Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8111/2004-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: FALÊNCIA
ADMINISTRADOR DE FALÊNCIAS
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/30/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1. Nos processos de falência instaurados antes da entrada em vigor do DL 132/93, de 23 de Abril, a remuneração do liquidatário judicial dever ser fixada em conformidade com o disposto no art. 8º, n.º 1, do DL 49213, de 29 de Agosto de 1969, pois, apesar de expressamente revogada pelo artigo 5º, do DL 254/93, de 15 de Julho, aquela disposição continuou em vigor para os ditos processos, atenta a norma do direito transitório do n.º 3, do artigo 8, do DL 132/93.
2. Verificando-se que a actividade do administrador da falência foi, praticamente, toda desenvolvida em momento anterior à entrada em vigor do CPEREF (DL 132/93), não se vê razão para aplicar os critérios de cálculo da retribuição decorrentes do DL 254/93, apenas porque, por vicissitudes várias, independentes da maior ou menor actividade desenvolvida pelo Administrador, a instância processual se prolongou no tempo.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I - RELATÓRIO
A…, foi nomeado administrador da falência de “José Lda, em 21 de Novembro de 1991.
Notificado da conta de custas, em 2 de Maio de 2002, onde consta, como remuneração do liquidatário judicial, a quantia de € 185,75 calculada ao abrigo dos arts. 80º e 81º do CCJ em vigor ao tempo da entrada em juízo dos presente autos, veio o referido administrador reclamar da mesma.
Ouvidos o Sr. Contador e emitido parecer pelo MºPº, veio a ser proferida decisão que indeferiu a referida reclamação da conta.

Inconformado vem o reclamante recorrer do despacho, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
1. Em 2 de Maio de 2002 foi o recorrente notificado da conta de custas.
2. A remuneração do liquidatário foi calculada com base em critérios com mais de 30 anos e já revogados.
3. Nada há que imponha uma interpretação extensiva da norma regulamentadora da aplicação Código e Falência aos diplomas que o complementam.
4. A fixação da remuneração deve ser feita ao abrigo do definido pelo DL 254/93.

Os factos são os que constam do Relatório.
Corridos os Vistos legais,
Cumpre apreciar e decidir.
Como é sabido, é pelas conclusões do recurso que se afere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas, naturalmente, aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso (cfr. arts. 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, do CPC), entendendo-se que tais questões não abrangem os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às concretas controvérsias centrais a dirimir.
Ora atendendo às conclusões do recurso, verifica-se que a questão a apreciar é a de saber se foi correctamente calculada a remuneração do Sr. Administrador de falência, ponderando que foi nomeado na vigência da lei anterior ao CPEREF.
II – FACTOS PROVADOS
Para além dos que são referidos no Relatório importa ter em consideração:
1. Na sequência de requerimento inicial apresentado em 25/10/991, veio a ser decretada a falência da requerente José Lda, por sentença proferida em 21/11/1991.
2. Nessa sentença foi nomeado o ora recorrente para exercer as funções de administrador da falência, data a partir da qual se passou a proceder à liquidação do activo.
3. Em 12 de Junho de 1992 foi organizado pela secretaria o mapa dos créditos reclamados ou indicados pelo administrador, a que alude o art. 1230º do CPC (ao tempo vigente).
4. A conta de custas foi elaborada em 24 de Maio de 2000 e notificada em 2 de Maio de 2002 ao Recorrente.
5. A remuneração do administrador judicial foi calculada com base nos critérios resultantes da legislação em vigor ao tempo da falência.

II – O DIREITO
Considera o Recorrente, que a remuneração do administrador, foi calculada com base em critérios decorrentes de legislação já revogada.
Vejamos.
O Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e Falência (DL 132/93 de 23/4), que entrou em vigor em 22 de Julho de 1993, veio, além do mais, substituir a figura do administrador de falência pela do liquidatário judicial.
O sistema remuneratório dos administradores de falência, resultante do art. 8º do DL 49.213 de 29.8.69 foi revogado pelo DL 254/93 de 15/7, que igualmente veio revogar os arts. 81º e 83 do CCJ, que definiam o estatuto remuneratório dos administradores das extintas Câmaras de Falência de Lisboa e Porto.
Porém, como resulta do disposto no nº 3 do art. 8º do Decreto Preambular do CPEREF, o novo código não se aplica às acções pendentes à data da sua entrada em vigor.
Alega o Recorrente que, pelo facto de esta norma transitória não se referir aos diplomas complementares, designadamente ao DL 254/93 de 15/7, nada impõe que se aplique a citada norma regulamentadora também aos diplomas complementares.
Porém, pese embora o devido respeito por opinião contrária Maxime, pelo que consta da cópia do acórdão da Relação de Coimbra de 30.4.1996, que o Recorrente junta aos autos, que respeita a um momento temporal distinto, já que o administrador foi nomeado para a falência em Fevereiro de 1993, um mês antes da publicação do CPEREF. , no presente caso, nem sequer se podem considerar violados princípios como o da igualdade de direitos.
É que, a remuneração tem na sua base o desenvolvimento de uma certa actividade.
Ora, no caso, o que se verifica é que a actividade do administrador da falência foi, praticamente, toda desenvolvida em momento anterior à entrada em vigor do CPEREF (DL 132/93), pelo que também não faria sentido aplicar agora os critérios decorrentes da entrada em vigor do DL 254/93, apenas porque, por vicissitudes várias, independentes da maior ou menor actividade desenvolvida pelo Administrador, a instância processual se prolongou no tempo.
Note-se, a este respeito, que o mapa dos créditos a que alude o art. 1230º do CPC, foi elaborado com data de Junho de 1992, o que pressupõe que o parecer do administrador de falência é anterior ao referido mapa, como não podia deixar de ser.
Ademais, o próprio recorrente não vem sequer alegar que tenha desenvolvido qualquer actividade, após a entrada em vigor do CPEREF, em Julho de 1993, sendo certo que já antes de Março de 1995, o activo da falida estava liquidado, como resulta da informação prestada pelo respectivo síndico, após notificação para informar do estado da liquidação do activo.
Por outro lado, e como consta do despacho recorrido, o Administrador judicial, não veio sequer suscitar a questão da remuneração, no momento da prestação de contas, em 5/6/1995, nem até ao transito em julgado da decisão que sobre as mesma incidiu.
Não existe, assim, fundamento para no caso concreto não acolhermos a jurisprudência que a este respeito se tem pronunciado no sentido de nos processos de falência instaurados antes da entrada em vigor do DL 132/93, de 23 de Abril, a remuneração do liquidatário judicial dever ser fixada em conformidade com o disposto no artigo 8, n.º 1, do DL 49213, de 29 de Agosto de 1969, pois, apesar de expressamente revogada pelo artigo 5º, do DL 254/93, de 15 de Julho, aquela disposição continuou em vigor para os ditos processos, atenta a norma do direito transitório do n.º 3, do artigo 8, do DL 132/93.
Conclui-se, deste modo, que nos presentes autos, atendendo a que o processo de falência foi intentado e o administrador da falência nomeado antes da entrada em vigor do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril, a remuneração do administrador da falência deve ser, como foi, fixada de acordo com o art. 8º nº.1 do DL nº. 49.213, de 29 de Agosto de 1969” Ac. do STJ de 15.3.2001 (Moitinho de Almeida); neste sentido também o Ac. da RP de 13.1.2000 (Mário Fernandes), www.dgsi.pt.

IV – DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 23 de Março de 2006.
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)