Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0085964
Nº Convencional: JTRL00015092
Relator: DINIZ ROLDÃO
Descritores: TRABALHO SUPLEMENTAR
TRABALHO AO DOMINGO
FERIADOS
HORÁRIO DE TRABALHO
Nº do Documento: RL199306090085964
Data do Acordão: 06/09/1993
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: MONTEIRO FERNANDES NOÇÕES FUNDAMENTAIS DIR TRAB 1977 PAG205.
MENEZES CORDEIRO MANUAL DIR TRAB PAG705.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: DL 421/83 DE 1983/12/02 ART2 N1 ART6 N1 ART9 N1 N2 N3 N4.
DL 399/91 DE 1991/10/16 ART2.
DL 409/71 DE 1971/09/27 ART35 N3.
Jurisprudência Nacional: AC RC DE 1985/02/26 IN CJ T1 PAG129.
AC RC DE 1985/02/26 IN BMJ N344 PAG469.
Sumário: I - O trabalho em dias feriados, prestado a empresa autorizada a laborar nesses dias, não é suplementar.
II - Não infringe o art. 9 do DL 421/83, de 2/12 a empresa que utiliza o trabalho dos seus trabalhadores, em dias feriados, dentro do horário de trabalho fixado semanalmente em consonância com a Lei (DL 409/71, de 27/2).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. A Inspecção Geral do Trabalho acusou PINGO DOCE-DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S. A., em auto de notícia enviado ao Tribunal do Trabalho de Lisboa, de haver infringido o disposto no artigo 9 do Decreto-Lei n. 421/83, de 2 de Dezembro, infracção essa punível, nos termos do n. 2 do artigo 11 do mesmo diploma legal, com multa de 7310000 escudos a 7310000 escudos.
Segundo a acusação, em resumo, tal infracção consistiu em a arguida, que explora lojas comerciais disseminadas pelos concelhos de Amadora, Cascais, Lisboa, Loures, Oeiras e Sintra, ter tido ao seu serviço os trabalhadores indicados nos mapas que acompanham o auto de notícia, nos dias feriados aí mencionados, ocorridos de Junho de 1990 a Março de 1991, dentro do horário normal diário, sem lhes conceder os descansos compensatórios relativos a esse trabalho suplementar prestado nesses dias e sem registar o mesmo trabalho suplementar.
2. Designado dia para julgamento, a ele se procedeu, com observância das formalidades legais, vindo a ser proferida sentença em que a acusação foi julgada improcedente e a arguida absolvida dessa acusação.
3. Inconformada com a sentença, dela recorreu o Ministério Público.
Nas suas alegações do recurso, formula as seguintes conclusões:
- A arguida tem ao seu serviço mais de dez trabalhadores;
- Nos feriados decorridos de Junho/1990 a Março/1991 utilizou o trabalho dos seus trabalhadores, identificados nos mapas anexos ao auto de notícia, por períodos horários coincidentes com o trabalho normal diário;
- O trabalho prestado nesses dias foi pago com o acréscimo de 100%;
- O conceito de trabalho suplementar constante do art. 2 do DL 421/83 engloba o trabalho prestado fora do horário do dia útil e o trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriado;
- A Lei não distingue entre o trabalho prestado em dia feriado a empresas autorizadas a encerrar nesses dias e a empresas não dispensadas de encerramento;
- Os feriados têm em vista a comemoração colectiva de acontecimentos tido como notáveis nos planos político, religioso e social;
- Assim, a regra é as empresas suspenderem a laboração nesses dias, de modo a permitir aos trabalhadores associarem-se à celebração oficial desses acontecimentos;
- Daí os dias feriados serem dias de não trabalho, remunerados, por imposição legal, sem que seja lícito compensar a retribuição com exigência de prestação trabalho;
- Esta imposição legal aplica-se, também, nos casos em que a empresa esteja dispensada de encerrar ou suspender a actividade e em que, por consequência, seja obrigatória a prestação de trabalho no dia feriado;
- De facto não existe motivo racional e válido para que apenas os trabalhadores das empresas que têm de encerrar aos feriados tenham direito às compensações estatuídas do DL 421/83 e não os das empresas que podem laborar nesses dias;
- Já que todos os trabalhadores, sem excepção, têm direito a associarem-se à celebração colectiva de acontecimentos inerentes aos dias feriados, com direito à retribuição e se, porventura, têm de trabalhar nesses dias, devem ser compensados de modo idêntico;
- Assim,embora a arguida possa laborar nos feriados, está obrigada a conceder aos seus trabalhadores o descanso compensatório estatuído no art. 9, n. 1 do DL 421/83;
- Não concedendo o referido descanso compensatório, constituiu-se autora material da contravenção p. p. nos arts. 9, n. 1, e 11, n. 2, do DL 421/83;
- A sentença recorrida fez incorrecta interpretação do direito aplicável, pelo que violou, nomeadamente, as normas constantes dos arts. 2, 9 e 11 do DL 421/83, de 2/12, e 20 do DL 874/76, de 28/12.
