Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2091/2003-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: REQUISITOS
VALIDADE
CONTRATO DE TRABALHO
ESTRANGEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO.
Sumário: I- Para que o contrato de trabalho celebrado com cidadão estrangeiro, não membro da União Europeia, destinado a ser executado em Portugal, seja válido, é necessário que esse cidadão esteja autorizado a residir ou a permanecer em Portugal.
II- A peculiar natureza do contrato de trabalho fez introduzir normas especiais que regem os efeitos da sua invalidade, fazendo-a funcionar somente para o futuro, deixando incólumes os efeitos que o contrato tenha produzido até à correspondente declaração (art. 15º da LCT).
III- Por força destes efeitos especiais da declaração de invalidade do contrato, ao trabalhador são reconhecidos todos os direitos emergentes do contrato de trabalho que vigorou até à declaração de nulidade do mesmo.
IV- É também decorrente desta peculiar natureza dos efeitos da nulidade do contrato de trabalho que o art. 144º do DL nº 244/98, na redacção introduzida pelo DL nº 4/2001, nos seus nºs 1 e 2, apesar de determinar a aplicação de coimas pelo exercício de actividade profissional por estrangeiros não habilitados com o adequado visto ou autorização de residência, no seu nº 8 declara como título executivo o auto de notícia ou o inquérito prévio relativo aos créditos salariais do trabalho efectivamente prestado.
V- O regime de Autorização de Permanência previsto no art. 55º do DL 244/98 introduzido pelas alterações decorrentes do DL 4/2001 (regime entretanto expressamente revogado pelo DL 34/2003 de 25/2) veio momentaneamente alargar as condições de estada em Portugal, para além das resultantes de visto, a conceder no estrangeiro ou na fronteira ou de Autorização de Residência previstos nos art. 27º, 47º e 80º do mesmo diploma, permitindo que, enquanto não fosse aprovado o relatório anual da previsão de oportunidades de trabalho, o director do SEF pudesse, em casos devidamente fundamentados, autorizar a permanência até um ano, prorrogável por iguais períodos, a cidadãos estrangeiros que não fossem titulares de visto adequado e que reunissem as condições previstas nas alíneas a) a e) dessa disposição.
VI- Só depois de concedida Autorização de Permanência o contrato de trabalho deverá ser depositado nos termos e para os efeitos previstos no art. 4º da L 20/98, de 12/5.
VII- Os preceitos constitucionais constantes dos art. 13º, 15º, 167º, 53º, 58º e 59º da lei fundamental serão sempre aplicados a cidadãos estrangeiros em termos de igualdade com os cidadãos nacionais, desde que eles se encontrem em Portugal numa situação de legalidade, tal como decorre do art. 15º da Constituição, e esse legalidade é definida pela legislação ordinária relativa à entrada, permanência e saída de cidadãos estrangeiros (DL 244/98, com as alterações introduzidas) e pelo Regime Jurídico do Trabalho de Estrangeiros previstos na L. nº 20/98.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
(...)
III - Fundamentos de direito

A questão a decidir consiste em saber se o contrato de trabalho celebrado entre o recorrente cidadão estrangeiro sem residência ou permanência legal em território nacional e a recorrida, entidade empregadora portuguesa, é ou não válido.

A Constituição Portuguesa, logo na sua Parte I - Direitos e deveres fundamentais - e no capítulo dos princípios gerais, dispõe que os estrangeiros e os apátridas que se encontram ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português -nº1 do art. 15 da Constituição, e salvo as excepções do nº2 , não faz depender da cidadania portuguesa o gozo dos direitos fundamentais bem como a sujeição aos deveres fundamentais.

