Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10525/08-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: APENSAÇÃO DE PROCESSOS
CONTRATO MISTO
ERRO SOBRE A PESSOA
MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO
MÁ FÉ
REQUISITOS
ALEGAÇÕES ESCRITAS
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Para se proceder à apensação de processos, é necessária a verificação de pressupostos positivos, consubstanciados na conexão objectiva e na compatibilidade processual, e um pressuposto negativo destinado a aferir da inconveniência da apensação.
2. Mesmo que nas situações de cumulação de objectos, com é o caso, entre outros, da apensação de acções, ocorra alguma diferença quanto à tramitação correspondente às pretensões, será a mesma admissível, em prole da economia processual e por forma a evitar a contradição de julgados, desde que os processos a apensar não sigam tramitação manifestamente incompatível, haja interesse relevante na cumulação de objectos e a apreciação conjunta das pretensões melhor viabilize a justa composição do litígio.
3. Os contratos, nos quais se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei, estão sujeitos a várias classificações, sendo controvertida na doutrina e na jurisprudência, qual o regime a aplicar a tais contratos, podendo acolher-se três orientações: - teoria da absorção; teoria da combinação e teoria da aplicação analógica. Sempre que num contrato misto inexista uma nítida prestação principal ao lado de uma prestação meramente acessória, mas ao invés, ocorra uma justaposição de elementos pertencentes a contratos distintos, será de observar a teoria da combinação, aplicando-se a cada um dos elementos integrantes da espécie, a disciplina que lhe corresponde dentro do respectivo contrato típico.
4. São distintos os conceitos de erro obstáculo e erro vício ou erro motivo, como distintos são os respectivos regimes previstos na lei. No erro na declaração, existe uma divergência entre o que a pessoa quer e o que declara, enquanto que, no erro vício, há uma coincidência entre o querido e o declarado, sendo a declaração a consequência de uma errónea representação da realidade. A divergência entre a vontade declarada e a vontade real do autor da declaração, em virtude de erro, apenas dá lugar à anulação do negócio, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
5. Pretendendo o recorrente impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância, tem o ónus de indicar, de forma precisa, clara e determinada, os concretos pontos de facto em que diverge da apreciação do tribunal, bem como fundamentar essa divergência, indicando com precisão os pontos concretos de prova desconsiderados, e ainda os pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência de discussão e julgamento, sendo aceitável que essa concretização não seja efectuada nas conclusões da alegação de recurso, as quais devem ser sintéticas, apenas servindo para delimitar o objecto do recurso.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I. RELATÓRIO

ANTÓNIO, intentou contra AGOSTINHO e ANA, a acção declarativa com processo ordinário, através da qual pede que os réus sejam condenados a pagar-lhe a indemnização total de € 101.796,84, acrescida de juros de mora, bem assim como que se declare que tem direito de retenção sobre a moradia B enquanto não for indemnizado, ou então, subsidiariamente, para a hipótese de se vir a entender que o contrato é nulo, que os réus sejam condenados a pagar a mesma quantia, mas já com base no instituto jurídico do enriquecimento sem causa.
Fundamentou, o autor, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de ter efectuado um acordo escrito com os réus, que também envolvia o seu genro, através do qual ficou combinado que os réus entregariam um lote de terreno de sua propriedade e a quantia de 5.000 contos, que o autor construiria nesse lote duas moradias geminadas, provindo o restante dinheiro necessário para a construção de um empréstimo bancário que a sua filha e genro efectuariam depois desse lote passar para seu nome, por escritura pública que seria celebrada com os réus, e que no final da construção uma moradia (a A) ficaria para os réus e a outra moradia (a B) para a filha e genro do autor.
O acordo não foi executado nos termos previstos porque não foi possível realizar a escritura a favor da filha e genro do autor, dado que existia no lote uma construção não licenciada que inviabilizava a emissão de licença de construção. Por isso, por acordo com os réus, ficou estabelecido que a construção seria financiada por um empréstimo que estes contrairiam e que, no final, quando as moradias estivessem concluídas, a filha e genro do autor contrairiam um empréstimo, dando de hipoteca a moradia B e libertando a hipoteca existente sobre o lote.
O autor já tinha iniciado a construção das moradias e então, perante a alteração imposta pelas circunstâncias, os réus pediram o empréstimo, entregaram-lhe cheques assinados em branco, que o autor utilizou para financiar parcialmente a construção.
Mais alega o autor que concluída a construção das moradias, em Março de 2002, entregou a chave da moradia A aos réus e ficou com a chave da moradia B, aguardando que se fizesse a escritura para passar a propriedade desta para a filha e genro. Porém, os réus recusaram-se a fazer a escritura e, ao contrário, exigiram a entrega da chave da moradia B.
Alega, finalmente, o autor, que gastou na construção das moradias, do seu dinheiro, as quantias de € 56.649,62 e €. 5.742,19. Efectuou trabalho cuja remuneração importaria o pagamento de €. 28.431,48. O seu filho efectuou trabalho cuja remuneração importaria o pagamento de € 5.985,57. E, utilizou ainda materiais e equipamentos próprios, cujo valor de aluguer importaria o pagamento de € 4.987,98.
Os réus citados, apresentaram contestação, na qual invocam as excepções de ilegitimidade processual da ré mulher, a ilegitimidade processual do autor para peticionar as quantias equivalentes às remunerações do trabalho do seu filho, a anulabilidade do contrato por erro (contrato que consideram ser de empreitada), a inexigibilidade de qualquer pagamento visto o autor não ter ainda prestado contas do dinheiro que gastou na empreitada e a impossibilidade de o autor exercer o direito de retenção, pois entregou ao réu a chave da moradia B.
Deduziram os réus reconvenção, fundando-se, em resumo, na anulação do contrato de empreitada e direito a indemnização, ou subsidiariamente, na redução do preço, por diversos defeitos de construção que o autor não reparou, pedindo que o autor seja condenado, a devolver-lhes a quantia total de € 114.816,17 e a pagar-lhes a indemnização, ou redução de preço, de € 13.275,00, ambas acrescidas de juros de mora.
O autor respondeu às excepções, defendendo a sua improcedência, e dizendo, essencialmente, que como a ré mulher se aproveitou do benefício obtido tem legitimidade processual; que não é parte ilegítima quanto aos danos do filho, porque é credor do que teria de lhe pagar; que não existe qualquer contrato de empreitada, e que também não seria nulo por não existir qualquer erro. Invocou, por outro lado, não estar obrigado à prestação de contas, mantendo no essencial o que havia defendido na petição inicial.
No que respeita à reconvenção, o autor contestou-a, invocando, em síntese, que mesmo que o contrato fosse anulado, o exercício pelos réus do direito à restituição constituiria abuso de direito. Nega a existência de quaisquer defeitos de construção e que nunca lhe foi pedida qualquer reparação.
Foi proferido despacho saneador, no qual se considerou a ré parte legítima e o autor parte ilegítima, quanto ao pedido de indemnização da quantia de € 5.985,57, relativa ao valor do trabalho prestado pelo seu filho, relegando-se o conhecimento das demais excepções para a sentença final.
Proferida que foi a condensação com a fixação dos Factos Assentes e a organização da Base Instrutória, foi levada a efeito perícia colegial, tendo sido requerida pelos réus, segunda perícia, que foi indeferida.
Posteriormente, os réus vieram, por duas vezes, ampliar o pedido de indemnização ou de redução do preço da empreitada que haviam formulado em reconvenção, por causa de alegados defeitos de construção surgidos na pendência da acção, pedindo que o autor seja condenado a pagar-lhes mais as quantias de € 20.000,00 e € 14.180,00, ambas acrescidas de juros de mora.
O autor contestou as ampliações do pedido, invocando, quanto à primeira, que os réus alienaram na pendência da acção a moradia B, pelo que carecem de legitimidade para pedir a reparação de eventuais defeitos que tivessem, mas que não os aceita. E, quando à segunda, impugnou a existência de todos os defeitos invocados. Alegou ainda que os réus fazem um uso reprovável do processo, pelo que requer que os réus sejam julgados como litigantes de má fé.
Foram admitidos os pedidos de ampliação do pedido e aditados os factos alegados à Base Instrutória.
O autor requereu a apensação aos presentes autos do processo de prestação de contas que o réu havia intentado contra o autor, visto que nesse processo se discute o modo como foram gastas, pelo ora autor, na construção das duas moradias versadas nos autos, as quantias depositadas na conta bancária titulada pelo réu na CGD. Invoca, para tanto, e em suma, a contemporaneidade dos processos, a identidade da factualidade em causa em ambos, a circunstância das testemunhas, num e noutro processo, serem praticamente as mesmas, sendo que o julgamento conjunto, permitiria uma melhor compreensão das questões, evitando-se uma eventual contradição de julgados.
Notificados, os réus vieram opor-se ao pedido de apensação, por entenderem não estarem verificados os requisitos que a lei impõe para se determinar a apensação de processos.
No Pº de prestação de contas, com o nº ..., o autor, réu no Pº ..., pediu a condenação do ali réu, aqui autor, a prestar contas do dinheiro e cheques que aquele lhe entregou para pagar o preço da empreitada, ou seja, a prestação de contas quanto à quantia de € 24.939,89 inicialmente entregue ao réu/aqui autor, de € 89.936,27, que este movimentou com cheques da conta do autor/aqui réu, onde foi disponibilizado o montante total de € 99.177,31. Nesse processo de prestação de contas, o réu, aqui autor, opôs-se ao dever de prestar contas dizendo que era ele quem tinha um crédito sobre o autor, aqui réu e que o negócio celebrado não foi o que o autor, aqui réu, havia alegado.

No Pº ... foi determinado que o ali réu prestasse contas, o que foi efectuado, delas resultando, no essencial, que o ali réu invocou ter gasto na construção toda a quantia entregue inicialmente de € 24.939,89, ficando ainda com um crédito, por ter gasto mais, de € 214,99, e que, quanto à conta bancária, levantou a quantia de € 89.936,27 mas gastou mais, exactamente € 90.879,00, pelo que tem sobre o autor ainda o crédito de € 942,73. As contas foram impugnadas pelo ali autor que sustentou que o saldo final correcto seria de € 58.914,87, a seu favor.
Por despacho de fls. 1170 foi determinada a apensação dos dois processos a partir do julgamento, com fundamento na circunstância de, num e noutro processo, estarem em discussão os mesmos factos que originaram pretensões distintas.