Contra-alegou o Pingo Doce-Distribuição Alimentar, S. A., pedindo a manutenção da sentença.
4. Correram os vistos legais, tendo o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto desta Relação, em seu douto parecer, opinado pela procedência do recurso.
Cumpre decidir, após ter tido lugar nesta instância a pertinente audiência.
5. É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1. instância:
- A arguida desenvolve a sua actividade comercial no comércio a retalho de géneros alimentícios, bebidas e outros, e é proprietária e (ou) exploradora de "Lojas" comerciais dessiminadas pelos concelhos de Lisboa, Amadora, Cascais, Loures, Oeiras e Sintra:
N. 1) - Av. António Augusto de Aguiar, 70, em Lisboa;
N. 2) - Av. 25 de Abril, 25 e 25-A, Linda-a-Velha, Oeiras;
N. 3) - Urbanização das Torres Miramar, Lte 1/A, Rebelva, Cascais;
N. 4) - Centro Comercial Alto da Barra, Loja 206, Oeiras;
N. 5) - Rua António Enes, 18/A-B, Queluz, Sintra;
N. 6) - Rua Júlio Borba, Póvoa de St. Adrião, Loures;
N. 7) - Rua António Patrício, 13-F, Lisboa;
N. 8) - Av. 5 de Outubro, 95, Lisboa;
N. 9) - Rua Conde Sabugosa, 25/A, Lisboa;
N. 10) - Av. da República, 10, Parede, Cascais;
N. 11) - Av. Cidade de Bissau, Célula G, Lt. A, Olivais, Lisboa;
N. 12) - Cruzamento Estrada Nac. 6/5, Sassoeiros, Oeiras;
N. 13) - Av. de Ceuta, 43, Lisboa;
N. 14) - Rua Elias Garcia, 23, Venda Nova, Amadora;
N. 15) - Urb. Pimenta Rendeiro, Lts. 221/223, Massamá, Sintra;
- Nestes estabelecimentos comerciais de retalho emprega a arguida à volta de 1800 trabalhadores, cuja identificação e locais de trabalho constam de folhas 10 a 88 dos autos;
- Nos dias feriados obrigatórios decorridos de Junho de 1990 a Março de 1991, e de modo idêntico ao dos domingos, a arguida utilizou o trabalho dos seus empregados, nos vários locais já descritos e por períodos horários normalmente coincidentes com a duração do trabalho normal diário;
- A empresa arguida não concedeu aos trabalhadores descansos compensatórios pelo trabalho prestado nesses dias feriados;
- A empresa concedeu os descansos compensatórios, relativamente ao trabalho prestado em dias feriados obrigatórios até ao mês de Maio de 1990, procedendo igualmente ao registo deste trabalho como suplementar;
- E suspendeu tal prática a partir desse mês;
- Posteriormente a Maio de 1990 ocorreram os seguintes feriados obrigatórios:
7 de Junho de 1990 - 5. feira (feriado municipal de Oeiras)
10 de Junho de 1990 - domingo
13 de Junho de 1990 - 4. feira (feriado municipal de Cascais e Lisboa)
14 de Junho de 1990 - 5. feira (Corpo de Deus)
29 de Junho de 1990 - 6. feira (feriado municipal de Sintra)
15 de Agosto de 1990 - 4. feira
11 de Setembro de 1990 - 3. feira (feriado municipal da Amadora)
05 de Outubro de 1990 - 6. feira
01 de Novembro de 1990 - 5. feira
08 de Dezembro de 1990 - Sábado
29 de Março de 1991 - 6 feira (6. feira santa);
- Nesses dias laborou-se nos vários locais de trabalho, em conformidade ao que consta dos mapas anexos ao auto de notícia;
- Nos dias 25 de Dezembro de 1990 e 1 de Janeiro de 1991 a arguida encerrou a sua actividade comercial, não laborando os trabalhadores;
- O horário de trabalho para todos os trabalhadores dos estabelecimentos da arguida era de 44 horas semanais;
- Para além do dia de descanso semanal obrigatório, todos os trabalhadores beneficiam de um dia de descanso complementar em cada semana, gozando assim dois dias de descanso semanal;
- Nenhum trabalhador, em cada semana, trabalha mais de 44 horas e mais do que 5 dias;
- Tal como acontecia em cada domingo, a arguida, por cada dia de trabalho em dia feriado, atribui a cada trabalhador um acréscimo retributivo, recebendo o trabalhador o "dobro" do que recebe normalmente;
- Nos dias feriados, como nos domingos, só trabalham os trabalhadores que o desejarem fazer;
- E quase todos o desejam;
- Os estabelecimentos da arguida estão abertos 7 dias por semana, incluindo domingos e feriados;
- O seu horário varia entre as 8 horas da manhã e as 21 horas.
