Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8249/2004-4
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: ESTADO
CONTRATO DE TRABALHO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/14/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- Resulta do preceituado no Estatuto do Pessoal dos Serviços Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (EPSEMNE) que os trabalhadores dos Serviços Externos de tal Ministério dispõem, em simultâneo, de dois quadros de pessoal juridicamente bem diferenciados: o quadro único de vinculação (que integra o pessoal sujeito ao regime da função pública) e o quadro único de contratação (que abrange o pessoal submetido ao regime do contrato individual de trabalho).
II- Nos termos desse Estatuto, e no que toca a estes últimos trabalhadores, só é legítimo o recurso ao direito privado local na falta de normas expressa contidas naquele estatuto.
III- Assim, sendo o trabalhador de nacionalidade portuguesa, e estando vinculado por contrato individual de trabalho, todo o regime da cessação deste é o do direito privado português, incluindo o regime de prescrição de créditos estabelecido no artº 38º da LCT.
IV- Esse regime de prescrição abrange não apenas os créditos em dinheiro mas também o direito à reintegração.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
(A) veio instaurar, no 3º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção emergente de contrato de trabalho, contra o ESTADO PORTUGUÊS, formulando o seguinte pedido:
- Que seja declarada a ilicitude do despedimento imposto ao Autor e a correspondente condenação do Réu:
- No pagamento de 1.362,13 €, acrescida da remuneração base mensal do mesmo montante que se venha a vencer desde a presente data até à data da sentença, a liquidar em execução de sentença;
- Na reintegração do autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, ou, em alternativa no pagamento da indemnização por antiguidade, actualmente fixada em 4.086,39 €, acrescida de 1.362,13 € por cada ano ou fracção que venha a vencer-se desde a presente data até à data da sentença, a liquidar em execução de sentença.
Alegou, para tanto, e em síntese:
O Autor foi admitido ao serviço do Réu em 1 de Outubro de 1998 para o exercício das funções de motorista na Missão Permanente de Portugal junto do Conselho da Europa (MPPCE) em Estrasburgo, França, serviço externo do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).
A admissão foi efectuada por ajuste verbal.
O Autor, no exercício das suas funções, actuou sempre sob a direcção e fiscalização do Réu, de acordo com as regras e instruções ditadas pelo Sr. Representante Permanente de Portugal junto do Conselho da Europa.
E sob a total dependência económica do Estado Português, já que trabalhava exclusivamente por sua conta, não auferindo quaisquer outros rendimentos.
O Autor auferia ultimamente a remuneração base de 8.935 francos – 1.362,13 €.
Desde 15 de Fevereiro de 1999 o Autor encontra-se inscrito na Segurança Social local tendo o MPPCE emitido nesta data uma declaração nos termos da qual qualifica a relação laboral como um “contrat à durée determinée” (contrato de trabalho a termo certo).
A referida Missão Permanente fez cessar por sua iniciativa o citado contrato com efeitos a 4 de Janeiro de 2001.
Por via disso o Autor recebeu a quantia de 893,49 francos por conta dos três dias de trabalho prestado no mês de Janeiro de 2001.
A relação de trabalho sob discussão foi qualificada pelo réu como um “contrat de durée determinée”, isto é como um contrato de trabalho a termo certo.
O Réu pôs unilateralmente fim, sem precedência de qualquer processo disciplinar ou sequer invocação de justa causa, ao contrato existente com o Autor que, por não ter sido reduzido a escrito, tem de ser qualificado como " contrat à durée indeterminée ", isto é como contrato de trabalho sem termo ou de duração indeterminada.
O Réu apresentou contestação, dizendo, também em síntese:
Os pretensos créditos resultantes do contrato e da sua cessação mostram-se extintos por prescrição.
O contrato cessou em 3 de Janeiro de 2001 e o prazo de prescrição dos pretensos créditos emergentes desse contrato iniciou-se em 4 de Janeiro de 2001.
A acção a que se reportam os presentes autos deu entrada em juízo em 4 de Janeiro de 2002, e o réu foi citado em 7 de Janeiro de 2002 ou seja depois de ter decorrido um ano ou seja o prazo estabelecido no art.º 38, da LCT.
Quando o Estado foi citado já se mostravam extintos por prescrição os pretensos créditos peticionados pelo Autor.
