Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12108/2005-4
Relator: FERREIRA MARQUES
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I. O art. 318º nº 1 do Código do Trabalho – que corresponde, com alterações ao art. 37º da LCT – transpôs para o nosso ordenamento jurídico a Directiva nº 2001/23/CE do Conselho de 12.03.2001.
II. Este preceito consagra o princípio da transmissão para o adquirente da empresa ou de estabelecimento de todas as obrigações relativas aos contratos de trabalho abrangidos pela respectiva transmissão.
III. A noção de “unidade económica” a que alude o nº 4 do mesmo preceito reproduz o art. 1º nº 1 al. b) da directiva, que recolheu o ensinamento do TJCE, segundo o qual é considerada transmissão a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizado, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

(A) e (B) instauraram acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra
Strong-Serviços Operacionais de Protecção e Segurança Privada, S.A., com sede no Largo do Movimento das Forças Armadas, n.º 3, em Alfragide, e
CSP Companhia de Segurança Privada, Lda., com sede na Av. Infante D. Henrique, 328 C, em Cabo Ruivo, pedindo que uma das RR. seja condenada a reintegrá-los, bem como a pagar-lhes as retribuições vencidas até à reintegração e uma indemnização de € 750,00 a cada um deles, a título de reparação pelos danos morais sofridos.
Alegaram para tanto e em síntese o seguinte:

São trabalhadores da 1ª Ré, respectivamente, desde 3.08.2001 e 15.11.2000, ambos com as categorias de vigilante. No ano de 2004, o seu local de trabalho foi no Estádio José de Alvalade, Edifício Visconde Alvalade, em Lisboa. À sua relação de trabalho é aplicável o CCT celebrado entre a AES e o STD, publicado no BTE n.º 4, de 28.01.1993, e posteriores alterações. A Ré comunicou-lhes que, a partir de 12.10.2004, passariam a ser trabalhadores da empresa CPS – Companhia de Segurança Privada, a qual assumiria a posição de entidade patronal, invocando a clausula 13ª do referido CCT. Contudo esta empresa não lhes reconheceu tal qualidade, sendo que desde então não lhe foi dado mais trabalho, nem por esta empresa, nem pela Ré, que insiste em considerá-los trabalhadores da CSP; Não lhes é aplicável a cláusula 13ª do CCT, dado que não ocorreu transmissão do estabelecimento ou cessão da actividade da ré para a outra empresa, tendo simplesmente sido adjudicada à empresa C.S.P. a empreitada que a Ré tinha a seu cargo. Com o procedimento da Ré Strong, sofreram danos morais, designadamente, abalo emocional e angústia.

A Ré Strong contestou a acção, alegando em resumo o seguinte:

Os serviços que prestava no Edifico de Alvalade (local de trabalho dos AA.) foram-lhe atribuídos por contrato de prestação de serviços pela empresa NEJA, S.A.. Esta empresa, a partir de 12.10.04, atribuiu tais serviços à empresa CSP. Por força do disposto no art. 318º do CT esta passou a ser a entidade patronal dos AA., dado que em certos sectores económicos como a segurança e limpeza os elementos da unidade económica assentam essencialmente na mão de obra. Concluiu pela improcedência da lide e pela sua absolvição dos pedidos.

A Ré CPS – Companhia de Segurança Privada, Lda., na sua contestação defendeu-se por excepção e por impugnação. Por excepção arguiu a sua ilegitimidade, alegando que são os próprios AA. que reconhecem que não houve transmissão do estabelecimento da 1ª Ré para a 2ª Ré e que admitem que não é aplicável, no caso em apreço, a cláusula 13ª do CCT para as Empresas de Vigilância e Prevenção, celebrado entre a AES-Associação de Empresas de Segurança e Outra e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas e Outros, publicado no BTE n.º 4, de 28/10/1993, pelo que deve ser considerada parte ilegítima nesta acção. Por impugnação, alega que não tendo ocorrido, no caso em apreço, qualquer transmissão de estabelecimento da 1ª para a 2ª Ré, os contratos de trabalho dos AA. não se transmitiram para ela. Concluiu, por isso, pela procedência da excepção da ilegitimidade e pela sua absolvição da instância ou, se assim não se entender, pela improcedência da lide e pela sua absolvição do pedido.

No despacho saneador, a 2ª Ré foi julgada parte ilegítima e absolvida da instância.

Saneada e julgada a causa foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, tendo condenado a Ré Strong – Serviços Operacionais de Protecção e Segurança Privada, S.A. a reintegrar os AA., bem como a pagar-lhes o valor correspondente às retribuições que deixaram de auferir no período compreendido desde 7/12/2004 até ao trânsito da sentença (incluindo o valor dos proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal referentes ao mesmo período), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar das datas de vencimento, descontadas as quantias referidas no nº 2 e 3 do art. 437º, do CT, absolvendo-a do pedido de indemnização, a título de danos morais.

