores dos endereços de correio eletrónico da testemunha “FF”, bem como do balcão da Calheta (indicados no email de 16-06-2017 referido no ponto 31 do elenco dos factos provados), é incompreensível que não lhes tenham feito chegar uma mensagem solicitando explicação sobre o sucedido (pelo menos, não alegaram que o fizeram).
Por outro lado, na esteira das considerações que acima fizemos e para as quais remetemos, não foi produzida prova suficiente para nos convencer de que a venda do imóvel se destinasse especificamente à obtenção de liquidez para o depósito de 40.000 € destinado ao pagamento parcial da dívida no âmbito de um (suposto) acordo verbal de reestruturação da dívida.
Apenas estamos convencidos de que a venda das frações do Porto serviria um propósito de obtenção de liquidez, considerando as dívidas cujo pagamento estava a ser exigido na execução pendente, sendo patente a preocupação dos Autores em evitarem que fosse vendida a fração que estava aí penhorada. Em particular, pretendiam obter liquidez para negociarem a reestruturação da dívida com o Banco Santander, sendo que, na altura da venda, o mercado imobiliário na cidade do Porto estava em grande ascensão (cf. ponto 28 do elenco dos factos provados), pelo que pode ter sucedido que os Autores tenham considerado que seria oportuno aproveitar essa altura do mercado.
Além disso, não podemos deixar de admitir como provável que os Autores, quando pagaram a quantia acordada com a cessionária para extinção da dívida, tenham utilizado o dinheiro obtido com a venda dos imóveis do Porto, pelo que, embora mais tarde do que idealizavam, não terá essa venda deixado de servir o propósito de resolverem a situação de incumprimento em que se encontravam.
Por outro lado, acreditamos que os Autores tenham ficado tristes e preocupados com os acontecimentos, mas não especificamente pelo facto, não demonstrado, de não ter sido possível concretizar um (inexistente) acordo de reestruturação da dívida. Na verdade, mais se nos afigura que as causas da sua tristeza e apreensão (em especial da Autora, já que do Autor pouco ou nada se falou) estejam relacionadas com o facto de serem devedores de quantias elevadas e de estar pendente uma ação executiva em que estava penhorada a casa de morada de família, cuja venda judicial pretendiam evitar, o que implicava, por não disporem de liquidez para pagamento da quantia exequenda e do crédito reclamado, a reestruturação das dívidas em causa, não tendo logrado fazê-lo, pelo menos quanto à dívida ao Santander, com a brevidade que pretendiam, tendo acabado por encetar novas negociações após a cessão do crédito (a Autora até se queixou disso, dizendo que a certa altura já não sabia a quem devia pagar).
Considerando que só quase dois anos depois é que os Autores conseguiram obter a redução do valor da dívida para 120.000€ e proceder ao respetivo pagamento (cf. ponto 46), terão concluído que, se caso tivessem aguardado por melhor oportunidade para a venda, não só teriam podido utilizar o apartamento durante mais tempo, como provavelmente o poderiam ter vendido por preço superior (face à tendência generalizada de subida dos preços de venda dos imóveis), circunstância que seguramente também os entristeceu, mas não é isso que se discute no caso, mas o facto de (supostamente) a venda do imóvel do Porto não ter servido o propósito a que se destinava.
De referir ainda que, apesar do equívoco em que os Autores porventura se encontravam quanto à razão de ser do depósito de 40.000€ que se tinham mostrado disponíveis para efetuar, o certo é que não quiseram fazê-lo, nem contactaram as funcionárias do Banco no sentido de avançarem com a submissão da proposta de reestruturação do crédito, porventura entretanto desmotivados pelo conhecimento que tiveram da cessão de crédito realizada e não compreendendo que esta não inviabilizaria definitivamente a continuidade das negociações, ante a possibilidade de um “put back” do crédito, que no caso em apreço, dado os valores em presença, até seria vantajoso para o Banco. Na verdade, ficou claro do depoimento prestado pela testemunha “GG” que a cessão de créditos, por si só, não teria inviabilizado a continuidade das negociações, pois seria possível fazer um “put back” do crédito.
Assim, também por isso, ou seja, uma vez que os Autores poderiam ainda ter depositado a quantia de 40.000€ de modo a darem seguimento às negociações, não podemos considerar que a liquidez obtida com a venda das frações do Porto, caso se destinasse a esse fim específico, não poderia ter servido esse (eventual) propósito.
Tudo ponderado, da prova produzida não resulta, em nosso entender que os factos descritos nos pontos 41 e 42 se tenham verificado, salvo no que concerne ao facto, constante deste último ponto, de que os Autores estimavam o imóvel vendido.
Logo, altera-se a decisão da matéria de facto, eliminando o ponto 41 do elenco dos factos provados, passando os factos aí vertidos a constituírem o ponto 13 do elenco dos factos não provados, e ainda nos seguintes termos:
Dando como provado que:
42. Os Autores estimavam o imóvel referido no ponto 27.
Dando como não provado que:
14. Os Autores ficaram tristes com o facto de a venda do imóvel referido no ponto 27 não ter servido o propósito a que se destinava.

Do aditamento de factos

Os Autores pretendem que sejam aditados ao elenco dos factos provados os seguintes factos (utilizaremos alíneas para os identificar):
a) a liquidez financeira gerada pela venda urgente do imóvel se destinou exclusivamente/sobretudo a ser alocada ao pagamento imediato exigido pelo Réu do valor dos €40.000,00 acordados, e
b) e que os Autores não dispunham de quaisquer outras dívidas cujo crédito tivesse que ser urgentemente liquidado, até porque no âmbito do processo n.º XXX/10.6TBPDL o restante passivo bancário se encontrava em situação de regularizado/cumprimento.
Invocam, para tanto, o depoimento da testemunha “DD”, as declarações de parte da Autora e os documentos cuja junção foi rejeitada.
Apreciando.
É sabido que na decisão da matéria de facto o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir e as exceções (incluindo as contra-exceções) alegados pelas partes, bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art.º 5.º do CPC).
Mas os factos instrumentais têm uma função fundamentalmente probatória, na medida em que a sua ocorrência abre caminho à demonstração, mediante o recurso a presunções judiciais, dos factos essenciais, servindo assim para que o juiz possa formar a sua convicção a respeito da verificação (ou não) destes últimos, únicos que, pela sua relevância substantiva, carecem de constar do elenco dos factos provados, o mesmo não sucedendo quanto aos factos instrumentais, que, independentemente de terem sido (ou não) alegados, poderão, caso resultem provados, ser considerados na motivação da decisão da matéria de facto.
Por outro lado, importa ter presente que, por força do princípio da limitação dos atos consagrado no art.º 130.º do CPC, está vedado ao julgador conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito. São manifestações do princípio dispositivo e do princípio da economia processual que se impõem ao juiz da 1.ª instância aquando da seleção da matéria de facto provada / não provada na sentença, mas também na 2.ª instância, no tocante à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Assim, conforme referido no acórdão da Relação de Lisboa de 27-11-2018, proferido no proc. n.º 1660/14.0T8OER-E.L1, a jurisprudência dos Tribunais superiores vem reconhecendo que “a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC).”