Assim, consigna como princípio geral o da equiparação dos estrangeiros e apátridas com os cidadãos portugueses, valendo essa equiparação para todos os direitos, pelo que os cidadãos estrangeiros e os apátridas, além dos clássicos direitos de liberdade gozam também dos direitos de prestação, como por exemplo, o direito à saúde, ao ensino, à habitação e quanto aos direitos dos trabalhadores é a própria constituição a proibir qualquer distinção segundo a nacionalidade, nos termos do nº1 do seu art. 59° - ver sobre esta matéria, de Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional volume III pág. 133 e segts.
Mas, este equiparação não significa que o Estado Português não possa ou não deva impor restrições à entrada e à permanência de cidadãos estrangeiros em território nacional como é legítimo a todos os Estados soberanos, constituindo tal prerrogativa uma manifestação intrínseca da soberania nacional, também consignada como dever fundamental do Estado no art. 9° da Constituição. E nessa medida o Estado português tem legislado sobre a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, e nos últimos anos tem-no feito com a preocupação da adequação da legislação nacional ao surto migratório que se tem vindo a verificar no contexto europeu e a que Portugal, enquanto membro de pleno direito na União Europeia não ficou alheio; por isso a legislação sobre esta matéria tem originado sucessivas alterações, presentemente é o DL nº 244 /98 de 8 de Agosto, que a regula, com as alterações introduzidas pelo DL nº4 /2001, (recentemente foram introduzidas novas alterações pelo DL nº 34 /2003, de 25 de Fevereiro, ainda não aplicáveis ao caso).

A regulação da prestação de trabalho subordinado em território português por parte de cidadãos estrangeires, foi o objectivo da Lei nº 20/98, de 12 de Maio - Regime Geral do Trabalho de Estrangeiros - que no seu art. 2° consignou : "Os cidadãos estrangeiros, com residência ou permanência legal em território português, beneficiam, no exercício da sua actividade profissional, de condições de trabalho nos mesmos termos que os trabalhadores com nacionalidade portuguesa. "

Assim, estabelece esta norma, em termos gerais, a equiparação de direitos dos cidadãos e estrangeiros, com residência eu permanência legal em território nacional, e só a estes, com os trabalhadores com nacionalidade portuguesa, no exercício da sua actividade profissional.
Sendo-lhes, apenas, exigido as obrigações consignadas nos art.s 3 e 4 da mesma Lei n° 20/98, relativamente à prestação de trabalho subordinado, a saber: - a sujeição da forma escrita de contrato de trabalho celebrado entre cidadão estrangeiro e um entidade empregadora que exerça a sua actividade em território português - art. 3°;
-e a obrigatoriedade da entidade patronal preceder ao depósito do contrato de trabalho no IDICT - art. o 4 .
Deste modo, para que e contrato de trabalho celebrado com cidadão estrangeiro, não membro da União Europeia, e destinado a ser executado em Portugal, seja válido, é necessário que esse cidadão esteja autorizado a residir ou a permanecer em Portugal, e que não sucedeu com o requerente pois, como o próprio reconhece, encontra-se em Portugal em situação irregular, não estando munido de qualquer visto que e habilite à sua residência eu permanência em território nacional.
E, assim bem se concluiu na decisão recorrida que e contrato de trabalho celebrado pelo requerente, sem possuir título válido para permanecer em território nacional é nulo, pois contraria a norma legal da regulamentação do trabalho que lhe impõe tal requisito, a aludida Lei n° 20/98, e que, por força da conjugação de art. 12 da LCT e de art. 280 de CC, gera a nulidade de contrato.