Inconformado com a decisão que determinou a apensação dos processos, o réu interpôs recurso de agravo, o qual foi admitido com subida diferida.
Foi levado a efeito o julgamento, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão nos seguintes termos:
Nos termos e com os fundamentos que ficaram expostos, decide-se:
§ Condenar o réu a pagar ao autor a quantia de € 84.141,81 (oitenta e quatro mil cento e quarenta e um euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa supletiva aplicável às dívidas civis, desde 5.7.02;
§ Absolver a ré de todos os pedidos e o réu do mais que foi pedido e não contemplado no parágrafo antecedente;
§ Absolver o autor dos pedidos formulados em reconvenção pelos réus;
§ Considerar prestadas pelo autor as contas ao réu, definindo que o dinheiro que o autor administrou e que pertencia ao réu, no montante total de € 114.876,16 (€ 24.939,89 + € 89.936,27), foi todo utilizado na construção das moradias do autor, pelo que não há saldo a pagar a favor de nenhum deles.

Inconformados os réus interpuseram recurso de apelação relativamente à sentença prolatada.
Ouvidas as partes sobre a litigância de má fé, foi proferido o despacho de fls. 1413, no qual se considerou que os réus pretenderam, no conjunto das duas acções apensadas, ficar com as duas moradias e não pagarem nada ao autor pelo custo da construção, traduzindo-se numa pretensão manifestamente ilegal e sem qualquer plausibilidade jurídica.

Foi, por conseguinte, os réus condenados como litigantes de má fé na multa de 5 UC.
Inconformados com o assim decidido, os réus interpuseram recurso de agravo, o qual foi admitido, a subir conjuntamente com a apelação.
São as seguintes as CONCLUSÕES dos recorrentes:
A) Quanto ao 1ºAgravo (apensação de acções)
i. O recorrente foi notificado do pedido de apensação dos processos n.° ... e n.° ..., formulado pela Ilustre Mandatária do autor;
ii. O ora recorrente apresentou a sua oposição ao pedido de apensação dos processos supra mencionados;
iii. Tratando o processo n.° ... de uma acção especial de prestação de contas nos termos do Art.° 1014° e seguintes do Código de Processo Civil e, constituindo os presentes autos uma acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum ordinário, é de salientar que "sendo diversas as formas de processo e encontrando-se uma das acções (...) já com dia designado para julgamento, não é de proceder à sua apensação; neste sentido Acórdão RP, de 3.12.1984: BMJ. 357.°-487;
iv. Encontrava-se devidamente designada data para realização da Audiência de Julgamento do processo n.° ..., para o dia 13 de Abril de 2007;
v. Sendo certo que "a apensação a que se refere o artigo 275° do CPC abrange tão só o processo comum declarativo como resulta claro da remissão que ai se faz para o artigo 30° do mesmo código" (Acórdão STJ 23.2.1989: BMJ, 384.°-569).
vi. "Não é qualquer conexão que justifica a junção dos processos. É preciso que haja questões idênticas a resolver, tal como as partes devem ser as mesmas" (Acórdão RL 5/1/1979);
vii. Não se vislumbra a hipótese de estarem a ser tratadas questões idênticas, pelos motivos mencionados em 3.°, não obstante as partes serem as mesmas.
Ainda assim,
viii. "É necessário que se verifiquem os elementos de conexão do artigo 30º, com efeito (...) não sendo sequer as mesmas regras de direito a interpretar e aplicar" (Acórdão STJ de 4/5/1978, BMJ 277°-147), nos diferentes processos;
ix. Por outro lado, o disposto no Art.° 30.° do Código de Processo Civil, dispõe que, para que seja permitida a coligação é necessário que se verifique uma relação de prejudicialidade ou de dependência, isto é, é necessário que se verifique que o conhecimento de um dos pedidos só pode ter lugar no caso de procedência do outro;
x. Nos processos em apreço, os pedidos não apresentam uma relação de dependência ou prejudicialidade, visto tratar-se de questões completamente diversas;
xi. A coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes, como dispõe o Art.° 31° n.°1 primeira parte do diploma anteriormente mencionado;
xii. Ainda assim, o despacho que determinou a apensação do processo n.°913/2002 e dos presentes autos, refere que " em suma, não fora o facto de o art. 275° CPC o permitir, por se encontrarem reunidos os requisitos da reconvenção (já que as partes invertem a sua posição processual numa e noutra acção), sempre o bom senso o aconselharia, pois não apenas as testemunhas possivelmente serão as mesmas (na versão das partes), como os factos numa e noutra são os mesmos, os mesmo fundamentos jurídicos que empregam para a sua acção, e a sua defesa”;
xiii. Não se questiona que o bom senso aconselharia a proceder à apensação;
xiv. Os fundamentos jurídicos serão diversos quer num processo quer noutro;
xv. Ora, no processo n.°... como já anteriormente mencionado, o que se trata é da prestação de contas com o intuito de se apurar qual o destino dos cheques e de toda a facturação do material aplicado, isto é, apurar qual a administração de António na construção de duas moradias geminadas sitas no Concelho de Sesimbra;
xvi. Por contra, no processo n.° .... estamos perante uma acção declarativa de condenação, na qual o pedido que é formulado reside em condenar, o ora recorrente, ao pagamento de uma quantia, formulando também um pedido subsidiário para se considerar nulo o contrato formulado entre as partes ou considerar nulas as suas alterações e ainda ser reconhecido a António, o seu direito de retenção sobre a moradia designada pela letra B sita no Concelho de Sesimbra;
xvii. Da conjunção destes factores, resulta que, o que legitima as partes em cada processo, ainda que tenha como base os mesmos factos, não assentará na mesma fundamentação jurídica. Em todo o caso.
xviii. Como se pode constatar, a questão fundamental de direito a tratar em cada processo, é diversa e deve ser clarificada em separado;
xix. Importa assegurar a individualidade própria de cada processo, pelo que é patente que, por uma questão de razoabilidade e praticabilidade, não se deverá proceder à apensação dos processos;
xx. Não obstante, foi notificado o recorrente do despacho que determinou a apensação dos processos n.° .... e n.° ...., proferido a 15 de Março de 2007;
xxi. Despacho que mencionava: "vieram as partes requerer a apensação (... )".
xxii. O ora recorrente, não requereu a apensação, pelo que esta afirmação se tratará de um lapso. Acresce que,
xxiii. perante este lapso veio o ora recorrente pedir a aclaração do despacho supra citado.
xxiv. Fica claro, tal lapso pode ter influenciado o sentido do despacho;
xxv. É possível às partes requererem a aclaração de despachos, nos termos do Art.° 666°, n.°3, em conjugação com o disposto no Art.° 669°, n.°2 al. b). quando constem do processo quaisquer elementos que, por lapso manifesto, não hajam sido tomados em consideração;
xxvi. No entanto, ao pedido de aclaração responde a M. Juiz a fls.1183 "nada a determinar pois o despacho foi proferido e a apensação determinada";
xxvii. O despacho que ordena a apensação de acções admite recurso e torna-se obrigatório dentro do processo se transitar em julgado – Ac. RC 1.6.1993: BMJ 428º -686;
xxviii. Tendo sido interposto pedido de aclaração do despacho que determinou a apensação dos processos n... e n.°..., o prazo para interpor recurso foi interrompido, inutilizando todo o prazo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo, nos termos do Artº 670º, n.°3 do Código de Processo Civil;
Pede, por isso, o agravante, que seja dado provimento ao recurso, e revogada a apensação determinada, com as legais consequências.
Respondeu o agravado, defendendo a manutenção do decidido e formulando as seguintes CONCLUSÕES:
i. O réu/agravante faz uma errada interpretação dos art°s 275° e 30°, ambos do CPC e desconsidera os princípios afirmados no Preâmbulo do DL 329-A/95 de 12 de Dezembro ("Ter-se-á de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada u verdade material pela aplicação do direito substantivo e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo”);

ii. No caso vertente, as partes são as mesmas e a factualidade controvertida emerge apenas e só das circunstâncias de tempo e de modo como o recorrido construiu duas moradias geminadas num prédio do recorrente;
iii. A questão em discussão é transversal aos dois processos, afirmação que se demonstra pela verificação do seguinte:
a. Os factos assentes no despacho saneador proferido no Processo ... — que deu entrada em juízo ( é bom lembrar ) antes do processo ... — correspondentes às alíneas 1), L), M), O), P), X), Y) e Z ( alínea que. por acordo logo na 1ª sessão de Julgamento, transitou de nº 12 da Base Instrutória para al. Z) dos factos assentes ) e AA) ( alínea que, por acordo logo na 1ª sessão de Julgamento. transitou de nº 18 da Base Instrutória para al. AA) dos factos assentes por torça da confissão do agravante a fls. 904 do Pº ....) e,
b. Os factos perguntados nos n°s 7, 20, 21 e 22 a 26 da Base Instrutória concretizam questões directamente relacionadas com a prestação de contas, que, os primeiros assentes e os segundos perguntados concretizam a indagação sobre o dinheiro gasto na construção das duas moradias e a sua proveniência;
iv. O julgamento em separado dos dois processos podia gerar contradição de julgados porque não é possível dissociar uma factualidade da outra. ( - Ac. TR Porto – Processo n° 9521045 – 05.03.96 );
v. O julgamento dos dois processos em simultâneo não concretizou qualquer complicação processual ( a contraio - Ac STJ – Processo n° 99S314 – data: 09.02.2000 ) tendo sido indicada prova separada a cada um dos números de cada uma das bases instrutórias, sendo que as testemunhas indicadas em cada um dos processos pelas partes foram exactamente as mesmas;
vi. Decidiu bem o Sr. Juiz ao deferir a apensação de processos e bem assim a realizar o Julgamento conjunto de ambos condensando a decisão numa única Sentença final.
Defende o agravado que o despacho recorrido deve ser mantido, prosseguindo-se a tramitação processual adequada à apreciação do recurso intentado da Sentença final.
