Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7929/2008-7
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: EMPRESÁRIO DESPORTIVO
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A Federação Portuguesa de Futebol tem legitimidade para produzir regulamentação relativa à actividade de empresário desportivo prevista na Lei nº 28/98, de 26-6.
2. As prerrogativas de regulamentação da actividade desportiva legalmente atribuídas à FPF tanto legitimam a aprovação de Regulamentos exclusivos como a “apropriação”, ainda que através de transcrição e tradução, de Regulamentos aprovados por outras entidades, designadamente pela FIFA, entidade a que hierarquicamente se encontra subordinada.

3. Na ordem jurídico-desportiva interna, na área do futebol, a regulamentação da actividade de empresário desportivo é a que consta do Regulamento da FIFA cujo texto traduzido para português foi divulgado pela FPF, sendo aceite designadamente pelos órgãos federativos e invocado pelo empresário desportivo no exercício da sua actividade.

4. Proibindo-se nos termos do art. 12º, nº 2, de tal Regulamento, a renovação tácita dos contratos de representação desportiva, deve considerar-se inválida a cláusula contratual que contraria tal disposição.

5. A invocação pelo empresário desportivo, que se intitula “agente-FIFA”, de uma cláusula que prevê a renovação tácita do contrato inserida num contrato de formação desportiva celebrado quando o desportista ainda era menor sempre integraria a violação das regras da boa fé, nos termos do art. 334º do CC.

6. A falta de inscrição do empresário desportivo na Liga Portuguesa de Futebol Profissional que pelo art. 23º, nº 4, da Lei nº 28/98, de 26-6, determina a “inexistência” o contrato em que intervenha constitui um facto impeditivo cujo ónus da prova recai sobre a parte que invoca esse vício.

(A.S.A.G.)

Decisão Texto Integral: I – A… intentou contra
J…,
G…., S.A.,
e
L… (N…i)
acção declarativa com processo ordinário,
pretendendo a sua condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização correspondente aos lucros cessantes derivados do incumprimento do contrato de representação que celebrou com o 3º R. e no pagamento de uma indemnização por danos na imagem no valor de € 15.000,00.

Os RR. contestaram alegando a nulidade da cláusula contratual relacionada com a renovação automática e invocando ainda que antes do fim do período contratual o R. Luís Carlos manifestara perante a A. a intenção de não renovar o contrato de representação.

A A. replicou.

Designada audiência de julgamento, foi proferido um despacho que indeferiu o requerimento da A. no sentido de ser adiada a sessão de julgamento destinada à produção de alegações de direito, tendo interposto agravo no qual conclui que:

a) O mandatário da A. requereu o adiamento da sessão de julgamento que estava marcada para o dia 5-6-07, ao abrigo do art. 155º, nº 5, e 651º, nº 1, al. d), do CPC;
b) Nos casos do art. 155º, conjugado com o art. 651º, o adiamento, quer tenha ou não tenha havido acordo das partes quanto à data deverá ser adiado em caso de falta de um dos mandatários.

Houve contra-alegações.

Foi realizado julgamento, tendo sido proferida sentença que absolveu os 1º e 2º RR. do pedido e condenou o 3º R. no pagamento da quantia de € 4.215,40 e de € 51,20.

Apelou a A. e concluiu que:

A. A FIFA é uma associação de direito suíço que consta do registo comercial, de acordo com o art. 60º do Código Civil Suíço, sendo composta pelas diversas associações nacionais de futebol que se obrigam a cumprir os Estatutos, Normas e Directivas da FIFA;
B. É considerada uma associação, isto é, uma pessoa colectiva de direito privado relevante apenas em termos de direito Suíço, sem que detenha qualquer outro tipo de poder público ou privado que lhe permita emitir regulamentos, directivas ou decisões oponíveis a terceiros, sejam eles suíços ou de qualquer outro país;
C. Diversamente da FIFA, a FPF recebeu do Estado Português alguns poderes de natureza pública, designadamente no domínio do desporto, tendo-lhe sido concedidos poderes de regulamentação do futebol, das leis do jogo, da organização das competições e da justiça meramente desportiva;
D. Mas esses poderes não se estendem à regulamentação da actividade económica/contratual de mandato desportivo entre em empresário e o jogador;
E. O Regulamento da FIFA sobre empresários desportivos não é aplicável ao ordenamento jurídico português visto tratar-se de um conjunto de directivas emanadas que vinculam a FPF a emitir um regulamento em consonância;
F. A FPF não elaborou um regulamento próprio, ao contrário da Federação Italiana de Futebol, violando as directivas constantes do Preâmbulo do Regulamento, limitando-se a uma tradução literal das directivas da FIFA, pelo que o divulgado por tradução pela FPF não tem qualquer aplicação no ordenamento jurídico português;
G. O contrato celebrado entre as partes é um contrato de mandato com representação, por força da aplicação do n° 4 do art. 23° da Lei n° 28/98, de 26-6, e do art. 1157° do CC;
H. A cláus. 8ª do contrato, que impõe a renovação tácita do mesmo, pelo período de dois anos, é válida, por não ser contrária a nenhuma norma imperativa ou até supletiva, cabendo no domínio da autonomia privada e da liberdade contratual, prevista no art. 405° do CC;
I. O contrato em causa foi registado na Federação Portuguesa de Futebol, assumindo perante esta entidade plena eficácia quanto ao seu conteúdo com todo o seu clausulado;
J.  Ao celebrar contrato de representação desportiva com os RR. J… e G…, o R. L… violou a cláus. 9ª do contrato;
K. O incumprimento contratual tem como consequência a constituição do devedor na obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos causados (art. 798º do CC), constituindo-se o R. L… na obrigação de indemnizar a ora recorrente;
L.  Ao desconsiderar as despesas feitas em nome e por conta do mandante, a sentença violou também o disposto no art. 1167° do CC;
M. Os RR. J… e G…, na qualidade de terceiros relativamente à relação contratual, devem ser responsabilizados pelos danos causados à A, quer por via da teoria da eficácia destes na das obrigações, quer por força da aplicação do art. 334° do CC;
N. Tais danos correspondem aos lucros cessantes provenientes do incumprimento do contrato de representação a liquidar em execução de sentença.

Houve contra-alegações.

Apelou subordinadamente o R. L… e concluiu que:

I. A Lei nº 28/98 determina que os contratos dos empresários desportivos só são válidos se o empresário em causa se encontrar regularmente registado junto da federação desportiva da modalidade e junto da respectiva liga profissional
II. A A. alegou e provou apenas que era uma empresária desportiva registada na FPF, mas não alegou (porque não cumpre tal requisito) que estava registada junto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
III. O Tribunal a quo, ao considerar que o registo da A. como empresária desportiva (condição essencial para o exercício da sua actividade) não é um facto constitutivo do seu direito, mas antes que o não registo da qualidade de empresária desportiva é um facto impeditivo interpretou erradamente os arts. 342° do CC, 487°, nº 2, e 493°, nº 3, do CPC.
IV. Na verdade, estas disposições devem ser interpretadas no sentido de que o regular registo de empresário desportivo é um facto constitutivo do direito por este invocado no âmbito de um «contrato de representação desportiva», sendo que, em caso de dúvida, os factos devem considerar-se como constitutivos do direito.