Na verdade, a falta de capacidade dos sujeitos e a inidoneidade do objecto, além de outros vícios que tenham afectado a formação do contrato, reflectem-se sobre a sua validade, quer tornando-o nulo quer fazendo-o anulável, e é, assim, por exemplo que é considerado nulo o contrato de trabalho por insuficiência de idade do trabalhador, ou por falta de carteira profissional sempre que o exercício da actividade profissional deste seja legalmente condicionada ( art. 4 da LCT)
Mas, a peculiar natureza do contrato de trabalho fez introduzir normas especiais, que regem os efeitos da sua invalidade, fazendo-a funcionar somente para o futuro, deixando incólumes os efeitos que o contrato tenha produzido até à correspondente declaração, nos termos do art. 15 da LCT, contrariando nessa medida o regime geral das nulidades previsto no art. 289 do CC ( efeitos retroactivos) - ver sobre esta matéria, Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 11ª edição, pág.313 e segts.
E, por força destes efeitos especiais da declaração de invalidade do contrato são reconhecidos ao recorrente todos os direitos emergentes do contrato de trabalho que vigorou entre as partes até à declaração de nulidade do mesmo, que ocorreu, no caso, com a comunicação da carta de fls. 11, na qual a recorrida deu por findo o contrato de trabalho face à informação do IDICT de que o recorrente não tinha autorização de permanência em Portugal, sendo certo que ao abrigo do art. 286 do CC a declaração de nulidade é invocada a todo o tempo e por qualquer interessado.
E, é também decorrente desta peculiar natureza dos efeitos da nulidade do contrato de trabalho que o artº 144 do DL n° 244/98, na redacção introduzida pelo DL nº4 /2001, nos seus nºs 1 e 2, apesar de determinar a aplicação de coimas pelo exercício da actividade profissional por estrangeiros não habilitados com o adequado visto ou autorização de residência, no seu nº8, declara como titulo executivo o auto de notícia ou o inquérito prévio relativamente aos créditos salariais do trabalho efectivamente prestado.
Todavia, a principal argumentação do requerente no sentido da validade do contrato em causa é a de que estando a correr termos o seu pedido de Autorização de permanência, ao abrigo do artº 55 do DL nº 244/98, com as alterações introduzidas pelo DL n.º4/2001 de 10 de Janeiro, e tendo sido depositado o contrato de trabalho na subdelegação do IDICT, nos termos do nº4 do DL 20/98 , é o mesmo válido, não tendo o IDICT competência para recusar a permanência do recorrente em território nacional e como tal não poderia a entidade patronal servir-se da informação do IDICT para fazer cessar o contrato. O recorrente não tem, porém, razão.

Se é verdade que o IDICT não tem competência para recusar a permanência de cidadão estrangeiro em Portugal, não resulta, no entanto, destes autos que o autor tenha efectuado esse pedido de Autorização de Permanência à autoridade competente, que é o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ( SEF).
Vejamos então:
O regime de Autorização de Permanência, previsto no art. 55 do DL nº 244/98, introduzido pelas alterações decorrentes da Lei n º4/2001, veio momentaneamente, alargar as condições de estada em Portugal para além das resultantes de Vistos a conceder no estrangeiro ou na fronteira ou de Autorizações de Residência, previstos nos artºs 27, 47 , e 80 do mesmo diploma legal.
Dispõe o nº 1 do aludido art. 55, na redacção introduzida pelo DL nº4 /2001 (regime este que foi entretanto expressamente revogado com o recente DL nº 34/2003 de 25 .2.) , que, enquanto não for aprovado o relatório anual da previsão de oportunidades de trabalho, o director do serviço de Estrangeiros e Fronteiras pode, em casos devidamente fundamentados, autorizar a permanência até um ano, prorrogável por iguais períodos, a cidadãos estrangeiros que não sejam titulares de visto adequado e que reúnam as condições previstas nas al. a) a e) desse mesma disposição.
Para a sua obtenção, estipula o nº3 do mesmo normativo que," o pedido de Autorização de Permanência dever ser apresentado junto da direcção regional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras da área onde exerce a actividade profissional e deve ser acompanhado dos seguintes documentos: a) Passaporte válido; b) Proposta de contrato de trabalho. com informação da IGT; c) Certificado de registo criminal. "