B) Quanto à Apelação
i) Os elementos do contrato que foi celebrado entre recorrido e recorrentes consubstanciam um contrato de empreitada, uma vez que preenchem os requisitos necessários para assim poder ser qualificado. Tal contrato deve ser julgado nulo ordenando-se a restituição do que haja sido prestado por cada uma das partes. Não entendemos assim, por erro de interpretação, a douta sentença viola o disposto nos Art°s. 1207°. e 1432°. e sgs. do Código Civil;
ii) Por outro lado houve igualmente erro na formação da vontade dos recorrentes, visto que acreditou que o recorrido era empreiteiro profissional da construção civil, o que não é verdade, constituindo assim um erro obstáculo, preenchendo os requisitos do artigo 247º do Código Civil, o que leva à sua anulação. Não tendo assim entendido, o Tribunal a quo violou por erro de interpretação e aplicação o referido artigo 247º;
iii) Não foram apresentados pelo requerido ora recorrido, os justificativos necessários e suficientes, relativos ao montante recebido dos ora recorrentes. Tal situação impediria a aprovação das contas apresentadas pelo ora recorrido;
iv) Ao entender que as contas estavam prestadas, sem a realização das diligências indispensáveis o Tribunal violou, por erro de interpretação e aplicação, o n°5 do Art°. 1017°. do C.C.;
v) O empreiteiro devia ter executado a obra a que estava obrigado, conforme o convencionado (Art°s. 1207°. e 1208°. CC). Não tendo prestado contas o recorrido não cumpriu uma obrigação decorrente da administração de bens alheios e como tal o seu cumprimento foi defeituoso. Destarte, tendo havido cumprimento defeituoso, os recorrentes terão legitimidade para proceder à anulação do contrato, nos termos do regime da resolução, tendo ainda direito a reaver aquilo que prestaram, o que os réus pedem em reconvenção. Daqui decorre ainda que contestando, como contestam, as contas apresentadas os ora recorrentes não têm o dever de fazer qualquer pagamento ao recorrido pois o cumprimento foi defeituoso. Não tendo entendido assim, o Tribunal violou, entre outros, os artigos 1207º e 1208º do C.C.
Consideram, por isso, os apelantes, que o recurso interposto deve ser procedente, com as legais consequências.
Respondeu o recorrido, quanto ao recurso de apelação, defendendo a manutenção do decidido e salientando em CONCLUSÃO:

i. O recorrente, notificado do despacho saneador e da decisão à matéria de facto, nunca reclamou;
ii. O recurso versa exclusivamente matéria de direito, estando por isso, definitivamente julgados provados, respectivamente, os nºs 1 a 35 da Sentença relativamente ao Proc. .... e 36, 37 ( als a) a h), e 38 ( als a) a tt) relativamente ao Processo ...., cujo teor se dá por reproduzido;
iii. O recorrente limita-se a discordar da Sentença recorrida sem se perceber como faz coincidir a totalidade dos factos provados com as teses que defende;
iv. Compulsando as actas da Audiência de Julgamento logo se alcança que o recorrente nem se esforçou para provar o que disse nos articulados mas continua a fazer de conta que o que alegou são factos provados !
v. A douta Sentença recorrida concretiza fielmente o modo como, de facto, a relação entre as partes e os seus familiares se relacionaram entre si, captando na perfeição o corpus e o animus de cada um relativamente ao propósito final que seria nada mais nada menos do que Autor e Réu darem uma casa às filhas e respectivos agregados;
vi. O nunca foi “ financiador “ e não foi “ obrigado a contrair um empréstimo“, sendo:
· É o responsável pela necessidade de obter um empréstimo junto da CGD em virtude dos factos provados nºs 5 a 8, 10 e 12;
· se, no final da construção tivesse cumprido o acordo que fez com o autor e não praticasse os factos provados nos nºs 15 a 18, tudo estaria em conformidade com a vontade de ambos, o autor dava uma casa à filha e ao genro e o réu dava uma casa à filha;
· jamais pagou a construção das 2 moradias que o foram em conformidade com os factos provados nºs 22 a 27;
vii. A defesa da tese a propósito da “ Da validade do contrato e sua nulidade ou anulabilidade “ concretiza litigância de má-fé que escapou à 1ª Instância mas que deve ser apreciada por esse Venerando Tribunal, no que se deve ter em conta o teor dos documentos de fls 525 a 541, em concreto:
· A Procuração a favor da advogada que subscreve a pi de fls 525 e ss está assinada pelo recorrente;
· Leia-se por exemplo o artº 3 da pi – “ O Réu-Marido (aqui recorrido, entenda-se), além de vendedor, foi também o construtor do prédio “(sublinhado nosso );
· A escritura pública ( fls 538 e ss ) é outorgada pelo recorrente na qualidade de procurador dos cunhados;
· Nela concretiza-se a venda de 2 fracções do prédio construído pelo recorrido;
· O prédio terá sido construído pelo menos no ano de 1999, sendo os factos dos autos contemporâneos;
· Mas, as personagens as mesmas, o recorrente e o recorrido;
· Depois disto, insistir que não “ sabia que o recorrido era empreiteiro “ ...
viii. Ouça-se o depoimento da testemunha Vítor( respondeu aos nºs 55 a 69 da BI ), fiscal da C.M. para subscrever a conclusão de que a construção das moradias aconteceu sem irregularidades e que a circunstância do recorrido não ser formalmente empreiteiro foi irrelevante para o resultado final;
ix. As contas prestadas pelo recorrido foram objecto de julgamento, ocorreu produção de prova à Base Instrutória do Processo nº ... ( Prestação de contas ) o tribunal decidiu a matéria de facto, o recorrente não reclamou da resposta dada;
x. Todas as “ contas “ apresentadas pelo recorrente como “ contra-contas “ são ficção sem suporte nos factos provados;
xi. Sem conceder, usando-as para fazer um exercício aritmético, o recorrente lucraria, se as suas teses colhessem – nada pagar ao recorrido e ficar com as duas moradias – um valor a rondar os € 68.000. ( Doc. 1 )
Defende o recorrido que a sentença não é merecedora de qualquer reparo em virtude de ter feito uma ponderada e correcta aplicação dos factos ao direito, devendo a mesma ser integralmente mantida.
C) Quanto ao 2º Agravo (condenação dos réus como litigantes de má fé)
i. Nunca foi intenção dos réus ficar com as moradias sem qualquer contrapartida. Não sabendo os réus qual o destino e o saldo do montante entregue ao requerido, não se pode dizer que o objectivo do requerente fosse ficar com as moradias;
ii. Nunca o tribunal atribuiu um valor a levar em conta pelo terreno cedido pelos réus ao autor para a construção;
iii. Os réus têm direito á prestação de contas e não é possível as contas serem prestadas quando os saldos não são apresentadas;
iv. Não pode substituir-se a prestação de contas por avaliação do trabalho desenvolvido nas moradias;
v. Os réus têm direito a nada pagar ao autor enquanto não for apurado o saldo das contas entre ambos;
vi. A conduta processual dos réus e requerentes visa essencialmente a sua prestação face ao método utilizado, que era substituir o apuramento do saldo pela avaliação do trabalho na construção das moradias;
vii. A conduta processual dos réus e requerentes foi sempre no exercício do direito de defesa do seu património e do montante entregue ao autor e requerido;
viii. Não devem os réus ser condenados como litigantes de má fé porque os pressupostos factuais e processuais que sustentam essa condenação não existem, bem como também não estão preenchidos os requisitos para tal;
ix. Ao condenar como litigantes de má fé os réus e requerentes, o Mmo. Juiz do Tribunal a quo está a violar, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no Art°. 456° do Código do Processo Civil.
Propugnam, por isso, os réus/agravantes, que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o despacho condenatório, absolvendo os recorrentes como litigantes de má fé com as legais consequências para que seja feita Justiça.
Respondeu o recorrido, quanto ao recurso de agravo (litigância de má fé), defendendo que a decisão de condenação do recorrente como litigante de má-fé, deve ser confirmada nos precisos termos em que foi proferida e salientando em CONCLUSÃO:
i. O comportamento processual altamente reprovável do recorrente está plasmado, entre outros aspectos que exigiam minúcia, nas alíneas do ponto 2 desta resposta, cujo teor se dá por reproduzido;
ii. É rotundamente falso que o que tenha querido alguma vez fosse fazer contas;
iii. O que o recorrente sempre quis e continua a querer fazer é nada pagar ao respondente, continuando a ganhar tempo para entretanto se desfazer do património que lhe resta;
iv. Importa atentar na totalidade dos factos provados e confrontá-los com os articulados do recorrente para se compreender a benevolência da decisão condenatória deste como litigante de má-fé;
v. O recorrente continua a, fazendo um exercício reprovável do processo, insistir em fazer de conta que o que afirmou nos articulados é a verdade, num completo e incompreensível exercício de fazer de conta, ou seja, levando por diante mais ou menos este raciocínio: “ os factos provados são estes mas, vale “ a minha verdade “ “, ou seja aquela que ficou a “ anos luz “ de provar em Tribunal;
vi. A questão do terreno é irrelevante no contexto dos pedidos formulados pelo respondente e que a Sentença final julgou procedentes, ou seja: o pagamento pelo recorrente a este do que ele lá gastou usando dinheiro seu e ainda o valor resultante da sua prestação de trabalho. Só.
O Tribunal a quo manteve as decisões.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. ÂMBITO DO RECURSO DE AGRAVO E DE APELAÇÃO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto nos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
A . Questão prévia / A junção de documentos
Com as suas alegações de recurso, o apelado juntou documento extraído da Internet, do sítio www.era.pt, atinente à publicitação das características das moradias aludidas na acção em causa nestes autos.
Vejamos se pode ser admitida a pretendida junção do documento.
Na 1ª instância, a possibilidade de junção de documentos que se destinem a servir de meios de prova dos factos alegados como fundamento da acção ou da defesa é cronologicamente delimitada entre o momento da apresentação do articulado em que se alegam os factos correspondentes e o do encerramento da discussão.
Após o encerramento da discussão em primeira instância, a apresentação dos documentos é condicionada à existência de recurso da decisão final, e à demonstração de não ter sido a apresentação possível até ao encerramento da discussão em primeira instância. Tem lugar, conforme se infere da conjugação do disposto nos artigos 652º, nºs 2, al. e) e 5 e 653º, nº 1, 1ª parte, ambos do CPC, quando terminam os debates sobre a matéria de facto, constituindo como esclarece Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 2º, pág. 424, um importante momento preclusivo.
Na fase de recurso, a junção de documentos reveste natureza excepcional.
