Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27/21.9PESXL.L1-5
Relator: ALDA TOMÉ CASIMIRO
Descritores: PREVENÇÃO ESPECIAL DE SOCIALIZAÇÃO
ATENUAÇÃO ESPECIAL
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
JUÍZO DE PROGNOSE FAVORÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECUROS PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora)
I. São critérios de prevenção especial de socialização os que devem presidir à decisão de aplicação da atenuação especial da pena de prisão prevista no regime penal especial para jovens.
II. No juízo de prognose a formular sobre a existência de vantagens para a reintegração na sociedade do jovem condenado devem ser tidas em conta todas a circunstâncias atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades de pena, tendo presentes a personalidade do jovem delinquente e suas condições pessoais, com destaque para o comportamento anterior e posterior aos factos.
III. Pressuposto básico da aplicação da suspensão da execução da pena, é a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente, em termos de que o Tribunal se convença de que a censura expressa na condenação e a ameaça da pena aplicada sejam suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais para o futuro. Mas tal juízo tem de se fundamentar em factos concretos que apontem para uma forte probabilidade de inflexão em termos de vida. A circunstância de ser possível subordinar a suspensão da execução da pena a regras de conduta ou a regime de prova – sempre com vista a uma efectiva integração do agente na sociedade – não pode prescindir desse juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, após Conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,

Relatório
No âmbito do processo comum (Tribunal Singular) com o nº 27/21.9PESXL, que corre termos no Juiz 3 do Juízo Local Criminal do Seixal, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi o arguido,
AA, solteiro, nascido a ........2002 em ..., filho de BB e de CC, residente em ...,
condenado, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 25º, alínea a) do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B e I-C anexas a esse diploma legal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.
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Sem se conformar com a decisão, o arguido interpôs recurso pedindo que seja atenuada especialmente a pena, condenando-se o recorrente em 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, condicionada ao tratamento da sua toxicodependência.
Para tanto formula as conclusões que se transcrevem:
1. O recorrente vem condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva pela prática do crime de tráfico menor gravidade, p.p.p. artigo 25º do dec-lei 15/93
2. Discorda do acórdão recorrido porquanto entende ser possível efectuar um juízo de prognose favorável que permita a aplicação do artigo 50º do CP.
3. Discorda da Sentença recorrida porquanto entende ser possível atenuar especialmente a pena aplicando-se o regime de jovens adultos.
4. O recorrente é um jovem de idade inferior a 21 anos à data da prática dos factos e consumidor de estupefacientes desde os seus 15 anos de idade.
5. A prática do ilícito por que vem condenado resultou da necessidade de fazer face ao vício de que padecia, satisfazendo os seus consumos com a venda da parte do haxixe que dispunha.
6. Na verdade, o recorrente averba outros crimes de tráfico de menor gravidade no seu CRC e por tal existência, entendeu o Tribunal “a quo” não suspender a execução da pena de prisão.
7. O recorrente é consumidor de estupefacientes e foi derivado à necessidade de manter os seus consumos que passou a vender droga.
8. A sua traficância e os seus consumos são dados como provados nas anteriores condenações nos processos 32/19.5PDSXL do Juiz 1 do juízo Local Criminal do Seixal, e 13/19.9PESXL do Juiz 6 do Juízo Local Criminal de Almada.
9. Não podemos olvidar que o recorrente, sendo consumidor das drogas que transaciona, necessita da igual protecção jurídica de um consumidor sob pena de se estar a exigir um comportamento que nunca irá ter.
10. Enquanto o traficante consumidor não for tratado da sua toxicodependência o risco de recidivismo é elevadíssimo, porquanto a ameaça da prisão não é mais forte que a adição incontrolável da droga que consome.
11. Porque, e ao fim e ao cabo, não passam ambos de consumidores (o traficante consumidor e o consumidor) que necessitam da ajuda da sociedade como doentes que são, de forma a serem recuperados e tornaram-se úteis e produtivos, como se espera de qualquer cidadão.
12. Sendo certo também, que no caso do traficante que é consumidor, o esforço da justiça deveria ser superior porquanto as vendas de droga estão necessariamente associadas a um problema aditivo mais grave, com a necessidade de consumo de maiores doses de droga.
13. E afirmar-se, como se faz na Sentença recorrida, que o recorrente não soube aproveitar as oportunidades concedidas (com as suspensões da execução da pena) é desvalorizar os efeitos nefastos que a droga faz ao ser humano e a falta da capacidade de controlar a sua adição.
14. Por isso, quando se afirma que o recorrente não aproveitou a oportunidade que lhe fora concedida, com a aplicação do regime da suspensão da execução da pena, considera o delinquente apenas como o prevaricador e não como o doente que necessita da protecção jurídica.
15. Pelo que é inevitável, que quem, sem conseguir por si só controlar os hábitos aditivos e está continuamente a cometer crimes de tráfico de droga sem que lhe seja imposta a obrigação de se submeter a tratamento para o seu consumo, estará condenado (no seu destino) a enfrentar a justiça para o resto da sua vida.
16. O bem jurídico protegido da norma constante do artigo 21º do DEc-Lei 15/93, só estará assim assegurado, com o tratamento da sua toxicodependência, que contribuirá da única forma possível, para a sua ressocialização.