6. Está em causa saber se a arguida infringiu ou não o artigo 9 do Decreto-Lei n. 421/83, de 2 de Dezembro, ao não conceder a trabalhadores de diversos estabelecimentos comerciais seus, qualquer descanso compensatório remunerado, após a prestação por eles de trabalho em dias feriados ocorridos no período de Junho de 1990 a Março de 1991.
Para se ver se se verificou a transgressão em causa, conforme acusação da Inspecção Geral do Trabalho, importa determo-nos desde já na norma que se diz ter sido violada, na sua redacção ao tempo dos factos noticiados.
Dizia-se então no citado artigo 9 (cuja redacção foi depois alterada pelo artigo 2 do Decreto-Lei n. 399/91, de 16/10):
"1. Nas empresas com mais de dez trabalhadores, a prestação de trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar e em feriado, confere aos trabalhadores o direito a um descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho suplementar realizado.
2. O descanso compensatório vence-se quando perfizer um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado num dos 30 dias seguintes.
3. Nos casos de prestação de trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, o trabalhador terá direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos 3 dias seguintes.
4. Na falta de acordo, o dia de descanso compensatório será fixado pela entidade empregadora".
Se bem atentarmos, o direito previsto no n. 1 do artigo pressupõe sempre a existência de trabalho suplementar, seja este prestado em dia útil, seja prestado em dia de descanso semanal ou em dia feriado.
Deste modo, só terá havido a transgressão em causa, se o trabalho mencionado nos mapas anexos ao auto de notícia, prestado pelos trabalhadores da Ré, puder ser considerado trabalho suplementar, segundo a lei.
Antes, porém, de entrarmos na apreciação dessa questão e para melhor compreendermos a sua solução, convem aclarar ideias sobre o que é o período de funcionamento dum estabelecimento, sobre o que é o horário de trabalho e sobre o que são e que fins visam os feriados.
Diz-nos o Prof. Dr. Bernardo da Gama Lobo Xavier (Curso de Direito do Trabalho, pág. 358), que por período de funcionamento se entende o período diário durante o qual os estabelecimentos podem exercer a sua actividade. E logo acrescenta que ele é definido pelas horas de início e do termo da actividade e pelo encerramento semanal, se o houver.
No caso dos autos deu-se por provado, na sentença recorrida, que os estabelecimentos da arguida estão abertos 7 dias por semana, incluindo domingos e feriados, e que o seu horário varia entre as 8 horas da manhã e as 21 horas.
Para assim suceder - e embora na decisão recorrida nada tenha sido dado como assente a esse respeito - a Ré foi autorizada, pelas autoridades administrativas competentes, a abrir os seus estabelecimentos todos os dias da semana, ao longo do ano.
Os próprios autuantes confirmam isso, quando, no auto de notícia, referem que a arguida podia legalmente funcionar aos feriados e domingos.
A Ré tinha, pois, em cada um dos estabelecimentos, um período de funcionamento - melhor, um período de abertura, por se tratar de estabelecimentos de venda ao público - sem encerramento semanal e aos feriados.
Para poder funcionar com períodos de abertura sem encerramento semanal e sem fechar nos feriados seguramente que teve de contratar pessoal que lhe prestasse trabalho por forma a cobrir todo esse período de abertura nos sete dias semanais, ao longo de todo o ano.
Todavia, apesar dessa autorização de funcionamento, estava - e está, como não pode deixar de ser - obrigada a assegurar a cada trabalhador os seus direitos, conferidos por lei, relativos ao número máximo de horas diárias e semanais a prestar e aos seus descansos semanais e diários e a férias.
Assim é que cada trabalhador da Ré tinha de cumprir um horário de trabalho em cada semana, fixado pela entidade patronal, no respeito das normas sobre essa matéria e de acordo com o período normal de trabalho acordado, ou seja, com o número de horas que cada trabalhador se comprometera a prestar-lhe.