III – Quanto ao agravo:
1. Considera a A. que deveria ter sido adiada a última sessão de julgamento que foi designada para prolação de alegações sobre a matéria de facto, tendo em conta que foi apresentado requerimento pelo Exmº mandatário invocando motivo inadiável.

2. Elementos a ponderar:
- No dia 30-3-07 foi realizada uma sessão de julgamentos, tendo sido designado o dia 26-4-07 para as alegações sobre a matéria de facto;
- Com motivo em que não fora ainda recebida uma informação solicitada a terceira entidade, foi dada sem efeito essa data por despacho de fls. 591;
- Posteriormente foi designado para aquele efeito o dia 5-6-07 (fls. 685);
- No dia 4-6-07 foi apresentado pelo Exmº mandatário da A. o requerimento de fls. 731 no sentido de ser adiada a sessão “por motivo pessoal imprevisível e inadiável”;
- Tal requerimento foi indeferido (fls. 735).

3. A agravante funda a sua pretensão num alegado “entendimento generalizado dos tribunais” a respeito do adiamento de audiências de julgamento que já se tenham iniciado e que perdurem por diversas sessões.
Desconhecemos tal generalização. Além disso, ainda que existisse, não deveria sobrepor-se ao que decorre da lei.
Ora, nada na lei admite o entendimento defendido pela agravante, tanto mais que se tratava de um julgamento que decorreu em diversas sessões, faltando, na ocasião, apenas as alegações quanto à matéria de facto.
A evolução legislativa relacionada com os adiamentos de julgamentos revela um sucessivo esforço no sentido de reduzir a sua ocorrência e, deste modo, evitar as situações de abuso que anteriormente se verificavam.
Por isso se nega provimento ao agravo.

IV – Quanto à apelação principal e à apelação subordinada:

1. Matéria de facto provada:

1. A A. é uma empresária desportiva, devidamente licenciada, inscrita na Federação Portuguesa de Futebol (doravante FPF)– A);
2. O R. L… (N…) era jogador de futebol profissional de S…, SAD (doravante S…-SAD), detendo com esta um contrato de trabalho desportivo – B);
3. Anteriormente, o R. detivera com a mesma entidade, um
contrato de formação desportiva – C);