17. É DEVER DO ESTADO CUIDAR DA SAÚDE DO CIDADÃO.
18. Por outro lado, a privação da liberdade, o apoio familiar, a confissão dos factos com notória demonstração de arrependimento, bem como a ausência de consumos desde Março de 2023 aliado à retoma do percurso escolar com a frequência de um curso de informática, permite agora, ao tempo do julgamento, concluir pela existência de um juízo de prognose favorável, devendo a pena ser atenuada para 1 ano e 6 meses de prisão pela aplicação do regime de jovem adultos, e suspensa na sua execução por um período de 5 anos, condicionada ao tratamento da sua toxicodependência.
19. Aliás, é notória a alteração comportamental do recorrente, durante a privação da liberdade, na procura de obter valências, sintomáticas de quem já reflectiu sobre o passado e decidiu o seu futuro, livre das influências das drogas.
20. É pois, no tratamento da sua doença, do vicio de que poderá ainda padecer, que a Justiça se orgulhará de realizar, na protecção do bem jurídico e na recuperação do indivíduo para a sociedade.
21. Assim, deverá o recorrente ser condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, especialmente atenuada e suspensa na sua execução, condicionada ao regime de prova com a obrigação de se sujeitar a tratamento da sua toxicodependencia.
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância pugnou pela manutenção da sentença e por que fosse negado provimento ao recurso, rebatendo cuidadosamente as questões levantadas, ainda que sem apresentar conclusões
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da manutenção do decidido.
Efectuado o exame preliminar, procedeu-se à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação
Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1) O arguido AA, pelo menos desde agosto de 2020 e até março de 2022, dedicou-se à atividade de venda de produtos estupefacientes a pessoas que para tanto o procuraram, na zona da ..., em ...;
2) Neste contexto, no dia 27-04-2021, pelas 12h00, na ..., em ..., o arguido guardava, numa bolsa que usava, canabis (resina) com o peso líquido de 18,234g, suficiente para 121 doses, produto esse que destinava somente em parte ao seu consumo, mas também para vender a terceiros, e a quantia monetária de €1.260,00, em notas de €20,00;
3) No dia 17-08-2021, na ..., em ..., o arguido vendeu produto estupefaciente a consumidores que para tanto o procuraram, que por vezes foi buscar ao referido n.º 145:
- 21h35m, a DD duas doses de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 0,943g, pelo valor de € 50,00, ganhando o arguido com essa venda €20,00;
- 22h20m, a dois consumidores, ganhando o arguido com essa venda, pelo menos, €10,00;
- 22h50m, a EE canabis (resina), com o peso líquido de 2,429g, suficiente para 11 doses, ganhando o arguido com essa venda €10,00;
- 23h30m, a uma consumidora;
- 23h45m, canabis (resina) novamente a EE, o qual voltou a contactar o arguido depois de lhe ter sido apreendido o produto que comprou pelas 22h50m, ganhando o arguido com essa venda €10,00.
4) No dia 06-09-2021, no mesmo local e atuando do mesmo modo, o arguido vendeu:
- 17h08m, a FF uma tira de canabis (resina), com o peso líquido de 2,510g, suficiente para 11 doses, ganhando com isso € 10,00;
- 17h35m, a GG uma tira de canabis (resina), com o peso líquido de 3,098g, suficiente para 14 doses, ganhando €10,00.
5) No dia 07-09-2021, pelas 13h10m, o arguido vendeu a DD três doses de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 1,385g, que após contactado por este foi buscar ao n.º 145, lucrando com tal venda para si €20,00;
6) No dia 08-09-2021, por volta das 09h15m, quando circulava apeado no cruzamento entre a ... e a ..., em ..., o arguido guardava, numa bolsa que usava, dois pedaços de canabis (resina) com o peso líquido total de 8,650g, suficiente para 46 doses, e a quantia monetária de €760,00.
7) No dia 22-09-2021, por volta das 16h20m, no decurso de uma operação policial na ..., o arguido tinha consigo uma balança de precisão e uma placa de canabis (resina) com o peso bruto de 86,44g, objeto e produto que arremessou para o telhado do n.º 58.
8) No dia 01-03-2022, cerca das 06h00, o arguido guardava consigo, no bolso do casaco, canabis (resina) com o peso líquido de 1,744g, suficiente para 11 doses.
9) O arguido detinha e guardava todos os referidos produtos estupefacientes para vender a terceiros que, para tanto, o procurassem, ainda que parte do mesmo fosse também para seu consumo, e as quantias eram provenientes da venda de produtos estupefacientes;
10) Ao agir da forma descrita, o arguido quis vender as referidas substâncias estupefacientes e detê-las com o objetivo de venda a terceiros, e com isso obter proventos económicos em seu proveito, como obteve, conhecendo sempre a sua natureza e as suas características e sabendo que não podia ter as substâncias estupefacientes em seu poder nem lhes dar o fim descrito.
11) O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que atuando da forma descrita praticava atos proibidos e punidos por lei penal.
