Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9051/2008-1
Relator: EURICO REIS
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
DIREITO DE PERSONALIDADE
RUÍDO
AMBIENTE
EQUIDADE
PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/13/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1. O Legislador determinou que, para que seja possível o decretamento de uma proporcionada providência (art.º 335º do CPC), basta ao requerente demonstrar que existe uma probabilidade séria da existência do direito que invoca estar integrado na sua esfera jurídica e que existem fundados receios de que outrem irá causar lesão grave e dificilmente reparável a esse seu direito.
2. Existindo sinais evidentes da violação do Regulamento Geral do Ruído aprovado pelo DL n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, e que a saúde física e mental (o equilíbrio psicológico e emocional) do Requerente e do seu filho foram já comprometidos e prejudicados, bem como foi estabelecido, também com grande verosimilhança, um suficiente nexo de causalidade entre esse ruído audível (o mesmo não acontecendo, contudo, com o ruído de baixa frequência) e essas lesões dos direitos de personalidade (art.º 70º do Código Civil) dessas pessoas, é de concluir que foram apresentados sinais suficientes de que essa violação já se concretizou e de que da lesão podem advir danos irreversíveis.
3. As energias renováveis, em particular da energia eólica têm enorme relevância, não apenas para o País (relevância económica e política – maxime, a diminuição da nossa dependência energética face ao exterior, a protecção e desenvolvimento da indústria nacional, e o incentivo à capacidade criativa e inventiva dos portugueses) como para a Humanidade inteira.
4. Se as gerações vindouras têm direito a um Ambiente saudável, equilibrado e não degradado ou poluído (posição jurídica com assento legal no n.º 2 do art.º 66º do Código Civil), é indispensável não esquecer que os chamados direitos da terceira geração (ambientais e ecológicos, protecção dos consumidores e outros), não podem ser construídos sobre os destroços dos direitos da segunda geração (económicos e sociais) e dos da primeira geração, os que surgiram no século XIX com a criação dos chamados Estados Liberais.
5. Resulta do disposto no n.º 2 do art.º 335º do Código Civil, que a solução equitativa e proporcionada é aquela de que resulta que todos os direitos produzem igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
6. Quanto à hierarquia de Valores Éticos estabelecida nos artºs 1º, 11º, 24º a 26º, 61º e 62º da Constituição da República, é legítimo entender que, estando em causa a saúde física e a integridade psíquica e emocional de duas pessoas (uma delas um menor), a norma aplicável ao caso será até a do n.º 1 do art.º 335º, dando prevalência aos direitos de personalidade do Requerente.
Decisão Texto Integral: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
LX PROC Nº 9051-08 (pc não especificada; direitos de personalidade; ruído excessivo) 20
Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa:
1. R intentou contra “E LDA” os presentes autos de procedimento cautelar não especificado que, sob o n.º 2209/08, foram tramitados pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, e nos quais, entre outras, foram proferidas as seguintes decisões:
A) a de fls 763 a 768, cujo decreto judiciário é:
“...Em conclusão, face ao pedido formulado no âmbito de uma providência cautelar pelo requerente, este Tribunal é o competente para apreciar e decidir tal pedido, não pertencendo a competência ao tribunal administrativo – cfr. arts 66º do CPC e 18º da LOFTJ – Lei n.º 3/99, de 13.01 e respectivas alterações.
Pelo exposto, julgo improcedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria (incompetência absoluta) invocada pela Requerida.
Custas pela Requerida, que se fixa em 3 (três) UCs - art. 16º do Código das Custas Judiciais.
...
No caso concreto, tendo em conta os termos em que o requerente configura a relação jurídica controvertida, por se tratar de violação de direitos de personalidade, entre outros, o requerente é parte legítima na presente acção, não se aplicando o litisconsórcio necessário referente ao seu cônjuge, pelo que julgo improcedente a excepção de ilegitimidade invocada – cfr. art. 28º do CPC.
Custas pela requerida, que fixo em duas UCs - art. 16º do Código das Custas Judiciais. ...” (sic – fls 766 e 768, respectivamente);
B) a de fls 998 a 1001, cujo decreto judiciário é:
“...Por conseguinte, por não se coadunar com a presente providência cautelar, que se trata de uma apreciação sumária feita pelo Tribunal de factos e consequente prolação da decisão quanto se há ou não lesão dos direitos de personalidade do Requerente nos termos do art.º 381º e seguintes do CPC, pelo que indefiro tal exame pericial na presente acção, face ao supra exposto. ...” (sic – fls 1001);
C) a de fls 1040 a 1069 (decisão final), cujo decreto judiciário é:
“...Nestes termos e decidindo, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provado, o presente procedimento cautelar e, em consequência, determino que a requerida E LDA se abstenha da prática de quaisquer actos que violem os direitos do requerente, nomeadamente, ordenando a suspensão imediata do funcionamento do aerogerador n.º 2 (número dois), sito no Parque Eólico (…), concelho de Torres Vedras.
Custas pela requerida, com taxa de justiça reduzida a 1/4 - art. 453º, n.º1, in fine, 446º do Código de Processo Civil e art. 15º, n.º 1, al. m) do CCJ....” (sic – fls 1069).

Inconformados, a Requerida “E, LDA” (quanto às duas primeiras) e o Requerente R (quanto à terceira), vieram deduzir recursos contra essas decisões, tendo, todavia, a primeira desistido dos que interpôs, facto que mereceu o despacho de fls 1125.
E, relativamente ao agravo que subsiste, pede o Requerente recorrente (alegações a fls 1084 a 1092) que seja “...revogada a sentença recorrida e... decretada a suspensão do funcionamento dos quatro aerogeradores...”, formulando, para tanto, as 13 conclusões que se estendem por fls 1090 a 1092, nas quais, em síntese, invoca que:
“I. O presente recurso tem por objecto dois pontos, em primeiro lugar o facto da sentença recorrida não ter dado como provados todos os factos decorrentes dos danos sofridos pela mulher e filhos do Recorrente, por entender que estão em causa apenas a violação dos direitos de personalidade daquele.
III. Havendo uma violação do artigo 70º do Código Civil... que protege os direitos de personalidade de uma pessoa... (devem) ser dados como provados os factos enumerados sob os números 1 a 27 dos factos dados como não provados, relacionados no essencial com os danos sofridos pela mulher e filhos do Recorrente.
V. O segundo ponto do recurso refere-se ao facto de não terem sido dados como provados os factos relativos à influência causada pelos aerogeradores nºs 1, 3 e 4 e ao ruído que estes causam (factos não provados nºs 7, 8 e 9).... (devendo esses factos) ser dados como provados...”.

A Requerida/agravada apresentou contra-alegações (fls 1101 a 11014), nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida, sustentada pelo Mmo Juiz a quo a fls 1125 a 1127.

2. Considerando as conclusões das alegações do agravante (as quais são aquelas que delimitam o objecto do recurso – n.º 3 do art.º 668º do CPC e artºs 671º a 673º, 677º, 678º e 684º, maxime nºs 3 e 4 deste último normativo, e 661º n.º 1, todos do mesmo Código), as questões a dirimir nesta instância de recurso são as seguintes:
- pode ou não manter-se a decisão da 1ª instância pela qual se declarou não estarem provados os factos descritos sob os nºs 1 a 27 dessa parte do despacho recorrido, no que respeita quer ao recorrente quer à sua mulher e aos seus filhos?
- com a decisão de fls 1040 a 1069 foi ou não violada a disposição contida no art.º 70º do Código Civil?

E sendo esta a matéria que compete apreciar, tal se fará de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por terem sido cumpridas as formalidades legalmente prescritas (artºs 749º e 700º a 720º do CPC), tendo sido oportunamente colhidos os Vistos dos Exmos Desembargadores Adjuntos.