4. Em 17-4-04, foi celebrado em Lisboa um contrato denominado de "representação", entre a A., empresária desportiva, e o R. L…, devidamente registado também na FPF, consubstanciado no escrito de fls. 19 a 23 – D);
5. Mercê do mesmo, a A. ficou incumbida da gestão completa da carreira do atleta, ora R. L…, tendo-lhe sido conferidos todos os poderes para representar o atleta, essencialmente “... em tudo o que disser respeito à carreira, imagem e actividade do cliente enquanto jogador de futebol” – E) e G);
6. Nos termos da sua cláus. 8ª, “o período de vigência do presente contrato será de 2 anos com início em 17-4-04 e termo em 17-4-06, automática e sucessivamente renovável por períodos de dois anos, sempre que não houver denúncia de uma das partes, comunicada com seis meses de antecedência relativamente ao termo do prazo, ou suas eventuais renovações, através de carta registada com aviso de recepção remetida para as moradas supra referidas” – F);
7. Nos termos da cláus. 11ª, “o cliente, obriga-se a não contratar com qualquer pessoa individual ou colectiva, os serviços ora contratados com o agente de jogadores, pelo que, na execução do contrato agora celebrado, a representação é exercida em plena e total autonomia, independência e exclusividade em tudo o que disser respeito à actividade do cliente enquanto jogador de futebol amador ou profissional e tudo o que a ela disser respeito” – H);
8. Nos termos da cláus. 9ª, “pelos serviços prestados e como contrapartida, o cliente obriga-se a pagar ao agente de jogadores, a remuneração de 7% do valor total dos contratos celebrados e negociados e acertados no âmbito do presente contrato agora celebrado, bem como a pagar a mesma percentagem sobre os valores que vier a receber referente de eventuais transferências nacionais e internacionais” - I);
9. No cumprimento do contrato de representação, em 28-10-04, foi celebrado entre a S…–SAD e o R. L… um contrato de formação desportiva, constando na sua cláus. 13ª que, “para efeitos do presente contrato, representou os interesses do formando a agente A…, licenciada pela FPF”, tendo esta assinado o citado contrato na qualidade de Agente (cfr. doc. fls. 24 a 27) – J);
10. A A. participou na celebração do contrato de trabalho desportivo, entre o R. L… e a S…-SAD, em 18-4-05, constando da cláus. 14ª que “para efeitos do presente contrato, representou os interesses do Jogador a agente A…, licenciada pela FPF” – 2º;
11. O contrato de trabalho desportivo a que se alude em 10. veio a ser efectivamente celebrado – 1º;
12. Nos termos da cláus. 8ª do citado contrato de formação desportiva, as partes obrigaram-se “mútua e reciprocamente, a celebrar um contrato de trabalho desportivo com a duração de duas épocas desportivas que terá início no dia 1-7-05 e termo no dia 30-6-07, contra o pagamento de uma remuneração mensal ilíquida correspondente a três salários mínimos nacionais” – K);
13. No mesmo contrato ficou estipulada a duração do mesmo, com início em 1-7-05 e termo no dia 30-6-08, bem como foi cedido à S…-SAD "o direito de explorar comercialmente os seus direitos de imagem, som e voz, podendo a exploração dos direitos cedidos ser feita através da S…-SAD ou através de qualquer sociedade detida directa ou indirectamente por si, ou pelo S…” – 3º;
14. Nesse mesmo dia foi celebrado outro contrato de trabalho desportivo, este para vigorar entre “o dia 1-7-08 e termo no dia 30-6-09” – 4º;
15. Foi também inserida neste contrato a mesma redacção da cláusula 14ª, onde se afirmava que “para efeitos do presente contrato, representou os interesses do jogador a agente A…, licenciada pela FPF” – 5º;
16. Em ambos os contratos consta a assinatura da A. e que, "para efeitos do presente contrato, representou os interesses do Jogador a agente A…, licenciada pela Federação Portuguesa de Futebol” – 6º;
17. No dia 18-4-05, foi celebrado entre a S…-SAD e o atleta L…, um acordo de revogação do Contrato de Trabalho Desportivo celebrado em 28-10-04, substituindo-o pelo contrato celebrado nesse mesmo dia a que se alude em 14. – 7º;
18. Em 18-4-05 foi ainda celebrado entre a S…-SAD e o R. L… o aditamento ao contrato de trabalho desportivo, o qual consistiu no direito de opção à S…-SAD da prorrogação do contrato de trabalho desportivo celebrado nessa data para a época desportiva de 2009/2010 – 8º;
19. Nesse aditamento previu-se o pagamento de € 56.004,00 de remuneração anual ilíquida – 9º;
20. No aditamento ao Contrato de Trabalho Desportivo clausulou-se que “as partes acordam desde já que ao Jogador será conferido o direito a uma remuneração anual ilíquida de € 140.040,00, a partir do momento em que numa mesma época desportiva dispute na qualidade de titular da equipa principal sénior da S… SAD três jogos oficiais ou, alternativamente, participe em cinco jogos oficiais da referida equipa como suplente utilizado” conforme doc. de fls. 361 – 10º;
21. Do contrato de trabalho desportivo celebrado em 18-4-05, o qual substituiu o que fora celebrado no dia 28-10-04, ficou convencionado que o R. auferiria a remuneração de € 17.520,00 anuais na época 2005/2006 – 12º;
22. A S…-SAD obrigou-se ainda, nos termos da cláusula do CTD, “a pagar ao JOGADOR prémios de jogos ou dos de classificação que sejam por si estabelecidos para a equipa sénior em função resultados por esta obtidos, sendo a definição dos critérios de atribuição e pagamento desses prémios feita pela S… SAD, no início de cada época ou jogo a jogo” – 13º;
23. A A. interveio na negociação de tais contratos como agente do jogador L…– 11º;
24. O Jornal “A Bola”, na sua edição de 19-12-05, noticiava que “Leões prepararam a renovação de N…" e também que "O processo é agora conduzido pelo novo empresário do jogador, J…” – L);
25. Até Dezembro de 2005, a A. desconhecia o vertido a notícia a que se alude em 24. – 17º-A;
26. Em Dezembro de 2005, o R. L… manifestou à A. a vontade em não continuar o contrato de representação entre ambos celebrado – 18º;
27. No dia 17-3-06 ventilava também o jornal “O Independente”, que “N.. vai mudar de empresário...”, escrevendo-se também que “o jovem sportinguista tirou a carta de condução há bem pouco tempo e já tinha à sua espera um Mercedes Classe C-220 Sport Coupé, adquirido num stand no Montijo”, e que, “ao que o Independente apurou, o patrão da G… será o futuro representante do sportinguista” – N);
28. A A. deu ao R. L… umas botas de futebol, suportou por conta do mesmo despesa com emissão do passaporte junto do Governo Civil de Lisboa, no valor de € 51,20, e transportou ou assegurou o transporte do mesmo de e para a Academia do S… em …durante o período em que o mesmo residia na zona de Sintra – 14º;
29. O R. L… não enviou à A. uma carta registada com aviso de recepção e com 6 meses de antecedência em relação ao termo do prazo do contrato a que se alude em 4., conforme convencionado – P);
30. A A. escreveu ao R. L… a carta datada de 13-4-06 constante de fls. 34 e 35, onde refere, além do mais, “… de acordo com o estabelecido no Regulamento relativo aos agentes dos jogadores e no estrito cumprimento de ambos …” e “… facto este que viola as regras consagradas no Regulamento relativo aos agentes dos jogadores …” (sublinhado nosso) – R);
31. No dia 17-4-06, a A. enviou uma carta ao R. L.., onde, “em virtude do termo do primeiro período de vigência do contrato de representação” outorgado, lhe solicitava o pagamento da quantia global de € 76.673,00 discriminados da seguinte forma:
- 7% sobre o valor dos ordenados auferidos (cláus. 9ª e 10ª do Contrato de Representação) - € 4.215,40;
- Honorários/ Prestação de Serviços - 60.000,00 €;
- Pagamento da quantia para a emissão da carta de condução - € 245,60;
- Despesa com emissão de passaporte - € 51,00;
- Despesas na Conservatória - € 56;
- Despesas com autenticação de fotocópias - € 45;
- Despesas com gasóleo relativo ao transporte para a academia do S… (…) e residência, durante a vigência do contrato de representação - € 5.000,00;
- Despesas com Portagens - € 300,00;
- Prestação de serviços diversos facturados - € 4.000,00 - cfr. doc. fls. 30 e 31 – O);
32. O R. L… respondeu à A. através de carta de fls. 32 e 33, datada de 26-4-06, da qual consta designadamente o seguinte: “como é do seu total conhecimento, o contrato de representação que celebrámos em 17-4-04 deixou de vigorar no passado dia 17 do corrente mês. A vontade de não renovar o contrato, foi-lhe por mim comunicado muito antes do termo do único período contratual acordado ...” – O’;
33. A A. enviou à S…-SAD a carta datada de 13-4-06 constante de fls. 35 – 13º-A;
34. A A. escreveu aos RR. J… e G… a carta constante de fls. 38, datada de 13-4-06, onde refere, além do mais:
- “… de acordo com o estabelecido no Regulamento relativo aos agentes dos jogadores e no estrito cumprimento de ambos …”;
-  “… facto este que, a ser verdade, viola as regras consagradas no Regulamento relativo aos agentes dos jogadores e, consequentemente, passível de responsabilidade civil, federativa e disciplinar para todas as partes envolvidas …
- e ainda que “… relembro ao colega de profissão que, independentemente de haver lugar a uma responsabilidade legal pelos factos acima descritos, existe um Código Deontológico aprovado pela FIFA que não permite determinados comportamentos…” (sublinhado nosso) – U);
35. A G… respondeu-lhe através da carta datada de 27-4-06, constante de fls. 40 – V);
36. O empresário J… é actualmente o representante desportivo do R. L…, facto que foi noticiado no site da R. G… – S) e T);
37. J… deu a sua 1ª entrevista ao jornal “A Bola” no dia 15-9-06 conforme doc. de fls. 106 a 110 – W).



2. Apelação principal deduzida pela A.:

2.1. No que concerne ao pedido formulado contra o R. L… (“N…”):

2.1.1. Entre as partes foi celebrado um contrato de representação desportiva, envolvendo o R. L.., como desportista, e a A., como empresária desportiva.
A esta actividade se reporta o art. 37º da Lei nº 5/07, de 16 de Janeiro (actual Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto), tal como já se referia na Lei nº 37/04, de 21 de Julho (Lei de Bases do Sistema Desportivo), que sucedeu à Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro.
Mas tal actividade foi inicialmente definida pelo art. 2º da Lei nº 28/98, de 26-6 (sobre o “regime jurídico do contrato de trabalho desportivo”), considerando como tal a exercida por “pessoa singular ou colectiva que, estando devidamente credenciada, exerça a actividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos”.
Da sua regulamentação legal, ainda que restrita, sobressaem os aspectos ligados ao licenciamento da actividade e aos impedimentos criados quanto ao seu exercício (arts. 23º, 23º e 25º).[1]
Este encontra-se este limitado a quem esteja devidamente autorizado pelas entidades desportivas nacionais ou internacionais competentes (art. 22º), é impedido relativamente a alguns agentes do sistema desportivo (art. 25º) e, além disso, obriga a que seja feito o registo junto da federação desportiva da respectiva modalidade (art. 23º, nº 3).
Com tal regime pretendeu o legislador introduzir no meio desportivo índices mais elevados de ética profissional quando se trate de representar qualquer das partes envolvidas em contratos desportivos (clubes ou atletas), designadamente em contratos trabalho, de formação desportiva ou de transferência de jogadores.[2] Procurou-se também, como refere Leal Amado, Vinculação versus Liberdade, pág. 75, alcançar um melhor equilíbrio contratual nos contratos desportivos a realizar pelos clubes ou pelos atletas.[3]
Todavia, como em diversos outros aspectos ligados ao desporto em geral e, mais ainda, ao desporto profissional, o legislador não esgotou todos os aspectos, deixando uma larga margem de regulamentação para as federações desportivas,[4] designadamente no que respeita às características do “modelo de identificação do empresário” (art. 23º, nº 2) e às “limitações estabelecidas em regulamentos federativos nacionais ou internacionais” quanto ao exercício da profissão (art. 25º) (sublinhado nosso).