O alegado contrato de trabalho subordinado sem termo, celebrado entre o Autor e o Réu é nulo e a alegada rescisão do mesmo lícita, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização ou às retribuições devidas desde a data do pretenso despedimento;
Por impugnação, invocou a celebração entre o Autor e o Réu não de um contrato de trabalho subordinado, mas sim de um contrato de prestação de serviços.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos:
“Por todo o exposto julgo procedente a excepção de prescrição invocada pelo réu que constitui uma excepção peremptória - trata-se de um facto extintivo do efeito que o autor pretendia fazer valer - e em consequência absolvo o réu do pedido formulado pelo autor (cf. art.º 493º, n.º 3, do Código Processo Civil).
Custas pelo autor”.
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Inconformado com a sentença, o Autor veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
A – O contrato de trabalho dos autos, à data da sua cessação, era regido por legislação especial, corporizada no EPSEMNE aprovado pelo DL 444/99.
Assim,
B – O regime jurídico aplicável ao Apelante, atenta a natureza privada do seu vínculo laboral, era definido pelas normas constantes daquele Estatuto e, subsidiariamente, pelo direito privado francês (EPSEMNE, 1º, 2).
C – O EPSEMNE, por referência ao pessoal em regime de direito privado, não contém qualquer norma reguladora da prescrição dos créditos laborais emergentes da violação ou cessação do contrato de trabalho.
D – Sendo que a remissão operada pelo n.º 2, do seu artigo 86º, restrita ao regime de cessação do contrato de trabalho e destinada a garantir a efectivação dos princípios da segurança no emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa (CRP, 53º), não abrange a aludida prescrição, que se situa a jusante da cessação do contrato e é independente da forma e modo como essa cessação se dá.
Nestes termos,
E – A alegada prescrição do direito accionado pelo Apelante tinha de ser equacionada e decidida à sombra do direito privado francês aplicável e não, como foi, à luz do n.º 1, do artigo 38º, do RJCIT, preceito inaplicável à relação laboral dos autos.
F – Tal solução, para além de inexoravelmente imposta pelo citado n.º 2, do artigo 1º, do EPSEMNE, é conforme ao estatuído nas normas de conflitos previstas nos artigos 40º e 42º, n.º 2, do CC.
Ora,
G – Por força dos alargados prazos previstos no CCF – 30 anos (artigo 2262) e 5 anos (artigo 2277) – e tendo em conta a orientação da jurisprudência francesa, verifica-se que o direito do Apelante não se encontrava prescrito à data em que a Acção deu entrada em juízo e em que o Apelado, Estado Português, foi citado.
H – A Sentença Recorrida, decidindo em contrário, incorreu em erro de determinação da norma aplicável (RJCIT, 38º, 1) e, por via disso, violou a norma constante do n.º 2, do artigo 1º, do EPSEMNE, que convoca para o efeito os preceitos do CCF mencionados na conclusão anterior.
I – O Apelante lamenta só ter detectado o erro de direito em causa em momento posterior ao da realização da Audiência de Discussão e Julgamento, o que impediu a sua invocação perante o Tribunal Recorrido.
Mas,
J – Esse Venerando Tribunal, fazendo uso do poder conferido pelo artigo 664º do CPC, garantirá, como sempre, a aplicação do direito requerida pelo caso.
O Réu contra-alegou, propugnando pela manutenção do julgado.
Foram colhidos os vistos legais.
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Na primeira instância fora dados como provados os seguintes factos, não objecto de impugnação e que, assim, se consideram fixados:
1- O autor foi admitido ao serviço do réu em 1 de Outubro de 1998;
2- Para o exercício das funções de motorista;
3- Na Missão Permanente de Portugal junto do Conselho da Europa (MPPCE) em Estrasburgo - França – serviço externo do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE);
4- A admissão foi efectuada por ajuste verbal;
5- O autor no exercício das suas funções actuou sempre de acordo com as regras e instruções do Sr. Representante Permanente de Portugal junto do Conselho da Europa;
6- Em contrapartida da actividade prestada e por referência ao período compreendido entre 1 de Outubro e 31 de Dezembro de 1998, auferiu a remuneração base de 4.899 francos;
7- A partir de 1 de Janeiro de 1999 passou a auferir a remuneração base de 8.935 francos - 1.362,13 €, que manteve até 31 de Dezembro de 2000;
8- Desde 15 de Fevereiro de 1999 o autor encontrava-se inscrito na Segurança Social local, tendo a MPPCE emitido nessa data, para o efeito, uma declaração, nos termos da qual qualifica a relação laboral como um "contrat à durée determinée";
9- O autor não usufruía de férias pagas, nem de subsídios de férias e de Natal;
10- O autor era pago por verbas do orçamento de funcionamento contra apresentação de recibos;
11- No dia 3 de Janeiro de 2001, o Dr. (X), Conselheiro da Embaixada, agindo segundo instruções expressas do Chefe de Missão, chamou o autor ao seu gabinete e transmitiu-lhe que estava dispensado do serviço da Missão Permanente;
12- Ao mesmo tempo pediu e obteve do autor, a imediata entrega das chaves do carro;
13- Alguns dias mais tarde o autor entregou o "controlo remoto" de acesso à garagem da residência;
14- O autor recebeu a quantia de 893,49 francos por conta de três dias de serviço prestados no mês de Janeiro de 2001;
15- A presente acção deu entrada em Tribunal no dia 4 de Janeiro de 2002, com pedido de citação prévia, e o réu foi citado em 7 de Janeiro de 2002.