Dispõe, de seguida, o n. °5 do mesmo art. 55, que só após a concessão de Autorização de Permanência, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras notificará a entidade empregadora para proceder ao depósito do contrato de trabalho, no termos e para os efeitos previstos no art. ° 4 do DL nº 20/98.
Resulta, assim que só depois de concedida a Autorização de Permanência pelo SEF, é que o contrato de trabalho deverá ser depositado, de acordo com o mecanismo consignado no art. 4 do DL n.º 20/98, diploma acima citado, que estabelece o regime jurídico do trabalho de estrangeiros, pois só assim o cidadão estrangeiro ( sem visto ou autorização de residência) ficará com a sua permanência em território nacional regular, condição necessária para a equiparação dos seus direitos com o trabalhador nacional - art. 2° do aludido diploma.
Mas, para a obtenção da referida Autorização de Permanência o autor deveria tê-la requerido junto do SEF, apresentando aí uma proposta de contrato de trabalho; e, ainda que admitamos que o contrato de trabalho, que constitui o documento de fIs. 10, poderia constituir essa proposta de trabalho, sempre aquele pedido de Autorização de Permanência deveria ter sido dirigido ao SEF, o que não resultou alegado nem aprovado, nestes autos, que o autor o tenha feito.
Com efeito, apenas foi alegado que a entidade patronal do recorrente procedeu ao depósito do contrato nos termos do art. 4 da Lei nº 20/98, o que, como já se viu, somente poderia ter sucedido após a concessão pelo SEF da Autorização de Permanência, ao abrigo do art. 55 do DL n.o 244/98. Aliás foi esse o procedimento que o IDCIT aconselhou ao recorrente quando lhe sugeriu que esclarecesse a sua situação junto do SEF (facto nº 4).

Por último, diremos que não poder proceder a argumentação do recorrente no sentido de se considerar que a decisão recorrida, ao julgar inválido o contrato de trabalho, violou o art.ºs 13 , 15 ,167 53 58 e 59 da Constituição, uma vez que a referida decisão limitou-se a aplicar a legislação sobre a entrada, saída e permanência de estrangeiros em território nacional e o regime jurídico do trabalho de estrangeiros, cuja constitucionalidade não foi posta em causa pelo recorrente.
Na verdade, concordamos com o recorrente quando refere que os preceitos constitucionais invocados serão sempre aplicados a cidadãos estrangeiros em termos de igualdade com os nacionais, mas desde que eles se encontrem em Portugal numa situação de legalidade tal como decorre do art.15 da Constituição, e essa legalidade é definida na legislação ordinária, relativa à entrada saída e permanência de cidadãos estrangeiros pelo DL n. ° 244/98, com as alterações introduzidos e pelo Regime Jurídico do Trabalho de Estrangeiros, previsto também na já citada Lei nº 20/98.
É certo que a regularização do recorrente no território o nacional pode ainda ocorrer, nos termos do art.º 55 do DL 244/98, como aliás refere o Exmo Procurador-geral-adjunto no seu parecer, desde que o recorrente reúna os requisitos necessários para o efeito e o requeira adequadamente, mas essa circunstância só por si não valida o contrato de trabalho em causa, considerado nulo pelas razões acima expostas.
Deste modo, concluiremos que bem se decidiu na decisão sob recurso, ao considerar que o contrato de trabalho celebrado entre as partes é nulo por o recorrente não se encontrar na situação de cidadão estrangeiro residente ou com permanência legal, não estando a decorrer qualquer pedido no SEF de autorização de permanência, ao abrigo do art. 55 do DL nº 244/98, na redacção introduzi da pelo DL nº 4/2001.
Assim sendo, o recorrente não foi alvo de qualquer despedimento mas antes de uma declaração de nulidade do contrato, e como tal não se verificam os pressupostos para ser decretada a suspensão de um despedimento inexistente, tal como resulta do art. 39 do CPT.

IV - Decisão

Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto, confirmado-se a decisão recorrida que indeferiu o pedido de suspensão de despedimento.

Custas pelo agravante

Lisboa, 2 de Julho de 2003
Paula Sá Fernendes
Filomena Carvalho
Guilherme Pires