2.1.2. Não é de estranhar a legitimidade da invocação e a vinculação dos agentes desportivos a Regulamentos de assuntos desportivos emanados da Federação Portuguesa de Futebol.
O associativismo em geral e, mais ainda, na área do Desporto comporta, por si, uma vasta possibilidade de auto-regulação dos interesses dos respectivos associados. Não podendo nem pretendendo o Estado intervir em todos os segmentos da vida social ou da actividade desportiva, com naturalidade se encara a possibilidade de as Federações Desportivas, maxime a FPF, criarem regulamentos que se ajustem ao exercício das actividades desportivas, em diversas vertentes que ultrapassam as meras “regras dos jogos”.
Com efeito, o próprio Estado delegou nessas instituições poderes regulamentares com larga amplitude, numa opção que se inscreve na destadualização do direito, criando na área do desporto um verdadeiro ordenamento jurídico “em vários tabuleiros”.[5]
Fê-lo através de diversos diplomas. Embora alguns deles já tenham sido entretanto substituídos por outros, importa reter os que, atenta a data dos factos, se mostram aplicáveis ao caso sub judice.
Assim, previa-se no art. 22º, nº 1, Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro (anterior Lei de Bases do Sistema Desportivo), a atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, como “instrumento por que é atribuída a uma federação desportiva a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública”.
Tal princípio geral veio a desembocar no Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Dec. Lei nº 144/93, de 26-4 (entretanto alterado pelo Dec. Lei nº 111/97, de 9-5), em cujo art. 7º se prevê a concessão do estatuto de utilidade pública desportiva às Federações Desportivas, com a correspondente atribuição, “em exclusivo, da competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes de natureza pública …”. Decorre ainda do art. 8º que “têm natureza pública os poderes das federações no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas” (art. 8º, nº 1, deste diploma), maxime os de elaborar regulamentos. [6]

2.1.3. A legitimidade das Federações Desportivas para a regulamentação de aspectos ligados ao desporto em geral não suscita qualquer polémica.
No entanto, a apelante defende que tal regulamentação não abarca a actividade de “empresário desportivo”.
É verdade que esta actividade não foi objecto de expressa enunciação no art. 21º daquele diploma.
Todavia, não foi intenção do legislador estabelecer aí o elenco taxativo de matérias passíveis de serem submetidos a regulamentação federativa, deixando em aberto a possibilidade de integrar outras que eventualmente viessem a mostrar-se “necessárias”.
Em relação à actividade de “empresário desportivo”, esta necessidade só surgiu com a posterior publicação da referida Lei nº 28/98, de 26-6, uma vez que, antes disso, o exercício da profissão, como de muitas outras ligadas à intermediação de serviços, estava simplesmente sujeita à lei geral.
Como a própria Lei nº 28/98 o veio a reconhecer, importava que a intervenção de “empresários desportivos” se fizesse de acordo com regras específicas, limitadoras de abusos contratuais ou impeditivas de actuações ilegítimas e perturbadoras do desempenho de cada sector desportivo, dos resultados dos clubes ou das prestações dos atletas. Os factos que foram tornados públicos, aqui e noutros países, tornavam bem evidentes os perigos que decorriam de uma total entrega da actividade de empresário desportivo à iniciativa privada, e explicam por que razão os órgãos do desporto a nível mundial, designadamente na área do futebol (FIFA), tiveram de intervir.[7]
Entre a regulação exaustiva desse segmento da actividade desportiva, através dos instrumentos legislativos gerais, e a transferência para as Federações Desportivas do poder regulamentar, percebe-se facilmente que ter sido esta a melhor opção, com o que os respectivos agentes desportivos puderam ficar cientes das regras a que ficariam sujeitos, incluindo as de teor deontológico.
Assim, em divergência relativamente à posição assumida pela A., concluímos que a actividade de empresário desportivo não está, nem estava, afastada da esfera dos poderes de regulamentação atribuídos às Federações Desportivas, maxime à FPF.
Assim o evidenciam as referências expressas que a tais poderes regulamentares constam dos arts. 23º, nº 3, e 25º da Lei nº 28/98.

2.1.4. Todavia, a A. não desarma. Invoca a inexistência de qualquer Regulamento interno da actividade de empresária desportiva que exerce em território nacional.
Mais concretamente, recusa ao Regulamento Relativo aos Agentes de Jogadores, aprovado pelo Comité Executivo da FIFA e divulgado pela FPF, a susceptibilidade de produzir efeitos ao nível da organização desportiva nacional.
Com tal argumento, a A. procura libertar-se das consequências que emanam do art. 12º, nº 2, desse Regulamento, segundo o qual, além de ser vedada às partes o estabelecimento de um prazo de duração de contratos de representação desportiva superior a 2 anos, a renovação contratual deve ser expressamente acordada, considerando-se ineficaz a renovação tácita.
Determina o referido normativo que “o contrato não poderá ter um prazo superior a dois anos, mas poderá ser renovado com o acordo expresso de ambas as partes, não podendo ser prorrogado tacitamente”.[8]

Aqui reside, pois, o cerne do diferendo:
- O R. L…., invocando um tal normativo, alega a extinção do contrato de empresário desportivo, terminado que foi o período contratual, ficando com total liberdade de agir;
- A A., com base na cláusula 8ª do contrato, invoca a renovação do contrato após o decurso do prazo inicial de 2 anos, uma vez que o mesmo não foi denunciado com a antecedência e de acordo com a formalidade nele previstas.

2.1.5. Não podemos deixar de expor a estranheza que causa a apresentação daquele argumento, em manifesta contracorrente com outras actuações da A.
Trata-se de um mero artifício formal destinado a recusar o que decorre substancialmente do relacionamento que existiu entre as partes.