Com efeito, resulta da conjugação do disposto nos artigos 706º, nº 1 e 524º, nºs 1 e 2 do CPC, que as partes só podem juntar documentos, com as alegações, nas seguintes situações:
(1) Se a apresentação não tiver sido possível até esse momento;
(2) Se os documentos se destinarem a provar factos posteriores aos
articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária
em virtude de ocorrência posterior;
(3) Se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento
proferido em 1ª instância - v. neste sentido e entre muitos, Ac. RP de 17.3.2003, processo nº 0250493, acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt.
Ora, nenhuma destas hipóteses se verifica no caso concreto. Desde logo, o autor/apelado já o poderia ter apresentado, atempadamente, em 1ª instância, até ao encerramento da discussão, visto estar em causa um documento que se mostra disponível na Internet, pelo menos desde 21.02.2007, sendo certo que nem sequer se mostra justificada a superveniência subjectiva.
Por outro lado, a eventual relevância do mesmo não surgiu com a decisão da 1ª instância, o que significa que a pretendida junção não era imprevisível antes dela.
Acresce que a decisão da 1ª instância, ao responder à base instrutória, não se baseou em meio probatório não oferecido pelas partes, e nem a sentença se fundou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes justificadamente não contassem - cfr. Antunes Varela, RLJ ano 115, 95.
E, assim sendo, e por extemporânea, não se admite a junção dos autos do documento apresentado pelo apelado com as suas contra-alegações, condenando-se o mesmo nas custas incidentais respectivas, com 1 UC de taxa de justiça.
B . O OBJECTO DOs RECURSOs:
Face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
a) RELATIVAMENTE AO 1º AGRAVO
i. Dos pressupostos da apensação de acções.
b) RELATIVAMENTE Á APELAÇÃO
i. Qualificação do contrato celebrado entre autor e réu;
ii. O erro na formação da vontade dos recorrentes: - a anulação do contrato por erro quanto à pessoa do declaratário;
iii. A inexigibilidade de qualquer prestação por parte dos réus, por virtude da falta de aprovação das contas: - a dependência entre o direito indemnizatório do autor e a prestação de contas;
iv. O direito dos réus à resolução do contrato, por força do cumprimento defeituoso do contrato, por parte do autor.
c) RELATIVAMENTE AO 2º AGRAVO
i. Da verificação dos requisitos para a condenação dos réus como litigantes de má fé.

III . FUNDAMENTAÇÃO
A - OS FACTOS
a) RELATIVAMENTE AO AGRAVO
A materialidade fáctica relevante é a discriminada na dinâmica processual que consta do ponto I. Relatório da presente decisão.
b) RELATIVAMENTE Á APELAÇÃO
Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos:
Acção n° .... (declarativa de condenação):

1. O autor e a sua mulher decidiram ajudar a filha e o genro, Paula e Paulo, a construírem uma casa para viverem;
2. Os réus são donos e legítimos proprietários do lote de terreno n° 1770, sito na Rua ...., Freguesia da ..., concelho de Sesimbra, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° ...., conforme documento 1 de fls. 18 a 21;
3. Então, o réu marido, o autor e o genro Paulo celebraram, a 11.07.2000, um acordo, reduzido a escrito, nos termos do qual, o segundo prometia comprar aos réus o prédio supra identificado, livre de ónus e encargos, conforme documento de fls. 22 a 24; no mesmo acordo, o autor obrigou-se a construir, no lote de terreno supra identificado, duas moradias geminadas – conforme projecto que já havia dado entrada na Câmara Municipal –, destinando-se uma ao réu marido e outra a Paula e marido; Paulo e a mulher, logo após a celebrarão da escritura pública de compra e venda do lote de terreno a seu favor, contratariam um empréstimo bancário destinado à construção, constituindo a favor do Banco uma hipoteca sobre o mesmo; deste modo, quando as moradias estivessem construídas, Paulo obrigava-se a outorgar a escritura pública de compra e venda da moradia, denominada com a letra A, a favor do ré marido, ficando com a moradia B para si e para a sua mulher; o autor comprometeu-se a construir as duas moradias no prazo de 365 dias após o início da construção; além do lote de terreno onde as moradias deviam ser construídas, o réu aceitaram ainda a entregar ao autor a quantia de Esc. 5.000.000$00 logo no início da obra, o que fez em 11 de Dezembro de 2000;
4. O autor intitulou-se junto do réu como empreiteiro e no contrato referido no n° 3 ficou identificado com a qualidade de empreiteiro;
5. Não possui o autor qualquer elemento ou autorização válidos que o identifiquem, qualifiquem ou habilitem a exercer a actividade de empreiteiro da construção civil; em consequência o certificado de classificação de industrial de construção civil indicado para obtenção do alvará de licença pertence a um indivíduo de nome Arménio, esse sim verdadeiro empreiteiro de construção civil, com o certificado n° ....; jamais o verdadeiro empreiteiro interveio, directa ou indirectamente, na obra;
6. Conforme o acordado, o autor deu início à construção das duas moradias geminadas em 16.01.01;
7. Logo a seguir ao acordo descrito no n° 3 o autor, em conjunto com a filha e o genro, diligenciaram pela obtenção dos documentos do lote necessários à instrução da escritura pública de compra e venda do lote a seu favor, com o objectivo de rapidamente contratarem o empréstimo bancário destinado a financiar parte da construção das duas moradias; a celebração da escritura pública de compra e venda a favor do Paulo e da mulher não foi possível em virtude do lote estar descrito na competente Conservatória do Registo Predial como prédio urbano, composto de R/C para garagem e logradouro, sendo que a garagem não se encontrava licenciada pela Câmara Municipal; em consequência, por não existir licença de utilização, não foi possível a celebração da escritura pública;
8. O autor e Paulo desconheciam que a garagem implantada no lote de terreno acima descrito, não possuía licença camarária competente;
9. O réu marido entregou ao autor uma fotocópia do oficio que a Câmara lhe enviou, (fls. 26), informando que o requerimento de anulação do processo de obras n° ... havia sido deferido;
10. Com vista a ultrapassar a dificuldade de financiamento da obra, por não ser possível outorgar a escritura pública de compra e venda do lote a favor da filha e genro do autor, por falta da referida licença, o autor e o réu acordaram que seriam os réus a contratarem formalmente o empréstimo para financiar parcialmente a construção das duas moradias; ficou ainda bem claro entre todos que, atenta a impossibilidade de celebrarem a escritura pública de compra e venda do lote a favor de Paulo e mulher, quando as moradias estivessem construídas, estes contratavam um empréstimo bancário em seu nome e davam a moradia designada pela letra B em garantia, constituindo sobre ela uma hipoteca a favor do banco mutuante, libertando, deste modo, a primitiva hipoteca que incidia sobre o lote onde as duas moradias deviam ser construídas;
11. O autor não celebrou com o genro o acordo previsto na cláusula 11a do contrato referido no n° 3;
12. Com vista a obter financiamento para a construção das moradias acima aludidas, na sequência do acordo referido no 11° 10, os réus contraíram um empréstimo, junto da CGD, no valor de Esc. 25.000.000$00, conforme documento de fls. 324 a 336;
13. Para a abertura da conta bancária onde o dinheiro do empréstimo seria depositado, o réu marido usou cem mil escudos seus, tendo-lhe o autor, naquela mesma data, pago a referida importância;
14. A CGD entregou aos réus um livro de cheques, que entregaram ao autor, tendo o réu, no momento em que entregou esse livro de cheques, assinado 21 cheques em branco; logo que a CGD lhe entregou a caderneta, onde os movimentos bancários são registados, o réu entregou-a igualmente ao autor, que, até hoje, a mantém na sua posse;
15. O autor concluiu a construção das duas moradias no lote de terreno dos réus em Março de 2002; após essa construção, deu aos réus, conforme o acordado, a posse da moradia designada pela letra A, encontrando-se uma filha destes já a habitá-la; ficando a aguardar que estes lhe comunicassem a data para celebração da escritura pública de compra e venda da moradia, designada pela letra B, em nome da filha e do genro, o que estes, até à presente data, ainda não fizeram;
16. O réu marido não só se recusava a celebrar a escritura pública de compra e venda da moradia B a favor de Paulo e Mulher, como pretendia a entrega das chaves da mesma;
17. No dia 23.05.2002, o autor e o genro receberam no Tribunal da Comarca de Sesimbra a notificação judicial avulsa apresentada pelo réu marido, nos termos da qual ficavam notificados para entregarem as chaves da moradia B, que estavam na posse do autor, conforme documento de fls. 187 e seguintes;
18. O autor, no prazo que lhe foi indicado na notificação judicial avulsa referida, recusou a entrega das chaves, e concedeu o prazo de 15 dias ao réu para marcar a escritura pública;
19. Em consequência, as chaves da moradia identificada com a letra B encontram-se actualmente (com referência à data da petição) com o autor;

20. O autor usou os cheques referidos no n° 14 para fazer pagamentos diversos, de materiais e de mão-de-obra para a obra;
21. Do empréstimo concedido pela CGD o réu gastou a quantia total de € 89.936,27;
22. A parte restante do dinheiro gasto pelo autor na construção das casas era sua;
23. Assim, o autor sacou cheques da sua conta n° ...., da CGD, que, no seu conjunto, titularam a quantia total de € 56.649,62, que gastou integralmente na construção das duas casas, em mão-de-obra e materiais;
24. O autor sacou cheques da sua conta n° ..., do BPI, que no seu conjunto, titularam a quantia total de € 5.742,19, que gastou integralmente na construção das duas casas, em mão-de-obra;
25. O autor acompanhou a construção das duas casas durante cerca de 15 meses com funções semelhantes às de um encarregado de obras;
26. Um encarregado para uma obra daquela natureza receberia, em média, uma remuneração mensal de cerca de € 1.250,00;