3. No que respeita à matéria considerada indiciariamente provada, o recorrente, em lugar algum das suas alegações põe em causa a decisão do Tribunal a quo quanto a essa factualidade que serviu de fundamento a essa decisões que aqui cabe sindicar, pelo que, ao abrigo do disposto nos artºs 749º e 713º n.º 6 do CPC, poderia esta Relação dispensar-se de aqui transcrever essa parte do despacho recorrido e para ela simplesmente se remeter (fls 1044 a 1050, sob a epígrafe «III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. A – FACTOS PROVADOS»).
Todavia, para uma melhor clarificação da realidade submetida ao julgamento deste Tribunal de recurso, julga-se preferível não usar essa faculdade, pelo que esses factos serão a seguir expressamente enunciados.
Já quanto aos impugnados pelo agravante, os mesmos serão indicados durante a discussão jurídica da causa.
E os factos considerados indiciariamente provados nos autos são:
a) dos invocados no requerimento inicial:
1. O Requerente é proprietário de uma Quinta, com 17,8 hectares, composta por duas moradias de habitação, picadeiro e estábulos, sita em Torres Vedras, de ora em diante designada por “Quinta”.
2. O Requerente reside na referida Quinta, desde 1994, com a sua família mais directa, composta pela sua mulher e dois filhos menores, um com 12 anos de idade e uma com 9 anos de idade.
3. O Requerente é cavaleiro tauromáquico, desenvolvendo a sua actividade profissional, bem como as actividades económicas de equinocultura e de pecuária, na Quinta, empregando um trabalhador a tempo inteiro e um trabalhador a tempo parcial.
4. O trabalhador a tempo inteiro, N, de trinta e dois anos, reside na Quinta.
5. É na Quinta que o Requerente toma as suas refeições, trabalha, repousa, dorme, passa as suas horas de ócio e recebe familiares e amigos.
6. O Requerente tem o seu centro da vida familiar e profissional na Quinta, onde está em permanência.
7. O Requerente e a sua mulher optaram por residir no campo para se salvaguardarem da agitação e do stress da vida citadina.
8. Opção essa que foi feita há treze anos atrás com a compra desta Quinta em particular.
9. Com efeito, entendeu o requerente que o campo seria o local onde teria uma melhor qualidade de vida.
10. E esta Quinta, era o lugar que reunia as condições ideais para a constituição de uma família e o exercer da sua actividade profissional.
11. A Requerida é proprietária do Parque Eólico, Torres Vedras.
12. O Parque Eólico é constituído por 13 aerogeradores assíncronos com a potência unitária de 2000 kW (2 150 kVA); treze postos de transformação e seccionamento, equipados com transformadores de potência unitária de 2 500 kVA, 0,69/20 kV; subestação equipada com um transformador de potência de 26 000kVA, 20/60 kV; rede de cabos subterrâneos de 20 kV que interliga os postos de transformação e a subestação; um transformador para os serviços auxiliares de 25 kVA, 400/230V; e, respectivo equipamento de comando, corte, protecção e medição.
13. A Quinta do Requerente é vizinha do Parque propriedade da Requerida, mais concretamente, é contígua ao aerogerador número 2 e vizinha dos aerogeradores números 1, 3 e 4 do referido parque eólico.
14. É o aerogerador nº. 2, dos dezasseis que compõem o parque eólico, que tem vindo a causar graves danos físicos e morais ao ora Requerente, desde a sua entrada em funcionamento, em meados de Novembro de 2006.
15. O aerogerador n.º 2 está a uma distância muito reduzida da habitação do ora Requerente.
16. O aerogerador n.º 2 está a uma distância de 321,83 m da habitação e de 182,36m dos estábulos.
17. O aerogerador n.º 3 está a uma distância de 539,92m da habitação e de 439,64m dos estábulos.
18. O aerogerador n.º 4 está a uma distância de 579,86m da habitação e de 565,50m dos estábulos.
19. O aerogerador n.º 1 está a uma distância de 642,08m da habitação e 503,00m dos estábulos.
20. Não sendo nem viável, nem exequível, a adopção de medidas eficazes para a minimização do ruído neste caso em concreto.
21. Desde meados de Novembro de 2006 que o Requerente perdeu o direito ao repouso, ao sossego, à qualidade de vida, a um ambiente sadio e equilibrado, e, sobretudo, à sua saúde, pelo facto de residir e viver, em permanência, na sua Quinta.
22. Com efeito, a entrada em funcionamento do aerogerador nº. 2 da Requerida veio alterar profundamente, e de forma muito negativa, a sua vida.
23. O Requerente encontrava-se saudável, sem queixas de insónias, dificuldades de dormir ou perturbações do sono.
24. Mas tal deixou de suceder com o início do funcionamento do aerogerador n.º 2.
25. Na verdade, o nível de ruído que existe na Quinta do Requerente, provocado pela rotação das hélices do referido aerogerador, impossibilita o ora Requerente de dormir, de descansar, de repousar, de trabalhar e, também, de se divertir na sua propriedade.
26. No fundo, o ruído impossibilita-o de viver a vida normal que levava na Quinta até à entrada em funcionamento do referido aerogerador.
27. Aliás, alturas há em que o ruído é tão intenso que não permite, ou dificulta muito, conversar, ouvir música e ver televisão.
28. O requerente deixou de poder usufruir plenamente a sua própria habitação.
29. Em termos comparativos, o ruído que se faz sentir na Quinta, tanto no interior como no exterior da casa, é semelhante ao ruído de um avião a sobrevoar a mesma....
30. O ruído é contínuo, provocando enorme ansiedade, e um desgaste físico e psíquico muito grande no requerente.
31. Os aerogeradores nºs. 1, 2, 3 e 4 estão a funcionar diariamente, 24 horas sob 24 horas, sem interrupção.
32. Os aerogeradores apenas se interrompem quando as condições eólicas não são favoráveis.
33. O que raramente sucede naquela região, pois a Quinta do Requerente situa-se numa zona particularmente ventosa.
34. Com efeito, a região de Torres Vedras caracteriza-se por ser uma zona de ventos fortes e constantes.
35. Ou seja, devido ao aerogerador nº. 2, o requerente não tem qualquer tranquilidade na Quinta.
36. Na verdade, nos dias em que o ruído é de maior intensidade, o Requerente não pode abrir as janelas da sua habitação.
37. Mais, desde meados de Novembro de 2006 que o Requerente deixou de ter um sono tranquilo e ininterrupto, durante a noite, de pelo menos oito horas diárias.
38. Ora, desde essa data que o Requerente sofre de insónias e tem enormes dificuldades em adormecer e em dormir, chegando a acordar várias vezes durante a noite.
39. Desde que o aerogerador n.º 2 começou a funcionar, o Requerente tem sofrido de insónias, dores de cabeça frequentes, falta de memória, apresentado queixas de maior irritabilidade e de intolerância progressiva ao ruído.
40. Aliás, o Requerente para dormir tem necessitado de medicamentos indutores do sono.
41. Sendo certo que, até à entrada em funcionamento do aerogerador n.º 2, nunca teve necessidade de tomar medicamentos para dormir.
42. O Requerente sempre dormiu bem e muito profundamente até essa data.
43. Acresce o facto que o Requerente não tem conseguido treinar os seus equídeos no mesmo regime intensivo de outrora.
44. Para além de se sentir sempre cansado, não consegue permanecer montado sem que se sinta enjoado, tenha fortes tonturas, perdendo o equilíbrio.
45. O seu estado físico actual interfere e é muito prejudicial à sua actividade económica e profissão.
46. O Requerente solicitou a uma empresa especializada na realização de avaliações acústicas e vibrações, que efectuasse um ensaio acústico na Quinta, tanto no interior como no exterior, mediante a análise do cumprimento dos valores limite de exposição, em função da classificação de uma zona como mista ou sensível, e do cumprimento do critério de incomodidade por parte da Requerida.
