Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO MORGADO | ||
Descritores: | INJÚRIA DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA INDÍCIOS SUFICIENTES | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/27/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | |||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, em conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa. I. 1. No processo nº 165/02.7PBCSC, do 3º Juízo Criminal de Cascais, inconformados com o despacho de não pronúncia proferido pela Mª Juiz, dele interpuseram o presente recurso os assistentes (A) e (B) Na sua motivação, concluindo, dizem, em síntese: - Os assistentes deduziram acusação particular contra a arguida (T), imputando-lhe a prática, em concurso efectivo, de dois crimes de injúrias, p. e p. pelo art. 181º, CP; - O MP aderiu a tais acusações; - Requerida instrução pela arguida, foi proferido despacho de não pronúncia, por alegada insuficiência de indícios da prática daquelas infracções; - Há indícios suficientes da prática pela arguida dos crimes que lhe foram imputados na acusação, pelo que a mesma devia ter sido pronunciada. 2. A Digna magistrada do Ministério Público e arguida responderam, pugnando pelo improvimento do recurso. 3. No seu douto parecer, o Ex.mº. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação também entende que o recurso não merece provimento. 5. Cumpre decidir. II. (a) - A acusação. 6. Em síntese, na parte com relevo para a decisão do recurso ora em apreciação, os assistentes imputaram à arguida, nas acusações particulares, a seguinte factualidade: 6.1. No dia 23/1/2002, cerca das 16 horas, os assistentes, que são casados um com o outro, encontravam-se na sua residência, sita em Cascais. 6.2. O assistente estava numa sala e a assistente, acompanhada do seu irmão, encontrava-se numa outra sala, contígua àquela. 6.3. A arguida bateu, então, à janela da sala em que estava a assistente, que a abriu, após o que aquela lhe disse: ”tu tens é medo, minha filha da puta” (…), “vai para a puta que te pariu”. 6.4. Entretanto, tendo o assistente saído para o exterior, a arguida dirigiu-lhe as seguintes expressões: “não tens tomates” (…), “vai para a puta que te pariu”, “parto-te os cornos”. 6.5. O assistente correu pela rua para se afastar da arguida, a qual, perseguindo-o, repetiu: “não tens tomates”, “vai para a puta que te pariu”. 6.6. Tais expressões foram proferidas em voz alta, na via pública, no local em que os assistente vivem há vários anos e são reputados de pessoas idóneas, educadas e de bem. (b) - A prova produzida. 7. Essencialmente, dos autos extraem-se os seguintes elementos com relevância probatória: 7.1. Interrogada a fls. 47 e 213-214, a arguida (T) refere: tendo constatado que o assistente estava a fotografar o carro (mal estacionado) no interior do qual se encontrava, dirigiu-se-lhe para lhe pedir a máquina fotográfica; enquanto recuava, o assistente bateu-lhe com a máquina na cabeça, tendo-lhe a arguida apenas chamado “estúpido” e dito “vai à merda”. 7.2. A testemunhaJS, irmão da assistente, confirma, no essencial a versão constante das acusações particulares (cfr. fls. 87-88). 7.3. A testemunha VS, ao tempo empregado num restaurante pertencente à arguida e marido, localizado sensivelmente em frente do local em que se encontrava o veículo mencionado em supra 7.1., confirma, no essencial a versão daquela, não referindo, todavia, que esta tenha dirigido aos assistentes qualquer insulto (cfr. fls. 121). 7.4. A testemunha IS, que trabalha perto daquele restaurante e presenciou parcialmente os factos, também não refere que esta tenha dirigido aos assistentes qualquer insulto (cfr. fls. 123). 7.5. Os assistentes confirmam, no essencial, a versão constante das acusações particulares (cfr. fls. 125-127 e 131-132). (c) - Apreciação da prova indiciária produzida. 8. O juiz profere despacho de pronúncia se tiverem sido recolhidos indícios suficientes da prática de um crime pelo arguido (cfr. art. 308º, nº 1, CPP), ou seja, se dos mesmos resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança (art. 283º, nº 2). “A natureza indiciária da prova significa que não se exige a prova plena, a “prova”, mas apenas a probabilidade, fundada em elementos de prova que, conjugados, convençam da possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 86). Dito de outra forma: “os indícios só serão suficientes (...) quando (...) seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 133). E, no tocante às fronteiras em que se estrutura o binómio certeza-probabilidade, inteiramente se sufragam os ensinamentos de Nicola Framarino dei Malatesta, in A Lógica das Provas em Matéria Criminal, tradução brasileira, 2ª edição, autor que a dado passo nos diz: Pode ter-se, relativamente a um objecto, uma probabilidade mínima, (...) o verosímil; uma probabilidade média, que poderá chamar-se, simplesmente, o provável; e uma probabilidade máxima que será o probabilíssimo (p. 66-67). (...) É verosímil não o que nos parece simplesmente possível mas o que, por uma razão mais ou menos determinada, nos inclinamos a julgar real (o que tem parecença disso). É por isso que marcamos com a verosimilhança o primeiro grau da probabilidade (p. 70). (...) A determinação subjectiva que nos faz sair da probabilidade e nos abre as portas da certeza consiste no repúdio racional dos motivos divergentes de acreditar. (...) A certeza não é senão a afirmação intelectual, por parte do magistrado, da conformidade entre a ideia e a realidade. Esta afirmação pode ter lugar não obstante a percepção de motivos contrários à afirmação: o espírito vê estes motivos contrários e, não os achando dignos de serem tomados em conta, rejeita-os e afirma (p. 59). A probabilidade nunca rejeita os motivos para não crer; aceita-os como tendo um valor inferior aos motivos para crer. A certeza, ao contrário, acha que os motivos divergentes da afirmação não merecem racionalmente consideração, e por isso afirma (p. 61). A condenação só poder ser baseada na certeza da criminalidade: a credibilidade racional, mesmo mínima, da inocência, sendo destruidora da certeza da criminalidade, deve conduzir necessariamente à absolvição (p. 72). Não assim, como já vimos, no tocante à acusação e à pronúncia, que pressupõem, tão-somente, um juízo de probabilidade qualificada: podem persistir motivos para não crer, desde que tenham um valor inferior aos motivos para crer. 9. Em face dos elementos probatórios mencionados em supra nº 7 não é possível, objectivamente, formular o dito juízo de probabilidade qualificada, desde logo porque, para além dos assistentes e de um seu familiar próximo, nenhuma das testemunhas presenciais confirma a sua versão dos factos. Como bem se decidiu na 1ª instância, existindo nos autos duas versões contraditórias, sustentadas por cada uma das “partes” em conflito, não há razão para privilegiar uma em detrimento da outra. Improcede, pois, o recurso. III. 10. Em face do exposto, negando provimento ao recurso, acorda-se em manter a decisão recorrida. Fixa-se em 2 UCs a taxa de justiça devida por cada um dos recorrentes. Notifique. Lisboa 27/10/04 Mário Morgado Teresa Féria Clemente de Lima |