Ora vejamos:
- A consulta do site da FPF, em www.fpf.pt, evidencia que o referido Regulamento foi adoptado por tal organismo, impondo-se aos respectivos agentes desportivos;[9]
- Tal foi feito mediante o Comunicado Oficial nº 349, de 27-4-01, nos termos que se confirmam através do doc. de fls. 77 e segs. que contém o texto do referido Regulamento;
- Na carta que remeteu ao R. L…. (fls. 34 e 35) a A. fez expressa referência ao aludido Regulamento e à sua alegada violação decorrente de comportamentos imputados a esse R.;
- Também na carta que a A. dirigiu aos RR. J… e G… (fls. 38) foram diversas as alusões ao Regulamento, em qualquer delas denotando, de forma inteiramente pacífica, o reconhecimento de que a sua actividade de empresária desportiva é regida pelas regras nele contidas;
- Assim se entende a menção feita ao “Regulamento relativo aos agentes dos jogadores e no estrito cumprimento de ambos” e à alegada violação “das regras consagradas no Regulamento relativo aos agentes dos jogadores e, consequentemente, passível de responsabilidade civil, federativa e disciplinar para todas as partes envolvidas” ou o apelo ao “Código Deontológico aprovado pela FIFA”;
- Posteriormente, em correspondência com a anunciada intenção, a A. subscreveu uma participação de natureza disciplinar contra os referidos RR. que dirigiu ao Conselho de Disciplina da FPF, imputando-lhes precisamente a violação do referido Regulamento;
- A existência do referido Regulamento não tem suscitado qualquer espécie de dúvida por parte dos órgãos da FPF, como o revelam as menções que ao mesmo foram feitas nos acórdãos do Conselho de Disciplina e do Conselho de Justiça proferidos no âmbito do mencionado processo disciplinar, onde se refere, além do mais, que “… a cláusula de prorrogação tácita do contrato contida não é válida, à luz do disposto no nº 2 da cláusula 12ª do RRAJ” (acórdão do Conselho de Disciplina de fls. 956) ou que “… saber se, perante regulamentos em vigor, será ou não possível conseguir a renovação de um contrato entre um agente e um jogador sem intervenção pessoal de ambos” (acórdão do Conselho de Justiça de fls. 961) (sublinhado nosso);
- O relevo atribuído a regulamentos referentes à actividade de empresários desportivos foi expressamente assumido no art. 25º da lei nº 28/98, de 26-6, onde se refere “sem prejuízo de outras limitações estabelecidas em regulamentos federativos nacionais ou internacionais …”.

2.1.6. Ante estes elementos, somos levados a questionar se, na senda da defesa dos interesses reclamados, os Tribunais deverão relevar todos os argumentos, mesmo quando contrariam práticas quotidianas por que as próprias partes se vêm pautando (num verdadeiro venire contra factum proprium), ou se, ao invés, numa área como a do desporto profissional, onde predomina o livre associativismo e onde o pragmatismo se impõe, deve privilegiar-se o que substancialmente enquadra a aludida actividade.
Na verdade, a participação disciplinar feita ao Conselho de Diciplina da FPF apenas encontra justificação na pretensa violação do referido Regulamento, pois que, de outro modo, não se veria por que motivo a celebração de um contrato de representação desportiva entre o R. L… e os RR. J… e G… geraria qualquer responsabilidade de natureza disciplinar, ligada à pretensa exclusividade da representação, ou qualquer responsabilidade de natureza civil como aquela em que a A. agora funda uma pretensão indemnizatória contra os RR. J… e G… ligada à interferência de terceiros numa relação contratual.

2.1.7. Contra a tese da A., entendemos que o corpus jurídico-desportivo por que se rege o futebol nacional integra o referido Regulamento relativo à actividade de representação dos clubes ou dos respectivos jogadores de futebol.[10]

Atentemos no seguinte:
- A FPF é membro da UEFA que, por seu lado, integra a FIFA;
- A FIFA regulamentou a actividade de empresário desportivo, aprovando simultaneamente um Código Deontológico, com o objectivo de regular a profissão e evitar comportamentos abusivos, fazendo-o através do Regulamento Relativo aos Agentes de Jogadores aprovado pelo respectivo Comité Executivo em 10-12-2000;
- Nos termos do art. 1º, nº 4, dos Estatutos da FPF, esta “rege-se pelos presentes Estatutos e pelas normas a que está vinculada pela sua filiação na FIFA e na UEFA, pelos Regulamentos e deliberações da Assembleia Geral e pela demais legislação aplicável”;
- A FPF, através do Comunicado Oficial nº 349, de 27-4-01, determinou a publicitação do referido Regulamento da FIFA, traduzido para português;
- Posteriormente, no Comunicado Oficial nº 341, da FPF, de 8-4-02, divulgado em www.fpf.pt, reportado ao referido Regulamento, determinou-se a “publicação das alterações ao Regulamento aprovado pelo Comité Executivo da FIFA e divulgadas através da Circular nº 803, de 3-4-02”;
- Mais recentemente, no Comunicado Oficial nº 391 da FPF, também acessível pela mesma via, continua a fazer-se expressa referência “ao disposto no Regulamento da FIFA Relativo aos Agentes de Jogadores, conjugado com o previsto na Lei nº 28/98, de 26-6”, para efeitos de determinar, que “a FPF não procederá ao registo de contratos de trabalho desportivo que não contenham, além dos elementos previstos na regulamentação aplicável, o nome e assinatura do agente licenciado que representou os interesses de uma das partes contratantes …”;[11]
- Como se disse, o art. 25º da Lei nº 28/98, atribui relevo não apenas a regulamentos nacionais como internacionais, ainda que reportando-se apenas aos impedimentos ao exercício da actividade de empresário desportivo.

2.1.8. Não se desconhece que o Preâmbulo do Regulamento aprovado pela FIFA prevê que “cada federação será responsável pela elaboração de um regulamento próprio relativo à actividade dos agentes de jogadores, com base nas directivas que se seguem”.
Neste contexto, teria sido mais claro se a FPF tivesse procedido à aprovação de um Regulamento próprio, dentro dos parâmetros definidos pela FIFA, como o fizeram Federações de outros países (Itália ou França) que regulamentasse não apenas os aspectos expressamente referidos nos arts. 23º, nº 3 e 25, da Lei nº 28/98, como ainda outros que decorriam do referido Regulamento da FIFA.
No entanto, desta situação de facto não decorre a ausência de um Regulamento da actividade dos empresários desportivos no sector do futebol que seja vinculativo para os agentes desportivos nacionais.
A publicitação do referido Regulamento, traduzido para português, traduz a “apropriação”, ipsis verbis, do que fora aprovado pela associação supranacional de que a FPF é membro (FIFA), sem que tenha sido sentida a necessidade de proceder a qualquer outra modificação.
A leitura do mencionado Regulamento permite constatar, aliás, que praticamente se esgotaram nele os aspectos que conviria regulamentar, contendo normas precisas, designadamente sobre o teor do contrato, sobre o prazo ou sobre o acesso à profissão.
As alusões que a tal Regulamento são feitas pelos órgãos federativos confirmam que o mesmo enquadra internamente a actividade de agente de jogadores que a A. vem exercendo, assim se compreendendo, por exemplo, a sua invocação por parte da própria A. para sustentar alegada violação de regras que apenas nele encontravam substracto.
Enfim, na sua substância, não há dúvidas que a FPF assumiu como seu o Regulamento emanado da FIFA, tal como é inequívoco que a própria A., antes da instauração deste processo, jamais pôs em causa a sua vinculação a tal Regulamento, assim se explicando também a alusão que no art. 1º da sua petição inicial fez ao facto de estar “também inscrita na FIFA”.[12]