47. Em termos sintéticos, um ensaio acústico traduz-se numa avaliação do nível sonoro contínuo, concretizado posteriormente num relatório do qual constam as medições e cálculos efectuados ao ruído, bem como a análise dos resultados e conclusões da entidade que realizou o dito ensaio.
48. Até à data (de entrada destes autos), a Câmara Municipal de Torres Vedras não procedeu à classificação acústica da zona.
49. O requerente tem na sua propriedade animais, em número não concretamente apurado, correspondendo a cabeças de gado, cavalos, éguas e poldros.
50. Os cavalos e as éguas são criados e treinados na Quinta do requerente para sua própria preparação física e técnica, mas também para serem vendidos para fins tauromáquicos.
51. Este treino requer uma atenção especial e constante sobre os animais, sendo exigido do treinador, ou seja, do requerente, paciência e tranquilidade.
52. Desde a entrada em funcionamento do aerogerador n.º 2, o ruído que se fazia sentir na Quinta deixava as éguas e os cavalos agitados e sobressaltados.
53. Os aerogeradores atingem uma altura de cerca de 100 metros (compostos pela torre, com 64,7m, ao que acresce as pás, com um raio de 35,25m).
54. As sombras das pás do aerogerador n.º 2 sobrevoam a propriedade do requerente, afectando o picadeiro exterior e o coberto e esse efeito assusta os animais, deixando-os nervosos.
B) dos invocados na oposição:
55. Há mais de 5 meses (contados da data de entrada destes autos em juízo) que o Requerente tem na sua posse os estudos, relatórios e pareceres que constituem o fundamento do seu pedido.
56. Já antes disso, o Requerente havia assistido à construção dos aerogeradores que se iniciou ainda em finais de 2005 e se prolongou por mais de 1 ano.
57. Durante largos meses, o Requerente acompanhou a abertura de caminhos, trabalhos de terraplanagem e finalmente implantação dos aerogeradores, sempre sabendo que se destinava à instalação de um parque eólico.
58. A paragem dos 4 aerogeradores é susceptível de causar um prejuízo directo à Requerida, que se estima não ser inferior a € 180.000,00 mensais.
59. A construção do parque assentou exclusivamente no recurso a financiamentos bancários (no valor de várias dezenas de milhões de euros).
60. Nos termos do contrato de financiamento, foram elaborados complexos estudos de rentabilidade de exploração em que a Requerida se comprometeu a assegurar o funcionamento, não de 9, mas de 13 aerogeradores.
61. Desde a entrada em funcionamento do Parque Eólico em causa já produziu 65.700.00 KWH de energia eléctrica.
62. Valor esse que corresponde a 21% do consumo de energia eléctrica de todo o concelho de Torres Vedras, efectuado ao longo do ano de 2005, de acordo com elementos da Direcção Geral de Energia.
C) na audiência:
63. O requerente não toureia há 2/3 anos como cavaleiro tauromáquico por ter contraído uma doença hepática.

4. Discussão jurídica da causa.
4.1. Pode ou não manter-se a decisão da 1ª instância pela qual se declarou não estarem provados os factos descritos sob os nºs 1 a 27 dessa parte do despacho recorrido, no que respeita quer ao recorrente quer à sua mulher e aos seus filhos?
4.1.1. Antes de iniciar a apreciação do mérito do recurso intentado pelo Requerente agravante, importa salientar que esta Relação não dispõe de todos os elementos que serviram de base à decisão recorrida; na verdade, como é natural, não foi transposto para o processo o manancial de percepções e informações adquiridas pelo Mmo Juiz a quo quando, na sequência de requerimento formulado pelo ora recorrente, se deslocou - e bem o fez - ao local inspeccionado (a quinta pertencente ao agravante – mais exactamente, o interior da residência, o interior da cavalariça e o pátio) e que, como o mesmo Julgador expressamente afirma a fls 1063, muito o auxiliaram na prolação do despacho que agora cumpre sindicar.
Daí a indiscutível relevância do princípio da imediação.
Todavia, essa circunstância não impede o julgamento do litígio por serem mais do que suficientes os demais elementos de prova abundantemente carreados para o processo pelas partes, não sendo - como o podia ser ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 712º do CPC – determinada nova inspecção ao local porquanto os resultados obtidos com uma tal diligência sempre seriam, pela própria natureza do acto (isolado), muito parcelares e pouco representativos.
Ainda assim, havia que deixar bem clara a situação, para que dúvidas não se suscitassem.
O que aqui se fez.
Com a mesma intenção clarificadora, cumpre declarar que é evidente e incontornável que nunca será possível uma reformatio in pejus do que foi decretado em 1ª instância relativamente à suspensão do funcionamento do aerogerador n.º 2; só o Requerente recorreu desse despacho e, pela própria natureza do instituto jurídico “recurso”, aquele nunca teria legitimidade para pôr em crise uma decisão numa parte que lhe foi favorável (e, nas suas alegações, o mesmo só peticiona a alteração da decisão recorrida na parte respeitante aos outros aerogeradores – nºs 1, 3 e 4).
4.1.2. A talhe de foice e ainda como questão prévia ao julgamento do mérito do agravo, é indispensável sublinhar que, nos números 21 a 24 das suas alegações (fls 1089) e em particular nos números 22 e 23, o recorrente atingiu níveis de incorrecção que, podendo não ultrapassar os limites estabelecidos no art.º 266ºB do CPC, não podem escapar sem reparo.
Mas porque, como ensina a sabedoria popular, os actos qualificam quem os pratica, a merecida resposta não será dada no tom usado pelo recorrente e que, pela mesma razão, aqui não se adjectiva.
A divergência pode e deve ser manifestada com elevação, elegância e tempero – e os que assim actuam são muito mais eficientes.
Não foi esse o caminho escolhido quando foi elaborada a peça processual de fls 1084 a 1092.
Na verdade, com o que escreveu, o recorrente demonstrou ignorar – mas a ignorância não justifica a falta de cumprimento das normas (art.º 8º do Código Civil) – que todas as provas, incluindo as perícias, são livremente apreciadas pelo Tribunal, ou seja pelo Juiz do processo (art.º 591º do CPC), o qual decide sempre, salvo nos casos previstos no n.º 2 do art.º 655º do Código de Processo Civil, livremente e de acordo com a sua prudente convicção (idem, n.º 1).
Ou seja, são as partes que estão oneradas com a obrigação de convencer o Julgador da veracidade das suas afirmações e da bondade dos seus argumentos.
Mas é sempre mais fácil justificar as omissões próprias com os defeitos, reais ou inventados, dos outros.
A título de exemplo, porque se tratou de uma situação extrema, aquando das instâncias à testemunha M, pese embora o dever definido no n.º 3 do art.º 638º impender sobre o Tribunal, nada impedia o Ilustre Mandatário do aqui agravante - bem pelo contrário isso só o dignificaria se o tivesse feito – de ter formulado um protesto pela forma como essa depoente estava a ser tratada.
Ou quando, nas instâncias ao empregado da Quinta, N, o Ilustre Advogado que patrocina a Requerida disse a essa testemunha que a cônjuge do Requerente tinha feitos certas afirmações (a propósito da filha) que a mesma não proferiu.
Mas preferiu aquele outro Ilustre Advogado guardar de Conrado o prudente silêncio (e, curiosamente, só não o fez num único momento, durante as instâncias à cônjuge do Requerente, quando terá, aparentemente, sido posta em causa alguma conversa mantida “entre Advogados”).
Como é óbvio, estes reparos não afectam o julgamento desta Relação, porque, parafraseando o slogan inventado por Jacques Séguéla para a vitoriosa campanha presidencial de 1981 de François Mitterrand, os Juízes são, têm que ser, uma force tranquille – mas tinham que ser feitos.