27. Todos os equipamentos e utensílios usados na construção das duas casas são propriedade do autor, consistindo os mesmos em betoneiras, andaimes, pás, picaretas, baldes, martelos, carros de mão para transporte de massas;
28. O autor não prestou contas da utilização que fez do dinheiro do empréstimo contratado pelo réu marido com a CGD e dos 5.000.000$00 (€ 24.939,89) que o réu marido lhe entregou em 11.12.00;
29. Correm neste tribunal, os autos de processo especial de prestação de contas com o n° ...., onde figura como autor o ora réu marido e réu o ora autor;
30. As cantarias (da moradia 13) apresentam fissuras e heterogeneidades, revelando-se inadequadas à sua função, ascendendo a sua reparação a € 975,00;
31. O sifão do pavimento da cozinha da moradia A foi colocado sobre massa de cimento fresca, sendo essa massa fresca colocada sobre a parte oca central da abobadilha (tijoleira em placa), não se encontrando perfurado nem estalado quando foi colocado, caso contrário, assim que fosse utilizada a água existiriam infiltrações;
32. O autor procedeu a testes de canalização há 4 anos atrás e então não se observou nenhuma infiltração do tecto dos compartimentos inferiores ou em qualquer outra parte da casa;
33. O exterior das paredes da cave da moradia "A" e da "B" foram objecto de isolamento com o produto escolhido pelo réu, tendo sido aplicadas placas de poliestireno extrudido entre a parede de betão armado e uma segunda parede construída com tijolo;
34. O exterior, em todo o espaço disponível que envolve as duas moradias, está coberto a mosaico, isolado, assente em aguada de cimento;
35. A moradia identificada pela letra B foi vendida pelos réus a terceiros, encontrando-se a propriedade inscrita a favor desses terceiros no registo desde 25.3.04 (facto provado por documento – cfr. certidão de fls. 195 e seguintes do apenso de embargos de terceiro);
Acção n° .... (prestação de contas):
36. O autor entregou inicialmente ao réu a quantia de € 24.939,89, para realização de uma obra de construção de uma moradia;
37. Da quantia referida foram empregues:
a) € 410,17 em pagamentos à Câmara Municipal (B da Matéria Assente),
b) € 908,44, com o pagamento à M (C da M.A.);
c) € 2557,32 à empresa L, Lda. (D da M.A.);
d) € 2394,24 com o pagamento do armador de ferro, (48 dias de trabalho, a € 49,80 o dia de trabalho) (E da M.A.);
e) € 4899,28 em pagamentos à C, Lda. (F da M.A.);
f) € 6.005,05 em pagamentos a CA (G da M.A.);
g) € 5.087,76 em pagamento de trabalho prestado por serventes (170 dias de trabalho a € 29,90 ao dia) (3º da Base Instrutória);
h) € 2.892,99 à empresa J (4º da BI);
38. O réu movimentou a conta da CGD n° ..., agência ...., em seu nome do autor, tendo procedido a pagamentos diversos com a construção da referida moradia:
a) procedeu ao pagamento de € 988,61, mediante emissão do cheque ..., em 11/6/2001, para pagamento de materiais à empresa FF, Lda. (J da M.A.);
b) procedeu ao pagamento de € 798,08, mediante emissão do cheque n° ...., em 19/7/2001, para pagamento de serviços à empresa Mg, Lda. (L da M.A.);
c) procedeu ao pagamento de € 8164,81, mediante emissão do cheque n° ..., em 20/7/2001, para aquisição de materiais a CA. (M da M.A.);
d) procedeu ao pagamento de € 805,36, mediante emissão do cheque n° ..., em 26/7/2001, para pagamentos à C, Lda. (N da M.A.);
e) com o pagamento do armador de ferro, de 15 dias de trabalho, a € 49,80 o dia de trabalho, despendeu a quantia de € 748,2, para o que emitiu o cheque n° ...., em 27/7/2001 (O da M.A.);
f) pagou a quantia de € 9,08 em peças de pinho a FF, Lda. (P da M.A.);
g) pagou a quantia de € 5.454,73 a CA, em pagamentos diversos pela aquisição de materiais (Q da M.A.);
h) procedeu ao pagamento de € 1.149,88, em materiais à MD, Lda. (R da M.A.);
i) procedeu ao pagamento de € 83,79, em materiais à Q, Lda. (S da M.A.);
j) procedeu ao pagamento ao pagamento de € 341,40, à FF, Lda. (T da M.A.);
k) procedeu ao pagamento de € 85,34, à FF, Lda. (L da M.A.);
l) procedeu ao pagamento de €93,22, à Câmara Municipal (V da M.A.);
m) procedeu ao pagamento total de € 967,67 a ÁC, Lda., em materiais diversos (T da BI);
n) procedeu ao pagamento de € 6,98, em materiais à Q, Lda. (Z da M.A.);
o) em materiais vários despendeu a quantia total de € 1.613,62 com a empresa S, Lda. (AA da M.A.);
p) em materiais a quantia de € 1.598,73 na empresa E, Lda. (BB da M.A.);
q) a José pagou a quantia de € 362,12 (CC da M.A.);
r) procedeu ao pagamento total de €. 2.276,13 a ÁC, Lda., em materiais diversos (DD da M.A.);
s) pagou a José a quantia total de € 877,83 (EE da M.A);
t) pagou a quantia de € 180,90 à EDP, pela construção do ramal (FF da M.A.);
u) pagou à empresa transportes M.M, Lda. a quantia de € 12,46 (GG da M.A.);
v) pagou à FF, Lda. a quantia de €. 12,33 (HH da M.A.);
w) às cozinhas S, Lda., terminou o pagamento despendendo a quantia de € 5.238,36 (II da M.A.);
x) procedeu ao pagamento de € 2.226,79, em materiais à Q, Lda. (JJ da M.A.);
y) a Manuel, pagou a importância de € 11.671,87 (LL da M.A.);
z) procedeu ao pagamento parcial de € 299,28, em materiais à Q, Lda., mediante a emissão do cheque n° ... (MM da BI);
aa) procedeu ao pagamento de € 399,04, mediante emissão do cheque n° ..., em 6/8/2001, para pagamento de um portão à empresa Mário (NN da M.A.);
bb) às Cozinhas S, Lda., procedeu a um pagamento parcial de € 1.995,19, mediante emissão do cheque n° ...., em 11/9/2001 (OO da M.A.);
cc) pela emissão do cheque n° ..., em 12/10/2001 pagou a ÁC, Lda., a quantia de € 798,14 (PP da M.A.);
dd) pagou a José a quantia de € 1.098,55, mediante a emissão do cheque n° ... (QQ da M.A.);
ee) em materiais à Q, Lda., pagou a quantia de € 1.192,12, mediante a emissão dos cheque n° ...., e n° ...., respectivamente de 26/11/2001, e 29/11/2001 (RR da M.A.);
ff) pagou à FF, Lda a quantia de € 4.288,38, mediante a emissão do cheque n° ..., de 13/12/2001 (SS da M.A.);
gg) pelo cheque ..., emitido em 13.12.01, no valor de € 1.020,11, procedeu ao pagamento à empresa F.F Lda. (TT da M.A.);
hh) procedeu ao pagamento do total de 72 dias de trabalho de dois pedreiros, oscilando o preço por dia de trabalho de cada pedreiro entre € 39,90 e os € 49,88, tendo despendido o total de € 6.464,46 e ao pagamento de 28 dias de trabalho de 14 serventes, ao preço por cada dia de trabalho de cada servente de € 29,90, tendo despendido o total de € 2.513,93, sendo que o pagamento destes trabalhos, entre Maio e Junho de 2001, foi feito mediante a emissão dos cheques n°..... (7º e 10º da BI);
ii) procedeu ao pagamento de materiais à empresa Q Lda., no valor de € 1.510,36, efectuado pelos cheques n° ... e ..., quantias que foram depois repostas em numerário pelo réu excedendo em € 37,10 aquele valor (12º da BI);
jj) despendeu a quantia de € 2.940,41 com a aquisição de materiais à empresa MD, Lda., tendo para tanto procedido a esse pagamento mediante a emissão de três cheques, n° ... no valor de € 713,28, emitido em 22/6/2001, n° ..., emitido em 30/7/2001, no valor de €157,12, e n° ... no valor de € 2.070,01 emitido em 31/7/2001 (15º da BI);
kk) despendeu a quantia de € 1.646,03 com o pagamento de serviços de canalização a João, tendo para o efeito emitido o cheque n° ... em 24/07/01 (17º da BI);
ll) procedeu ao pagamento de materiais à empresa AP Lda, no valor de € 204,91, tendo para o efeito emitido o cheque n° ... em 25/07/01 (19º da BI);
mm) como princípio de pagamento dos serviços prestados com a instalação eléctrica despendeu a quantia de € 997,60, tendo para o efeito emitido o cheque n° ... em 31/07/01 (21º da BI);
nn) pagou o fim da factura 11° 58 a Joaquim pelos serviços prestados, no valor de € 9.362,43 (23º da BI);
oo) em trabalhos de construção civil, nomeadamente em rebocos e assentamento de tijolos, despendeu com Júlio, a quantia de € 2.992,78 (24º da BI);
pp) procedeu ao pagamento de € 1.475,92, em materiais à MD, Lda. (25º da BI);
qq) com o pagamento à Câmara Municipal, despendeu a quantia de € 406,72 (26º da BI);
rr) procedeu ao pagamento de € 2.024,69, em materiais à MD, Lda., mediante a emissão do cheque n° ..., em 6/8/2001 (27º da BI);
ss) procedeu ao pagamento a G, de € 773,14, mediante a emissão de um cheque n° ... em 22/10/2001 (28º da BI);
tt) pelo cheque n° ..., de 27/11/2001 pagou a quantia de € 879,19 à empresa SPF, Lda. (29º da BI).

B - O DIREITO
A) RELATIVAMENTE AO 1º AGRAVO
Dos pressupostos da apensação de acções
Como é sabido, estamos perante uma situação de apensação de acções quando uma das partes requer a reunião num único processo de acções que foram intentadas separadamente, verificados que sejam os necessários pressupostos.
Dispõe o nº 1 do artigo 275º do CPC que Se forem propostas separadamente acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, será ordenada a junção delas, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação.
Tal significa que, para se proceder à apensação de processos, é necessária a verificação de pressupostos positivos, consubstanciados na conexão objectiva e na compatibilidade processual, e um pressuposto negativo destinado a aferir da inconveniência da apensação.
Como refere Rodrigues Basto, Notas ao CPC, Vol. II, 37, atribui-se ao Tribunal um poder discricionário na ponderação do aludido pressuposto negativo.
Assim, e como salienta Rodrigues Basto, ob. cit., 36, a parte que requer a apensação deverá demonstrar a existência da conexão entre as acções e que a apensação serve em concreto a um mais perfeito desenvolvimento da relação jurídica processual.
Com a formulação dada ao aludido preceito, decorrente da reforma de 1995/1996, as hipóteses de apensação de acções foram ampliadas, passando a ser admissível determinar a apensação em todos os casos de acções conexas, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção. Mostra-se, pois, ultrapassada a posição defendida pelo agravante, nas suas alegações de recurso, nas quais invoca tão somente os requisitos da coligação e tendo a jurisprudência invocada aplicação no âmbito das regras do processo civil anteriores à dita reforma operada pelo Decº-Lei nº 329-A/95, de 12.12. e pelo Decreto-Lei nº 180/06, de 25.09.