Mais se provou que:
12) O arguido à data dos factos era consumidor de produtos estupefacientes, consumo que iniciou com 15 anos, consumindo aquando destes actos resina de canábis diariamente e cocaína (duas gramas), aos fins-de-semana;
13) Aquando destes acto, o arguido comprava uma placa de resina de canabis pelo preço entre €250,00 a €280,00; tirava metade para o seu consumo, que ficava assegurado por duas semanas normalmente com essa quantidade e a outra metade repartia em cerca de 26 línguas ou tiras, vendendo cada uma a €10,00;
14) Entre Agosto de 2020 e Março de 2022, o arguido por vezes trabalhou na …, com a ajuda de um seu primo, mas sendo tal algo esporádico;
15) De acordo com o relatório social elaborado pela Direcção de Reinserção e Serviços Prisionais quanto ao arguido:
- à data dos factos em apreço nos autos, o arguido não tinha morada fixa, tendo vivido por 6 meses com a amigo no ..., e estava desempregado, realizando trabalhos esporádicos na … e também contava com o apoio financeiro do pai;
- o arguido é natural de ..., sendo que o percurso escolar do mesmo foi pautado por insucesso e desmotivação, o que associado ao consumo regular de canábis deu origem a que fosse alvo de uma medida de acolhimento residencial por 6 meses, no âmbito da Lei de Promoção e Protecção, após o que recaiu no consumo de substâncias psicoactivas, passando também nos últimos anos a consumir cocaína;
- ainda na adolescência, o arguido foi sujeito a duas medidas de acompanhamento educativo e a imposição de obrigações no âmbito da Lei Tutelar Educativa, e não obstante tais intervenções, não completou a escolaridade obrigatória, tendo abandonado o sistema de ensino aos 17 anos de escolaridade, com o 7.º ano concluído;
- o arguido mantinha um quotidiano desestruturado, caracterizado pela associação a pares com o mesmo estilo de vida ocioso, com excepção para uma breve experiência laboral, em que terá colaborado com um tio na …;
- o arguido autonomizou-se do agregado familiar de origem durante 2021, não revelando aos familiares paternos onde vivia e, apesar de frequentar regularmente a morada de família, viveu por 8 meses noutras moradas;
- em Março de 2022, o arguido foi baleado numa perna, ao abandonar um espaço de diversão nocturna, tendo esse acidente afectado a sua mobilidade, por ter ocorrido a perfuração da anca e determinou-lhe um período de incapacidade considerável, em que ficou acamado e na dependência de terceiro, ao que retornou para a casa de morada de família, passando a viver com a tia paterna, HH, e sendo o seu sustento assegurado pela avó paterna;
- em termos de enquadramento familiar, a família do arguido apresenta uma condição económica equilibrada, sendo o relacionamento entre os seus membros descrito como harmonioso e equilibrado, sendo apresentado como uma pessoa reservada, educada, respeitadora e estimada pela vizinhança;
- em termos afectivos, o arguido estabeleceu uma relação de namoro em Setembro de 2022 e passou a coabitar com a namorada, integrando o agregado familiar dos progenitores desta em Novembro de 2022, local onde permaneceu até ser preso preventivamente à ordem do Proc. n.º 3/23.7GTBJA do Juízo de Instrução Criminal de Setúbal, tendo o arguido sido bem acolhido pela família da companheira, sendo esta que estava a trabalhar como … numa loja … que assegurou a sua subsistência;
- o casal projecta constituir família, entendendo a companheira não sentir uma quebra de confiança no comportamento do mesmo;
- contudo, apesar da mudança de residência e o apoio proporcionado pela namorada e pela família desta, o arguido não deixou de conviver com indivíduos com comportamentos desviantes, frequentando regulamente o bairro onde cresceu, desvalorizando a companheira os seus anteriores comportamentos, bem como os hábitos de consumo de estupefacientes;
- o arguido revela imaturidade, com dificuldade na contenção de impulsos, défices ao nível do pensamento consequencial do auto controlo e da auto responsabilidade pessoal, não reconhecendo também as implicações que o consumo de estupefacientes tem na sua vida, tendo mesmo consumido estupefacientes já em meio prisional;
- o arguido ainda não tem a sua permanência em Portugal regularizada, estando a aguardar pela renovação da sua autorização de residência;
- o arguido projecta vir a integrar o agregado familiar paterno e ir viver para ... junto do pai, antevendo que o mesmo o irá auxiliar em termos de inserção laboral nesse país;
- o arguido está preso preventivamente desde 27-1-2023 e em meio prisional tem tido um comportamento globalmente ajustado, relacionando-se de forma adequada com os funcionários e outros reclusos, mas mantém o comportamento aditivo, visto que acusou positivo para canabinoides no teste de despiste de consumos realizado em 16-3-2023;
- em meio prisional o arguido dispõe de apoio familiar, mormente do pai e da avó paterna, bem como por parte da namorada e dos seus familiares,
- quanto aos factos objecto dos autos o arguido revela um escasso juízo crítico, com défices de descentração e dificuldades na responsabilidade pessoal, desculpabilizando-se com as necessidades de consumo de drogas e a permeabilidade à influência negativa de pares;
16) Em meio prisional, o arguido está a frequentar um curso de …;
17) O arguido confessou parte dos factos de que foi acusado
18) O arguido cessou o consumo de estupefacientes em meio prisional, desde 1-5-2023, tomando calmantes para dormir numa fase inicial;
19) O arguido começou a viver no ... em 2006, com cerca de 4 anos e só ali deixou de viver em permanência com 18 anos;
20) À data dos factos supra elencados o arguido tinha 19 anos de idade;
21) O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido alvo das seguintes condenações:
- pela prática, em 9-4-2019, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, numa pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, perfazendo o montante global de €990,00, por sentença proferida no Proc. n.º 32/19.5PDSXL do Juiz 1 do Juízo Local Criminal do Seixal, transitada em julgado em 7-5-2021, tendo essa pena sido declarada extinta pelo cumprimento;
- pela prática, em 24-7-2019, 12-11-2019 e 27-7-2020, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, numa pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, com regime de prova, por acórdão proferido no Proc. n.º 13/19.9PESXL do Juiz 6 do Juízo Local Criminal de Almada, transitada em julgado em 22-2-2023.