Para que haja respeito.
É, porém, já tempo de começar a discussão jurídica da causa.
4.1.3. De toda a factualidade considerada não provada, o recorrente apenas se insurge contra as respostas relativas aos factos descritos a fls 1050 a 1052 sob os nºs 1 a 27, pelo que só as mesmas podem ser objecto da reapreciação autorizada pelos artºs 749º e 712º do CPC.
E essa matéria é a seguinte:
1. “(…) juntamente com a família.”
2. É na Quinta que (…) e o seu agregado familiar tomam as suas refeições, trabalham, estudam, repousam, dormem, passam as suas horas de ócio e recebem familiares e amigos.
3. (…) e o seu agregado familiar têm o seu centro da vida familiar e profissional na Quinta, onde estão em permanência.
4. A mulher do ora Requerente é dona de casa, pelo que também se pode dizer que o centro da sua vida profissional é na Quinta.
5. São estes quatro aerogeradores, dos treze que compõem o parque eólico, que têm vindo a causar graves danos físicos e morais ao ora Requerente e sua família, desde a sua entrada em funcionamento, em meados de Novembro de 2006.
6. Desde meados de Novembro de 2006 que (…) e a sua Família perderam o direito ao repouso, ao sossego, à qualidade de vida, a um ambiente sadio e equilibrado, e, sobretudo, à sua saúde, pelo facto de residirem e viverem, em permanência, na sua Quinta.
7. Com efeito, a entrada em funcionamento dos aerogeradores nºs. 1, 3 e 4, da Requerida veio alterar profundamente, e de forma muito negativa, as suas vidas.
8. (…) a sua família encontravam-se saudáveis, sem queixas de insónias, dificuldades de dormir ou perturbações do sono.
9. Mas tal deixou de suceder com o início do funcionamento dos aerogeradores nºs 1, 3 e 4.
10. Na verdade, o nível de ruído que existe na Quinta do Requerente, provocado pela rotação das hélices dos referidos aerogeradores, impossibilita (…) a sua Família de dormir, de descansar, de repousar, de trabalhar e, também, de se divertir na sua propriedade.
11. No fundo, o ruído impossibilita-os de viver a vida normal que levavam na Quinta até à entrada em funcionamento dos referidos aerogeradores.
12. Aliás, alturas há em que o ruído é tão intenso que não permite, ou dificulta muito, conversar, ouvir música, ver televisão e estudar.
13. Na realidade, a família deixou de poder usufruir plenamente a sua própria habitação.
14. O ruído é contínuo, provocando enorme ansiedade, e um desgaste físico e psíquico muito grande, em toda a família.
15. Ou seja, devido aos aerogeradores a família não tem qualquer tranquilidade na Quinta.
16. (…) nem a família brincar no jardim ou em toda a área exterior à casa.
17. Acresce ainda o facto que, os filhos do Requerente estão em idade escolar, e devido ao ruído provocado pelo funcionamento dos aerogeradores não conseguem concentrar-se o suficiente para estudar.
18. Mais, desde meados de Novembro de 2006 que o Requerente e a sua família deixaram de ter um sono tranquilo e ininterrupto, durante a noite, de pelo menos oito horas diárias.
19. Sendo certo que, em menores de pouca idade, como seja o caso dos filhos do Requerente, é facto notório que as horas necessárias à recuperação fisiológica são de, pelo menos, dez horas diárias.
20. Ora, desde essa data que o requerente e a sua família sofrem de insónias e têm enormes dificuldades em adormecer e em dormir, chegando a acordar várias vezes durante a noite.
21.Com efeito, tais consequências já se reflectem no estado de saúde física e psíquica da família.
22. Na verdade, conforme resulta da carta enviada, espontaneamente, pela Directora do Colégio ao Requerente e sua mulher, datada de 22 de Março de 2007, o filho de 12 anos do Requerente, no segundo trimestre, já sofre de cansaço e de uma descida acentuada das notas, por comparação ao primeiro trimestre, o qual é coincidente com o não funcionamento dos aerogeradores em questão.
23. Conforme denota a Directora do Colégio, o R (filho) demonstra ter perdido o interesse pelas matérias escolares que exigem uma maior concentração, estudo e esforço físico (como seja, Humanidades, Língua Inglesa e Ginástica), progredindo naquela que é mais lógica e dedutiva (Matemática).
24. A Directora do Colégio refere ainda notar no filho de 12 anos do Requerente um cansaço anormal e questiona os pais sobre se o mesmo dorme as horas necessárias durante a noite.
25. Além disso, também a mulher do ora Requerente tem sofrido gravemente com o ruído provocado pelos aerogeradores.
26. Com efeito, pouco depois da entrada em funcionamento dos mesmos, a mulher do ora Requerente tem sofrido de fortes enxaquecas, estados de ansiedade marcados, irritabilidade e hipersensibilidade ao ruído.
27. Sendo certo que, até à entrada em funcionamento dos aerogeradores, nunca teve necessidade de tomar medicamentos para dormir.
Para fundamentar essa decisão, o Mmo Juiz a quo apresentou os argumentos que estão expostos a fls 1053 a 1064.
E é a validade dos mesmos que cumpre apreciar.
4.1.4. No fio de raciocínio do julgamento agora em análise, pela sua relevância, é útil destacar a seguinte passagem: «Foi efectuada Inspecção Judicial ao local: interior da residência do requerente, interior da cavalariça e pátio para audição do funcionamento dos aerogeradores nºs. 1, 2, 3 e 4 e foi determinado que fosse efectuada a paragem do aerogerador nº. 2, que se encontra mais próximo da habitação do requerente.
Esta inspecção foi fundamental para o Tribunal percepcionar o ruído, bastante audível para o ouvido humano, provocado pelo funcionamento do aerogerador nº. 2, sendo que na altura em que o mesmo deixou de funcionar, os aerogeradores nºs 1, 3 e 4 não eram audíveis no local da inspecção, nem foi possível visualizar as sombras das pás dos aerogeradores sobre a Quinta do requerente.
A restante matéria alegada quer do requerimento inicial quer da oposição é conclusiva, argumentativa ou de direito ou não dada como provada por ausência de prova quer documental quer testemunhal ou se trata de matéria do foro administrativo, para a qual este Tribunal não tem competência (cfr. neste último caso, fls. 660 a 662 e arts. 202º. a 216º. do Requerimento Inicial e arts. 174º. da 190º. da Oposição) e quanto aos factos alegados referentes à mulher do requerente, aos seus dois filhos e ao seu funcionário, por não serem parte nos presentes autos, não foram dados como provados (cfr. fls. 767 e 768)».
Os processos judiciais – todos eles – constituem uma sequência organizada de actos (que se querem) inteligentes. E, por isso, existem preclusões.
E existe a figura/instituto do caso julgado formal (art.º 672º do CPC).
A partir do disposto, entre outros, nos artºs 8º, 67º, 295º, 398º n.º 1 e 405º do Código Civil e 3º, 264º, 660º n.º 2, 661º n.º 1 e 664º do CPC, é possível construir o conceito de que cada pessoa (e particularmente as pessoas singulares) é aquela que melhor sabe defender os seus interesses próprios.
Ora, por ser assim, ao não ter recorrido das decisões proferidas através do despacho de fls 763 a 768, cujos decretos judiciários estão transcritos no ponto 1 do presente acórdão, o Requerente agravante livre, voluntária e esclarecidamente (artºs 246º a 257º do Código Civil, interpretados a contrario sensu), limitou os poderes de cognição deste Tribunal, que, tal como os intervenientes no processo, está vinculado ao caso julgado formal que se formou com o trânsito em julgado dessas decisões.
E, como se isso não fosse suficiente, essa limitação, como já enunciado no ponto 2 deste acórdão, tornou-se ainda maior com a definição do objecto do recurso feita nas conclusões dessa peça processual.