2.1.9. Sustenta, no entanto, a A. que, emanando tal Regulamento da FIFA e sendo esta uma associação de direito privado regida pelo direito suíço, não produz efeitos na ordem jurídica interna.
Já dissemos que uma tal alegação é contraditória com a actuação que a A. tem tido. Além disso, também não pode ser acolhida por outros motivos.
Como se afirma na fundamentação do Ac. do Tribunal de 1ª Instância das Comunidades, de 26-1-05, publicado na revista Desporto e Direito, nº 6, pág. 395, admite-se que “o Regulamento foi adoptado pela FIFA no exercício de uma autoridade própria, e não em virtude de poderes normativos que lhe tenham sido delegados por autoridades públicas”.
Com efeito, a FIFA não passa de uma associação desportiva supranacional que se rege pelas regras de direito privado, não podendo arrogar-se detentora de prerrogativas de autoridade exclusivas de entidades de natureza pública.
Mas se esta asserção é válida a respeito da FIFA (associação na qual a própria A. afirma estar “inscrita”, nos termos referidos no art. 1º da petição inicial), não pode ser imediatamente transposta para o nível interno, dado que, como já se disse, foi a opção do Estado Português, no que respeita às Federações Desportivas Nacionais, como a FPF, delegar nelas poderes regulamentares relativamente a diversas questões inerentes às actividades desportivas.
Ora, as referidas prerrogativas de autoridade tanto legitimavam a aprovação de Regulamentos exclusivos, como a “apropriação”, ainda que através de mera transcrição ou tradução, de Regulamentos aprovados por outras entidades, designadamente pela FIFA, como organização supranacional que hierarquicamente se sobrepõe à FPF.
Por conseguinte, a aplicação e a sujeição ao referido Regulamento divulgado pela FPF decorre dos poderes de autoridade que lhe foram atribuídos por lei, através do qual a FPF pode fazer o controlo da actividade de representante desportivo “semelhante ao do exercício de uma Ordem profissional”.[13]
Por tais motivos, é vinculativo para os agentes desportivos da área do futebol, aqui se incluindo a A.

2.1.10. A imposição decorre do facto de estarmos perante uma fonte de direito, no específico campo desportivo, por força da natureza corporativa que continua a ser ressalvada no art. 2º do CC (naturalmente sem qualquer conotação com o “Estado Corporativo”, depois da Constituição da República de 1976).
Com efeito, como refere Oliveira Ascensão, em O Direito, Introdução e Teoria Geral, 13ª ed., pág. 288, reportando-se à referência feita no art. 2º do CC, a expressão “«normas corporativas» continua a ser utilizável hoje para a determinação do papel das fontes institucionais do direito. As ordens profissionais, por exemplo, produzem regras, pelas quais disciplinam toda a categoria respectiva. Essas regras são reconhecidas pelo poder público; e no entanto não são regras do Estado, são regras de produção dos próprios interessados”.
No mesmo sentido se pronuncia Freitas do Amaral, Manual de Introdução ao Direito, vol. I, pág. 527, o qual especificamente inscreve no campo das “normas corporativas”, como fonte de direito, os “estatutos e os regulamentos internos das organizações privadas internacionais, como por ex., as grandes federações desportivas mundiais (a FIFA, a UEFA, etc.)” ou os “estatutos e os regulamentos internos das organizações privadas nacionais”.

2.1.11. Resta concluir, a partir dos anteriores pressupostos:
a) Tal como a generalidade dos Regulamentos desportivos, também o que se refere à actividade dos empresários desportivos na área do futebol se impõe aos respectivos agentes desportivos (empresários, clubes e atletas);
b) A imperatividade do art. 12º, nº 2, do referido Regulamento, sobrepõe-se ao que consta da cláus. 8ª do contrato;
c) Deste modo, como se decidiu na sentença apelada, o contrato de representação extinguiu-se em 17-4-06, faltando, assim, apoio para que à A. seja reconhecido o direito a prestações correspondentes ao período posterior.

2.1.12. Mas ainda que a argumentação anterior fosse insuficiente para se afirmar a sobreposição do Regulamento à cláusula contratual sobre a renovação automática do contrato, outras razões adicionais obstariam à sua invocação no caso concreto.
A tal obstariam circunstâncias que rodearam o relacionamento contratual e que, à luz das regras da boa fé, sempre impediriam a A. de se servir de tal cláusula para arvorar a manutenção do vínculo contratual ou para, com base em tal cláusula, exigir o pagamento de uma indemnização.

Atentemos nas circunstâncias envolventes do contrato de representação desportiva:

- O contrato foi celebrado em 17-4-04, quando o R. L… ainda era menor, razão pelo qual do mesmo consta a assinatura da sua mãe (D));
- A A. exercia a profissão de empresária desportiva, intitulando-se, como, aliás, consta do art. 1º da petição, como “agente FIFA”;
- No desempenho das suas funções de que foi incumbida, a A. interveio na celebração com o S…-SAD de um contrato de formação desportiva, com início em 28-10-04, sendo mais tarde substituído por um contrato de trabalho desportivo (18-4-05);
- A partir de Dezembro de 2005 surgiram notícias de que o R. iria mudar de representante desportivo;
- Nesse mesmo mês o R. L… manifestou à A. a “vontade” de “não continuar o contrato” de representação entre ambos celebrado – 18º;
- No dia 13-4-06, em carta que dirigiu ao R. L…, a A. aludia ao Regulamento relativo aos agentes dos jogadores (fls. 34 e 35)– (R));
- O mesmo ocorreu na carta da mesma data que dirigiu aos RR. J… e G... (fls. 38) (U));
- No dia 17-4-06, data em que terminou o período contratual fixado, a A. enviou-lhe uma carta solicitando o pagamento da “quantia global de € 76.673,00” correspondente a todas as quantias que considerava serem-lhe devidas (O));
- É do conhecimento geral que o R. L… foi transferido para o M….