Neste sentido, além dos acórdãos aí citados (os acórdãos da Relação de Guimarães de 10-09-2015, no proc. 639/13.4TTBRG.G1, e 11-07-2017, no proc. n.º 5527/16.0T8GMR.G1, da Relação do Porto de 01-06-2017, no proc. n.º 35/16.1T8AMT-A.P1, e do STJ de 13-07-2017, no proc. 442/15.7T8PVZ.P1.S1), destacamos ainda os acórdãos (todos disponíveis em www.dgsi.pt, embora com omissão de algumas passagens):
- da Relação do Porto de 07-05-2012, no proc. n.º 2317/09.0TBVLG.P1: “É um acto manifestamente inútil analisar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se os factos impugnados não tiverem qualquer relevância para a decisão da causa.”
- da Relação de Coimbra de 12-06- 2012, no proc. 4541/08.3TBLRA.C1, conforme resulta do ponto II do respetivo sumário: “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”
- do STJ de 17-05-2017, no proc. n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1: III - O princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo. IV - Nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
- do STJ de 14-10-2021, no Proc. 5985/13.4TBMAI.P1.S1:           “I. Na impugnação da matéria de facto impende sobre o recorrente o ónus, decorrente do pressuposto processual do interesse em agir e do princípio da proibição de actos inúteis (art.º 130º do CPC), de justificar o interesse nessa impugnação, não sendo de admitir que o tribunal desperdice os seus recursos na apreciação de situações de que o recorrente não possa tirar qualquer benefício. II. Na aferição do cumprimento desse ónus haverá de adoptar um estalão idêntico ao estabelecido para a aferição do cumprimento dos ónus do art.º 640º do CPC, baseado em critérios de proporcionalidade e razoabilidade, no respeito pelo princípio do processo equitativo e repudiando excessos de formalismo.
- da Relação de Lisboa de 24-09-2020, no proc. n.º 35708/19.8YIPRT.L1, em cujo coletivo também interveio a ora Relatora.
Transpondo estas considerações para o caso sub judice, começamos por salientar que os factos cujo aditamento os Autores-Apelantes pretendem não foram alegados nos articulados, pelo que uma tal ampliação da matéria de facto suporia que se tratassem de factos complementares ou concretizadores (de factos essenciais) resultantes da instrução, ou seja, de factos com alguma relevância do ponto de vista do direito substantivo, o que manifestamente não sucede quanto ao facto vertido em b).
Quanto ao facto vertido em a), admitindo, com boa vontade (ante o disposto no art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC), que os Apelantes pretendem que seja aditado que “a liquidez financeira gerada pela venda urgente do imóvel se destinou exclusivamente a ser alocada ao pagamento imediato exigido pelo Réu do valor dos €40.000,00 acordados”, ou, não se entendendo assim, que “a liquidez financeira gerada pela venda urgente do imóvel se destinou sobretudo a ser alocada ao pagamento imediato exigido pelo Réu do valor dos €40.000,00 acordados”, seria completamente redundante e inútil um tal aditamento, ante as alegações de facto feitas na Petição Inicial e que foram dadas como provadas nos pontos 20 e 21 - que a urgência no depósito da quantia de 40.000,00 € foi a única razão pela qual os Autores diligenciaram pela venda das frações sitas no Porto, registadas em nome da sua filha, abdicando de explorar o mercado e vender por um preço superior face ao que era praticado naquele ano, e que se não fossem as negociações encetadas com o Réu, os Autores não teriam promovido a venda do imóvel sito no Porto.
Se porventura o sentido do 1.º ponto é o de que a liquidez financeira gerada pela venda urgente do imóvel se destinou efetivamente ao pagamento imediato exigido pelo Réu do valor dos 40.000,00€ acordados, é óbvio que um tal facto não pode ser dado como provado, considerando ter ficado provado no ponto 34. (sem impugnação das partes) que os Autores não chegaram a efetuar o pagamento dos ditos 40.000,00€ (como, aliás, a própria Autora confessou nas declarações que prestou).
Ademais, ante a reapreciação da prova produzida nos autos nos termos suprarreferidos, é inevitável concluir que, ao contrário do que os Apelantes defendem, não foi feita prova convincente dos factos em apreço, conforme decorre das considerações que acima fizemos e para as quais remetemos, por economia, acrescentando apenas uma breve justificação.
Assim, lembramos que o Tribunal recorrido formou a sua convicção a respeito do acordo verbal que considerou ter sido firmado entre as partes com base nas “declarações peremptórias da Autora e do filho que acompanhou as negociações no sentido de que o valor da dívida se fixaria em €91.000,00” e no teor do “documento nº 18 junto à p.i, com menções manuscritas e obtido no contexto da negociação”, afirmando que “aponta para os valores indicados pelos AA, sendo normal neste tipo de negociações que visam a reestruturação de uma dívida, procurar chegar-se a um valor arredondado e mais reduzido, considerando também os pagamentos feitos pelos AA em 2013 e 2014 (no total de €6.000,00), e o facto de se proceder a um pagamento imediato de €40.000,00”.
Ora, conforme a análise que acima fizemos, as declarações da Autora e o depoimento do seu filho “DD”, pela sua subjetividade e parcialidade e até alguma falta de verosimilhança, não foram suficientes para nos convencerem quanto à verificação dos factos essenciais acima indicados, pois não foram corroboradas por outros meios de prova credíveis, tendo ao invés sido refutadas pelos depoimentos prestados de forma imparcial e segura pelas testemunhas “EE”, “FF” e “GG”, mais resultando evidenciado, pelo teor dos documentos juntos aos autos os equívocos em que os Autores incorreram.
Face ao conjunto da prova produzida, não podemos considerar que a liquidez financeira gerada pela venda urgente do imóvel se destinou exclusivamente ou sobretudo ao pagamento imediato exigido pelo Réu do valor dos 40.000€ acordados, desde logo porque não estava propriamente a ser exigido pelas funcionárias do Réu um tal pagamento, mas a ser gizada, por solicitação dos Autores, uma proposta de reestruturação da dívida, numa negociação que implicaria, se os Autores entendessem submeter a apreciação superior uma tal proposta, um depósito daquela importância. Não podemos olvidar que os Autores se dirigiram ao Banco, desacompanhados de advogado, com o propósito de negociarem uma reestruturação da dívida, mostrando disponibilidade para que fosse submetida a aprovação superior uma proposta de reestruturação com o depósito prévio de 40.000€.
De qualquer forma, a “liquidez financeira” gerada com a venda do apartamento foi muito superior aos referidos 40.000€, considerando o preço total de 184.000€ e a circunstância de o valor do crédito hipotecário rondar os 50.000€, conforme afirmado pela testemunha “DD”, filho dos Autores, bem conhecedor da situação financeira da família (aliás, na sentença refere-se precisamente que este “disse que do preço da venda pagaram a dívida resultante do empréstimo hipotecário (e que era de cerca de 50.000,00€) e a comissão à imobiliária, tendo ficado com a diferença”).