Na sentença recorrida deram-se como não provados os seguintes factos:
- No dia 05-05-2021, pelas 16h00, quando se encontrava junto ao n.º 145 daquela ..., o arguido tinha consigo 12 embalagens individuais de cocaína (éster metílico), com o peso total de 2,55g;
- em 22-9-2021, o arguido guardasse naquele n.º 145, da ..., uma embalagem de heroína, com 0,60g;
- o arguido destinasse o estupefaciente que detinha nas ocasiões elencadas na acusação exclusivamente ao seu consumo.
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Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Em causa está a medida da pena, com eventual aplicação do Regime Penal Especial para Jovens e suspensão da execução da pena aplicada.
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Alega o recorrente que a pena deveria ter sido atenuada especialmente, aplicando-se o regime de jovens adultos, pois que tinha idade inferior a 21 anos à data da prática dos factos e é consumidor de estupefacientes desde os seus 15 anos de idade, sendo que a prática do ilícito por que vem condenado resultou da necessidade de fazer face ao vício de que padecia, satisfazendo os seus consumos com a venda da parte do haxixe que dispunha.
Mais alega que o traficante consumidor, tal como o consumidor, necessita da ajuda da sociedade, como doente que é, de forma a ser recuperado e tornar-se útil e produtivo, como se espera de qualquer cidadão.
E alega que a privação da liberdade, o apoio familiar, a confissão dos factos com notória demonstração de arrependimento, bem como a ausência de consumos desde Março de 2023 aliado à retoma do percurso escolar com a frequência de um curso de informática, permite agora, ao tempo do julgamento, concluir por um juízo diferente e aplicar-se pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, condicionada ao tratamento da sua toxicodependência.
Em relação à medida da pena disse o Tribunal recorrido:
«(…) prevê o artigo 25.º, n.º 1, alínea a), a aplicação de pena de prisão de 1 a 5 anos.
Com relevância nesta sede temos o seguinte:
1-O grau de ilicitude do facto, dentro da moldura de danosidade ao bem jurídico tutelado em que nos movemos, assume uma intensidade elevada, atendendo ao tempo em que perdurou a actividade de tráfico – na ordem de 1 ano e 6 meses – e à diversidade da droga em termos qualitativos (cocaína (cloridrato), para além de resina de canábis, e também tendo em conta que o primeiro estupefaciente se insere já nas chamadas drogas “duras”, as modalidades de acção, correspondentes não só a detenção, mas também venda, e o dinheiro que o arguido com tal ganhava, mormente o que em duas ocasiões lhe foi encontrado;
2- O dolo com que o arguido actuou foi intenso, apresentando-se na modalidade de dolo directo;
3- O arguido à data dos factos era consumidor de produtos estupefacientes, consumo que iniciou com 15 anos, consumindo aquando destes actos resina de canábis diariamente e cocaína (duas gramas), aos fins-de-semana;
4- Aquando destes actos, o arguido comprava uma placa de resina de canabis pelo preço entre €250,00 a €280,00; tirava metade para o seu consumo, que ficava assegurado por duas semanas normalmente com essa quantidade e a outra metade repartia em cerca de 26 línguas ou tiras, vendendo cada uma a €10,00;
5- Entre Agosto de 2020 e Março de 2022, o arguido por vezes trabalhou na construção civil, com a ajuda de um seu primo, mas sendo tal algo esporádico;
6- De acordo com o relatório social elaborado pela Direcção de Reinserção e Serviços Prisionais quanto ao arguido:
- à data dos factos em apreço nos autos, o arguido não tinha morada fixa, tendo vivido por 6 meses com amigo no ..., e estava desempregado, realizando trabalhos esporádicos na construção civil e também contava com o apoio financeiro do pai;
- o arguido é natural de ..., sendo que o percurso escolar do mesmo foi pautado por insucesso e desmotivação, o que associado ao consumo regular de canábis deu origem a que fosse alvo de uma medida de acolhimento residencial por 6 meses, no âmbito da Lei de Promoção e Protecção, após o que recaiu no consumo de substâncias psicoactivas, passando também nos últimos anos a consumir cocaína;
- ainda na adolescência, o arguido foi sujeito a duas medidas de acompanhamento educativo e a imposição de obrigações no âmbito da Lei Tutelar Educativa, e não obstante tais intervenções, não completou a escolaridade obrigatória, tendo abandonado o sistema de ensino aos 17 anos de escolaridade, com o 7.º ano concluído;
- o arguido mantinha um quotidiano desestruturado, caracterizado pela associação a pares com o mesmo estilo de vida ocioso, com excepção para uma breve experiência laboral, em que terá colaborado com um tio na construção civil;
- o arguido autonomizou-se do agregado familiar de origem durante 2021, não revelando aos familiares paternos onde vivia e, apesar de frequentar regularmente a morada de família, viveu por 8 meses noutras moradas;