2.1.13. É verdade que, em termos estritamente formais, o R. L… não enviou à A. uma carta de denúncia do contrato dentro do prazo de 6 meses antes de findar o período contratual, ou seja, antes de 13-10-05. Todavia, no mês de Dezembro de 2005, comunicou-lhe, ainda que por via informal, que não pretendia renovar o contrato.
Associando tal comportamento do R. ao correspondente comportamento da A., no sentido de se considerar vinculada ao Regulamento sobre a actividade de agentes de jogadores, as regras da boa fé impediriam a A. de invocar, em seu benefício, a referida cláusula contratual de renovação tácita.
Mais do que isso, as regras da boa fé que pairam sobre todo o ciclo da vida contratual impediam que a A., que, como se disse, se intitulava agente FIFA, organização que dispunha inequivocamente de um Regulamento que proibia a renovação tácita de contratos de representação desportiva, apusesse, num contrato celebrado com um menor, ainda amador, que serviu para celebrar um contrato de formação desportiva, uma cláusula que objectivamente desrespeitava aquela regra. [14]
Para o efeito importa ter presentes as razões que levaram o legislador a regulamentar a actividade de empresário desportivo, fazendo sobrelevar, acima de meros interesses de ordem patrimonial, os objectivos de pôr alguma “ordem” na actividade de empresário de jogadores (essencialmente de jogadores de futebol profissional de alta competição), numa altura em que se sucediam actuações nebulosas, situações parasitárias ou abusos contratuais que se traduziam na persistência de vinculações mesmo contra a vontade dos atletas aos referidos empresários.[15]
Na mesma obra em que descreve de forma muito pouco abonatória o modo como vinha sendo exercida a actividade de empresário desportivo, Leal Amado evidencia o objectivo que se pretendeu alcançar com a Lei nº 28/98, no sentido de estabelecer o “equilíbrio contratual entre a entidade empregadora desportiva e o praticante, tendo em conta o seu know-how em matérias (laborais, fiscais, etc) que o seu representado não terá (normalmente) preparação ou vocação”.[16]
Enfim, acima da “espuma dos dias”, haveria que relevar a “substância das coisas”, repudiando efeitos que, posto que pudessem encontrar em aspectos de ordem formal alguma justificação, acabariam por desembocar em resultados manifestamente inadequados.
Atento o que se dispõe no art. 334º do CC, não é legítimo que a A. invoque um Regulamento, designadamente nos seus aspectos de natureza deontológica, com o fito de interferir na liberdade contratual do R. L… e de outros empresários desportivos e, simultaneamente, negue a sua sujeição ao mesmo Regulamento num aspecto crucial mediante o qual se procurou modelar as relações contratuais entre empresários desportivos e atletas e limitar a liberdade contratual, impondo específicos procedimentos para a renovação do contrato de representação desportiva.

2.1.14. Na sentença foi reconhecido à A. o direito de obter o pagamento de uma quantia respeitante à percentagem de 7% sobre o valor dos ordenados auferidos, improcedendo a pretensão relativamente às demais parcelas do pedido.
Entende a A. que também deveriam ter sido consideradas as despesas que fez por conta do R. L….
Ora, quanto a esta específica questão, cremos que a sentença não merece censura, pois que nenhuma outra despesa realizada pela A. encontra na matéria de facto e na matéria de direito justificação para a sua imputação ao R. L…, ao abrigo das regras do mandato (maxime do art. 1167º do CC), a que supletivamente deve recorrer-se.
Pelos bens que a A. doou ao A. não tem obviamente o direito de obter deste qualquer contrapartida. Quanto às despesas realizadas também nada permite que se estabeleça uma autonomização relativamente à percentagem de 7% que já lhe era devida.

2.2. Quanto aos RR. J… e G…:

2.2.1. Entende a A. que deveriam ser condenados os RR. J…. e G… tendo em conta a repercussão externa das obrigações contratuais alcançada por intermédio do recurso às regras do abuso de direito.
A resposta que foi dada quanto às questões suscitadas relativamente ao R. L…. torna despiciendos desenvolvimentos da questão jurídica suscitada pela A.
Aliás, ainda que porventura aquela resposta fosse diversa, não se encontraria base factual que permitisse implantar a construção jurídica que a A. alega.

2.2.2. Em termos abstractos, não está de todo arredada a possibilidade de fundar nas regras do abuso de direito justificação para a eficácia externa de obrigações.
Leia-se, para o efeito, o Ac. da Rel. de Lisboa, de 16-5-06, www.dgsi.pt, relatado pelo ora relator, sobre uma situação de comodato, ou o Ac. da Rel. de Lisboa, de 18-4-02, CJ, tomo II, pág. 104, sobre a impugnação pauliana.[17]
No plano dos contratos desportivos, a figura do terceiro cúmplice, associada a actos de concorrência desleal, de incumprimento de regras de ética desportiva ou de lealdade concorrencial é analisada por Leal Amado, em Vinculação versus Liberdade, págs. 354 e segs.[18]
Porém, a sua invocação no caso concreto tem contornos meramente teóricos, não sendo atribuição dos tribunais tomar posição sobre questões meramente académicas, sem repercussão no caso concreto.
Com efeito, a matéria de facto provada não permite concluir que da parte dos RR. J… e G…. tenha existido algum comportamento ilegítimo e que seja susceptível de fundar, de algum modo, a sua responsabilidade civil perante a A.

3. Apelação subordinada apresentada pelo R. L…:
3.1. Considera o R. L… que o contrato de representação desportiva é inválido, uma vez que não foi registado na Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
Trata-se de questão que apenas surgiu nas alegações de direito que precederam a sentença e que obteve nesta resposta negativa, tendo em conta a falta de alegação do correspondente facto de natureza impeditiva.
Conclui, no entanto, o apelante que se trata de um facto de natureza constitutiva, de modo que a questão deve ser decidida contra a A. sobre quem recairia o ónus de alegação e de prova.

3.2. O art. 23º, nº 4, da Lei nº 28/98, considera “inexistente” o contrato de representação desportiva subscrito por empresário que não esteja devidamente registado.
Independentemente do rigor quanto à qualificação do referido vício, como inexistência ou quiçá, mais correctamente, como nulidade contratual, a falta de um requisito que a lei comina com a inexistência ou com a nulidade do contrato deve qualificar-se como facto impeditivo, e não como facto constitutivo, nos termos e para efeitos do disposto no art. 342º, nº 2, do CC.
Assim, no caso, para poder reclamar do R. L… prestações decorrentes do contrato de representação desportiva, não a A. que deveria alegar e provar que, além de estar registada na FPF, também o estava perante a Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
Ao invés, tendo em conta a estrutura da norma definidora dos direitos e obrigações e a função de tal condicionalismo legal, era sobre o referido R. que recaía o ónus de alegar e de provar que a A. não respeitara uma das condições estabelecidas na lei para a validade do contrato, tanto mais que o vício não emerge do próprio contrato, estando ligado a factos que o precederam.
No caso concreto, o R. L… não alegou no momento oportuno os factos integrantes do referido vício, pelo que não pode obstar a que seja reconhecido à A. o direito de crédito com a dimensão que emerge da sentença recorrida.