Ficou também claro que os Autores necessitavam de “liquidez” face à situação de incumprimento em que se encontravam, considerando o valor da quantia exequenda peticionada na ação executiva (proc. n.º XXX/10.6TBPDL) instaurada pelo Novo Banco (portanto, no ano 2010) e em que o Santander reclamava o seu crédito (em incumprimento desde 2009), garantido por hipoteca que incidia sobre o imóvel penhorado, que era a casa de morada de família dos Autores, tanto mais que, conforme foi dito pela testemunha “JJ”, iria acontecer, mais tarde ou mais cedo, a venda judicial (que, segundo a testemunha referiu, estava marcada para julho de 2017).
Nesse contexto, parece-nos que terá sido a vontade de encontrar uma solução para evitar a venda judicial da casa de morada de família que levou os Autores, como a própria Autora disse, a tomarem a iniciativa de se dirigirem à agência da Calheta do Santander, no sentido de tentarem resolver o problema em que a sua família se encontrava (e que certamente afligia aquela), procurando conseguir uma reestruturação da dívida cujo pagamento imediato e integral os Autores, aparentemente, não queriam fazer (ou não podiam, pelo menos sem se desfazerem de mais “património familiar”), sendo certo que não fizeram esse pagamento, apesar da liquidez que lhes adveio da venda das frações do Porto.
Finalmente, quanto ao restante passivo bancário, a alegação de que se encontrava na situação de “regularizado/cumprimento”, além de vaga e substantivamente irrelevante, não quedou demonstrada, por não ter sido produzida qualquer prova convincente a esse respeito, sendo as declarações da Autora insuficientes, até pela incompreensão que evidenciou quanto à tramitação da ação executiva com dois credores hipotecários.
Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso no que concerne ao aditamento dos dois factos em apreço.

Os Autores pretendem ainda que seja aditado ao elenco dos factos provados que:
c) em especial a Autora “BB” começou a padecer de problemas de saúde, a precisar de medicação, tendo sido vítima de ataques de pânico, de desmaios com frequência, a ser assistida em sucessivos episódios de intervenção médica e hospitalar, eventos que foram originados pelo impasse/incerteza na resolução do problema com o Réu e pela sua quebra abruta das negociações em curso e também com a consequente «perda» do imóvel por um valor injusto.
Invocam para tanto as declarações de parte da Autora e os depoimentos prestados pelas testemunhas “CC”, “DA” e “DD”.
Vejamos.
Os factos em causa não foram alegados na Petição Inicial, pelo que, na esteira das considerações que acima fizemos, o seu aditamento apenas se justificaria se fossem factos complementares ou concretizadores que tivessem resultado da instrução.
Ora, não se enquadram nessa categoria as alegações genéricas e até conclusivas de um “impasse ou incerteza na resolução do problema com o Réu” ou da (suposta) “perda do imóvel por um valor injusto”. Nem se vê que relevância possa ter a circunstância de ter existido “incerteza na resolução do problema”, até por se tratar de uma realidade incontornável no contexto da negociação da reestruturação de uma dívida cujo incumprimento remontava a 2009 e que estava a ser reclamada numa ação executiva, cuja extinção não se antevia fácil, porque os Autores, ao que tudo indica, não queriam ou não podiam (pelo menos sem alienarem parte do património que pertencia à família) proceder ao pagamento integral de todas as quantias em dívida.
Seja como for, ante a prova produzida não ficámos convencidos a respeito da verificação destas alegações de facto, pois o que resultou da prova produzida é terem sido os Autores quem optou por não avançar com as negociações em curso, procedendo ao depósito dos 40.000€.
Pese embora a cessão de créditos pudesse ter contribuído, na perspetiva dos Autores, para que já não fizesse sentido continuar a negociação, foi dito pela testemunha “GG” que até ao momento da cessão não estava de todo afastada a possibilidade de ser aprovada a reestruturação do crédito, assim tivessem os Autores pretendido proceder em conformidade com a proposta que estava a ser gizada, acrescentando ainda que, mesmo depois da cessão, poderia existir um “put back” do crédito. Lembramos que, no caso, face aos valores em presença, tais hipóteses até seriam economicamente vantajosas para o Banco.
Por outro lado, conforme acima referimos e também resulta do vertido nos pontos 46 e 48 do elenco dos factos provados, estamos convencidos que as causas da tristeza e apreensão dos Autores estavam relacionadas com o facto de serem devedores de quantias de algum vulto e de estarem a ser demandados em ação executiva no âmbito da qual havia sido penhorada a casa de morada de família, cuja venda judicial pretendiam evitar, o que implicava, por não disporem de liquidez para pagamento da quantia exequenda e do crédito reclamado, a reestruturação dessas dívidas, não tendo logrado fazê-lo, pelo menos quanto ao Santander, com a brevidade que pretendiam. A este propósito, lembramos que a testemunha “EE”, no seu depoimento, disse que, quando os Autores a contactaram, eles iam tentar arranjar uma solução porque havia um processo em tribunal e a casa deles ia ser vendida.
Desconsiderar esta realidade e imputar as causas da tristeza e doença da Autora a uma suposta a atuação por parte das funcionárias do Banco parece-nos inaceitável, não sendo os depoimentos prestados pelas testemunhas “DA”, “DD” e “CC”, nem as declarações prestadas pela Autora, convincentes a este respeito, por se nos afigurar bem mais provável (e tais depoimentos e declarações também o evidenciarem) que a generalidade dos problemas de saúde descritos se deviam ao facto de os Autores se encontrarem há muitos anos com dívidas e uma execução pendente, no âmbito da qual havia sido penhorada a casa de morada de família, correndo o risco de ser vendida, situação que naturalmente os afligia, em especial à Autora.
Assim, também neste particular, se mantem inalterada a decisão da matéria de facto, improcedendo as conclusões da alegação de recurso dos Autores.

Da indemnização dos danos fundada em responsabilidade civil pré-contratual (restantes questões, começando logicamente pela 3.ª questão do recurso subordinado)

Na sentença recorrida, antes da parte da fundamentação de direito intitulada “B) Da indemnização a atribuir aos AA”, em que se teceram algumas das considerações acima citadas, atinentes designadamente ao “âmbito da obrigação de indemnizar na responsabilidade pré-contratual, ou melhor, quais são os danos indemnizáveis nesta situação”, foi feita uma análise dos factos à luz do direito que se considerou aplicável ao caso, sob o título “A) Responsabilidade pré-contratual – pressupostos”, fundamentando-se nos seguintes termos a conclusão a que se chegou quanto à verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar (sublinhado nosso):
«A pretensão indemnizatória deduzida pelos AA assenta na responsabilidade pré-contratual do Banco Réu decorrente das negociações havidas em 2017 para reestruturação de um dívida que os AA detinham perante o Banco Réu, e que por sua vez tinha anteriormente sido contraída perante o BANIF, a quem o Banco Réu sucedeu nos direitos e obrigações transmitidos em virtude da medida de resolução que lhe foi aplicada em 2015.
Os AA assentam a responsabilidade do Réu tanto no disposto no art.º 227º do Cód. Civil, preceito que versa a culpa na formação dos contratos, aplicável a toda e qualquer negociação que vise a conclusão de um contrato, como no disposto no art.º 304º-A do C.V.M. na redacção vigente à data (Código dos Valores Mobiliários aprovado pelo D.L. n.º 486/99, de 13/11 com sucessivas alterações, entre elas as decorrentes do D.L. nº 357-A/2007 de 31/10).