- em Março de 2022, o arguido foi baleado numa perna, ao abandonar um espaço de diversão nocturna, tendo esse acidente afectado a sua mobilidade, por ter ocorrido a perfuração da anca e determinou-lhe um período de incapacidade considerável, em que fiquei acamado e na dependência de terceiro, ao que retornou para a casa de morada de família, passando a viver com a tia paterna, HH, e sendo o seu sustento assegurado pela avó paterna;
- em termos de enquadramento familiar, a família do arguido apresenta uma condição económica equilibrada, sendo o relacionamento entre os seus membros descrito como harmonioso e equilibrado, sendo apresentado como uma pessoa reservada, educada, respeitadora e estimada pela vizinhança;
- em termos afectivos, o arguido estabeleceu uma relação de namoro em Setembro de 2022 e passou a coabitar com a namorada, integrando o agregado familiar dos progenitores desta em Novembro de 2022, local onde permaneceu até ser preso preventivamente à ordem do Proc. n.º 3/23.7GTBJA do Juízo de Instrução Criminal de Setúbal, tendo o arguido sido bem acolhido pela família da companheira, sendo esta que estava a trabalhar como assistente numa loja de desporto que assegurou a sua subsistência;
- o casal projecta constituir família, entendendo a companheira não sentir uma quebra de confiança no comportamento do mesmo;
- contudo, apesar da mudança de residência e o apoio proporcionado pela namorada e pela família desta, o arguido não deixou de conviver com indivíduos com comportamentos desviantes, frequentando regulamente o bairro onde cresceu, desvalorizando a companheira os seus anteriores comportamentos, bem como os hábitos de consumo de estupefacientes;
- o arguido revela imaturidade, com dificuldade na contenção de impulsos, défices ao nível do pensamento consequencial do auto controlo e da auto responsabilidade pessoal, não reconhecendo também as implicações que o consumo de estupefacientes tem na sua vida, tendo mesmo consumido estupefacientes já em meio prisional;
- o arguido ainda não tem a sua permanência em Portugal regularizada, estando a aguardar pela renovação da sua autorização de residência;
- o arguido projecta vir a integrar o agregado familiar paterno e ir viver para ... junto do pai, antevendo que o mesmo o irá auxiliar em termos de inserção laboral nesse país;
- o arguido está preso preventivamente desde 27-1-2023 e em meio prisional tem tido um comportamento globalmente ajustado, relacionando-se de forma adequada com os funcionários e outros reclusos, mas mantém o comportamento aditivo, visto que acusou positivo para canabinoides no teste de despiste de consumos realizado em 16-3-2023;
- em meio prisional o arguido dispõe de apoio familiar, mormente do pai e da avó paterna, bem como por parte da namorada e dos seus familiares,
- quanto aos factos objecto dos autos o arguido revela um escasso juízo crítico, com défices de descentração e dificuldades na responsabilidade pessoal, desculpabilizando-se com as necessidades de consumo de drogas e a permeabilidade à influência negativa de pares;
7- O arguido tem uma integração social muito frágil, em hábitos de trabalho e se é verdade que tem apoio familiar, o mesmo não tem constituído ao longo dos anos um factor contentor dos seus actos, nem da convivência com pares ligados ao mundo da droga;
8- Em meio prisional, o arguido está a frequentar um curso de informática;
9- O arguido confessou parte dos factos de que foi acusado;
10- O arguido cessou o consumo de estupefacientes em meio prisional, desde 1-5-2023, tomando calmantes para dormir numa fase inicial;
11- O arguido começou a viver no ... em 2006, com cerca de 4 anos e só ali deixou de viver em permanência com 18 anos;
12- À data dos factos supra elencados, o arguido era jovem, com 19 anos de idade;
13- O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido alvo das seguintes condenações:
- pela prática, em 9-4-2019, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, numa pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, perfazendo o montante global de € 990,00, por sentença proferida no Proc. n.º 32/19.5PDSXL do Juiz 1 do Juízo Local Criminal do Seixal, transitada em julgado em 7-5-2021, tendo essa pena sido declarada extinta pelo cumprimento;
- pela prática, em 24-7-2019, 12-11-2019 e 27-7-2020, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, numa pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, com regime de prova, por acórdão proferido no Proc. n.º 13/19.9PESXL do Juiz 6 do Juízo Local Criminal de Almada, transitada em julgado em 22-2-2023.
Quanto à determinação concreta da pena, as necessidades de prevenção geral afiguram-se-me elevadas, tendo em atenção que já são altos os índices de criminalidade da região e que este tipo de crime é frequente, contribuindo para um clima de insegurança na comunidade, já que são actos como os praticados pelo arguido que facultam o consumo de estupefacientes, com os problemas de saúde que dele decorrem, mas também propiciando a criminalidade que normalmente lhe está associada, mormente quanto ao angariar de meios para o suportar por parte dos consumidores.
Por conseguinte, a moldura de prevenção a fixar neste caso concreto será entre 1 ano e 6 meses e 3 anos e 6 meses de prisão.
