Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9152/2002-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
MARCAS
IMITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/02/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário: A imitação de marcas deve ser apreciada mais em função das semelhanças que sobressaiam do conjunto de elementos que constituem os sinais distintivos em confronto do que das diferenças que possam estabelecer-se analisando os diversos elementos separadamente.
O critério apreciação a que, em geral, deve atender-se é o do consumidor final médio dos produtos em causa, que coloque nas suas escolhas mediana diligência e perspicácia, e não o do consumidor particularmente desatento ou o do consumidor especialmente observador.
Referindo-se aos mesmos produtos, são confundíveis as marcas CUPRINOL e CUPRILEC
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório.
 1.  TINTAS ROBBIALAC, SA, com sede em Vale de Lide, São João da Talha, Sacavém, intentou, em 28.04.2000, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra LEONEL, CARVALHO & SANTOS, LDA, com sede na Rua de São João, 90–94, 4000 Porto.
Alegou, em síntese, que celebrou com a sociedade britânica "Cuprinol, Limited", um contrato de licença de "Know–how", através do qual aquela concedeu à autora licença de comercialização dos produtos com a marca "Cuprinol” em regime de exclusividade para todo o território nacional; em finais do ano de 1999, a A. tomou conhecimento da existência de um estabelecimento onde estavam a ser comercializados produtos com a designação de "CUPRILEC" castanho e incolor, associados à marca LECAR, detida pela sociedade Leonel, Carvalho & Santos, Lda, os quais não haviam sido fabricados, comercializados ou distribuídos pela autora; as duas designações, que para além da fonética, confundem–se também pela semelhança gráfica das suas letras, tendo o início das palavras as mesmas letras; a utilização pela R. da dita designação, causou e continua a causar prejuízos à A. que, nos termos dos contratos de utilização exclusiva, era e é, a única empresa que em Portugal pode utilizar a designação de "Cuprinol".
Terminou pedindo a procedência da acção e a condenação da ré:
a) no pagamento à A. de uma indemnização de valor não inferior a Esc. 10.000.000$00, acrescida de juros desde a data da citação até integral pagamento;
b) no pagamento à A. de uma indemnização pelos prejuízos futuros, a determinar em decisão ulterior;
c) na obrigação de retirar do mercado todos os produtos que comercializa com a marca/designação de "Cuprilec";

Citada a Ré, veio contestar. Alegou que comercializa um produto com a marca "Cuprilec" desde 1974, ano em que se constituíra, produto esse com pouca venda, não fazendo concorrência ao "Cuprinol", não tendo causado nenhum prejuízo à Autora.
Concluiu, pedindo a improcedência da acção.

Corridos os normais termos, veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a retirar do mercado todos os produtos que comercializa com a designação Cuprilec  ou Cubrilec e a pagar à autora a quantia de 4 000 000$00, acrescida de juros, a título de indemnização, e relegou para execução de sentença o pagamento da indemnização por danos futuros.

  Inconformada com essa decisão, interpôs a ré o presente recurso.
  Alegou e formulou as seguintes conclusões:
A – A marca "Cuprilec” é constituída por dois vocábulos: Cupri, referente ao cobre que entra na composição do dito produto e Lec, abreviatura de Lecar marca da empresa R.;
B – O termo "cupri" é de utilização genérica e, não pode ser apropriado individualmente por um indivíduo de uma empresa, fazendo parte da denominação de diversos produtos de cuja composição faça parte o cobre;

  A recorrida contra alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
 
Matéria de Facto.
2. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
I– No âmbito da sua actividade, a Autora TINTAS ROBBIALAC, SA celebrou, em 5/7/91, um contrato com a sociedade CUPRINOL LIMITED, nos termos do qual, a segunda concedeu à primeira  licença de comercialização dos produtos com as marcas n° 162277 e n° 162276 "CUPRINOL".
II- As marcas nacionais n° 162277 e n° 162276 "CUPRINOL", destinadas a assinalar "composições químicas utilizadas como preservativos para artigos têxteis, revestimentos preservativos para madeira, obra em pedra, obra em tijolo e metais", encontram-­se registadas a favor da sociedade CUPRINOL LIMITED desde 1950.
III – A Autora comercializa vernizes/imunizadores para tratamento de madeiras com a marca "CUPRINOL".
IV – Pelo menos, desde finais de 1999, a Ré LEONEL, CARVALHO & SANTOS, LDA, comercializa produtos para aplicação em madeira com a designação "CUPRILEC" castanho e "CUPRILEC" incolor, associados à marca "LECAR" que pertence à Ré.
V – Produtos estes que não foram fabricados, comercializados ou distribuídos pela Autora.
VI – A Autora é empresa conceituada no sector das tintas e vernizes.
VII – O produto com a marca "CUPRINOL" é comercializado pela Autora em embalagens de litro cujo preço de venda ascende a cerca de 1.600$00.
VIII – O produto com a designação "CUPRILEC" é comercializado pela Ré em iguais embalagens pelo preço de 150$00.
IX – Após a celebração do contrato referido em I), a Autora produziu vernizes para madeira, para serem comercializados sob a marca "CUPRINOL", que lhe permitiriam atingir, ao fim de oito anos, um volume de vendas não inferior a 2.500.000.000$00,
X – Mas, entre 1992 e 1999, a Autora apenas conseguiu obter receitas no valor total de 2.261.670$00.
XI – E naquele período, a Autora deixou de vender aqueles produtos, pelo menos no valor global de cerca de 4.000.000$00, devido à comercialização pela Ré de produtos com a designação "CUPRILEC".
XII – a Ré comercializa produtos sob a designação "CUPRILEC" em Portugal desde 1974.
XIII – Em Maio de 2000, a Ré alterou a designação "CUPRILEC" para "CUBRILEC".