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Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões (artºs 684°, n°3, e 690°, n° 1, do CPC), temos como única questão em discussão a da prescrição dos créditos do Autor, neles se incluindo a reintegração.
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A questão enunciada é mais abrangente, já que implica que se defina qual o regime jurídico aplicável à cessação do invocado contrato de trabalho do Autor: se o direito privado português, se o de França, país onde aquele exerceu a sua actividade.
Sem abordar esta última questão, que aliás nem lhe foi levantada, a Mª Juíza considerou verificada a prescrição, por aplicação do preceituado no art.º 38, n.º 1, do RJCIT aprovado pelo decreto-lei n.º 49408/69, de 24 de Novembro (aplicável aos presentes autos por força do disposto no art.º 9, alínea b), da lei n.º 99/03, de 27 de Agosto), partindo do princípio que entre as partes vigorava um contrato de trabalho, sem entrar na apreciação se este era o tipo de contrato existente.
Embora à primeira vista parecesse mais correcto fazer previamente esta última apreciação, o que é certo é que, para além de não ser este o objecto do recurso, a consequência da verificação da prescrição ou da qualificação do contrato como nulo ou como contrato de prestação de serviço (como defende o Réu) é exactamente a mesma: a absolvição do Réu do pedido. E, desde já o adiantamos, verifica-se a prescrição, nos exactos termos e pelos fundamentos descritos na sentença.
O que não impede que se faça uma breve abordagem da natureza do contrato, sem nos pronunciarmos expressamente sobre a questão (que, repete-se, não integra o objecto do recurso).
O Autor, nas suas alegações de recurso, defende que ao caso dos autos não é aplicável o regime do direito privado português, mas sim o francês, nos termos do qual não chegou a decorrer qualquer prazo prescricional. E isto por aplicação do artº 1º, nº 2 do Estatuto do Pessoal dos Serviços Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (EPSEMNE), aprovado pelo DL nº 444/99, de 3/11 e, consequentemente, do direito privado francês.
Da matéria de facto alegada pelo Autor na sua petição, poderá concluir-se que o mesmo direccionou toda a causa de pedir da acção na celebração e existência de um contrato de trabalho, de natureza privada, com o Réu Estado Português, e é com fundamento neste contrato que formula o respectivo pedido.
Uma leitura atenta do EPSEMNE permite descortinar que os Serviços Externos do MNE dispõem, em simultâneo, de dois quadros de pessoal juridicamente bem diferenciados: o quadro único de vinculação (que integra o pessoal sujeito ao regime da função pública) e o quadro único de contratação (que abrange o pessoal submetido ao regime do contrato individual de trabalho), conforme resulta do disposto no artigo 3°, n.°s 1 e 2, daquele Estatuto. Temos, pois, funcionários e agentes, de um lado, e contratados, do outro, a que correspondem relações jurídicas de emprego autónomas, cada uma com o seu título constitutivo próprio: nomeação, contrato administrativo de provimento e contrato individual de trabalho (EPSEMNE, artigos 16.° e 17.°, n.° 1). O vínculo que liga tais trabalhadores ao Estado Português pode assumir, assim, uma dupla natureza jurídica: pública ou privada.
Dispõe o artº 1º, nº 2 do EPSEMNE:
O regime jurídico do pessoal referido no número anterior é definido pelas normas constantes deste estatuto e, subsidiariamente, pelas normas do direito da Administração Pública ou do direito privado local, consoante a natureza pública ou privada da sua vinculação”.
