Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8304/2007-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO
REIVINDICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: Não se deve suspender a execução pelo facto de terem proposto acção de reivindicação os alegados proprietários de imóvel penhorado e ainda não vendido.

(SC)
Decisão Texto Integral: Agravante: Cepsa-Portuguesa Petróleos, S A
Agravado: Petropol-Petróleos e lubrificantes, Lda.

Acordam em conferência na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa. 

I – RELATÓRIO

Cepsa- Portuguesa Petróleos, SA instaurou, contra Petropol-Petróleos e Lubrificantes Lda., acção executiva para pagamento de quantia certa no valor de Euros 98.639,88, titulada em vários cheques emitidos pela executada a seu favor e destinados ao pagamento de combustíveis que aquela lhe forneceu, os quais apresentados a pagamento foram devolvidos por falta de provisão.

Seguidos os trâmites legais e realizadas as diligências tendentes à concretização de bens penhoráveis a exequente nomeou à penhora o imóvel melhor identificado nos autos sito no concelho de Felgueiras.

Realizada a penhora deste imóvel registada a favor do exequente,  a execução esteve suspensa nos termos do artº871 do CPC, por virtude de penhora anterior, vindo, posteriormente a prosseguir em virtude do cancelamento do registo anterior.

Deferido então o prosseguimento dos autos foi ordenado a convocação de credores seguindo o disposto no artº864 do CPC.

Nesta sequência, patrocinados por advogado, vieram aos autos Maria Emília […] e Maria Teresa […] através de requerimento datado de 20/11/06, referindo a junção de protesto de reivindicação  do imóvel em questão por ser da sua propriedade, juntando como documentação cópia da petição inicial da acção de reivindicação que intentaram contra a aqui executada e outros,  que deu entrada no Tribunal […]  em 27/10/06, bem como as escrituras públicas relativas à alegada aquisição, bem como documentos da Conservatória do Registo Predial e da respectiva repartição de  Finanças.

O exequente opôs-se e requereu o prosseguimento da execução com a venda do imóvel a realizar-se por propostas em carta fechada.
 
Apreciando o requerimento em questão, o Sr.Juiz em face da documentação junta pelos requerentes entendeu de acordo com o disposto no artº279, nº1 do CPC, que não seria conveniente o prosseguimento da execução e eventual realização da venda do imóvel até que não esteja decidida a acção de reivindicação.   

Inconformada, a Exequente interpõe o presente recurso recebido como de agravo com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

A agravante culminou a sua minuta de recurso nas seguintes conclusões:

Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação do despacho que declarou suspensa a instância.

Não foram juntas contra-alegações.

O Sr. Juiz sustentou tabelarmente o despacho impugnado.

Cumpridos os vistos, nada obsta, pois, ao conhecimento do mérito.

II – OS FACTOS

Ao que importa à decisão, apenas a referir o teor do despacho indicado no relatório e para cujo conteúdo se remete (artº713, nº6 do CPC), bem como a descrita tramitação da execução no que concerne à suspensão da execução determinada ao abrigo do disposto no artº279, nº1 do CPC.

III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Por organização de raciocínio, convém partir da premissa consabida, segundo a qual, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes, importando conhecer das questões nelas colocadas, à parte das que exijam apreciação oficiosa – artº684, nº3 e 690 do CPC.

A relativa simplicidade do objecto do dissídio permite afirmar liminarmente que assiste razão ao agravante, conquanto não coincidimos na íntegra com a sua argumentação.

Equacionemos então a questão a analisar nas seguintes interrogativas:
· O requerimento junto pelos terceiros observou a forma legal estabelecida para o termo de protesto de reivindicação e está em tempo?
·  Tal circunstância não constitui ainda assim motivo legal que suporte a decretada suspensão dos termos da execução?
·  A suspensão da instância executiva pode acolher-se nos pressupostos constantes do artº279 do CPC?  
  
 Vejamos, considerando aplicável aos autos o Código Processo Civil, na redacção dada pelo DL 329A/95, de 12/12, atenta a data da instauração da execução que remonta a 4 de Dezembro de 1998.