No que respeita à culpa do arguido, entendo que o juízo de censura a verter sobre a sua conduta é elevado, atentos os contornos da prática do facto, designadamente, as modalidades de acção subjacentes ao crime de tráfico, que consistiram na detenção e venda, as quantidades de droga que foi detectada em seu poder, as quais são causadoras de elevados níveis de dependência e com repercussão na saúde de quem a consome e sua diversidade em termos qualitativos, e o tempo em que tais comportamentos perduraram, pelo que limita assim a pena a 3 anos de prisão.
Quanto às necessidades de prevenção especial que se fazem sentir neste caso, as mesmas são também elevadas, desde logo em face dos antecedentes criminais que o arguido já regista, tendo cometido antes dos factos ora em apreciação, dois outros crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
E daqui decorre que, mesmo tendo o arguido 19 anos aquando deste crime que aqui está em causa, sendo jovem, entendo não ser de aplicar ao mesmo o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro (“Regime Penal dos Jovens Adultos”), pois ante os antecedentes criminais do arguido, mormente tendo ele já cometido antes destes factos dois crimes idênticos e sido alvo de um solene juízo de censura por sentença transitada em julgado pelo primeiro em 7-5-2021, antes de muitos dos comportamentos ora em apreço, não se pode concluir que, com a atenuação da pena resultarão sérias vantagens para a sua reinserção social. Tal teria, pelo contrário, um efeito inverso, o de promover o sentimento de impunidade.
Acresce que, para além dessas condutas anteriores do arguido, e conforme o relatório social espelha, a adensar tais necessidades temos:
- a ausência de hábitos de trabalho do arguido, com uma conduta pautada por ociosidade e convivência com pares com comportamentos desviantes, ainda antes de ter sido baleado em 1-3-2022;
- o apoio familiar de que goza não constitui um factor contentor do mesmo, pois apesar da avó, do pai e tia se disporem ao seu auxílio e serem pessoas com a vida estruturada e que com ele se preocupam, ao longo dos anos não conseguiram que invertesse o percurso que, pelo menos, desde 2019 resolveu adoptar;
- mesmo depois de 1-3-2022, estabelecendo uma relação afectiva e mudando de residência, passando a coabitar com a companheira e família desta, não se afasta das amizades do ... onde cresceu;
- os hábitos de consumo de estupefaciente do arguido ao longo dos anos, relacionado com estes factos, e que continuou a ter mesmo sendo preso preventivamente no início deste ano, em meio prisional, só o tendo cessado há uns 6 meses.
Por fim, o arguido revela falta de juízo crítica sobre os seus actos, uma postura de actuação impulsiva e até um sentimento de impunidade:
- note-se que, tendo o arguido sido condenado numa pena de 6 meses de prisão substituída por multa por o primeiro crime de tráfico de menor gravidade, transitando a condenação em julgado em 7-5-2021, meros 3 meses depois o arguido está no ... a vender haxixe e cocaína aos consumidores que ali se deslocavam, adoptando as mesmas condutas e fazendo tábua rasa desse solene juízo de censura e da pena aplicada;
- note-se que, para além disso, sendo sucessivamente abordado pelas autoridades policiais com estupefaciente, o arguido continua com o mesmo comportamento, como se o mesmo não acarretasse consequências e prosseguindo na obtenção de um lucro fácil à custa da dependência e da saúde dos outros.
Mesmos os aspectos tendentes a diminuir essas necessidades de prevenção especial não se mostram de grande impacto:
- é verdade que o arguido confessou os factos em grande parte, mas quanto a muito do que admitiu a sua assunção não foi determinante quanto a muitos deles, que já ressaltavam de outros dado de prova;
- tem apoio da família, mas esta não tem conseguido conduzi-lo a uma atitude de efectiva mudança ao longo dos anos;
- deixou de consumir estupefacientes, mas em meio prisional de forma muito recente.
Tudo sopesado, e sobretudo tendo em conta a juventude do arguido e o caminho recente que já começou a trilhar de se libertar da dependência de drogas, com a qual este crime se mostra intimamente relacionado, julgo adequada a aplicação ao mesmo de uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, ou seja, a meio do limite máximo da moldura penal.»
O recorrente pretende que lhe seja aplicado o Regime Penal Especial para Jovens.
O Regime Penal Especial para Jovens está previsto no D.L. 401/82, de 23.09 e contém um regime penal especial para jovens que tenham cometido ilícitos com idades compreendidas entre os 16 e 21 anos.
O recorrente tinha 19 anos à data da prática dos factos.
O regime consagrado no D.L. 401/82, de 23.09 tem por base a concepção de que “o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado” e a crença na capacidade de ressocialização do homem, “sobretudo quando este se encontra ainda no limiar da sua maturidade”, entendendo que nestas idades se deve dar clara preferência à aplicação de medidas correctivas, mais reeducadoras do que sancionadoras, sem que com isso exclua a imposição da pena de prisão, que deve, no entanto, poder ser especialmente atenuada “se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção”, sendo que “a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos” terá lugar “quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade”, o que também não obsta à aplicação de penas de substituição, uma vez que de acordo com o art.º 2º do D.L. 401/82, de 23.09, “a lei geral aplicar-se-á em tudo que não for contrariado pelo presente diploma” – assim, o Preâmbulo do citado D.L. 401/82 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.11.2008, pesquisado em www.dgsi.pt.