Verifica-se, assim, que o n.° 2 do artigo 1.° do EPSEMNE estabelece uma linha de demarcação essencial daqueles dois universos laborais. Assim, após definir uma submissão primária de todos aqueles trabalhadores às normas constantes do Estatuto, a lei prevê, em matéria de aplicação subsidiária, uma dualidade de regimes em função da natureza, pública ou privada, da respectiva vinculação: no primeiro caso manda aplicar as “normas do direito da Administração Pública” e, no segundo, as normas do “direito privado local”. É a própria lei que define, pois, a natureza jurídica da vinculação caracterizadora das relações de emprego estabelecidas com o Estado Português, no âmbito dos Serviços Externos do MNE.
E daí decorre que caso o Autor se encontrasse integrado no quadro único de contratação, o seu vínculo jurídico com o Estado Português seria, incontornavelmente, de natureza privada, tendo por fonte o contrato individual de trabalho.
Acontece, porém, que o Autor foi admitido por ajuste verbal, embora tenha sempre actuado, no exercício das suas funções, de acordo com as regras e instruções do Sr. Representante Permanente de Portugal junto do Conselho da Europa, conforme ficou provado.
Todavia, importa não esquecer que no Acórdão 683/99 do Tribunal Constitucional (publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Fevereiro de 2000) se escreveu que:
“A forma de acesso à função pública pela conversão de contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, sem concurso, seria independente de quaisquer razões materiais, ligadas à função a exercer, para além de violar o princípio da igualdade estabelecido no artigo 47°, nº 2 da Constituição. Não deve, pois, ter-se por admissível.”
Aí se considerou, ainda, que a conversão em contrato sem termo de um contrato com que ultrapasse os limites à sua renovação "não se apresenta como único meio, ou sequer, como disciplina indispensável, para o cumprimento pelo Estado do seu dever de proteger a segurança no emprego”.
Pelo Acórdão nº 368/00 (Diário da República, 1ª Série- A, de, 30.11.2000), o Tribunal Constitucional veio a declarar inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do artigo 14°, nº 3, do Dec.-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos a termo, por violação do disposto no nº 2 do artigo 47º da Constituição.
Ora, se a anterior jurisprudência deste Tribunal já estabeleceu, embora com votos de vencido, que a conversão de contratos a termo certo, formalmente válidos, celebrados pela Administração Pública, em contratos sem prazo, devida à ultrapassagem do limite máximo de duração fixado na lei geral sobre contratos a termo, não é imposta pelo princípio constitucional da estabilidade e segurança no emprego constante do artº 53º da Constituição – então não pode invocar-se a primeira daquelas normas constitucionais para (...) considerar que é meramente irregular ( e não nulo) o contrato a termo certo, celebrado para além da norma que tipifica as hipóteses em que a sua celebração e renovação são lícitas, e que o mesmo se pode converter em contrato de trabalho sem prazo (apesar de tal figura inexistir no que se refere às formas de constituição daquela relação de emprego público).
Dir-se-á, aliás, ainda, que a argumentação expendida nos citados Acórdãos nºs 683/99 e 368/00, para demonstrar que a conversão dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado violaria esse princípio de igualdade no acesso à função pública- sendo pois vedada pelo artº 47º, nº 2, da Constituição da República – é transponível para a conversão resultante de uma irregularidade do contrato a termo certo, consistente na sua celebração e renovação fora das hipóteses em que estas são lícitas (designadamente, por não se destinar ao exercício transitório de funções, e sim à satisfação de necessidades permanentes dos serviços) e para as hipóteses da sua não redução a escrito (como seria o caso dos autos). Tal conversão, que também conduziria a uma forma de relação jurídica de emprego público – o contrato de trabalho por tempo indeterminado não prevista na lei, seria de igual modo violadora daquele princípio, e deve por isso considerar-se inconstitucional.
Não só, pois, a sanção de nulidade do contrato, resultante das normas cuja apreciação está em causa nos presentes autos, não é constitucionalmente proibida, como, pelo contrário, se pode afirmar, na linha da jurisprudência resultante dos arestos citados, que a regra da igualdade no acesso à função pública, consagrada no artº 47º, nº 2, da Constituição da República, impede que da qualificação como mera irregularidade de tal contrato se extraia a conclusão da sua conversão em contrato por tempo indeterminado”.
Mas mesmo dando de barato a existência e validade de um contrato de trabalho celebrado entre o Autor e o Estado Português, verificou-se a prescrição dos créditos do primeiro.
Com efeito, importa fazer uma leitura correcta do citado artº 1º, nº 2, do EPSEMNE, nos termos da qual se constata só ser legítimo o recurso ao direito privado local na falta de normas expressa contidas naquele estatuto.