Com essa sua conduta, o Requerente obstou a que nesta Relação se saiba se o parque eólico está ou não devidamente licenciado, o que seria relevante não para determinar, na falta dessa autorização administrativa, qualquer medida de encerramento – matéria efectivamente da competência dos Tribunais Administrativos – mas para saber se estava ou não a ser praticada pela Requerida alguma actividade ilícita (tal como a falta de licenciamento da exploração agro-pecuária do demandante relevará se vier a ser deduzido, na acção principal de que este procedimento cautelar é dependência, algum pedido de indemnização contra a sociedade demandada).
É que a qualidade de uma Democracia e de um Estado de Direito mede-se, antes de mais, pelo grau de cumprimento das normas produzidas por quem detém o Poder Legislativo; boa ou má – se for má deve ser rapidamente mudada – uma Lei (propriamente dita, ou um Decreto-Lei ou um Regulamento) em vigor é para ser cumprida.
E é função dos Tribunais garantir esse cumprimento (isso é, aliás, o que justifica a sua existência enquanto Instituição social e política).
De igual modo e com a muito significativa relevância que adiante melhor se esclarecerá, também a sociedade recorrida deixou transitar em julgado o despacho de fls 998 a 1001, cujo decreto judiciário está igualmente transcrito no ponto 1 da presente deliberação, impedindo a realização, no âmbito deste procedimento cautelar, de um muito necessário exame pericial a realizar sem as limitações de que os ensaios feitos pelas empresas “d Lda” e “C, Lda” notoriamente padecem.
Mas, repete-se, independentemente do disposto no art.º 3ºA do CPC, não compete ao Tribunal substituir-se às partes na defesa dos seus interesses.
4.1.5. Não obstante o que atrás se escreveu e continuando a ter em devida conta as aludidas conclusões das alegações de recurso, não pode colher o argumento usado pelo Mmo Juiz a quo para afastar a possibilidade de ser formulado julgamento quanto à matéria fáctica respeitante à cônjuge e aos filhos do Requerente; na verdade, factos são factos e não são confundíveis com a subsunção jurídica dos mesmos nas normas jurídicas aplicáveis à regulação da situação material controvertida.
O que decorre da decisão transitada em julgado é apenas e tão só que os direitos de personalidade de que são titulares as pessoas físicas que não são parte neste procedimento cautelar não podem ser considerados – não relevam – para o julgamento da lide.
Nesta conformidade, esta Relação irá apreciar os elementos de prova juntos aos autos, incluindo os depoimentos produzidos em audiência por referência também à matéria enunciada no ponto 4.1.3. do presente acórdão que é relativa à situação da cônjuge e dos filhos do Requerente.
E, como sempre o teria que fazer porque essa factualidade não está abrangida pelas limitações supra analisadas, irá aquilatar se podem ou não ser declarados indiciariamente provados neste processo os factos descritos nos nºs 5, 7 e 9 a 15 desse ponto 4.1.3. (que versam sobre os efeitos provocados pelo funcionamento dos aerogeradores nºs 1, 3 e 4 do parque eólico pertencente à sociedade agravada).
Por razões de simplicidade, começar-se-á pela primeira dessas questões – a relativa à família do agravante.
4.1.6. Este Tribunal Superior nota com alguma perplexidade – porque são poucos os dados disponíveis e porque podem existir justificações razoáveis para o facto, não se usa o termo preocupação – que as referências explícitas à menor M são mínimas e as poucas que são feitas são de uma confrangedora superficialidade, o que não acontece com o primogénito varão Ra.
Será que a menina (acima de tudo identificada, pela própria mãe, como vítima da pouca paciência do irmão) não sofre dos mesmos padecimentos do rapaz?
A menor idade daquela não justifica uma tão abissal diferença de tratamento; afinal, apenas 3 anos os separam.
Permita-se uma pequena nota: é possível encontrar várias justificações, todas bem estudadas pela Psicologia e a Sociologia, para a diferença de comportamentos, tão extravagantemente sublinhada pelo Ilustre Mandatário da Requerida, do Ra para com o colega de escola, eventualmente com problemas de autismo, por referência à que manifestava para com a sua irmã M. Uma delas tem a ver com a rivalidade entre irmãos na disputa do “território”, incluindo os afectos e atenções dos progenitores, que é natural durante o processo de socialização das crianças, outra com os sistemas de prémios e castigos que existem nas escolas que funcionam como deve ser (à luz de critérios de aculturação, socialização e aprendizagem adequados, ou melhor, civilizados – e só é pena que isso não aconteça em todas as escolas) que desincentivam as respostas violentas, normais num jovem com a idade do R, às agressões de que são vítimas e, pelo contrário, encorajam a utilização de outro tipo de respostas mais institucionais.
Nada que mereça reparo ou seja estranho a um diligente progenitor – seja pai ou mãe de família.
4.1.7. Retomando o fio de raciocínio que estava a ser prosseguido, não pode deixar de ser assinalado que a antes aludida omissão de prova relativamente à situação da menina M, independentemente de tudo o resto que possa eventualmente significar (e de que não cura conhecer porque este não é um processo a correr termos em Tribunal de Menores e Família) e como o mesmo não pode deixar de conhecer, enfraquece fortemente a posição processual do recorrente, ao qual apenas podem valer os juízos de razoabilidade lógica, de normalidade e de experiência comum (art.º 351º do Código Civil), tão vilipendiados nas alegações, que, apesar de a testemunha N repetidamente assinalar que a sensibilidade dos receptores varia de pessoa para pessoa, permitem concluir que se alguém, numa casa de habitação, manifesta certo tipo de sintomas originados por uma dada fonte de agressão externa, é provável que outros seres humanos que partilham esse mesmo espaço também sofram de idêntica maleita.
E, se forem dois indivíduos a ser portadores de tal sintomatologia (aqui, o pai e o filho), essa probabilidade será, naturalmente, maior.
Todavia, a prudência aconselha que, perante tão grande ausência de informação relevante, essas presunções judiciais sejam usadas com uma relutante parcimónia.
4.1.8. É que, vá lá saber-se porquê, também quanto à cônjuge do Requerente são virtualmente inexistentes as referências consistentes e credíveis; nem sequer no depoimento que prestou essa testemunha foi clara e inequívoca nessa matéria (aliás, como nas outras; por exemplo, no que tange à situação da menor M, até o empregado do Requerente, N conseguiu ser mais descritivo).
Será que não foi um erro táctico tentar obviar aos efeitos previstos no art.º 617º do CPC?
Ignora-se, mas o que é certo é que da conjugação desses factos também pode concluir-se – e não será ilegítimo fazê-lo – que mãe e filha não padecem da doença que aparentemente afecta o Requerente e o seu filho.
Claro que a mãe e os dois filhos passaram a não habitar, durante a maior parte da semana, na Quinta dos autos, mas isso poderá ter ficado a dever-se, tal como a eliminação quase total, nessa Quinta, do convívio da família com as pessoas do seu círculo social, à vontade do Requerente – tenha-se em conta o esclarecedor depoimento do amigo íntimo do casal, J.
E, em boa verdade, que pai (ou mãe) de família minimamente diligente, perante as advertências feitas pela testemunha Nuno Castelo Branco acerca do perigo que a saúde e a integridade física e mental do seu filho – e por tabela as da filha – estavam a correr, não afastaria a sua prole para bem longe desse ambiente maléfico, permitindo-lhes o tão indispensável período de recobro?
Por grande que possa ser – e seguramente o será – o sacrifício que resulta da privação, por tão largos tempos, do convívio com os filhos e a mulher (e vice-versa), só um ser desprovido de inteligência, sentimentos e tudo o mais que deve caracterizar um ser humano decente, actuaria de um modo diferente; essa conduta do Requerente é mais do que justificada.