No caso vertente, apenas é susceptível de relevar a última situação supra enumerada, pelo que importa analisar da verificação dos pressupostos da reconvenção.
Com efeito, foram propostas duas acções distintas – acção declarativa de condenação ( em 01.07.2002) e acção de prestação de contas ( em 11.09.2002), tendo sido requerida a apensação pelo autor na primeira acção – Pº ... (António) – o qual é réu no Pº ..., sendo neste autor (Agostinho), que é réu no primitivo processo.
Importa salientar que, no caso vertente, pendendo ambos os processos no mesmo Tribunal, sempre poderia a apensação ser determinada oficiosamente, após audição das partes, como determina o preceituado no nº 3 do artigo 275º do CPC.
Mas, a reconvenção, como pretensão autónoma que é da formulada pelo autor, depende para a sua admissibilidade da verificação de uma tríplice ordem de requisitos: requisitos externos; requisitos processuais e requisitos substantivos.
Estatui o nº 2 do artigo 274º do CPC que a reconvenção é admissível nos seguintes casos:
1 - Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
2 - Quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
3 - Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
São, designadamente, requisitos processuais da reconvenção:
a) Competência absoluta do Tribunal;
b) Correspondência da forma de processo;
c) Identidade subjectiva das partes;
São requisitos substantivos, para além da autonomia em relação à mera defesa, os elementos de conexão enumerados no supra citado nº 2 do artigo 274º do CPC: - Ligação através do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa; - Compensação de dívidas ou indemnização por benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida; - Reversão a favor do réu do efeito jurídico pretendido pelo autor.
No caso em apreciação, pese embora hajam sido propostas duas acções distintas sempre se verificariam os requisitos processuais, no que concerne à competência absoluta e à identidade subjectiva das partes, para que o réu, no primitivo processo, tivesse, eventualmente, deduzido reconvenção – o autor, na primeira acção, é réu na segunda e, o réu, na primeira, é autor na segunda acção.
Igualmente se verificam os requisitos substantivos, i.e., factores de conexão entre o objecto de cada uma das acções que foram propostas separadamente, já que em ambas as acções está em causa o mesmo facto jurídico – o alegado contrato celebrado entre autor e réu.
Mas, inexiste efectivamente correspondência da forma de processo – a primeira acção segue a forma de processo comum, enquanto a segunda segue a forma de processo especial.
Estabelece, porém, o nº 3 do artigo 274º do CPC que Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se a diferença provier do diverso valor dos pedidos ou o juiz a autorizar, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 31.º, com as necessárias adaptações.
Ora, preceitua o artigo 31º do CPC, que visa regular a admissibilidade da coligação que:
1 - A coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a acumulação possa ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia; mas não impede a cumulação a diversidade da forma de processo que derive unicamente do valor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.
3 - Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada.
Daqui decorre que ainda que as acções cuja apensação foi requerida sigam formas de processo diferentes, é ainda possível determinar a sua apensação, caso não sigam tramitação manifestamente incompatível; haja interesse relevante ou a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.
Na verdade, subjacente á maior abertura que a reforma de 1995/1996 veio dar à possibilidade de apensação de acções estão, sem dúvida, razões de economia processual e uniformidade de julgamento.

E, muito embora o nosso sistema processual civil seja caracterizado pela legalidade das formas processuais, prevê-se no artigo 265º-A do CPC que, quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz, oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações.
Consagra o referido normativo o princípio da adequação formal, o qual se caracteriza pela determinação da prática dos actos mais ajustados ao fim do processo e adaptações convenientes e necessárias sempre que a tramitação legal prevista não se revele adequada às especificidades da causa.
Ora, o campo de aplicação deste princípio é justamente nos casos de coligação – pluralidade de pedidos por cada um dos autores e contra cada um dos réus -; cumulação de pedidos, reconvenção ou apensação de acções.
Está hoje substancialmente atenuada, em relação a todas estas modalidades de cumulação de objectos, a compatibilidade processual, na modalidade de identidade de formas de processo, obviamente desde que não exista uma incompatibilidade absoluta de formas de processo, tendo o juiz o poder/dever de proceder à necessária adequação do processado – v. artigo 31º, nºs 2 e 3 do CPC.
Como salienta Pedro Madeira de Brito, O Novo Princípio da Adequação Formal, in Aspectos do Novo Processo Civil, Lex 1997, pg. 47, o requisito da identidade das formas de processo deu lugar a um outro, que podemos designar de compatibilidade formal.
Assim, mesmo que nas supra referidas situações de cumulação de objectos ocorra alguma diferença quanto à tramitação correspondente a ambas as pretensões, o juiz poderá autorizar a ampliação do processo, desde que nenhum dos pedidos siga tramitação manifestamente incompatível; haja interesse relevante no alargamento da pretensão inicialmente formulada ou a apreciação conjunta dessas pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.
No caso em apreciação as partes são as mesmas, sendo o autor no Pº ... (António), réu no Pº ... e neste, o autor (Agostinho) é réu no Pº ....
Nenhum obstáculo se coloca com relação à competência do Tribunal e, aquando da determinação da apensação, nenhuma das acções seguia tramitação manifestamente incompatível, já que mesmo no Pº ... – acção de prestação de contas - ultrapassada se mostrava a fase inicial.
É que, como é sabido, o processo de prestação forçada de contas comporta duas fases distintas. Uma fase inicial, na qual se decide, antes de mais e tão só, se o réu deve prestar contas.
E, na fase seguinte, se a decisão for afirmativa, haverá lugar à prestação de contas, definindo-se os termos em que a mesma se deve processar.
No caso em análise, no momento em que foi requerida pelo réu, no Pº .... (autor no Pº ...) e determinada pelo Tribunal a quo a apensação das acções, definida se encontrava a fase inicial, no Pº ..., tendo ficado determinado judicialmente, por decisão de 15.07.2003, transitada em julgado, que o ali réu (António) estava obrigado a prestar as contas ali requeridas pelo autor (Agostinho) – v. fls. 127 e 128 do Pº ....
E, tendo o réu no Pº ... apresentado as contas, por requerimento de 14.10.2003, a fls. 414 a 417, reformuladas, por requerimento de 18.11.2005, a fls. 667 a 675, contas essas que foram impugnadas pelo ali autor, o processo passou a seguir a forma de processo comum adequado ao valor da causa, como decorre do disposto no nº 1 do artigo 1017º-A do CPC, ou seja, in casu, o processo ordinário.
No momento em que foi determinada a apensação das acções – fase do julgamento – os processos não seguiam tramitação incompatível, antes pelo contrário, seguiam igual tramitação, sendo manifesto quer o interesse relevante na cumulação, como também a apreciação conjunta das pretensões melhor viabilizaria a justa composição do litígio, traduzindo-se numa óbvia economia processual, impedindo ainda uma eventual contradição de julgados.
Nega-se, pois, provimento ao 1º recurso de agravo, mantendo-se a decisão que determinou a apensação do Pº .... ao Pº ....
Vencidos, são os agravantes responsáveis pelas custas respectivas - v. artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
B - O DIREITO
B) RELATIVAMENTE Á APELAÇÃO
i) Qualificação do contrato celebrado entre autor e réu
Considerou a sentença recorrida que o acordo estabelecido entre autor e réu, formalizado no documento de fls. 22 a 24, se reconduzia a um contrato misto, em que se entrecruzam, com cláusulas atípicas, elementos do contrato-promessa de compra e venda e do contrato de empreitada e que, numa certa medida, se aproxima da figura do contrato de sociedade civil previsto no artigo 980º do Código Civil.
Entendeu o Tribunal a quo que deveria aplicar a cada um dos elementos integrantes do negócio complexo em causa, a regulamentação própria prevista para o contrato típico que mais se aproxime, sem perder de vista que as partes quiseram estabelecer uma relação de subordinação e dependência entre as prestações fixadas e que as estipularam associadas umas às outras, vinculadas à obtenção de um resultado final proveitoso para todos – o que levou o Tribunal a quo a estabelecer a aproximação ao contrato de sociedade.
Insurge-se o apelante quanto à qualificação dada ao aludido acordo estabelecido entre autor e réu, defendendo tratar-se de um simples contrato de empreitada.
Face aos termos do acordo constante de fls. 22 e 24, em que inicialmente intervieram o autor, o réu e o genro do autor e, pese embora a alteração subsequentemente ocorrida, com a saída deste último e com a assunção, por parte de autor e réu, de novas obrigações, manteve-se, a essência do acordo, pelo que não pode deixar de se concordar que o mesmo configura um contrato baseado na combinação de contratos distintos, reunidos numa mesma operação económica.
Como se evidência na sentença recorrida, o autor só se comprometeu a construir porque a sua filha e genro iriam ficar proprietários de uma das moradias e o réu só entregou dinheiro e terreno para a construção, e mais tarde só contratou o empréstimo, porque iria beneficiar da construção de uma moradia sem qualquer custo.
O contrato em causa celebrado entre autor e réu é válido em resultado do exercício do princípio da liberdade contratual, previsto no artigo 405º do Código Civil, que permite a celebração de contratos diferentes dos tipos contratuais legais.
Os contratos mistos, nos quais se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei, estão sujeitos a várias classificações, sendo controvertida na doutrina e na jurisprudência, qual o regime a aplicar a tais contratos.
Segundo Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. I, 9ª ed., 294 e ss., podem acolher-se três orientações principais:
a) A teoria da absorção, que leva a aplicação do regime do tipo da prestação predominante dentro da economia do negócio;
b) A teoria da combinação, segundo a qual se tenta harmonizar na regulamentação do contrato as normas aplicáveis a cada um dos elementos típico que o integram;
c) A teoria da aplicação analógica que, por considerar que os contratos mistos são espécies omissas na lei, apela à integração das lacunas do negócio dentro do sistema.
Considerando que no caso vertente não se evidencia que exista uma nítida prestação principal ao lado de uma prestação meramente acessória, mas ao invés, uma justaposição de elementos pertencentes a contratos distintos, entende-se que será de aplicar a teoria da combinação, ou seja, deve aplicar-se a cada um dos elementos integrantes da espécie, a disciplina que lhe corresponde dentro do respectivo contrato típico.