Pelo que são critérios de prevenção especial de socialização os que devem presidir à decisão de aplicação da atenuação especial da pena de prisão prevista no art.º 4º do D.L. 401/82, a qual deverá ser aplicada sempre que o Tribunal conclua (por sérias razões) que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem – mas só nesses casos. Com efeito, a existência no nosso ordenamento jurídico de um regime penal especial para jovens não significa que estes tenham necessariamente de dele beneficiar, devendo a aplicabilidade do mesmo ser sempre ponderada, e só sendo aplicado nos casos em que se mostrem satisfeitos os respectivos requisitos.
No juízo de prognose a formular sobre a existência de vantagens para a reintegração na sociedade do jovem condenado devem ser tidas em conta todas a circunstâncias atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades de pena, tendo presentes a personalidade do jovem delinquente e suas condições pessoais, com destaque para o comportamento anterior e posterior aos factos, mas tendo ainda em atenção a sua inserção social.
No caso dos autos, a condenação do recorrente refere-se à atividade de venda de produtos estupefacientes (canábis e cocaína) pelo menos desde agosto de 2020 e até março de 2022.
O recorrente é consumidor de estupefacientes desde os 15 anos de idade, consumos que deixou já no estabelecimento prisional.
Tem baixa escolaridade (concluiu o 7º ano de escolaridade), ainda que em meio prisional esteja a frequentar um curso de informática. Não tem hábitos de trabalho. Tem apoio familiar – desde sempre – sem que isso tenha constituído um factor protector.
Confessou grande parte dos factos, mas revela falta de juízo crítico sobre os seus actos.
Repare-se, ainda, que o recorrente foi alvo de medidas de acompanhamento educativo e imposição de obrigações no âmbito da Lei Tutelar Educativa, sem qualquer efeito. E foi condenado pela prática, em 9-4-2019, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, numa pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, transitada em julgado em 7-5-2021 (pena declarada extinta pelo cumprimento); e pela prática, em 24-7-2019, 12-11-2019 e 27-7-2020, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, numa pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, com regime de prova, transitada em julgado em 22-2-2023.
Não obstante, já depois do trânsito em julgado da 1ª condenação, o recorrente vendeu estupefacientes no dia 17-08-2021, no dia 06-09-2021 e no dia 07-09-2021, sendo que nos dias 08-09-2021, 22-09-2021 e 01-03-2022, guardava e transportava consigo estupefacientes.
A circunstância de o recorrente ser consumidor de estupefacientes não diminui a ilicitude e culpa dos factos cometidos, não se podendo dizer, ao contrário do que alega, que só vendia para sustentar o seu consumo – o que se retira do dinheiro com que foi encontrado aliado à circunstância de não trabalhar.
Em face deste quadro, podemos afirmar que não há sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem. Pelo que bem andou o Tribunal recorrido ao não aplicar o Regime Penal Especial para Jovens ao recorrente.
Quanto à medida da pena…
De acordo com os nºs 1 e 2 do art.º 40º do Cód. Penal, “a aplicação de penas… visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
A medida concreta da pena é determinada, nos termos definidos pelo art.º 71º do Cód. Penal, “dentro dos limites definidos na lei… em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo-se “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.
Figueiredo Dias (Temas Básicos da Doutrina Penal, p. 65 a 111), diz que o legislador de 1995 assumiu no art.º 40º do Cód. Penal, os princípios ínsitos no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:
1. Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
2. A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.
3. Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
4. Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
Em casos como o de tráfico de estupefacientes são prementes as exigências de prevenção geral e por isso se impõe severidade no doseamento das penas, sobretudo pelos efeitos altamente perniciosos que o tráfico ilícito de drogas acarreta, sendo por demais conhecido o alarme social que provoca e a criminalidade que lhe anda associada.
No caso concreto a ilicitude (consubstanciada no desvalor da acção e do resultado) assume uma gravidade elevada. O arguido/recorrente procedeu à actividade de venda de produtos estupefacientes a pessoas que para tanto o procuraram, pelo menos desde Agosto de 2020 e até Março de 2022; no dia 27-04-2021 guardava, numa bolsa que usava, canabis (resina) com o peso líquido de 18,234g, suficiente para 121 doses, produto esse que destinava somente em parte ao seu consumo, mas também para vender a terceiros, e a quantia monetária de €1.260,00, em notas de €20,00; no dia 17-08-2021 vendeu a consumidores cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 0,943g, pelo valor de € 50,00 e canabis (resina); no dia ...-...-2021 vendeu canabis (resina); no dia 07-09-2021 vendeu três doses de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 1,385g; no dia 08-09-2021 guardava dois pedaços de canabis (resina) com o peso líquido total de 8,650g, suficiente para 46 doses, e a quantia monetária de € 760,00; no dia 22-09-2021 tinha consigo uma balança de precisão e uma placa de canabis (resina) com o peso bruto de 86,44g; no dia 01-03-2022 guardava canabis (resina) com o peso líquido de 1,744g, suficiente para 11 doses. Atente-se que o arguido detinha e guardava todos os referidos produtos estupefacientes para vender a terceiros que, para tanto, o procurassem, ainda que parte do mesmo fosse também para seu consumo, e as quantias eram provenientes da venda de produtos estupefacientes.