Só que, no que respeita aos alegados efeitos do ruído produzido pelos aerogeradores sobre a saúde física e mental de R e a sua filha M, em termos de prova, mesmo que apenas sumária e indiciária (fumus bonnus juris), é pouco… manifestamente pouco.
E, pelas razões já expostas, também quanto a essa matéria, não fará este Tribunal uso da faculdade concedida pelo já citado art.º 351º do Código Civil.
4.1.9. Pelo contrário, existe documentação abundante relativamente à situação do Requerente e do seu filho R (v. fls 86 a 87, 88, 89, 213 a 216, 226 a 234, 677 a 681, 682 a 686 e 809), bem como quanto à definição da sintomatologia da denominada doença vibroacústica, alguns deles juntos repetidamente não se sabe com que objectivo, mas podendo admitir-se que apenas por descuido e incúria (fls 135 a 181, 182 a 212, 276 a 323, 687 a 742).
E existe o formidável e extraordinariamente fundamentado, detalhado, coerente e consistente – logo muito credível – depoimento da testemunha N, que “sobreviveu” com elevado mérito às cerradas e muito profissionais e bem preparadas instâncias do Ilustre Mandatário da Requerida, bem como o mais sóbrio mas não menos fundamentado testemunho do neurologista A., que também soube estar à altura das instâncias que lhe foram feitas por aquele Ilustre Advogado (já quanto à testemunha M, a consistência do depoimento que produziu neste processo acabou por ficar abalada com as instâncias a que foi sujeita e, por essa razão, as suas palavras e tudo o que escreveu para ser junto aos autos não será considerado para a fundamentação do presente acórdão, sem prejuízo dos textos que co-subscreve com N serem relevantes por via da prestação deste último).
O Tribunal desatende também a “análise”de fls 834 a 864 (repetida a fls 891 a 921 – e há quem se admire por os processos judiciais serem tão inutilmente volumosos), cuja junção foi admitida a fls 867, mais não seja porque a mesma constitui um depoimento testemunhal não submetido ao crivo do contraditório e prestado por pessoa que nem sequer foi ajuramentada – mas também porque não é próprio (pelo menos no Mundo do Direito não o é) que alguém, por mais pergaminhos que exiba, se arrogue o direito de criticar o trabalho de outrem sem dar ao visado a hipótese de replicar.
Finalmente, quanto ao que agora se discute, são aproveitáveis as declarações da testemunha Maria, mas apenas na parte que respeita às razões que a levaram a contactar os pais do menor R a propósito do seu rendimento escolar e do seu comportamento no colégio de que é directora.
E nada mais (os já antes referidos empregado e amigo do Requerente depuseram essencialmente quanto ao estado de espírito, incomodidade e mal-estar por este último manifestados depois do início do funcionamento dos quatro aerogeradores em causa nos autos, matéria essa que foi considerada na parte da decisão da 1ª instância que não foi objecto de recurso).
O que significa que são parcialmente procedentes as conclusões das alegações de recurso do agravante nas quais o mesmo pede a alteração da parte do despacho recorrido pela qual é indicada a fundamentação de facto que pode sustentar o decreto judiciário através do qual se procederá à resolução do litígio sub judice.
4.1.10. Em síntese e com estes fundamentos, existem realmente razões para ampliar o elenco de factos que podem ser considerados indiciariamente provados com referência ao Requerente e ao seu filho R, o que será feito nos termos a indicar a final, nomeadamente porque, para que essa indicação possa ser completa, há que apurar a matéria relativa aos efeitos decorrentes do funcionamento dos aerogeradores nºs 1, 3 e 4 implantados no parque eólico da sociedade Requerida.
O que, sem necessidade de apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
4.1.11. Passando ao segundo ponto da crítica que o agravante faz à decisão de fls 1040 a 1069, ao contrário do que consta das alegações e conclusões do recorrente, não é apenas o ensaio realizado pela “C” que merece críticas. O concretizado pela “d” também está muito longe da perfeição.
Efectivamente, como a própria testemunha L reconheceu no seu depoimento – e sendo o teor do documento de fls 1029 a 1030, emitido pela Direcção Geral de Energia e Geologia do Ministério da Economia e da Inovação e remetido ao Tribunal recorrido através do ofício de fls 1028, muito claro também nessa matéria (v. o ponto 3) da decisão que foi comunicada à Requerida pelo ofício n.º 15256 de 11 de Dezembro de 2007 transcrita nesse documento) -, não é possível afirmar de ciência certa em que grau cada um dos aerogeradores em causa (nºs 1, 2, 3 e 4) poderá estar a violar as disposições contidas no “Regulamento Geral do Ruído” aprovado pelo DL n.º 9/2007, de 17 de Janeiro.
E, considerando os interesses e direitos em colisão (art.º 335º do Código Civil), esse dado não é despiciendo. Bem pelo contrário.
A esse propósito, o supra referido responsável do “d” deixou claro que apenas fez um mero cálculo, estimativa da qual resultava até que o aerogerador mais longínquo da casa de habitação da Quinta (n.º 1) nem sequer afectaria os que aí vivem a não ser no período nocturno.
Porém, a maior falha do estudo residia – e reside – na circunstância de não ser possível afirmar, porque tal facto não foi sujeito a confirmação independente realizada por pessoa técnica e cientificamente habilitada e devidamente credenciado para tal, em que exactos momentos da recolha de ruído os aerogeradores estavam inaudíveis ou parados e quais o estavam.
E esse também é um elemento – que está em falta – substantivamente condicionador de um adequado apuramento dos factos e de uma boa decisão da causa.
E, por essa razão, tanto mais que o estudo da “C” não pode ser atendido, de todo, porque essa entidade não se encontra devidamente credenciada – não se sabe se ainda não ou se alguma vez o irá ser (mas nenhum Tribunal pode basear as suas decisões ou deliberações em conjecturas ou hipóteses especulativas) – seria de uma enorme importância que a perícia requerida pela agravada se tivesse realizado.
Afinal, a tramitação deste processo – não contando sequer com o período correspondente ao infortúnio que motivou a baixa médica do Julgador em 1ª instância, facto imprevisível e indesejado – já havia durado, à data da prolação do despacho de fls 998 a 1001, bem mais do que o tempo definido no n.º 2 do art.º 382º do CPC e, considerando a, porventura justificável mas ainda assim fortíssima, barreira limitadora consubstanciada no n.º 4 do art.º 381º do mesmo Código e, uma vez mais, a incontornável importância ética e social e económica do conflito submetido ao julgamento do Tribunal, era perfeitamente justificável a satisfação da pretensão aí indeferida.
Nomeadamente porque, recorda-se, a tarefa fundamental dos Juízes – que, de entre todos os profissionais do Foro, são os únicos que são titulares de um Poder de Soberania – é administrar a Justiça em nome do Povo (art.º 202º n.º 1 da Constituição da República).
Mas, face à força do caso julgado que se formou com a desistência do recurso, ter-se-á que passar sem esse exame, ficando então válida e eficaz – para quem possa estar esquecido, relembra-se que, no presente procedimento, o Requerente tem apenas que provar a verosimilhança da existência do direito de que se arroga ser titular – a conclusão constante do relatório de ensaio de fls 95 a 133 pela qual se enuncia que “....o parque eólico apresenta um impacte acústico significativo no local de implantação da quinta do Sr. R, que tem uso residencial, ultrapassando os limites legais definidos no… regulamento (aprovado pelo DL n.º 9/2007, de 17 de Janeiro)(sic – fls 116), sendo certo que também a testemunha L soube responder de forma fundamentada, coerente, consistente e credível às também sólidas instâncias que lhe foram feitas pelo Ilustre Mandatário da Requerida.