E é, justamente, o que se mostra defendido na sentença recorrida.
O contrato complexo em causa nos autos tem, é certo, e como foi evidenciado pelo Tribunal a quo, um conjunto de prestações próximas da empreitada. Mas, o acordo de vontades obtido afasta-se do estrito regime da empreitada, quando prevê que a obra que o autor iria construir não era para os réus mas para terceiros, sendo provisório o financiamento da obra feito pelo réu, recebendo este, em momento ulterior, a moradia construída e o reembolso do empréstimo que havia efectuado provisoriamente.
Considera-se, por conseguinte, que o contrato celebrado entre autor e réu foi bem caracterizado como um contrato misto, não se podendo aplicar rigidamente a regulamentação típica do contrato de empreitada, como defende o apelante.
Improcede, pois, o que se mostra alegado no nº 1 das conclusões de recurso do apelante.
ii) O erro na formação da vontade do recorrente Agostinho: - a anulação do contrato por erro quanto à pessoa do declaratário
Invoca o apelante que houve erro na formação da vontade, visto que acreditou que o apelado era empreiteiro profissional de construção civil, o que não era verdade.
A declaração de vontade de qualquer um dos contraentes é constituída por dois elementos - o elemento externo ou a vontade declarada, e o elemento interno ou a vontade real – elementos esses que em regra coincidem.
Porém, excepcionalmente, pode haver divergência entre aqueles dois elementos, por falta ou desvio de algum dos componentes em que se desdobram, ocorrendo situações de falta e de vícios da vontade.
Um dos vícios da vontade e da declaração é o erro.
Entende-se por erro, como esclarece Castro Mendes, “Teoria Geral”, 1979, III, 60, a ignorância ou falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo ou que interveio entre os motivos da declaração negocial.
Distingue a lei entre o erro na formação da vontade, chamado erro-vício ou erro-motivo, consagrado nos artigos 251º e 252º do Código Civil e erro na declaração, figura de divergência entre a vontade real e a vontade declarada, prevista fundamentalmente no artigo 247º do Código Civil e a que se chama erro obstativo ou erro-obstáculo.
Como refere Menezes Cordeiro, Tratado do Direito Civil Português, Tomo I, pág. 531, no conceito de erro-obstáculo a vontade formou-se correctamente; porém, aquando da exteriorização, houve uma falha de tal modo que a declaração não retrata a vontade.
No erro na declaração, existe uma divergência entre o que a pessoa quer e o que declara, enquanto que, no erro-vício, a pessoa declara o que quer, mas não teria aceite o que, realmente, quis e declarou querer, se não fosse o erro que sofreu.
São, pois, distintos os conceitos de erro obstáculo e erro vício ou erro motivo, como distintos são os respectivos regimes previstos na lei.
Com efeito, como esclarece Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, Reimpressão, 1992-233, o erro obstáculo traduz-se numa interposição de diverso discurso no percurso da vontade para a declaração, isto é, o declarante formula o que pretende por forma inadvertida de tal modo que o resultado final traduz uma divergência entre o que quis exprimir e o que, de facto, declarou. Já no erro vicio, há uma ignorância (falta de representação exacta) ou uma falsa ideia (representação inexacta) por parte do declarante, acerca de qualquer circunstancia de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado de coisas não teria querido o negócio, ou, pelo menos, não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu.
O erro na declaração, erro-obstáculo ou erro obstativo verifica-se nos casos em que, sem intenção, a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor, existente mas de sentido diverso.
O regime do erro na declaração é diferente consoante três sub-hipóteses que a lei trata de modo diverso:
a) Erro conhecido do declaratário ou destinatário da declaração;
b) Erro cognoscível ou ostensivo;
c) Erro não conhecido nem ostensivo.
Na situação a que se refere a alínea a), o negócio vale segundo a vontade real do declarante, em conformidade com o artigo 236º, nº 2 do C.C.
Na situação a que se refere a alínea b), ou seja, quando a divergência entre a vontade real e vontade declarada é apreensível com segurança pelos próprios termos e circunstancialismos da declaração, o negócio vale como é querido.
No caso de a divergência entre a vontade real e a vontade declarada não ser conhecida da contraparte, nem apreensível pelos próprios termos e circunstancialismos da declaração, então o regime do erro-obstáculo é o do erro-vício quanto á pessoa do declaratário ou quanto ao objecto, jurídico ou material, do negócio.
Também Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 386, entende que o erro-vício se traduz numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio.
No erro vício há, pois, uma coincidência entre o querido e o declarado sendo, contudo, a declaração a consequência de uma errónea representação da realidade.
Segundo o citado artigo 247° do C.C., são requisitos de relevância do erro na declaração:
a) a essencialidade para o declarante, do elemento sobre o qual o erro incidiu;
b) a cognoscibilidade da essencialidade pelo declaratário.
A essencialidade do erro, ou a essencialidade do elemento sobre que incidiu, não pode deixar de significar que o declarante não teria emitido a declaração de vontade negocial com o sentido que veio a ser exteriorizada.
A divergência entre a vontade declarada e a vontade real do autor, em virtude de erro, apenas dá lugar à anulação do negócio, de harmonia com o preceituado no artigos 247º e 251º do CC, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
Perante o que acima ficou dito, e face à alegação factual em causa nos autos, dúvidas se levantam, quanto à possibilidade de se estar perante um erro obstáculo - como invocam os apelantes - podendo, ao invés, tal alegação, configurar, eventualmente, um erro-vício.
Todavia, a verdade é que, a eventual divergência entre a vontade declarada e a vontade real do autor da declaração, em virtude de erro, apenas dá lugar à anulação do negócio, desde que, como antes se mencionou, o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
Os factos provados, analisados na sentença recorrida, não revelam a essencialidade do elemento sobre que recaiu o invocado erro.
E, não tendo os réus efectuado prova dos necessários factos atinentes à essencialidade do invocado erro, como se infere das respostas negativas dadas aos quesitos 39º a 44º constantes da Base Instrutória, forçoso é concluir pela improcedência do que a tal propósito ser aduz no nº 2 das conclusões das alegações de recurso dos apelantes.
iii) A inexigibilidade de qualquer prestação por parte dos réus, por virtude da falta de aprovação das contas: - a dependência entre o direito indemnizatório do autor e a prestação de contas
Invocam os apelantes que não foram apresentados, pelo apelado, os justificativos necessários e suficientes, relativos ao montante recebido dos apelantes, o que impediria a aprovação das contas apresentadas pelo apelado.
Mais invocam, os apelantes, que ao entender que as contas estavam prestadas sem a realização das diligências indispensáveis, o Tribunal violou, por erro de interpretação e aplicação do nº 5 do artigo 1017º do CPC.
Ora, no caso vertente a prova produzida em audiência foi gravada, razão pela qual sempre poderia este Tribunal da Relação proceder à reapreciação da prova, caso os recorrentes tivessem observado os específicos ónus de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, legalmente exigidos.
Preceitua o artigo 690º-A, do Código de Processo Civil, na redacção em vigor à data da sua revogação pelo DL n.º 303/2007, de 24-8, e aplicável ao caso que:
1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto considera que incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária proceder, na contra alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, também por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C.
E, decorre do nº 2 do artigo 522º-C do CPC que Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.
Como esclarecem Lebre de Freitas-Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, p. 53, o recorrente tem de especificar obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Explicita-se desde logo no preâmbulo do citado Decº-Lei nº 39/95 que a consagração do duplo grau de jurisdição em matéria de facto implica a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita a delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação. O especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre dos princípios da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, e visa assegurar a seriedade do recurso, obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos do Tribunal da Relação e a consequente ampliação das decisões proferidas em 1ª instância possa ser utilizado para fins meramente dilatórios, com o fim de protelar o trânsito em julgado de uma decisão.
Refere, por seu turno, Carlos F. O. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 465, que o ónus imposto ao recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto se traduz do seguinte modo:
a) Na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito de recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento – o ponto ou pontos da matéria de facto – da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento;
b) No ónus de fundamentar, em termos concludentes, as razões porque discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios (constantes de auto ou documento incorporado no processo ou de registo ou gravação nele realizada) que implicavam decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados pelo recorrente.
A exigência legal implica, consequentemente, a indicação, pelo recorrente, de forma precisa, clara e determinada, dos concretos pontos de facto em que diverge da apreciação do tribunal de 1ª instância. E, implica ainda a fundamentação dessa sua divergência com expressa referência às provas produzidas, i.e., indicando os pontos concretos de prova eventualmente desconsiderados, bem como a indicação dos pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência de discussão e julgamento.


E, compreende-se esta rigorosa exigência legal visto que, como acima ficou dito, e que é claramente evidenciado no preâmbulo do diploma que veio regular a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida, que a intenção do legislador ao permitir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto não foi consagrar a simples repetição das audiências no Tribunal da Relação, mas detectar e corrigir concretos, apontados e fundamentados erros de julgamento.
Como se defende no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.12.2008 (Pº 08A3489), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt., (…) o que o legislador quis foi proibir a impugnação genérica da decisão da matéria de factos, mediante simples manifestação de discordância.
E, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.06.2006 (Pº 06S2074), acessível no citado sítio da Internet propugna-se o entendimento de que a indicação dos meios de prova em que assenta a impugnação da matéria de facto, segundo a exigência constante da alínea b) do nº 1 do artigo 690º-A do CPC, corresponde à própria fundamentação da minuta de recurso, podendo traduzir-se numa extensa e complexa descrição da actividade probatória que tenha decorrido perante o tribunal, quer por via da necessidade de explicitação do conteúdo dos documentos juntos ao processo e da sua força probatória, quer também através da transcrição de relatórios periciais ou de depoimentos de testemunhas. É, por isso, admissível que essa concretização não seja efectuada nas conclusões da alegação de recurso, que devem ser sintéticas, apenas servindo para delimitar o objecto do recurso.
A não satisfação, por parte dos recorrentes, dos rigorosos ónus previstos no nº 1 do artigo 690º-A do CPC implica, segundo Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Revista e Actualizada, Almedina, p. 157, nota (333), a rejeição imediata do recurso.
Infere-se, é certo, da alegação dos recorrentes que estes estão em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, com relação ao Pº .... (acção de prestação de contas).