IV – Em conclusão:
Face ao exposto, acorda-se em:
a) Negar provimento ao agravo interposto pela A;
b) Julgar improcedente a apelação principal interposta pela A;
c) Julgar improcedente a apelação subordinada interposta pelo R. L…
d) Manter a sentença recorrida.
Custas do agravo a cargo da A.
Custas de cada uma das apelações a cargo dos respectivos apelantes.
Notifique.
Lisboa, 14-10-08

António Santos Abrantes Geraldes

Manuel Tomé Soares Gomes

Maria do Rosário Oliveira Morgado
______________________________________________________

[1] Sobre a matéria cfr. Lúcio Correia, Limitações à Liberdade Contratual do Praticante Desportivo.
[2] Tal inscreve-se num quadro de actuação que levou Leal Amado, em Vinculação versus Liberdade, pág. 488, a escrever o seguinte: “trata-se – há que reconhecê-lo – de uma profissão de reputação algo duvidosa: práticas especulativas, falta de transparência e de escrúpulos, parasitismo, comportamentos atentatórios da ética desportiva, dinheiro fácil … eis algumas das habituais conotações da expressão «empresário desportivo»”.
[3] Com efeito, refere o mesmo autor noutro local, “o processo negocial é, por via de regra, um processo desgastante, e a maioria dos atletas não pode, nem quer, participar nele” (pág. 489).
[4] A necessidade de uma regulamentação mais detalhada é apontada por André Carvalho, em Relações Contratuais estabelecidas entre o desportista profissional e o empresário desportivo, no I Congresso do Direito do Desporto, pág. 210, como passo para “proteger os desportistas e dignificar a profissão.
Também José Manuel Meirim anota que, sendo o estatuto de empresário desportivo uma “novidade introduzida no novo ordenamento desportivo pela Lei nº 28/98, a regulamentação do acesso ao exercício desta profissão conta com a participação das federações desportivas” (A Federação Desportiva como Sujeito do Sistema Desportivo, pág. 479).
[5] José Manuel Meirim, A Federação Desportiva como Sujeito do Sistema Desportivo, pág. 54.
[6] Num artigo intitulado Desporto, Estado e Sociedade Civil, publicado na revista Sub Judice, nº 8, págs. 23 e segs., Garcia Marques, citando outro autor, refere que “as federações desportivas fazem incontestavelmente parte dos organismos de direito privado que participam na gestão dum serviço público administrativo e são titulares de prerrogativas de autoridade pública” (pág. 28).
Sobre a natureza jurídica das Federações Desportivas cfr. também o Ac. do STA, de 18-2-92, na revista Sub Judice, nº 8, pág. 84, e demais jurisprudência citada por José Meirim na mesma revista, págs. 101 e 102. Cfr. ainda Alexandre Pessanha, As Federações Desportivas, págs. 120 e 121, assinalando a dimensão jurídico-pública das federações desportivas e a auto-regulação pública.
[7] Assim se procurou responder a uma interrogação de Terol Gomez, citada por Leal Amado, em Vinculação versus Liberdade, pág. 495: “si un deportista no está tecnicamente preparado para afrontar negociaciones con un club lo estará para hacerlo con un agente?”
[8] Como se refere no artigo intitulado Uma deontologia para os agentes dos jogadores publicado na obra I Congresso do Direito do Desporto, pág. 190, trata-se de uma regra que se enquadra no objectivo de melhorar o exercício da actividade de empresário desportivo e de evitar abusos.
[9] A aceitação do Regulamento decorre também do comentário de André de Carvalho ao Ac. do STJ, de 23-4-02, na revista Desporto e Direito, vol. I, pág. 175, onde escreve, por exemplo: “já quanto ao actual Regulamento da FIFA, hoje também aplicado pela FPF, não entendemos existir qualquer inconstitucionalidade. Trata-se de um controlo semelhante ao exercido por uma Ordem profissional” (sublinhado nosso).
[10] Para o efeito, merecem especial a argumentação de ordem jurídica que se encontra em José Manuel Meirim, A Federação Desportiva como Sujeito do Sistema Desportivo, págs. 66 e segs., referindo, designadamente, na pág. 69, que, “a partir de federações desportivas internacionais … brota assim toda uma escada normativa que se projecta nos diferentes ordenamentos estatais ou territoriais”.
Também Paulo Otero, citado por José Manuel Meirim, em Temas do Direito do Desporto, págs. 242 e 243, admite a existência de “ordenamentos jurídicos específicos ou particulares”, dando como exemplo disso, o “Direito Desportivo proveniente de organizações desportivas internacionais (v.g. FIFA, UEFA e o Comité Olímpico Internacional”.
[11] António Manuel Morais, em Sociedades Anónimas Desportivas, ed. Hugin, págs. 46 e 47, refere (em tradução livre) que o ordenamento desportivo “é original, legítimo e impõe as suas regras. A legitimidade é dada pela sua personalidade voluntária e convencional, sujeita por um vínculo desportivo que une os indivíduos aos clubes, estes às Federações, esta à UEFA e, por fim, esta à FIFA”.
[12] Dentro desta mesma perspectiva se inscreve o facto de no art. 12º do contrato de representação se ter previsto que “as partes comprometem-se a cumprir as disposições legais aplicáveis em vigor no respectivo país, bem como as leis internacionais e os tratados aplicáveis” (fls. 24).
Repare-se que, como refere André Dinis de Carvalho, em Relações contratuais estabelecidas entre o desportista profissional e o empresário desportivo, no I Congresso do Direito do Desporto, pág. 199, “de acordo com as novas regulamentações, há apenas uma licença, a licença internacional”.
[13] André de Carvalho, em Desporto e Direito, vol. I, pág. 175, em anotação ao Ac. do STJ, de 23-4-02.
[14] Por alguma razão tanto a Lei nº 30/04, de 21-7, como a Lei nº 5/07, de 16-1, no seu art. 37º, nº 2 (posteriores ao contrato que foi celebrado), vieram determinar que o empresário desportivo “não pode agir em nome e por conta de praticantes desportivos de menor idade”.
[15] Trata-se de um problema que não se encontra solucionado, justificando afirmações como as que são feitas por Leal Amado, em Vinculação versus Liberdade, pág. 495, de que, “por vezes, o praticante desportivo como que vai deixando de ser «propriedade» do clube para se converter em «propriedade» do agente/empresário”.
[16] Vinculação versus Liberdade, pág. 75.
[17] Cfr. ainda Almeida e Costa refere na RLJ, ano 135º, pág. 130, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, págs. 38, 39 e 320, Orlando Gomes, Tendências Modernas na Teoria da Responsabilidade Civil, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Paulo Cunha, pág. 77, Sinde Monteiro, RLJ, 132º, págs. 60 e segs., e em Rudimentos da Responsabilidade Civil, na revista da FDUP, ano II, págs. 349 e segs., ou Margarida Azevedo de Almeida, A Responsabilidade Civil do Banqueiro Perante os Credores de Empresa Financiada, págs. 93 e segs.
[18] A tal figura se reporta também Albino Mendes Batista, Estudos Sobre o Contrato de Trabalho Desportivo, pág. 37.