O art.º 304º-A do C.V.M. consagra a responsabilidade civil dos intermediários financeiros, nos termos do qual os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública (nº 1). E, nos termos do nº 2, a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
Embora o Banco Réu seja uma instituição de crédito que pode exercer actividades de intermediação financeira, na situação vertente o Banco não actuou nas vestes de intermediário financeiro (cfr. art.º 289º do C.V.M), designadamente, não estavam em causa quaisquer serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros, serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento, ou o exercício pelo Banco das funções de depositário de instituições de investimento coletivo.
O Banco Réu actuou com mera instituição de crédito no âmbito da renegociação de um vulgar contrato de mútuo que foi incumprido pelos AA, visando as partes a reestruturação da dívida originada pelo incumprimento, e não como intermediário financeiro.
Portanto, entendemos que, sem prejuízo dos deveres que não obstante recaem sobre o Réu como instituição de crédito (e cujo regime geral decorre do RGICSF aprovado pelo D.L. nº 298/92, de 31/12 e sucessivas alterações) não é aplicável o disposto no art.º 304º-A do C.V.M., mas sim, o disposto no art.º 227º do Cód. Civil.
Nos termos do art.º 227º nº 1 do Cód. Civil, sob a epígrafe “Culpa na formação dos contratos”: “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à contraparte”.
A responsabilidade pré-contratual radica, assim, na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual de um negócio, assegurada pela imposição de certos comportamentos, assim agrupados: deveres de protecção, deveres de informação e deveres de lealdade.
Conforme se assevera no acórdão da Relação de Lisboa de 15/03/2012 (in www.dgsi.pt) “os primeiros – deveres de protecção - impõem que naquela fase a parte tome todas as medidas para que não ocorram danos pessoais ou patrimoniais à contraparte, isto porque as negociações preliminares colocam, por vezes as partes à mercê uma da outra. Os deveres de informação obrigam a que aquando a busca do eventual contrato, as partes, pela positiva, se prestem mutuamente todas as informações necessárias para a boa conclusão do negócio e, pela negativa, se abstenham de quaisquer artifícios ou enganos que possam induzir em erros ou equívocos. Finalmente, os deveres de lealdade obrigam as partes a uma conduta que previna quebras da confiança uma na outra, consistente, na perspectiva positiva que uma vez iniciadas as negociações prossigam sem interrupções arbitrárias contrárias às expectativas criadas e, pela negativa que as negociações não sejam utilizadas para efeitos a ela estranho, designadamente para paralisar a concorrência ou beneficiar terceiros.”.
É jurisprudência dominante no STJ que a responsabilidade por culpa in contrahendo configura uma terceira via da responsabilidade civil, entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual, posto que emerge da violação de deveres surgidos no âmbito de uma relação específica entre as partes, que impõe a tutela da confiança no âmbito do tráfego negocial. (cfr. ac. da Relação de Lisboa de 06/10/2015 in www.dgsi.pt, acompanhando-se o ensinamento de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 4ª Ed., pág. 339, que situa a responsabilidade pré-contratual no meio termo entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade delitual).
Com efeito, muitos contratos formam-se rapidamente “pelo mero encontro de uma oferta e de uma aceitação”, ou seja, quase instantaneamente pelas «coincidentes manifestações de vontade das partes que as emitem sem intervalo apreciável e, até, sem diálogo ou com diálogo reduzido ao mínimo» (cfr. Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 7ª edição, reimpressão, p. 69, apud acórdão do S.T.J. de 13/07/2022 proferido no processo 13790/19.8T8PRT.P1.S1 in www.dgsi.pt). Todavia, nem sempre a realização dos contratos obedece a um modelo ou esquema tão simples e imediato, sendo até frequente que a sua formação se processe de forma lenta e progressiva em que a sua génese começa pelos primeiros contactos das partes, tendo como objectivo a realização de um negócio, e se prolonga, por vezes com negociações complexas e duradouras, até ao momento da sua efectiva celebração. O processo negocial pode assim ser mais ou menos alongado, mais ou menos complexo, com mais ou menos inflexões, envolver apenas as partes, ou também terceiros como assessores, técnicos, peritos, etc., apresentado por isso geometria variável.
Com afirma Menezes Leitão (Op. cit. pág. 338) com inteira pertinência, “uma vez que as negociações visam precisamente a obtenção de um acordo, as partes têm de contar sempre com a possibilidade de esse acordo não ser obtido, e que a parte contrária rompa as negociações quando chegar a essa conclusão. Apenas quando na outra parte tenha sido criada a confiança justificada de que o contrato iria ser concluído e ocorre uma ruptura de negociações sem motivo legítimo é que se pode considerar ter ocorrido uma violação das regras da boa fé, único caso em que a responsabilidade pré-contratual se aplica”.
Isto posto e volvendo ao caso que nos prende, com pertinência para aferição da eventual violação dos deveres de boa fé pelo Banco e ruptura injustificada das negociações vemos que ficou provado que:
(…) A factualidade apurada aponta evidencia a existência de negociações com elevado nível de intensidade e concretização ainda que não tivessem sido formalizadas num documento escrito que pudesse constituir a minuta do acordo a celebrar por escritura, nem aprovadas superiormente.
As partes estavam muito próximas daquilo a que Carlos Ferreira de Almeida apelida de “acordo pré-contratual final” e que precede a fase da subscrição (in “Contrato Formal e Pré-Contrato Informal” apud Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, 2006, Vol. II, pág. 356 e segs.).
Com efeito, os AA e as funcionárias da agência onde foram feitas as negociações Réu, já haviam acordado no valor em que seria fixada a dívida - €91.000,00, no pagamento imediato de €40.000,00, e no pagamento do remanescente - €51.000,00 - em prestações, sendo dado em garantia um imóvel cuja avaliação também entregue ao Banco apontava para um valor exponencialmente superior à quantia que ficaria em dívida. Para efeitos de procederem ao depósito daquela quantia os AA promoveram a venda urgente de um imóvel sito no Porto, imóvel que não estando formalmente registado em seu nome, mas sim em nome de uma filha, estava a ser pago pelos mesmos que também pagavam as respectivas despesas e dele fruíam, tratando-se assim de um bem familiar. Não é relevante para a situação em apreço a circunstância de o imóvel não se encontrar registado em nome dos AA, o que era muito comum à época da aquisição por forma a beneficiarem do juro bonificado aplicável a jovens (sendo certo que na data da aquisição a filha era estudante pelo que presumivelmente nem auferiria rendimentos que lhe permitissem suportar as prestações). O Banco Réu tomou inclusive conhecimento de que os AA estavam a promover a venda de um imóvel para proceder ao pagamento da quantia de €40.000,00.