Todavia, não se colhe dessa alegação que os apelantes hajam impugnado expressamente a decisão que incidiu sobre a matéria de facto, não tendo sido, em suma, observada a mencionada exigência legal, pois fica-se sem saber que concreto ou concretos quesitos deveriam ter as suas respostas alteradas.
Não esclarecem os apelantes, expressa e detalhadamente, a razão do desacordo, indicando os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e que impunham decisão diversa.

Ademais, pouco elucidam, os apelantes, em relação aos meios de prova que foram mal apreciados, embora refiram, conclusivamente, que não foi dada relevância a um parecer junto aos autos.
Acresce que igualmente não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 522º-C, aplicável por remissão expressa do artigo 690º-A, nº 2 do CPC.
Por se entender que os apelantes não impugnam, expressamente, a decisão da matéria de facto, olvidando inclusivamente os específicos ónus de impugnação impostos pelo citado artigo 690º-A do CPC, impedido está este Tribunal da Relação de Lisboa de reponderar a prova produzida em que assentou a decisão impugnada, razão pela qual não se conhece do que se mostra alegado no nº 3 das conclusões das alegações do recurso.
Não se podendo considerar como apresentada qualquer impugnação sobre a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, permanecerá a mesma inalterável, pelo que se conclui como na sentença recorrida, julgando-se prestadas as contas, nos termos em que as mesmas aí se encontram definidas, sintetizando-se que não há saldo a favor do apelante, posto que todo o dinheiro do apelante, que o apelado administrou, foi utilizado na construção das moradias.
Acresce que, como se mencionou na sentença recorrida, inexiste qualquer dependência entre o direito indemnizatório do apelado e a prestação de contas susceptível de fazer precludir o crédito que este detém sobre o apelante ou tornar inexigível qualquer prestação por parte do réu/apelante, o que leva à total improcedência do alegado a tal propósito no nº 3 das conclusões do recurso dos apelantes.
iv) O direito dos réus à resolução do contrato, por força do cumprimento defeituoso do contrato.
Conforme se deduz das respostas negativas dadas aos quesitos 34º, 56º, 58º a 67º constantes da Base Instrutória, tão pouco resultou apurado o cumprimento defeituoso, por parte do apelado, com relação ao contrato celebrado entre apelante e apelado, ainda que apenas se pudesse convocar o conjunto das prestações próximas da empreitada.
E, não tendo o apelante logrado fazer prova do incumprimento contratual, por parte do apelado, há que concluir pela improcedência do alegado, a tal propósito, no nº 5 das conclusões do recurso dos apelantes.
Vencidos, são os apelantes responsáveis pelas custas respectivas - artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
C) RELATIVAMENTE AO 2º AGRAVO
Da verificação dos requisitos para a condenação dos réus como litigantes de má fé
Entendeu o Tribunal a quo que não havia ficado demonstrada a litigância de má fé dos réus, quanto aos factos invocados pelo autor ao formular tal pedido, mas considerou que a má fé dos réus assentava em dois aspectos:
§ Em primeiro lugar, na posição defendida pelos réus nos Pºs ... e ..., que reputou de manifestamente ilegal e juridicamente sem defesa, pretendendo ficar com duas moradias, receber tudo o que entregaram ao autor para as construir e não lhe pagarem nado do que ele gastou;
§ Em segundo lugar, ao pretenderem anular o contrato com base no erro, invocando desconhecimento de que o autor não seria empreiteiro, fizeram os autores um uso reprovável dos meios processuais, visto não terem provado tal desconhecimento, tanto mais que o autor já tinha construído anteriormente outro edifício num negócio em que o réu era procurador e, por isso, tinha de saber que ele não era empreiteiro com habilitação formal.
Após a audição dos réus, o Tribunal a quo manteve, no despacho recorrido, o seu entendimento já expresso na sentença recorrida, razão pela qual condenou os réus, como litigantes de má fé, na multa de 5 UC.
Vejamos, pois, se a conduta processual dos réus se processou de molde a integrar o conceito de litigância de má fé.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 456º nº 2, 266º e 266º-A, todos do CPC, litiga com má fé processual a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere por acção ou omissão a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos.
Nos pressupostos da litigância de má fé há que distinguir aqueles que têm natureza subjectiva, daqueles que têm natureza objectiva.
Os pressupostos subjectivos da condenação por litigância de má fé englobam a actuação dolosa e a actuação com negligência grosseira, consistindo esta na omissão do dever de diligência exigível a qualquer pessoa que intenta uma acção ou deduz oposição a um pedido, na medida em que a propositura de uma acção judicial deve ser entendida como um acto sério, que normalmente acarreta prejuízos e incómodos para a outra parte – v. neste sentido Ac. R.C. de 28.09.2000 (Pº 1475/00), acessível no supra identificado sítio da Internet.
Quanto aos pressupostos objectivos da condenação por litigância de má fé há que distinguir a má fé substancial da má fé instrumental.
A má fé substancial ou material - directa ou indirecta - verifica-se quando a actuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do nº 2 do citado artigo 456º do CPC, ou seja, quando se deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas (má fé material directa), se altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes (má fé material indirecta). Esta só pode ter lugar quando o tribunal profere decisão sobre a relação jurídica material que é objecto da acção.
A má fé instrumental reconduz-se às alíneas c) e d) do apontado normativo – a omissão indesculpável do dever de cooperação ou o uso reprovável dos instrumentos adjectivos.
Mas, quer na má-fé substancial, quer na instrumental, está presente uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação ou de censura e idêntica reacção punitiva.
O juízo de censura radica, pois, na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas.
Frequentemente o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que as regras consagradas nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 456º do CPC têm de ser interpretadas em consonância com a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias de um estado de direito, incompatíveis com interpretações apertadas do aludido normativo, impedindo que, por exemplo, a parte seja condenada como litigante de má fé apenas por não se ter provado a versão dos factos alegada pela parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária – v. Ac. STJ de 30.01.2003 (Pº 3B3644) e, em sentido não inteiramente coincidente, Ac. STJ de 12.06.2003 (Pº 03B573), ambos acessíveis em http://www.dgsi.pt.
Decidiu-se igualmente no Ac. STJ de 11.12.2003 (Pº 03B3893), acessível no mesmo sítio da Internet, que só quando o processo fornece elementos seguros da conduta dolosa ou gravemente negligente deverá a parte ser sancionada como litigante de má fé, o que pressupõe prudência do julgador, “ sabendo-se que a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico”.
Tal significa que a sanção por litigância de má fé exige a verificação de dolo ou negligência da parte que tal conduta adopta, o que não sucederá, normalmente, com a dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento se verificou por mera fragilidade da prova, e da incapacidade de convencer o tribunal da realidade trazida a julgamento, ou mercê da discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos.
Com se refere no Ac. STJ de 13.11.2003 (Pº 03B2343), acessível no mesmo sítio da Internet, a condenação como litigante de má fé assenta num juízo de censura incidente sobre um comportamento adoptado pela parte, inadequado à ideia de um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de Direito.
No caso vertente, não se considera que a posição dos réus, apesar de não ter sido aceite pelo Tribunal a quo, nem por este Tribunal de recurso, comporte uma defesa manifestamente ilegal.
É perfeitamente aceitável o entendimento de que, nas peças alegatórias dos réus, em ambos os processos, a defesa destes – que não lograram sustentar, nem de facto nem de direito – pressupõe a ausência de prestação de contas por parte do aqui autor, daí radicando o real desconhecimento dos réus, sobre qual o saldo resultante do montante por estes entregue ao autor e as despesas feitas, tendo ainda em consideração os diferentes cálculos efectuados e o entendimento, por parte dos réus - erróneo e não demonstrado, é certo - de que haveria cumprimento defeituoso do contrato, que estes qualificaram como empreitada.
É verdade que não lograram os réus demonstrar que desconheciam que o autor não possuía autorização válida que o identificasse, qualificasse ou habilitasse a exercer a actividade de empreiteiro da construção civil.
Porém, tão pouco resulta da matéria de facto apurada, o contrário, ou seja, não ficou demonstrado que os réus conhecessem tal falta de habilitação legal do autor.
Não se poderá, assim, sem mais, inferir - como se fez na sentença recorrida em sede de fundamentação da matéria de facto - que atenta a circunstância do autor ter, alegadamente, construído em data anteriormente um outro edifício num negócio em que o réu era procurador, este teria de ter conhecimento dessa falta de habilitação legal do autor, acarretando a consideração de que os réus haviam deduzido, por dolo ou negligência grave, pretensão cuja falta de fundamento estes não podiam ignorar.
De resto, os réus quando foram ouvidos, com vista ao cumprimento da regra do contraditório, vieram aduzir plausíveis razões para o desconhecimento de que o autor não era empreiteiro com habilitação formal – na venda do terreno na qual o réu actuou na qualidade de procurador já existia projecto, licença e alvará, nunca se tendo colocado o problema da inexistência de alvará.
Entendendo-se que são ténues os indícios que apontam para uma clara actuação processual dos réus, violadora do dever de verdade, não se acompanha o Tribunal a quo quando este conclui pela má fé processual do réus.
Procede, pois, o recurso de agravo interposto pelos réus/agravantes, pelo que se revoga a condenação destes como litigantes de má-fé, no pagamento da multa de 5 unidades de conta (UC).
Vencido, é o recorrido responsável pelas custas respectivas, com relação a este 2º agravo, sem prejuízo do apoio judiciário, caso haja sido concedido (v. fls. 1519/1520) - artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
a) Não admitir, por extemporânea, a junção aos autos do documento apresentado pelo apelado com as suas contra-alegações;
b) Negar provimento ao 1ºagravo incidente sobre a decisão que determinou a apensação dos processos Nºs ... e ..., mantendo-se tal decisão;
c) julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida;
d) Dar provimento ao 2º agravo incidente sobre a decisão que condenou os réus/agravados como litigantes de má fé, revogando-se a condenação destes como litigantes de má-fé, no pagamento da multa de 5 unidades de conta;
e) Condenar os réus/recorrentes no pagamento das custas respectivas, quer quanto ao 1º agravo, quer quanto à apelação e o recorrido, no que concerne ao 2º agravo, bem como nas custas incidentais com relação ao documento não admitido, com 1 UC de taxa de justiça (sem prejuízo do apoio judiciário, caso o mesmo tenha sido concedido).
Lisboa, 7 de Maio de 2009
Ondina Carmo Alves - Relatora
Ana Paula Boularot
Lúcia Sousa