E, no que respeita à cessação do contrato de trabalho, elas existem, indubitavelmente, no referido estatuto.
Desde logo o nº 3 desse artº 1º:
Em matéria disciplinar, bem como da cessação da relação de trabalho, o pessoal referido nos números anteriores encontra-se sujeito aos regimes mencionados nos artigos 36º e 86º deste diploma”.
E, no artº 36º, nº 2, estabelece-se:
Ao pessoal contratado de nacionalidade portuguesa é aplicável o regime disciplinar do contrato individual de trabalho previsto na lei portuguesa”.
Finalmente, dispõe o nº 2 do artº 86º:
“A relação jurídica de emprego do pessoal contratado de nacionalidade portuguesa cessa nos termos do regime jurídico português do contrato individual de trabalho.”
Como tal, sendo o Autor de nacionalidade portuguesa, e face aos inequívocos termos em que estão redigidas as normas referidas, não pode haver qualquer réstia de dúvida de que, caso se concluísse pela existência de uma relação laboral, todo o regime da sua cessação era do direito privado português.
E, contrariamente ao defendido pelo Autor na conclusão D) do recurso, o regime de prescrição estabelecido no artº 38º da LCT abrange não apenas os créditos em dinheiro mas também o direito à reintegração, peticionado pelo Autor- cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 12/3/86, Col. Jur, 1986, II, 156, Ac. do STJ de 18/1/95, BMJ 443º, 205, e de 21/6/95, Col. Jur.- Ac. STJ, 1995, II, 301.
Nesta matéria, não resistimos a citar a seguinte passagem das contra-alegações:
“Ora, no direito português, o regime jurídico sobre a cessação do contrato de trabalho inclui não apenas as normas sobre os direitos e deveres das partes, nomeadamente quanto à sua violação, mas também as formas e momentos de exercitá-las extrajudicial e judicialmente (como, vg. Salários em atraso – prazos, violação de outros direitos dos trabalhadores, reintegração, créditos, etc.). E no acervo das normas que compõem esse regime sobre a cessação do contrato estão necessariamente incluídos a prescrição e o regime de provas dos créditos definidos pelo artº 38º do RJCIT (v. título do preceito) .
Dispensando-nos de mais considerações, dada a evidência da questão, temos por certo que, a ter existido e a ser válido um contrato de trabalho entre o Autor e o Réu- Estado, os créditos do primeiro, incluindo o direito à reintegração, se encontram extintos por prescrição, tal como acertada e fundamentadamente se refere na sentença, (razão pela qual não escandalizaria a simples remissão para a mesma, ao abrigo do artº 713º, nº 5, do C.P.C). Não há, assim, o invocado erro na determinação da lei aplicável.
Considerando-se, na mesma sentença que, de acordo com o disposto no artº 38º da L.C.T., todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, se extinguem por prescrição decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho- cfr. Assento do S.T.J. de 13/2/85, B.M.J. 344º, 183.
O artº 323º, nº 1, do C. Civil, estabelece que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertença e ainda que o Tribunal seja incompetente.
E acrescenta o nº2 do mesmo artigo: "Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias."
Conforme se refere na sentença, no caso vertente, a factualidade provada nos n.ºs 11º e 12º, da matéria de facto, conjugada com a do n.º 14, têm a virtualidade de significar uma inequívoca cessação do contrato operada por iniciativa do Réu em 3 de Janeiro de 2001.
E, assim, e tendo o contrato cessado no dia 3 de Janeiro de 2001, o prazo de um ano referido no art.º 38º da LCT iniciou-se no dia 4 de Janeiro de 2001 e terminou no dia 4 de Janeiro de 2002.
O Autor intentou a acção e requereu a citação prévia no próprio dia da consumação do prazo de prescrição dos créditos laborais (consumava-se o referido prazo às 24 horas desse mesmo dia), tendo a citação do Réu sido efectuada no dia 7 de Janeiro de 2002.
E tem sido uniformemente entendido pela jurisprudência que, para poder beneficiar do regime consagrado no nº 2 do artº 323 do Cod. Civil, tem o autor de requerer a citação, prévia ou não, antes de 5 dias do termo do prazo prescricional –cfr., a título de exemplo, o Acórdão do STJ de 18/11/97, Col. Jur.- Ac. STJ, 1997, III, 238
Improcedem, pois, as conclusões do recurso.
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Decisão:
Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento à apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 14/12/04

(Ramalho Pinto)
(Duro Mateus Cardoso)
(Guilherme Pires)