Como ponto prévio, cabe referir que se manteve o despacho que fixou o modo de subida e efeito do recurso, pois não obstante a aplicação do artº923, nº1 al) c do CPC, prescrever a subida dos agravos apenas após a adjudicação do bem, o certo é que, se entendeu que, manter a situação em suspensão de instância, tornaria o conhecimento do agravo inútil[1], o que desta forma se salvaguardou, inexistindo também razões de economia processual ou perturbação no bom andamento do processo, uma vez que o agravante pretende ver a venda prosseguir sem mais delongas.  
 
 O que diz a lei.

Dispõe o art º 910, nº 1 do CPC:

“1-Se, antes de efectuada a venda, algum terceiro tiver protestado pela reivindicação da coisa, invocando direito próprio incompatível com a transmissão, lavrar-se-á termo de protesto; nesse caso, os bens móveis não serão entregues ao comprador senão mediante as cautelas estabelecidas nas alíneas b) e c) do artº1384 e o produto da venda não será levantado sem se prestar caução.”
2- Se, porém, o autor do protesto não propuser a acção dentro de 30 dias ou a acção estiver parada, por negligência sua, durante três meses, pode requerer-se a extinção das garantis destinadas a assegurar a restituição dos bens e o embolso do preço; em qualquer desses acasos o comprador, se a acção for julgada procedente, fica com o direito de retenção da coisa comprada, enquanto lhe não for restituído o preço, podendo o proprietário reavê-lo dos responsáveis, se houver de o satisfazer para obter a entrega da coisa reivindicada.”

Dispõe o artº911 do CPC:
“ O disposto no artigo anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, ao caso de a acção ser proposta, sem protesto prévio, antes da entrega dos bens móveis ou do levantamento do produto da venda. “

Por seu turno, dispõe o art.º 279 do CPC:

1- O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer motivo justificado.”

Passemos então ao debate das matérias sugeridas.
   

Para concretizar tal tarefa há a considerar a materialidade de facto que deixámos acima relatada, tratando-se, sobretudo de avaliar afinal se a acção de reivindicação intentada pelos requerentes que se arrogam proprietários do imóvel penhorado, constituirá causa prejudicial para a continuação da lide executiva.

Salvo o devido respeito, o despacho impugnado não tem sustentáculo legal, e pese embora, algumas conclusões da agravante não sejam por nós subscritas, o certo é que, a acção executiva deverá prosseguir, sim, e já!

A decisão de suspender a instância ao abrigo do artº279 do CPC, não traduz um poder totalmente discricionário, mas sim, um poder vinculado, dependente da verificação do condicionalismo legal. [2]

É unânime que uma causa é prejudicial em relação a outra quando na segunda se discutir em via principal uma questão essencial para a primeira.

Por seu turno, é aceite sem relutância que apesar da faculdade e previsão do artº279 do CPC não delimitar o seu campo de aplicação às acções declarativas, e, ou executivas, inserindo-se no âmbito das normas de carácter geral, ela terá sido arquitectada pelo legislador para as acções declarativas,  se falarmos em prejudicialidade. [3] 

Concomitantemente, o Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos perfilha igualmente a inaplicabilidade do artº279, nº1 do CPC às acções executivas, admitindo apenas a sua concretização nalgumas das fases declarativas enxertadas no processo executivo. [4]

Como sabemos, na situação concreta confrontamos uma acção executiva, em que o direito de crédito do exequente sobre o executado não está já em discussão, e portanto deverá satisfazer-se à custa da venda do património do devedor, não podendo existir um julgamento de mérito; [5] enquanto, na acção de reivindicação, intentada pelos ali terceiros constitui uma acção declarativa e a sua finalidade principal é ainda a definição da existência do direito de propriedade sobre o imóvel de que os autores se arrogam. [6]

De resto, prefigurando situação paralela àquela que os autos nos ocupam, ou seja, uma execução e uma acção de reivindicação, escrevia então o Prof.Alberto dos Reis:” Pelo facto de ter sido proposta acção de reivindicação, não se segue que deva ser suspensa a execução sobre os bens, objecto da acção. Não é o caso de aplicar o artº284.[7] A execução continua a correr e os bens serão vendidos se, na altura da venda, a acção ainda não estiver decidida. O que é natural e razoável é que do facto da pendência da acção seja dado conhecimento aos pretendentes da compra….” [8].