Não há assim dúvidas de que cada trabalhador tinha de executar serviços à Ré, segundo o horário fixado, nos dias da semana em que lhe coubesse a prestação desses serviços.
Está assente, por provado, que o horário de trabalho para todos os trabalhadores dos estabelecimentos da Ré era de 44 horas semanais, que todos eles beneficiavam de um dia de descanso complementar em cada semana, gozando dois dias de descanso semanal, e que, nenhum deles, em cada semana, trabalhava mais de 44 horas e mais do que cinco dias.
Tudo, portanto, em conformidade com o determinado na Lei (Decreto-Lei n. 409/71, de 27/2).
Provou-se ainda que nos dias feriados indicados, de Junho de 1990 a Março de 1991, os trabalhadores, identificados nos mapas anexos ao auto de notícia, laboraram nos vários locais de trabalho, dentro do período normal diário, como consta desses mapas.
Suscita-se, com este trabalho, a questão primordial de saber se ele foi trabalho normal ou se foi trabalho suplementar.
Para a solucionar, importa ver o que são os feriados.
Feriados são, como é do conhecimento geral, dias em que os trabalhadores normalmente não trabalham por ocorrer o encerramento da maioria dos estabelecimentos, comerciais e industriais, onde prestam serviços, com a inerente suspensão da prestação de trabalho.
Diz-nos o n. 3 do artigo 35 do Decreto-Lei n. 409/71, de 27/9, que "nos dias considerados como feriados obrigatórios têm de encerrar ou suspender a laboração todas as actividades que não sejam permitidas aos domingos".
A ideia de feriado anda assim intimamente ligada a uma suspensão da actividade pelo empregador motivada por encerramento do estabelecimento num determinado dia, que a lei indica como tal.
No dizer do Prof. Dr. Monteiro Fernandes (Noções Fundamentais de Direito do Trabalho, edição de 1977, pág. 205), "a paragem da prestação do trabalho nesses dias é, pois, consequência da suspensão da laboração a que as entidades patronais estão adstritas perante o Estado. Em rigor, portanto, não se trata de um verdadeiro direito do trabalhador face à entidade patronal, que se insira no conteúdo da relação individual de trabalho, mas de uma obrigação do empresário relativamente ao Estado, que se articula com um direito subjectivo público dos trabalhadores".
Se é certo que a paragem do trabalho nesses dias pode servir para os trabalhadores gozarem algum repouso, "em rigor, os feriados não visam proporcionar o descanso dos trabalhadores, mas antes permitir que eles se associem a determinadas festividades civis e religiosas" (Prof. Dr. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, pág. 705).
"Destinam-se sobretudo a permitir aos cidadãos associar-se de qualquer modo a comemorações da colectividade, no plano cívico, político e religioso" (Prof. Dr. Bernardo Gama Lobo Xavier, obra já citada, pág.424).
Atenta essa natureza dos feriados e considerando-se o que a lei dispõe sobre o trabalho suplementar, poderá então qualificar-se assim o trabalho referido nos autos?
Parece-nos que não.
É trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho (n. 1 do artigo 2 do DL n. 421/83, de 2/12).
Ao falar-se aqui em horário de trabalho teve-se em vista, quanto a nós, o horário de cada trabalhador e não o horário de funcionamento do estabelecimento empresarial.
Há assim que entender horário de trabalho como a fixação concreta no tempo do número de horas que o trabalhador se comprometeu a prestar, distribuindo-se essas horas por um espaço de referência, em regra semanal, prefixando-se o início e o termo do trabalho, em cada dia, bem como a identificação concreta dos intervalos de descanso (intercalar, diário, semanal, semanal complementar) (Prof. Dr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, no Parcer cuja cópia foi junta de folhas 105 a 118 dos autos).
É essa fixação concreta, que terá de ser feita, nos vários dias da semana, para cada trabalhador, que constitui o seu horário de trabalho.
Desta forma, cada um dos trabalhadores passa a saber em que dias da semana tem de trabalhar e de que hora a que hora diariamente o tem de fazer, bem como qual o intervalo de refeição de que dispõe e em que dia (ou dias) descansa.
Fixado o horário de trabalho, dentro dos parâmetros legais, o mesmo tem de ser cumprido pontualmente pelo trabalhador, sob pena de incorrer em falta e incumprimento contratual, se o não fizer.