Ou seja, estamos perante negociações avançadas que criaram nos AA a legítima expectativa de consumação do acordo de reestruturação da sua dívida, a ponto de os levar a tomar a decisão de vender apressadamente e abaixo do valor de mercado um imóvel que estimavam e do qual retiravam proveitos. No processo negocial os AA tiveram uma actuação irrepreensível, remetendo diversa documentação ao Réu para que este pudesse acelerar a marcação da nova escritura com vista à reestruturação daquele crédito e constituição de hipoteca. Após a venda do imóvel, o Banco Réu chegou a indicar uma conta onde os AA deveriam depositar a quantia de €40.000,00.
O Banco gerou nos AA uma situação de confiança digna de tutela e que já não podia defraudar injustificadamente.
Sucede que, enquanto decorriam estas negociações o Banco Réu negociava uma cessão de créditos que incluía o crédito sobre os AA. Trata-se de uma situação recorrente na prática bancária, como também é certo que a cessão de créditos não carece de consentimento dos devedores e nem estes gozam de um “direito de preferência”. O ponto não é esse. O ponto é que, com aquele nível de envolvimento e concretização para a reestruturação da dívida, era obrigação do Banco Réu, por razões de lealdade, lisura e boa fé negocial, pelo menos informar os AA do risco de virem a ser incluídos no pacote dos créditos cuja cedência se perfilava ou pura e simplesmente não incluir este crédito na cessão. É consabido que as cessões de créditos com a dimensão daquela operada pelo Réu em 26 de Junho de 2017 visam uma pluralidade de créditos e garantias e não se negoceiam em dias nem semanas.
Quando os AA se preparavam para depositar a quantia cumprindo o que lhes era pedido, a dias da cessão de créditos que desconheciam por completo, um funcionário do Banco informou os AA que continuariam em contencioso não obstante o depósito, o que demoveu os AA de efectuarem o depósito, pois o seu objectivo era justamente “sair do contencioso” do Banco. É por isso aceitável que os AA procurassem obter mais explicações junto das funcionárias com quem tinham negociado, o que já não conseguiram. De modo algum pode concluir-se que a cessão do crédito dos AA se deu porque os AA não efectuaram o depósito, dado que não tinha sido conferido um prazo aos AA e o Banco sabia da disponibilidade dos AA para o realizar e até da deslocação efectuada para esse efeito.
A integração do crédito sobre os AA no pacote dos créditos cedidos em 26 de Junho de 2016 sem qualquer aviso aos AA e numa fase em que as negociações estavam tão avançadas mostra-se injustificada e censurável, violadora dos deveres de boa fé. Não tinha havido sequer uma qualquer divergência entre as partes relativamente aos termos da reestruturação acordados no balcão, algum aspecto que o Banco entendesse que devesse ser alterado. Tudo indicava aos AA que a intenção do Banco de proceder à reestruturação naqueles termos era séria, havia por isso uma expectativa fundada de conclusão e formalização do acordo. O Banco Réu não pautou a sua conduta por padrões de lisura relativamente aos AA ao ceder o crédito nos termos em que o fez. Aliás, acabou por ser uma opção economicamente mais prejudicial para o Réu atento o valor pelo qual aquele crédito foi cedido e as reais pespectivas que tinha de ser pago pelos AA.
Os pressupostos da obrigação de indemnizar na responsabilidade pré-contratual correspondem aos pressupostos comuns a todas as diferentes formas de responsabilidade civil, sendo eles, a ocorrência de um facto voluntário, positivo ou omissivo, o seu caráter ilícito, a culpa do agente, a ocorrência de um dano e a sua conexão com o ato, e que se podem concretizar nos seguintes:
- a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato;
- o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações;
- a produção de um dano no património de uma das partes; e
- a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada
Ora, como vimos, os AA confiaram legitimamente na conclusão do contrato, a sua ruptura mostra-se injustificada no contexto, frustrando expectativas fundamentadas da contraparte na realização do negócio. Foi porque confiaram na contraparte e na seriedade das negociações que os AA venderam um imóvel abaixo do valor de mercado, venda que pelo menos no imediato não serviu o seu propósito, e o valor que mais tarde pagaram à cessionária, depois de muita negociação, foi efectivamente sensivelmente superior ao que pagariam ao Réu, para além dos transtornos, frustração e tristeza que compreensivelmente sofreram. Ou seja, tiveram prejuízos decorrentes da confiança de que as negociações chegariam a bom porto.
Estão assim reunidos os pressupostos de verificação de responsabilidade pré-contratual do Banco Réu com a inerente obrigação de indemnizar.»
A Ré, no recurso subordinado, discorda deste entendimento, defendendo, em síntese, que: não incorreu em responsabilidade civil pré-contratual, impondo-se concluir, em consequência da alteração da matéria de facto provada, que a conduta do Banco não merece reprovação, sendo claro que, nas negociações que manteve com os Autores, procedeu com inteira boa fé.
Importa, antes de mais, apreciarmos se lhe assiste razão, conhecendo primeiramente desta subquestão, posto que as demais poderão ficar prejudicadas.
Sendo inquestionável o acerto do enquadramento jurídico feito na decisão recorrida ao afastar a aplicação ao caso do regime de responsabilidade do intermediário financeiro, cumpre decidir se, ante a factualidade que efetivamente resultou provada - diferente daquela em que se estribou a sentença -, a Ré incorreu na obrigação de indemnizar os Autores com fundamento em responsabilidade civil pré-contratual.
Como é consabido, o art.º 227.º do CC constitui um afloramento do princípio geral da boa fé, que está consagrado, além do mais, no art.º 334.º do CC (abuso do direito) e no art.º 762.º, n.º 2, do CC. Nos termos daquele artigo (“sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”), uma atuação ilícita, por contrária à boa fé, por parte de quem negoceia poderá ser sancionada, através de convocação da figura da responsabilidade pré-contratual. Portanto, “o comportamento dos contraentes terá de pautar-se pelos cânones da lealdade e da probidade”, tanto na “fase negociatória” (preparação do conteúdo do acordo) como na ulterior “fase decisória” (emissão das declarações de vontade: a proposta e a aceitação – cf. arts. 224.º ss. do CC. Assim se tutelando, nas palavras de Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 5.ª edição, Almedina, págs. 237-238, “directamente a fundada confiança de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé; e por conseguinte, as expetativas legítimas que a mesma lhe crie, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua futura celebração. Convirá salientar, porém, que o alicerce teleológico desta disciplina ultrapassa a mera consideração dos interesses particulares em causa. Avulta, com especial evidência, a preocupação de defesa dos valores sociais da segurança e da facilidade do comércio jurídico.”
De salientar que a obrigação de indemnizar por culpa in contrahendo, qualquer que seja o facto ilícito que a justifique, depende da produção de um dano e dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil¸ mormente do nexo de causalidade adequada, conforme salientado no acórdão do STJ de 14-07-2010, proferido na revista n.º 3684/05.0TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, de que citamos, pelo seu interesse, a seguinte passagem do respetivo sumário,:
“VI - Tendo a ré violado o negócio em preparação, poderá incorrer em responsabilidade civil pré-contratual, por culpa in contrahendo (art.º 227.º do CC). 
VII - E, quando em virtude da culpa in contrahendo tiverem sido causados danos à outra parte, discute-se se a indemnização se refere ao interesse contratual negativo (ou de confiança) ou ao interesse contratual positivo (ou de cumprimento). 