O recorrente agiu com dolo directo, que é a forma mais intensa de dolo.
O recorrente foi condenado pela prática, em 9-4-2019, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, numa pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, transitada em julgado em 7-5-2021 (pena declarada extinta pelo cumprimento); e pela prática, em 24-7-2019, 12-11-2019 e 27-7-2020, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, numa pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, com regime de prova, transitada em julgado em 22-2-2023.
O recorrente não está socialmente inserido – de momento está detido – mas só trabalhou esporadicamente, não tendo hábitos de trabalho.
O recorrente confessou, mas apresenta reduzido juízo crítico relativamente aos factos. A seu favor milita o facto de ser jovem e estar inserido familiarmente.
Analisando as circunstâncias apuradas na sua globalidade, a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão em que foi condenado afigura-se ajustada à culpa e às exigências reclamadas pela prevenção especial e pela prevenção geral positiva (ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à norma violada).
Quanto à suspensão da execução da pena…
Relativamente a esta questão disse o Tribunal recorrido:
«Quanto à possibilidade desta pena ser suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, mesmo com condições ou regime de prova, tal também se nos afigura ser de afastar, em razão de todo o exposto quanto às necessidades de prevenção especial que se fazem sentir.
É que, ante as condutas anteriormente adoptadas pelo arguido, sendo este cronologicamente o terceiro crime de tráfico de estupefacientes que comete; que já antes de muitos dos factos de comissão deste crime o arguido tinha sido alvo de um solene juízo de censura por sentença transitada em julgado por este tipo de comportamento, o qual clamorosamente ignorou; o sentimento de impunidade que a sua conduta deixa transparecer, como se não houvesse consequências para os seus actos; a falta de hábitos de trabalho e de um quotidiano estruturado; a falta de contenção que o apoio familiar do mesmo revela; as fragilidades que evidencia na interiorização do desvalor dos seus actos e ao nível de pensamento consequencial e crítico;
Não se vislumbra como neste momento se pode fazer um juízo de prognose favorável quanto ao arguido de que, perante a ameaça de cumprimento de prisão, ainda que com condições, se vai abster de uma vez por todas destas condutas.
Por isso, é manifesto que as finalidades da punição só ficarão acauteladas e que só se assegurará que o caminho muito recente de cessar o consumo de estupefacientes e de projectar o seu futuro em moldes conformes ao Direito que o arguido começou a trilhar continuará por ele a ser percorrido com o cumprimento desta pena de 2 anos e 6 meses de prisão em termos efectivos, o que se determina.»
Ensina o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português, p. 331) que sendo a suspensão da execução da pena “a mais importante das penas de substituição” – não apenas pela frequência com que é aplicada, mas também pelo âmbito lato de aplicação que comporta – a lei, nos termos do art.º 50º do Cód. Penal, exige não só a verificação de um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) como também requisitos subjectivos, determinados por finalidades de política criminal, que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente.
O Tribunal só pode suspender a pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.º 50º do Cód. Penal).
Em causa já não está a medida da culpa do agente, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção, sendo necessário determinar se existe esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada. Não esquecendo ainda que, como refere o Prof. Figueiredo Dias (ob. cit., p. 344) “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial e socialização – a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, pois estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade, que ilumina o instituto em análise”.
Pressuposto básico da aplicação da suspensão da execução da pena, é a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente, em termos de que o Tribunal se convença de que a censura expressa na condenação e a ameaça da pena aplicada sejam suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais para o futuro. Mas tal juízo tem de se fundamentar em factos concretos que apontem para uma forte probabilidade de inflexão em termos de vida.
A circunstância de ser possível subordinar a suspensão da execução da pena a regras de conduta ou a regime de prova – sempre com vista a uma efectiva integração do agente na sociedade – não pode prescindir desse juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente.
No caso em análise há a considerar que o recorrente está integrado familiarmente, mas não socialmente, não tendo hábitos de trabalho.
É consumidor de haxixe e cocaína, embora tenha cessado os consumos por via da detenção em que se encontra
E há que considerar que o recorrente já foi condenado por 2 vezes, sempre pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, tendo cometido os factos em análise nestes autos já depois do trânsito em julgado da primeira condenação, o que é demonstrativo de que a solene advertência feita pelo Tribunal não o demoveu de manter as mesmas condutas.
Pelo que não se vê que, agora, a censura expressa na condenação e a ameaça da pena aplicada sejam suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais para o futuro.
Ou seja, a factualidade supra descrita, no que se refere à personalidade do recorrente e ao seu perfil comportamental, não aponta para um juízo de prognose favorável a uma suspensão da execução da pena, nada indicando que o recorrente possa inverter o seu percurso de vida, nem mesmo com a obrigação de sujeição a tratamento à toxicodependência.
Termos em que não se pode dizer que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não sendo de suspender a execução da pena (art.º 50º do Cód. Penal, a contrario).
* * *
Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmam a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em três (3) UCs.

Lisboa, 5.03.2024
(processado e revisto pela relatora)
(Alda Tomé Casimiro)
(Rui Coelho)
(Ana Cláudia Nogueira)