E se, num desses dias da semana em que tem de trabalhar, ocorrer um feriado? Serão as horas prestadas nesse dia suplementares? Ou estarão dentro do horário de trabalho do trabalhador?
A resposta às duas últimas interrogações não pode, quanto a nós, ser uniforme.
Tudo depende do facto de a empresa estar ou não administrativamente autorizada a laborar nos dias feriados.
Se o está, o trabalho prestado em dia feriado pelos seus trabalhadores, se compreendido dentro do horário normal de cada um naquele dia da semana, não constitui trabalho suplementar, mas sim trabalho normal.
Se o não está, então a empresa devia encerrar nesse dia, pelo que todo e qualquer trabalho que lhe seja prestado nas 24 horas do feriado, tem de entender-se fora do horário de trabalho e, consequentemente, suplementar.
O ter sido uma empresa autorizada a manter os seus estabelecimentos abertos nos dias feriados revela que as autoridades administrativas entenderam que havia interesses públicos, decorrentes do seu funcionamento nesses dias, que se sobrepunham, por mais relevantes, ao interesse do Estado em manter encerradas as empresas e suspensas as suas actividades em tais datas.
Com essa autorização a empresa adquire o direito de abrir os seus estabelecimentos nos feriados e de funcionar normalmente, como se de dias úteis normais se tratasse.
Por sua vez os trabalhadores, que têm o dever de cumprir o seu horário normal de trabalho, não têm o direito de exigir da empregadora o seu encerramento nos dias feriados, porque, como atrás vimos, a suspensão da laboração é um dever das empresas para com o Estado, e não para com os empregados, dever esse do qual foram por ele desvinculadas por meio da autorização de abertura e de funcionamento em tais dias.
E, como também vimos, os trabalhadores não gozam sequer dum direito de repouso nos dias feriados, não tendo, consequentemente, o direito de suspenderem a prestação do trabalho, se a empresa labora nos feriados com permissão estatal.
Neste caso terão de cumprir a sua obrigação de prestação de trabalho, segundo um horário de trabalho, que é o seu horário normal.
A empresa, exercendo a sua actividade nos feriados, porque autorizada pelos organismos a quem o Estado delegou competências para tanto, só tem de esperar que nesses dias da semana os trabalhadores compareçam nos locais de trabalho e que trabalhem segundo os horários normais.
Não tem de dar qualquer ordem aos trabalhadores para que trabalhem nesses dias.
Ora é da essência do trabalho suplementar que a sua prestação seja prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora (n. 1 do artigo 6 do Decreto-Lei n. 421/83).
Por aqui se vê também a não caracterização como suplementar do trabalho denunciado neste processo, que a acusação, de resto, não diz ter sido expressamente ordenado pela Ré.
O facto provado de que, na arguida, só trabalham nos dias feriados, como nos domingos, os trabalhadores que o desejarem fazer, afasta até essa característica de trabalho determinado pela entidade patronal, própria do trabalho suplementar.
Do que vai dito, logo se vê que bem se decidiu na sentença recorrida, ao entender-se que, no caso da arguida, não houve prestação de trabalho suplementar nos feriados mencionados.
E, não tendo havido trabalho suplementar, não estava ela obrigada a conceder aos trabalhadores em causa descanso compensatório, em conformidade com o previsto no n. 1 do artigo 9 do Decreto-Lei n. 421/83, que não violou.
Não foram também violados qualquer outro dos 4 números desse artigo.
Bem procedeu, portanto, a primeira instância, ao absolver a mesma arguida da acusação.
E não se argumente contra, dizendo-se que assim se tratam diferentemente as empresas, privilegiando-se as autorizadas a laborar nos feriados, em detrimento das não autorizadas, e diferenciando-se igualmente os trabalhadores de umas e de outras, prejudicando os das primeiras em relação aos das segundas.
É que as situações não são iguais.
Daí que não repugne um tratamento desigual, que resulta aliás da forma diferente com que a própria lei as encara.
No mesmo sentido, aqui adoptado, de não ser trabalho suplementar o prestado em dias feriados por trabalhadores ao serviço de empresas que nesses dias podem laborar, se pronunciou já, embora em processo de natureza Cível, o Tribunal da Relação de Coimbra, no seu Acordão de 26/02/85, publicado na CJ, Tomo 1, Ano de 1985, pág. 129, e sumariado no BMJ, n. 344, pág.469.
7. Por tudo o exposto acorda-se em negar provimento ao recurso e em confirmar a douta sentença da 1 instância.
Sem custas, dada a isenção de que goza o recorrente.
Lisboa, 9 de Junho de 1993.