E, no topo de tudo isso, encontra-se ainda o conteúdo do já referido documento de fls 1029 a 1030 dando fé das deficiências existentes no processo administrativo apresentado pelo “promotor”, ou seja a Requerida aqui agravada.
4.1.12. Também nesta parte são, portanto, parcialmente procedentes as conclusões das alegações de recurso do agravante, nada podendo, todavia, ser alterado relativamente ao ruído de baixa frequência exactamente porque a consistência do depoimento da testemunha M foi substancialmente abalada pelas instâncias do Ilustre Advogado que patrocina a Requerida.
4.1.13. Deste modo, com estes fundamentos, amplia-se a matéria de facto declarada indiciariamente provada (fls 1044 a 1050) nos termos agora indicados:
a) elimina-se o n.º 15 por ser impreciso e redundante dado o descrito no n.º 16;
b) determina-se que os nºs 4, 5, 6, 14, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28, 35, 37, 38, 39, 41, 52, passam a ter a seguinte redacção:
4. O trabalhador a tempo inteiro, N, de trinta e dois anos, dispõe de lugar de residência na Quinta e durante algum tempo nela viveu e pernoitou em permanência.
5. É na Quinta que o Requerente e o seu agregado familiar tomam as suas refeições, trabalham, estudam, repousam, dormem, passam as suas horas de ócio e recebem familiares e amigos.
6. O Requerente e o seu agregado familiar têm o seu centro da vida familiar e profissional na Quinta, onde durante vários anos estiveram em permanência.
14. São os aerogeradores nºs 1, 2, 3 e 4, dos treze que compõem o parque eólico, mas o último apenas durante o período nocturno, que têm vindo a causar graves danos físicos ao Requerente e ao seu filho R e morais a todo o agregado familiar, desde a sua entrada em funcionamento, em meados de Novembro de 2006.
21. Desde meados de Novembro de 2006 que o Requerente e o seu agregado familiar perderam o direito ao repouso, ao sossego, à qualidade de vida, a um ambiente sadio e equilibrado, e, o primeiro e o seu filho R, à sua saúde, pelo facto de residirem e viverem, em permanência, na Quinta, sendo certo que, durante o 1º semestre de 2008, a cônjuge e os filhos do Requerente passaram a viver, durante vários dias da semana, na casa da sogra do mesmo.
22. A entrada em funcionamento dos aerogeradores nºs 1, 2, 3 e 4 da Requerida, mas o último apenas durante o período nocturno, veio alterar profundamente, e de forma muito negativa, a vida do Requerente e do seu agregado familiar.
23. O Requerente e o seu agregado familiar encontravam-se saudáveis, sem queixas de insónias, dificuldades de dormir ou perturbações do sono.
24. O que deixou de suceder, pelo menos para o Requerente e o seu filho R, com o início do funcionamento dos aerogeradores nºs 1, 2, 3 e 4 da Requerida, mas o último apenas durante o período nocturno, .
25. O nível de ruído que existe na Quinta do Requerente, provocado pela rotação das hélices dos aerogeradores nºs 1, 2, 3 e 4 da Requerida, mas o último apenas durante o período nocturno, impossibilitam o Requerente e o seu agregado familiar de dormir, de descansar, de repousar, de trabalhar e, também, de se divertir na sua propriedade.
26. Esse ruído impossibilita-os de viver a vida que levavam na Quinta até à entrada em funcionamento dos aerogeradores nºs 1, 2, 3 e 4 da Requerida, mas o último apenas durante o período nocturno,.
28. O Requerente e o seu agregado familiar deixaram de poder usufruir plenamente a sua própria habitação.
35. Devido aos dos aerogeradores nºs 1, 2, 3 e 4 da Requerida, mas o último apenas durante o período nocturno, o Requerente e o seu agregado familiar não têm tranquilidade na Quinta.
37. E desde meados de Novembro de 2006 que o Requerente e o seu agregado familiar deixaram de ter um sono tranquilo e ininterrupto, durante a noite, de pelo menos oito horas diárias.
38. Desde essa data que o Requerente e o seu filho R sofrem de insónias e, bem como os restantes membros do agregado familiar, têm enormes dificuldades em adormecer e em dormir, chegando a acordar várias vezes durante a noite.
39. Desde que os dos aerogeradores nºs 1, 2, 3 e 4 da Requerida, mas o último apenas durante o período nocturno, começaram a funcionar, o Requerente tem sofrido de insónias, dores de cabeça frequentes, falta de memória, apresentado queixas de maior irritabilidade e de intolerância progressiva ao ruído.
41. Até à entrada em funcionamento dos aerogeradores nºs 1, 2, 3 e 4 da Requerida, mas o último apenas durante o período nocturno, o Requerente nunca teve necessidade de tomar medicamentos para dormir.
52. Desde a entrada em funcionamento dos aerogeradores nºs 1, 2, 3 e 4 da Requerida, mas o último apenas durante o período nocturno, que o ruído que se faz sentir na Quinta deixa as éguas e os cavalos agitados e sobressaltados.
c) consigna-se que o segundo “n.º 62” referido a fls 1050 como facto provado na audiência, passa a ter o n.º 63;
d) aditam-se àquela factualidade os seguintes nºs 64º a 68º:
64. A cônjuge do Requerente é dona de casa e toma conta dos filhos, não exercendo qualquer actividade profissional.
65. Quando o ruído provocado pelos aerogeradores nºs 1, 2, 3 e 4 da Requerida, mas o último apenas durante o período nocturno, é muito intenso não é possível ao Requerente e ao seu agregado familiar brincar no jardim ou na área exterior à casa de habitação.
66. Os filhos do Requerente estão em idade escolar e o R não consegue concentrar-se o suficiente para estudar.
67. Para uma efectiva recuperação fisiológica das crianças, é aconselhável que as mesmas durmam, pelo menos 10 horas por dia.
68. O R, filho do Requerente, no segundo trimestre de 2007, demonstrou sinais de estar a sofrer de cansaço e teve uma descida relevante de algumas notas, por referência ao primeiro trimestre, bem como manifestou perda de interesse pelas matérias escolares que exigem uma maior concentração, estudo e esforço físico (humanidades, língua inglesa e ginástica), acompanhada de um progresso na matemática, que é mais lógica e dedutiva.
O que, sem necessidade de apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.

4.2. Com a decisão de fls 1040 a 1069 foi ou não violada a disposição contida no art.º 70º do Código Civil?
4.2.1. Face ao que ficou decretado no ponto 4.1. do presente acórdão, encontra-se agora estabilizada a matéria de facto (indiciária), que pode servir de base à apreciação do mérito do recurso interposto pelo agravante.
Dada a clareza e linearidade dos textos que constituem os artºs 381º e 387º do CPC, dúvidas não se suscitam, nem na Jurisprudência nem na Doutrina, quanto ao exacto conteúdo dos conceitos neles consagrados; as questões surgem a um outro nível, qual seja: saber se a factualidade indiciariamente provada preenche ou não os requisitos estabelecidos na compreensão lógica da previsão normativa desses dois comandos legais, nomeadamente nos nºs 1 e 2 daquele art.º 387º.
É disso que se curará na presente deliberação.
4.2.2. Como é de todos conhecido, o Legislador determinou que, para que seja possível o decretamento de uma proporcionada providência (art.º 335º do CPC), basta ao requerente demonstrar que existe uma probabilidade séria da existência do direito que invoca estar integrado na sua esfera jurídica e que existem fundados receios de que outrem irá causar lesão grave e dificilmente reparável a esse seu direito.