VIII - A responsabilidade pré-contratual por ruptura de negociações preparatórias actua, em princípio, nos limites do interesse negativo, podendo, porém, se tal culpa in contrahendo estiver na violação do dever de conclusão de um contrato a responsabilidade em causa tender para a cobertura do interesse positivo. 
IX - A obrigação de indemnizar por culpa in contrahendo, qualquer que seja o facto típico que a justifique, depende da produção de um dano e dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil. 
X - A prova do nexo causal – sendo necessário estabelecer uma ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquela (art.º 563.º do CC) - como um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, cabe ao credor. 
XI - O processo de determinação do nexo de ligação do facto ao dano comporta duas fases: (i) numa, a inicial, averigua-se no plano naturalístico se certo facto concreto é ou não efectivamente condicionante de um dano; (ii) noutra, posterior, determina-se se esse facto, considerado em abstracto e em geral, é ou não apropriado a provocar tal dano.”
Desde há muito que a jurisprudência vem dando um importante contributo para a densificação da figura da culpa in contrahendo, tornando bem evidente o grau de exigência que o julgador deverá ter na aferição dos respetivos requisitos. A este respeito, veja-se, a título exemplificativo, o acórdão do STJ de 21-04-2005, na Revista n.º 490/05 - 7.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt, “II - A protecção concedida pelo n.º 1 do art.º 227 do CC supõe situações de legítima, fundada, estável, consolidada expectativa de que não haverá retrocesso, de que não é já de admitir a possibilidade de alterações substanciais, e a confiança assim justificada na conclusão formal do contrato - tal que arbitrária, injustificada, ao invés, se revelaria decisão unilateral de não contratar. III - É pressuposto e fundamento da responsabilidade pré-contratual a culpa do responsável, ou seja, a censurabilidade ou reprovabilidade da conduta deste (culpa in contrahendo), tendo que ter efectivo cabimento um juízo de censura ou reprovação baseado no reconhecimento, à luz do disposto n.º 2 do art.º 487 do CC, de que o mesmo podia e devia ter agido doutro modo.”
Sendo sabido que, não obstante as expressões “culpa in contrahendo” ou “responsabilidade pré-contratual” remetam para a formação de um contrato, a doutrina e a jurisprudência vêm observando que este instituto não se circunscreve ao âmbito puramente contratual, sendo também de equacionar em relação a negócios jurídicos unilaterais e até em situações algo próximas (ainda que distintas) da que nos ocupa, como a que foi apreciada pelo acórdão do STJ de 13-07-2022, no proc. n.º 13790/19.8T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt (aliás, citado na sentença), como se alcança do respetivo sumário:
“I. Deve ter-se como ilícita por contrariedade às regras da boa fé (art.º 227.º do CC) a conduta do banco réu que apresentara uma proposta negocial que, à data em que foi apresentada, lhe era impossível cumprir uma vez que dias antes tinha celebrado um contrato de cessão de créditos hipotecários no qual o crédito sobre o autor se encontrava incluído.
II. Nenhuma das razões desculpabilizantes da conduta do banco réu, consideradas pelo tribunal a quo, pode ser acolhida.
III. Não apenas não foi alegado nem provado que a falha do banco réu se devesse a limitações inerentes ao funcionamento interno do mesmo banco ou à comunicação entre o dito banco e a sua mandatária forense como, sobretudo, se entende que, mesmo que tais limitações existissem, sempre seriam irrelevantes para afastar a culpa do mesmo banco.
IV. De igual modo, não é de acolher a desculpabilização do réu com base no regime normativo que prevê que a cessão de créditos não dependa de consentimento do devedor (cfr. art.º 557.º, n.º 1, do CC); não é o regime legal da cessão de créditos que está aqui em causa, mas antes o facto de que, depois de ter cedido a terceiro o crédito sobre o aqui autor, o banco réu tenha feito uma proposta contratual ao devedor cedido, o aqui autor, como se tal cessão não tivesse ocorrido.
V. Porém, perante a factualidade dada como provada verifica-se que a conduta do banco réu apenas causou ao autor danos não patrimoniais, sendo de repristinar, nesta parte, o decidido pela 1.ª instância.”
De referir, por último, a encerrar estas breves considerações, que a natureza da responsabilidade pré-contratual - saber se estamos perante responsabilidade aquiliana, contratual ou uma terceira via da responsabilidade civil -, ainda se reveste de controvérsia, tanto na doutrina como na jurisprudência. A este respeito, citamos as considerações feitas no acórdão do STJ de 07-11-2019, relatado pela Conselheira Maria da Graça Trigo, proferido no proc. n.º 153/13.8TCGMR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, lembrando que «o instituto da culpa in contrahendo reveste-se de bem maior complexidade dogmática. A genialidade de Ihering (cfr. “Culpa in contrahendo oder Shadenersatz bei nichtigen oder nicht zur Perfektion gelangten Vertragen”, Jahrbucher fur Dogmatik des heutigen romischen und deutschen Privatrechts, Vol. IV, 1861, págs. 1 e segs., texto traduzido para português com o título ‘Culpa in contrahendo’ ou indemnização em contratos nulos ou não chegados à perfeição, Almedina, Coimbra, 2008) resulta da “descoberta” de que, na fase que antecede a celebração de um contrato e o momento da produção dos inerentes efeitos obrigacionais, se encontram as partes adstritas a respeitar deveres acessórios (ou laterais) de conduta impostos pela boa fé.
Para os propósitos do presente acórdão, socorremo-nos aqui da síntese contida em anotação ao artigo 227º da autoria da aqui relatora:
“II. A atenção prestada à fase anterior à celebração do contrato permitiu identificar deveres acessórios de conduta a respeitar, bem como tipos de situações a incluir na responsabilidade pré-contratual. Entre as múltiplas enumerações de deveres propostos pela doutrina e pela jurisprudência, estrangeiras e nacionais, saliente-se aquela que distingue entre deveres de segurança, deveres de lealdade e deveres de informação. Quanto às tipologias de responsabilidade, identificam-se essencialmente três: a responsabilidade pela conclusão de um contrato inválido ou ineficaz que, por esse motivo, causa danos a uma das partes; a responsabilidade pela celebração de um contrato válido e eficaz de um modo tal que cause prejuízos a uma das partes; e ainda a modalidade, entre nós algo tardiamente reconhecida, da responsabilidade por rutura das negociações (…)” (Maria da Graça Trigo, anotação ao artigo 227º, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 512).
E ainda:
“IV. Para a orientação maioritária, a boa fé concretiza-se em deveres pré-contratuais, revelando-se vantajoso, tanto no plano dogmático, como no plano operacional, discriminá-los em função das três tipologias de responsabilidade enunciadas em II. Na responsabilidade pela rutura de negociações, o lesado confiou justificadamente na prossecução das mesmas e o responsável violou deveres pré-contratuais de lealdade sendo obrigado a indemnizar. Não falta quem alargue este tipo de responsabilidade ao ponto de, em certas hipóteses, defender que o dever de lealdade obriga à celebração do contrato. O princípio da liberdade contratual conheceria os seus limites quando a boa fé exigisse a formalização de consensos negociais já existentes (ver Acs. STJ 11.01.2007 e 28.04.2009).” (ibidem, pág. 513)
Deste modo, estando em causa, na responsabilidade pré-contratual, o desrespeito por deveres acessórios e não por deveres de prestação (principais ou secundários), a natureza da mesma não é inteiramente líquida.