  O Direito.
  3.  Vistas as conclusões da alegação da recorrente, a única questão colocada no presente recurso traduz-se em saber se os produtos com a designação "CUPRILEC", comercializado pela Ré, para aplicação em madeiras, são ou não susceptíveis de se confundir com as marca nacionais n° 162277 e n° 162276 "CUPRINOL", destinadas a assinalar "composições químicas utilizadas como preservativos para artigos têxteis, revestimentos preservativos para madeira, obra em pedra, obra em tijolo e metais", registadas a favor da sociedade CUPRINOL LIMITED desde 1950 e que a ora recorrida está autorizada a comercializar em exclusividade no território nacional.
Defende a recorrente que não, porque a marca "Cuprilec” é constituída por dois vocábulos: Cupri, referente ao cobre que entra na composição do dito produto e Lec, abreviatura de Lecar marca da empresa R. e ainda porque o termo "cupri" é de utilização genérica e, não pode ser apropriado individualmente, fazendo, aliás, parte da denominação de diversos produtos de cuja composição faça parte o cobre;
 
  O conceito legal de imitação era, ao tempo, fornecido pelo art.º 193º do CPI. então vigente (anterior ao aprovado pelo DL 36/2003, de 5 de Março)
 Resultava do n.º 1 desse preceito que os requisitos da imitação eram os seguintes:
  1º - a prioridade da marca imitada;
  2º - a identidade ou afinidade manifesta dos produtos ou serviços;
  3ª - a semelhança gráfica, figurativa ou fonética da marca posterior com a marca anteriormente registada susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão.
  No caso, a verificação dos dois primeiros requisitos nem suscita divergências, pelo que só do terceiro nos ocuparemos.
 
A semelhança entre marcas constituía, e continua a constituir, imitação, quando seja de molde a provocar no mercado risco de confusão ( que compreendia o risco de associação - art.º 193º/1/c) in fine) com o  de marca anteriormente registada a favor de outrem. A imitação devia ser apreciada mais em função das semelhanças que sobressaíam do conjunto de elementos que constituíam os sinais distintivos em confronto do que das diferenças que  pudessem estabelecer-se, analisando os diversos elementos separadamente.
  Como afirma o Prof. FERRER CORREIA ( Lições de Direito Comercial, I, pág. 329)
  [ ...] a  imitação de uma marca por outra existirá, obviamente quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas existirá ainda, convém sublinhá-lo, quando, tendo-se em vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que é susceptível de ser tomada por outra de que se tem conhecimento. Este processo de aferição da novidade é o que melhor tutela o interesse que a lei visa proteger - o interesse em que não se confundam, através da marca, mercadorias idênticas ou afins pertencentes a empresários diversos. Com efeito, o consumidor, quando compara determinado produto marcado com sinal semelhante a outro que já conhecia não tem à vista ( em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido de que a marca que  o assinala é aquela que retinha na memória".
A imagem do conjunto é a que mais perdura e a que mais influência tem para o juízo da confundibilidade entre marcas. Raramente o consumidor médio se depara com os dois sinais no mesmo momento; a comparação que entre eles pode fazer não é simultânea, mas sucessiva, pelo que, no momento da escolha, a comparação se verifica entre um sinal e a memória que se possa ter de outro ( CARLOS OLAVO, "Violação do Direito à Marca", O Direito, 127º, I-II, pag. 55).
 Por isso, a nossa jurisprudência vem decidindo que é mais por intuição sintética que por dissecação analítica que deve proceder-se na comparação de marcas ( cfr. ac. STJ, 3/11/81,  BMJ-311, pág. 401).
  O critério ou padrão de apreciação a que, em geral, deve atender-se é o do consumidor final médio dos produtos em causa, que coloque nas suas escolhas mediana diligência e perspicácia e não o do consumidor particularmente desatento ou o do consumidor especialmente observador. Todavia esse padrão normativo deve ser relativizado, construindo o  protótipo por aproximação à realidade do mercado, levando em conta a natureza, características e preços dos produtos e serviços diferenciados pelas marcas em confronto.
No caso, quer façamos intervir o critério do consumidor profissional médio, quer o do consumidor final médio afigura-se-nos que há risco de confusão visual ou fonética entre as marcas em confronto, tanto mais que, como realçou o tribunal recorrido, estando em causa uma marca nominativa, é o aspecto fonético que em geral prevalece na memória, sendo por isso esse o elemento de maior eficácia distintiva. Mas sempre dentro de uma apreciação global.
Assim, sendo o critério a utilizar basicamente o da imagem do conjunto, a questão não pode ser equacionada, como faz a recorrente, em termos do elemento –“cupri”- ser de utilização genérica e fazer parte da denominação de diversos produtos de cuja composição faça parte o cobre.
Aliás, o facto de que o julgador poderia eventualmente tirar essa ilacção, também não se mostra provado, sendo  que cabia à recorrente a sua prova, nos termos do art. 342º/2 do C. Civil.
 Posto o que, e não vindo questionado nenhum outro aspecto da sentença recorrida,  se impõe negar provimento ao recurso e confirmar aquela.

Decisão.
4. Termos em que acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 2 de Outubro de 2003

Maria Manuela Gomes
Olindo Geraldes
Fátima Galante