Ora, sendo indesmentível que o Requerente agravante terá, na acção principal de que estes autos são dependência, que se esforçar muito mais (ou ainda mais) para ver reconhecido o direito de que se arroga ser titular – particularmente, para demonstrar que no parque eólico da Requerida e quanto a cada um dos 4 aerogeradores em apreço, estão a ser excedidos os limites de ruído previstos nos artºs 11º, 13º e 21º do Regulamento aprovado pelo DL n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, e que, como consequência directa e necessária desse facto, a sua saúde física e mental e o seu património, bem como os dos restantes membros da sua família nuclear (de todos ou apenas de alguns), já foram e continuam a ser afectados -, menos verdadeiro não é que, neste procedimento cautelar existem sinais evidentes não apenas dessa violação do aludido Regulamento Geral do Ruído mas também que a saúde física e mental (o equilíbrio psicológico e emocional) do Requerente e do seu filho R (mas só destes) foram já comprometidos e prejudicados, bem como foi estabelecido, também com grande verosimilhança, um suficiente nexo de causalidade entre esse ruído audível (o mesmo não acontecendo, contudo, com o ruído de baixa frequência) e essas lesões dos direitos de personalidade (art.º 70º do Código Civil) dessas pessoas, mas sendo certo que as relativas ao rapaz menor não podem servir directamente de fundamento ao julgamento da lide.
Ou seja, mais do que um fundado receio de violação do direito, o Requerente agravante apresentou sinais suficientes de que essa violação já se concretizou. E, mais ainda, que da lesão já verificada podem advir danos irreversíveis quer para ele quer para o seu filho R.
E que pai minimamente diligente não fará tudo para proteger o seu filho?
É óbvio que qualquer pai, que o seja na verdadeira acepção da palavra (se o não for, não merece essa protecção do Direito – mas tudo indica que o agravante é um pai pelo menos normal) até se preocupa mais com os filhos do que consigo próprio, pelo que e, nessa exacta medida, ou seja, de um modo indirecto, também a situação descrita nos autos viola direitos de personalidade do Requerente.
E mal irá uma Sociedade – e, pior, um Tribunal (dadas as suas especiais responsabilidades sociais e institucionais) – se não reconhecer essas verdades evidentes e elementares.
4.2.3. Não obstante o que atrás se deixou escrito, como foi inicialmente acentuado, há também que ter em conta o estatuído no n.º 2 do art.º 387º do CPC.
Invoca – e nessa parte bem – a Requerida, a importância estratégica das energias renováveis e, em particular da energia eólica, não apenas para o País (relevância económica e política – maxime, a diminuição da nossa dependência energética face ao exterior, a protecção e desenvolvimento da indústria nacional, e o incentivo à capacidade criativa e inventiva dos portugueses) ou para todos os membros da Comunidade nacional, mas para a Humanidade inteira.
Essa alegação é verdadeira – de outro modo, nem o Tribunal se preocuparia em dar-lhe muita atenção, porque, ao mesmo tempo, o que também está em causa são os lucros e os compromissos comerciais da sociedade agravada e os direitos de personalidade das pessoas singulares prevalecem, sem margem para dúvidas, sobre os interesses empresariais (artºs 335º n.º 1 do CPC e 1º, 11º, 24º a 26º, 61º e 62º da Constituição da República – estes últimos apenas para deixar bem claras as preferências éticas do Legislador Constitucional).
Sem - o que é ética e moralmente inaceitável - atribuir “direitos” à Natureza, a ser exercidos contra os Humanos (afinal, também eles – nós – uma parte dessa Biodiversidade), a verdade é que as gerações vindouras têm direito a um Ambiente saudável, equilibrado e não degradado ou poluído.
Esta posição jurídica tem pleno assento legal no n.º 2 do art.º 66º do Código Civil – podendo o aí determinado quanto aos nascituros ser claramente alargado, nas mesmas exactas condições (dependendo esses direitos do seu nascimento completo e com vida), aos concepturos (aqueles ainda apenas pensados e nem sequer ainda concebidos).
Recorda-se que os índios americanos – por isso lhes era a eles tão difícil compreender os brancos que chegavam da Europa e os que, já não só os brancos, mais tarde, partiram da Costa Este à conquista do Oeste – não se concebiam como donos da Terra (e das terras e dos animais) mas apenas como os Guardiães da mesma (e dos mesmos) para os filhos dos filhos dos seus filhos - curiosamente, essa ideia é usada na publicidade de uma marca suíça de relógios de luxo (“You never actually own a P… Ph…. You merely look after it for the next generation”).
4.2.4. Todavia, sem prejuízo da integral validade dessa argumentação, é indispensável não esquecer que os chamados direitos da terceira geração (ambientais e ecológicos, protecção dos consumidores e outros), não podem ser construídos sobre os destroços dos direitos da segunda geração (económicos e sociais – isto é, os consagrados com o Estado Social de Direito edificado, fundamentalmente, a partir da IIª Guerra Mundial, mas cujas origens podem ser encontradas na Constituição de Weimar da República Alemã, escrita após o final da Iª Guerra Mundial) e dos da primeira geração (os que surgiram no século XIX com a criação dos chamados Estados Liberais).
Como resulta inequivocamente do disposto no n.º 2 do art.º 335º do Código Civil, no mínimo, a solução equitativa e proporcionada é aquela de que resulta que todos os direitos produzem igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
Porém e voltando à hierarquia de Valores Éticos inequivocamente estabelecida nos artºs 1º, 11º, 24º a 26º, 61º e 62º da Constituição da República – e nomeadamente nos cinco últimos – é mais do legítimo entender que, estando em causa a saúde física e a integridade psíquica e emocional de duas pessoas (uma delas um menor), a norma aplicável ao caso será até a do n.º 1 e não a do n.º 2 do citado art.º 335º.
O que sempre daria prevalência aos direitos de personalidade do Requerente. E dá mesmo, em especial se for tido em conta – e este Tribunal tem isso em conta – que a violação indiciada poderá causar danos irreparáveis quer no demandante quer no seu filho R.
Vale à Recorrida a circunstância de não estar totalmente apurado em que grau cada um dos aerogeradores viola os direitos de personalidade do agravante e, mais do que isso, que a gravidade das lesões pode ser menor (pode, inclusive, haver recuperação) com um suficiente período de descanso e recobro – v. depoimento da testemunha N.
4.2.5. Nestas circunstâncias, sendo, no essencial, procedentes as conclusões das alegações de recurso apresentadas pelo agravante, entende-se que é equitativo e proporcionado determinar, com base inclusive no “cálculo” feito pela testemunhaLuís Manuel Conde Santos, a imediata suspensão do funcionamento dos aerogeradores nºs 1, 3 e 4 instalados no Parque Eólico, pertencente à Requerida, mas apenas nos períodos “nocturno” e “do entardecer”, tal como os mesmos se encontram definidos no art.º 3º do “Regulamento Geral do Ruído” aprovado pelo DL n.º 9/2007, de 17 de Janeiro.
O que, sem necessidade de apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara

*
5. Pelo exposto e em conclusão, no presente processado de recurso de agravo a correr termos pela 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, delibera-se:
a) ampliar a matéria de facto considerada indiciariamente provada nos termos decretados no ponto 4.1.13 do presente acórdão, para o qual aqui se remete;
b) revogar parcialmente a decisão recorrida e, em sua substituição, decreta-se que, para além da já ordenada suspensão total do funcionamento do aerogerador n.º 2 (número dois), instalado no Parque Eólico (…) de Torres Vedras, será também imediatamente suspenso o funcionamento dos aerogeradores nºs 1, 3 e 4 do mesmo parque eólico, mas estes apenas nos períodos “nocturno” e “do entardecer”, tal como os mesmos se encontram definidos no art.º 3º do “Regulamento Geral do Ruído” aprovado pelo DL n.º 9/2007, de 17 de Janeiro.
Custas por ambos os litigantes, na proporção de ½ para cada um deles.
Lisboa, 2009/01/13
(Eurico José Marques dos Reis)
(Ana Maria Fernandes Grácio)
(Paulo Jorge Rijo Ferreira)