Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
532/05.4TCLRS-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTAS
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1. Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 6º, nº 1, do Dec. Lei n.º 268/94, de 25-10 é título executivo a acta da reunião da assembleia de condóminos que define comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o respectivo montante e prazo de pagamento.

2. Relativamente às depesas judiciais e extrajudicias, designadamente honorários com advogados a acta que aprove a realização dessas depesas só pode valer como título executivo se se tratar de dívida já vencida, já que as contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer outros montantes referidos no art. 6º, nº 1 do Dec. Lei n.º 268/94, têm de ser certas e exigíveis.

3. Em caso de transmissão do direito de propriedade sobre a fracção, as despesas a que alude o art. 1424º, do CC, continuam a ser da responsabilidade do transmitente, enquanto titular do direito real sobre a coisa, à data da sua constituição, sendo, por isso, permitido ao credor demandar vários devedores coligados, desde que obrigados no mesmo título.
(MRM)
Decisão Texto Integral: Agravo 532.05-7



Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Por despacho de fls. 54-57, proferido na execução para pagamento de quantia certa que a Administração do Condomínio do Edifico nº…, sito na Rua…, nº…, …, …, intentou contra César…, Maria …e Liliana…, foi o requerimento inicial liminarmente indeferido com fundamento na falta de título executivo.

2. Inconformado, agravou o exequente. Nas suas alegações, em síntese conclusiva, diz:

A acta dada à execução constitui título executivo, já que, estando assinada por todos os condóminos presentes, não foi objecto de impugnação, e dela consta a lista dos devedores, bem como os montantes em dívida até 20/1/2004.

A expressão «contribuições devidas ao condomínio» deve englobar as despesas judiciais e extrajudiciais a realizar, bem como o pagamento de honorários a advogado.

As quotas de condomínio encontram-se em dívida desde 1999, daí a razão de serem demandados não só os transmitentes da fracção como o adquirente.

A entender-se de outra forma, o Tribunal a quo devia ter convidado o exequente a suprir o vício, em vez de indeferir liminarmente o requerimento executivo.

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. Cumpre apreciar e decidir:

5. Para a decisão do recurso, importa considerar os factos que constam do relatório, bem como a Acta da Assembleia de Condóminos que serve de título executivo e cujo teor é o seguinte:

Acta nº 49

Aos vinte de Janeiro de 2004, (…)

Quinto ponto: A administração informou a Assembleia sobre os valores devidos ao condomínio a trinta de Dezembro de 2003, e não regularizados até à. A Assembleia decidiu por unanimidade se proceda de imediato à cobrança judicial dos valores em dívida das seguintes fracções:
(…)

Fracção correspondente ao sexto andar frente, de que é proprietária Fátima Melo, que são os seguintes: quotas de condomínio desde 1999 e 1/12/2003, no valor total de € 980,00; comparticipação nas obras de pintura e isolamento do edifício, no valor de € 1.371,00; juros de mora à taxa legal em vigor; despesas judiciais e extrajudiciais, a suportar pelo condómino faltoso, no total previsível de € 150,00; honorários de advogado, a suportar pelo condómino faltoso, no total de previsível de € 300,00.

(…)”


6. A questão do título executivo

6.1. Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (art. 45º, nº 1, do CPC).

Por sua vez, em face do título, a obrigação exequenda deve ser certa, exigível e líquida (art. 802º, do CPC).

Nos termos do art.º 46º, al. d), do Cód. Proc. Civil, podem servir de base à execução os documentos a que, por disposição especial da lei, seja atribuída força executiva.

Dispõe-se precisamente no art. 6º, nº 1, do Dec. Lei n.º 268/94, de 25-10 que «a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte».

Teve-se em vista, como decorre do próprio preâmbulo daquele diploma, procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando designadamente a cobrança de dívidas relativas às prestações a cargo de cada condómino.
O segmento normativo “contribuições devidas ao condomínio” constante do art. 6º, do supra mencionado decreto-lei tem, no entanto, suscitado dúvidas interpretativas de que, aliás, dá conta o recorrente nas suas alegações.
Efectivamente, entendem uns que apenas a acta que fixa as prestações a suportar por cada condómino, bem como o respectivo prazo de pagamento, pode valer como título executivo[1]; outros, porém, conferem também força executiva à acta que liquida as quantias (já) em dívida ao condomínio.[2]
Pela nossa parte, parece-nos que o art. 6º, nº 1, do Dec. Lei n.º 268/94, de 25-10 alude à acta da reunião da assembleia de condóminos que define comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o respectivo montante e prazo de pagamento, sendo certo que, como decorre das normas gerais, designadamente do art. 802º, do CPC, as prestações exequíveis serão aquelas e apenas aquelas que estejam já vencidas.
Poderá, a exequente, juntar ainda, a título complementar, a acta que quantifica o montante já em dívida pelo condómino (executado); no entanto, por se tratar de um mero exercício de liquidação, o mesmo poderá também ser feito no próprio requerimento executivo (cf. art. 805º, nº1, do CPC).
No caso concreto, a exequente limita-se a juntar a acta da reunião da assembleia de condóminos da qual consta a deliberação sobre o montante em dívida pelos executados, documento que – só por si –, como decorre do supra exposto, não reveste a natureza de título executivo.
Todavia, no requerimento executivo, a exequente – de forma discriminada – enuncia o número de prestações que os executados não pagaram, bem como o seu montante e prazo de pagamento.
Tudo indicia, por isso, que não se esteja perante uma falta de título, mas apenas perante uma mera omissão no que toca à junção aos autos da acta assembleia de condóminos em que se fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o prazo e modo de pagamento.