Em igual sentido se pronunciou o Conselheiro Eurico Lopes Cardoso, referindo:” Ao contrário do que sucede com os embargos de terceiro, a acção de reivindicação intentada antes da venda não suspende a execução sobre os bens seu objecto, nem a própria venda deles, mas tem o efeito previsto no artº911…”. [9]

Observe-se que o obstáculo à decisão não se prende com a caducidade do direito do terceiro por não ter deduzido embargos de terceiro, ou até, por eventual vício formal na formulação do termo de protesto.

Com efeito, o terceiro pode lançar mão dos embargos, se nomeadamente, estiver na posse da coisa penhorada, mas, pode a todo o tempo, sem prejuízo do prazo de prescrição do direito de propriedade, [10]intentar a acção de reivindicação contra o exequente ou contra o executado, consoante aquele que nomeou os bens à penhora.

Pelo que, quanto à invocada caducidade não colhe a argumentação do agravante.

Por outro lado, o impedimento formal aventado pelo agravante pelo facto do termo de protesto não obedecer à forma legal, não constituiria por si só motivo para desaprovar o despacho impugnado, uma vez que, deverá equiparar-se o protesto à instauração da acção de reivindicação que os requerentes provaram terem já intentado. [11]   

No que se refere à apontada excepção da ilegitimidade da acção reivindicatória proposta pelos terceiros que não demandam o aqui exequente, será questão a apreciar obviamente pelo Juiz da causa, crendo ainda assim, como atrás dito, que tal desiderato deveria ser cumprido, mas não é questão que ora nos ocupe.   

Doravante, o processo executivo deverá continuar os seus trâmites e anunciada a venda do imóvel que a concretizar-se, deverá ser rodeada das cautelas e garantias da reivindicação proposta a que se reporta o artº911 do CPC. [12]

Ou seja, quando o alegado terceiro proprietário do bem penhorado protestar pela reivindicação antes de ser vendido o imóvel penhorado (como é o caso) ou intentar acção antes de do levantamento do produto da venda, tal produto só pode ser levantado se o credor a quem for atribuído prestar caução da quantia recebida. [13] 

Em conclusão:

Não constitui causa de suspensão da execução a instauração de acção de reivindicação pelos alegados proprietários do imóvel penhorado e ainda não vendido.

Procede, assim, nesse particular a alegação do agravante.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se, conceder provimento ao agravo, revogando  a decisão que determinou a suspensão da execução e assim devendo os autos prosseguir para venda do imóvel.
Não são devidas custas.
            
                     Lisboa, 20 de Novembro de 2007  
            
                        Isabel Salgado

                        Roque Nogueira

                        Abrantes Geraldes
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[1] Reconhecendo embora que não seja inequívoca a inutilidade da retenção do agravo, existem motivos ponderosos para desde já conhecer do agravo.
[2] Cfr.exemplificadamente, o Ac.STJ in BMJ 410, pag.656.
[3] Note-se aliás, que o despacho não é muito claro na indicação da causa da suspensão, limitando-se a remeter, entre parêntesis para o disposto no artº279,nº1 do CPC.
[4] In Notas ao Código de processo Civil, 1971, volume II, pag.47.
[5] Observe-se que os autos ultrapassaram já a fase dos embargos de executado e de terceiro.
[6] Sobre a questão consultar Comentário ao Código de Processo Civil, 3º, pag.274 do Prof.Alberto dos Reis e Porf.Vaz Serra in Revista de Legislação e Jurisprudência. ano 96, pag. 336.
[7] Com a actual correspondência ao artº279 do CPC.
[8] In Processo de Execução, 2º, 1985, pag.455,
[9] Manual da Acção Executiva, 3ªedição, pag.355.
[10] Cfr.artº1040 do CCivil-20 anos
[11] Neste sentido, Cons.Lopes Cardoso in obra citada, pag.607, notas de pé de página.
[12] Cfr. Exemplificadamente, neste sentido o Ac.STJ de 14/10/04 in www.dgsi.pt.
[13] Todas as garantias caducam se porém o terceiro não intentar a acção reivindicatória em 30 dias após o protesto ou a acção proposta estiver parada por sua negligência durante 3 meses.