Na síntese que temos vindo a utilizar:
“VII. Suscita-se a questão da natureza da responsabilidade pré-contratual. Tradicionalmente, a doutrina qualifica-a como responsabilidade obrigacional ou como responsabilidade delitual. Autores há que a consideram exemplo de uma terceira via de responsabilidade, orientação que permite aplicar o regime de uma ou outra daquelas categorias de responsabilidade civil, em função do problema em causa. Convocar-se-ia o regime da presunção de culpa do art.º 799º, nº 1, assim como, quanto à responsabilidade por actos de auxiliares, o disposto no art.º 800º, nº 1. Diversamente, para além da sujeição ao regime de prescrição do art.º 498º, por expressa remissão do nº 2 do preceito, tornam-se ainda aplicáveis a possibilidade de redução da indemnização em caso de mera culpa, prevista no art.º 494º, e o regime de solidariedade do art.º 497º.” (ibidem, págs. 507-508).
Aplicando os dados dogmáticos recolhidos ao caso dos autos, trata-se afinal de apreciar o eventual desrespeito por deveres pré-contratuais de lealdade. Sendo que, a existir, tal desrespeito gera responsabilidade pré-contratual, podendo discutir-se a sua qualificação como responsabilidade contratual ou como responsabilidade extracontratual; e admitindo-se, em alternativa, a configuração como uma situação da denominada “terceira via” da responsabilidade civil.»
Volvendo a nossa atenção para o caso dos autos, desde já adiantamos que aqui, a existir responsabilidade pré-contratual da Ré, se revestiria de natureza contratual, não se podendo olvidar que: as partes estavam, em 2017, vinculadas por um contrato de mútuo, cujo incumprimento por parte dos Autores remontava a 2009, crédito esse cujo pagamento havia sido reclamado judicialmente em 08-09-2011, no âmbito de execução em que a fração hipotecada havia sido penhorada; os Autores vieram junto da Ré negociar a reestruturação da dívida, tendo em vista o pagamento parcial da quantia em dívida e a modificação dos termos do contrato, em moldes que estavam por definir, sabendo-se apenas que envolveria o pagamento em prestações do valor remanescente (sendo muito provável, nos termos da lei, que a quantia a entregar fosse imputada aos juros de mora vencidos). Portanto, estava em causa a negociação de uma proposta que visava a reestruturação de um crédito relativo a mútuo bancário na situação de incumprimento.
O Tribunal recorrido, na fundamentação de direito da sentença, atendeu a um conjunto de factos que, face à procedência da impugnação da decisão da matéria de facto, não podemos agora ter em consideração. Além disso, fez algumas afirmações sem qualquer suporte fáctico, designadamente que com a reestruturação do crédito seria “dado em garantia um imóvel cuja avaliação também entregue ao Banco apontava para um valor exponencialmente superior à quantia que ficaria em dívida” ou que os Autores retiravam “proveitos” das frações vendidas.
Ora, vendo bem, os factos essenciais em que os Autores estribam a sua pretensão não ficaram provados: que lhes foi dito pelas funcionárias da Ré que estava verbalmente aprovada uma determinada proposta de reestruturação nos termos do qual deviam pagar 40.000€ da quantia em dívida, reduzida para 91.000€, e que, tenha sido a fim de obterem a liquidez necessária para fazerem tal pagamento, que venderam as frações de que a sua filha era proprietária no Porto, vindo, quando se preparavam para realizar esse depósito, a ser informados por um outro funcionário da Ré que continuariam em contencioso.
Na verdade, os factos provados nem sequer evidenciam que a venda das frações do Porto foi efetuada com o propósito específico de aqueles obterem a quantia de 40.000€, confiando (e tendo razões para isso) que a reestruturação da dívida seria aprovada se procedessem ao depósito dessa importância.
Não se diga, por outro lado, que a Ré estava obrigada a aceitar uma proposta de reestruturação da dívida, nem sequer que, dado o estado (mais ou menos avançado) das negociações em curso, não podia ter realizado a cessão de créditos. Na verdade, a Ré não estava legalmente impedida de ceder o seu crédito, não se podendo acompanhar as considerações em contrário feitas na sentença, designadamente quando aí se afirma que era obrigação do Banco Réu, por razões de lealdade, lisura e boa fé negocial, pelo menos informar os AA do risco de virem a ser incluídos no pacote dos créditos cuja cedência se perfilava ou pura e simplesmente não incluir este crédito na cessão”.
Assim, em tese, apenas se poderá entender que a Ré, através das suas funcionárias, não podia, sob pena de poder incorrer em responsabilidade civil, violar deveres de lealdade e de informação, iludindo os Autores a respeito da viabilidade da reestruturação pretendida por estes, dando seguimento à solicitação de negociação que tinham feito, levando-os a confiar que estava “bem encaminhada”, que se iria concretizar a reestruturação da dívida, contanto efetuassem o depósito da quantia de 40.000€, e, depois, não dar seguimento a essa negociação, recusando-se a isso, “escudada”, por exemplo, na cessão de créditos realizada ou noutros fatores que, no decurso da negociação, já eram ou deviam ser do conhecimento daquelas.
Porém, atentando nos factos provados, não é este o quadro fáctico que se nos apresenta, não se nos afigurando que as negociações estivessem tão adiantadas como o Tribunal recorrido considerou. Efetivamente, até 19 de junho de 2017, os Autores ainda estavam a enviar/entregar elementos para serem analisados pelo Banco, elementos que os funcionários do Banco rececionaram e que, como os Autores bem sabiam, diziam respeito à sua situação financeira e à avaliação do imóvel hipotecado. Ora, parece-nos claro que seria em função da posterior análise dessa documentação pelos (competentes) funcionários do Banco que resultaria uma tomada de posição por parte deste quanto à viabilidade da reestruturação da dívida. Por isso, até essa altura as negociações não estavam adiantadas ao ponto de os Autores terem razões para confiar que seriam concluídas com a aprovação superior da proposta de reestruturação que almejavam, proposta essa que, recorde-se, passava pela redução do valor de uma dívida antiga, garantida por hipoteca e reclamada judicialmente, o que, como é óbvio, não podia ser encarado como algo fácil de obter.
De salientar também que não tinha sido fixado nenhum prazo para os Autores, querendo, realizarem o depósito de 40.000€, que se tinham mostrado disponíveis para efetuar, como, aliás, reconheceu o Tribunal recorrido, afirmando “que não tinha sido conferido um prazo aos AA” para esse depósito ser realizado.
Além disso, não ficou sequer provado que a venda das frações do Porto foi realizada no decurso das negociações e com o propósito específico de efetuar o depósito de 40.000€, apenas se podendo ver nessa venda uma forma de os Autores obterem liquidez para negociarem a reestruturação da dívida, de modo a evitarem a venda judicial da fração penhorada no âmbito da execução em que o crédito da Ré havia sido reclamado.