Ora, tratando-se de uma mera irregularidade – como tudo a leva a crer – deve o juiz fazer uso dos poderes previstos no art. 820º, do CPC, convidando a exequente a juntar aos autos a aludida acta.

6.2. Relativamente às despesas judiciais e extrajudiciais, não se tratando de uma dívida já vencida, (na verdade, a acta alude apenas a despesas futuras e a montantes previsíveis), é manifesta a falta de título, já que as contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer outros montantes referidos no art. 6º, nº 1 do Dec. Lei n.º 268/94, têm de ser certas e exigíveis (art. 802º, CPC) – cf. neste sentido, Ac. Rel. Porto de 3/3/2008, ITIJ, RP200803030850758.

7. A questão da responsabilidade pelas despesas de condomínio

Dispõe o art. 1424º, nº 1, do Código Civil que, "salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções".

Trata-se de uma obrigação «propter rem», isto é, na definição do Prof. Menezes Cordeiro in Direitos Reais, 366-367, de uma obrigação cujo sujeito passivo (o devedor) é determinado não pessoalmente (intuitu personae), mas por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa.

Tem-se entendido, porém, que, em caso de transmissão do direito de propriedade sobre a fracção, as despesas a que alude o art. 1424º, do CC, continuam a ser da responsabilidade do transmitente, enquanto titular do direito real sobre a coisa, à data da sua constituição – neste sentido, se pronunciam Henrique Mesquita in Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina 1990, página 321, Aragão Seia "in"Propriedade Horizontal, 2ª edição, página 125 e Sandra Passinhas, Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, pág. 310 e 311.[3] [4]

É, assim, permitido ao credor demandar vários devedores coligados, desde que (como in casu) obrigados no mesmo título – art. 58º, nº1, al. b), do CPC.

A tal não obsta o facto de a quota-parte de responsabilidade de uma das devedoras não ter sido concretamente determinada no requerimento executivo, pois tal liquidação depende de simples operação aritmética (art. 58º, nº2, CPC).

Impõe-se, pois, também nesta parte, convidar o exequente a suprir tal irregularidade, conforme, aliás, se prevê no art. 820º, nº2, do CPC, aplicável atenta a fase processual (e também no art. 812º, nº4, do mesmo Código, tratando-se de despacho liminar).

8. Nestes termos, concedendo parcial provimento ao recurso, acorda-se em revogar o despacho recorrido que indeferiu liminarmente o requerimento executivo (salvo na parte a que se refere o ponto 6.2.), devendo ser substituído por outro que:

- Convide a exequente a juntar aos autos a acta da assembleia de condóminos em que (relativamente ao período em causa) se fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o prazo e modo de pagamento;

- Convide a exequente a especificar, em relação a cada executado, os valores que considera em dívida (com excepção dos montantes devidos a título de despesas judiciais e extrajudiciais e honorários a advogado, quanto aos quais não dispõe de título executivo, como se referiu no ponto 6.2.).

Custas pelo agravante na proporção do decaimento.

Lx. 17/2/2009

Maria do Rosário Morgado

Rosa Ribeiro Coelho

Amélia Alves Ribeiro

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[1] Cf., entre outros, os Acs. Rel. Porto de 19/2/200, JusNet 993/2004; de 29/6/2004, JusNet 3804/2004 e de 21/4/2005, JusNet 2454/2005.
[2] Cf., entre outros, o Ac. Rel. Lisboa de 2/3/2004, JusNet 1149/2004.
[3] Autora que se pronuncia nos seguintes termos: "Coloca-se uma questão importante quando o condómino vende a sua fracção autónoma, estando em atraso no pagamento das contribuições devidas ao condomínio. Parece-nos que não se deve onerar o adquirente da fracção autónoma com uma despesa que ele muitas vezes desconhece, e que não corresponde a nenhuma vantagem real para si. O adquirente, antes de adquirir a fracção autónoma, pode não ter como se certificar da existência ou não de dívidas."
[4] Em idêntico sentido, pode ver-se o Acórdão da Rel Porto de 9/7/2007 (JusNet 4759/2007) e jurisprudência aí citada.