Importa ainda não esquecer que os Autores, nos presentes autos, não só não se insurgem propriamente contra a cessão (ou cessões) do crédito (cuja validade não questionam), como até reconheceram que lograram negociar com a última das cessionárias uma redução do valor da dívida, que assim se extinguiu.
Tão pouco nos parece que a pretensão dos Autores mereça acolhimento pelo facto de não lhes ter sido dado (pela Ré) prévio conhecimento da cessão. Na verdade, quem optou por não dar continuidade às negociações foram eles, ao não procederem ao depósito de 40.000€, pelo que, quando a cessão do crédito aconteceu, já os Autores tinham rompido as negociações. Ademais, muito embora a cessão estivesse a ser negociada há meses, nada nos leva a pensar, antes pelo contrário, que se os Autores disso tivessem conhecimento, não teriam sequer dado início às negociações para reestruturação do crédito.
Por outro lado, não resulta dos factos provados que a cessão de créditos feita pela Ré tenha inviabilizado, automática e forçosamente, a concretização das negociações, pelo menos até ao dia 24 de agosto de 2017, data em que os Autores receberam por parte da entidade “Whitestar” um email contendo uma carta em anexo, datada de 17-07-2017, que dava conhecimento da respetiva cessão de créditos com efeitos a partir do dia 26 de junho (cf. art.º 583.º do CC). Portanto, não podemos considerar que o facto de o crédito em apreço ter sido incluído na cessão de créditos, pelo menos até ao momento em que os Autores foram notificados da cessão, impossibilitava a continuidade das negociações com o Banco Santander.
Por tudo isto, não nos parece que possa ser transposta para o caso dos autos a jurisprudência do acórdão do STJ (que foi seguida na sentença). Efetivamente, a situação de facto que o Supremo apreciou nesse recurso (considerando-a ilícita, por contrária às regras da boa fé, culposa e causal de danos não patrimoniais) era bem diferente da que nos ocupa - tratava-se de uma negociação em que o banco réu, já depois de ter cedido a terceiro o crédito sobre o aí autor, procedeu como se tal cessão não tivesse ocorrido, fazendo uma proposta contratual ao devedor cedido (o autor), proposta essa que o Supremo constatou ser impossível de cumprir, uma vez que, quando o autor solicitou a marcação de reunião para reduzir a escrito o acordo, o banco se escusou-se a fazê-lo, justificando-o com a cessão de créditos, não tendo tido sucesso a tentativa feita pelo autor no sentido de o banco aceitar a realização de um acordo com o recebimento da quantia cujo imediato pagamento o banco antes indicara na proposta.
Ora, a situação dos autos é bem distinta, não se nos afigurando que seja atentatória da boa fé a mera circunstância de não ter sido comunicado aos Autores, pelas duas funcionárias da Ré, que estava a ser negociada há meses uma cessão de créditos. Note-se que não está provado que aquelas funcionárias sabiam que o crédito em questão iria ser abrangido pela cessão de créditos, muito menos quando é que essa cessão iria acontecer (o que é muito diferente de ter conhecimento de que a cessão de créditos aconteceu), tão pouco estando provado que, no decurso da negociação, foram informadas a respeito da venda que os Autores iriam realizar.
Aliás, não se apurou quando é que a decisão de venda das frações do Porto foi tomada, nem se essa venda teve lugar antes ou depois de os próprios Autores, por sua iniciativa, terem vindo solicitar junto das duas funcionárias do Banco, em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, a reestruturação da dívida.
O que os factos provados inculcam é que tais funcionárias mais não fizeram do que tentar corresponder à solicitação dos Autores, procurando ajudá-los a submeterem a aprovação superior uma proposta (um pedido) de reestruturação de crédito que, na sua perspetiva - que nada indica fosse errada -, tivesse condições para ser aceite, considerando a situação de incumprimento em que aqueles se encontravam há vários anos, agravada pela circunstância de o crédito estar a ser reclamado numa ação executiva pendente (em que, recorde-se, o credor exequente seria pago com prioridade pelo produto da venda da fração penhorada).
Foi neste contexto fáctico, de resolução algo complexa, ante a falta de liquidez dos Autores, que as negociações foram iniciadas e, depois, rompidas pelos próprios Autores, tendo essa rutura acontecido, na prática, quando optaram por não efetuar o depósito de 40.000€, antes mesmo de terem conhecimento da cessão de créditos.
Mesmo admitindo que os Autores teriam as suas razões para isso, não podemos olvidar que foi por sua iniciativa que as negociações foram encetadas e que estas também diziam respeito ao cumprimento do contrato de mútuo, mostrando-se aqueles disponíveis para depositarem tal quantia, seguramente cientes, face ao que lhes foi transmitido, da importância de que isso se revestia, na perspetiva do Banco credor, pois o depósito serviria como ato preparatório do cumprimento pretendido. A este propósito, importa ter presente que, como estabelece o art.º 762.º, n.º 2, do CC, “(N)o cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”, o que se pode estender ao cumprimento de deveres acessórios da prestação principal, que se destinam precisamente a preparar ou assegurar a execução dessa prestação.
A circunstância de os Autores não terem querido, na altura, dar seguimento às negociações, também sugere que o seu nível de confiança na reestruturação do crédito que almejavam era baixo ou diminuiu, mas nada indica que para isso tenha contribuído a atuação de quaisquer trabalhadores da Ré. Com efeito, não se descortina que a atuação das referidas funcionárias afronte quaisquer deveres acessórios de lealdade e seja merecedora de um juízo de censura, tanto mais que, ao negociarem a reestruturação da dívida, o que fizeram, repete-se, a solicitação dos Autores, não podiam deixar também de acautelar o cumprimento do contrato de mútuo que se encontrava em vigor, ainda que em incumprimento/contencioso.
Em conclusão, as partes entabularam negociações com vista à reestruturação da dívida, as quais não avançaram, sem que se possa dizer que uma das partes agiu com má fé. Deste modo, por não considerarmos que a conduta dos funcionários da Ré tenha sido contrária às regras da boa fé, procedem as conclusões da alegação de recurso subordinado, na parte atinente à não verificação dos pressupostos (ilicitude e culpa) da responsabilidade civil pré-contratual, sendo inevitável concluir pela improcedência da ação, pelo que fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos.

Vencidos os Autores, são responsáveis pelo pagamento das custas processuais da ação e dos recursos (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).

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III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:
- Rejeitar a junção documental requerida pelos Autores-Apelantes, condenando-os no pagamento de multa, que se fixa em uma UC;
- Negar provimento ao recurso interposto pelos Autores;
- Conceder provimento ao recurso subordinado interposto pela Ré e, em consequência, revogar a sentença recorrida, na parte em que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar aos Autores a quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros), a título de indemnização, decidindo-se, em substituição, julgar a ação improcedente e absolver a Ré de todo o pedido;
- Condenar os Autores no pagamento das custas da ação e de ambos os recursos.

D.N.

Lisboa, 22-02-2024
Laurinda Gemas
Inês Moura
Carlos Castelo Branco