Inconformada, a Ré Strong interpôs recurso de apelação da referida sentença, tendo sintetizado as suas alegações nas seguintes conclusões:

1ª) - Os serviços de segurança das instalações do Sporting Clube de Portugal constituem uma unidade económica acessória, cuja identidade se mantém, independentemente da empresa terceira que presta tais serviços;

2ª) - Os serviços de vigilância que a 2ª Ré CSP passou a assegurar ao Sporting Clube de Portugal eram iguais aos até então prestados pela Ré Strong;

3ª) - O critério decisivo para estabelecer a existência de uma transferência é o de saber se a entidade em questão mantém a sua identidade, o que resulta nomeadamente da continuidade efectiva da exploração;

4ª) - A vigilância privada é uma actividade que assenta essencialmente na mão de obra;

5ª) - Para existir transmissão não é necessário que existam relações contratuais directas entre o cedente e cessionário, já que a cedência pode também efectuar-se em duas fases, por intermédio de um terceiro, como o proprietário ou o locador;

6ª) - A protecção da manutenção dos postos de trabalho em caso de transmissão de empresa é princípio fundamental do direito laboral expressamente vertido no art. 318º do Código do Trabalho, na esteira do disposto no art. 53º da Constituição Portuguesa;

7ª) - A cláusula 13ª do CTT, aplicável ao caso vertente, por força da existência de uma Portaria de Extensão, refere que em caso de transferência de titularidade ou gestão de estabelecimento, seja a que título for, a entidade patronal adquirente assumirá nos contratos de trabalho existentes a posição da entidade transmitente, com a manutenção de todos os direitos e regalias que qualquer das partes tenha adquirido (...);

8ª) - A douta sentença recorrida ao condenar a Ré Strong a reintegrar os AA. e a pagar-lhes o valor correspondente aos créditos salariais vencidos viola o disposto no art. 318º do Código do Trabalho e a cláusula 13ª da Convenção Colectiva de Trabalho para as Empresas de Vigilância e Prevenção, celebrado entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e Outra e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas e Outros, publicado no BTE n.º 4, de 28/10/1993, com Portaria de Extensão, publicada no BTE n.º 13, de 8/4/1993.

Terminou pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que absolva a Ré do pedido.

Os AA. não contra-alegaram.

Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a esta Relação onde, depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

A questão fulcral que se suscita neste recurso consiste em saber se, no caso em apreço, se verificou ou não a transmissão da titularidade ou da gestão de um estabelecimento (ou de parte de um estabelecimento) da Ré para a CSP e, na afirmativa, se com essa transmissão se transmitiu para esta a posição que aquela ocupava nos contratos de trabalho dos recorrentes.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. Os A.A. integram os quadros de pessoal da 1ª Ré, com a categoria de vigilantes, com as seguintes antiguidades: o primeiro A., desde 3 de Agosto de 2001, a segunda A., desde 15 de Novembro de 2000;

2. No ano de 2004, os AA. tiveram como local de trabalho, o Estádio José Alvalade – Sporting Clube de Portugal – Edifício Visconde de Alvalade, em Lisboa;

3. Trabalhando o 1º A. em regime de 3 turnos rotativos, das 08. 00 às 16.00 horas, das 16.00 às 24.00horas e das 00.00 às 08.00 horas, e, a 2ª A. com horário fixo, das 09.00 às 19.00 horas, de 2ª a 6ª feira;

4. Auferindo o 1º A. o vencimento base de € 575,00, acrescido de € 77,13 por trabalho nocturno, de € 44,20 a título de prémio de produtividade e de € 107,10 de subsídio de alimentação, no pressuposto de 21 dias de trabalho efectivo no total ilíquido mensal de, € 803,43; e a 2ª A. o vencimento base de € 575,00, acrescido de € 44,20 a título de prémio de produtividade e de € 107,10 de subsídio de alimentação, no pressuposto de 21 dias de trabalho efectivo, no total mensal ilíquido de € 726,30;

5. À relação de trabalho que liga A.A. e R.R. é aplicável o CCT celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e Outra e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas e Outros, publicado no BTE nº 4 de 28/01/93, com PE publicada no BTE nº 13 de 08/04/93, suas subsequentes alterações e respectivas tabelas salariais;

6. Em 11 de Outubro de 2004, os A.A. receberam cartas registadas com aviso de recepção, datadas de 06/10/2004, remetidas pela 1ª Ré, juntas como docs. n.ºs 8 e 9 e cujos termos se dão aqui por integralmente reproduzidos, na qual lhes comunicava ter perdido o local de trabalho no Estádio José Alvalade em favor da CSP – Companhia de Segurança Privada, a partir de 12/10/2004, data a partir da qual esta empresa assumiria a posição de sua entidade patronal, com a manutenção de todos os seus direitos e regalias, invocando para o efeito a cláusula 13ª do CCT aplicável;

7. Os A.A. apresentaram-se no seu local de trabalho para trabalharem como habitualmente;

8. A referida CSP impediu os A.A. de acederem ao seu local e posto de trabalho, dizendo-lhes que não eram seus trabalhadores, que não se verificava a situação prevista na cláusula 13ª do CCT, que a sua entidade patronal continuava a ser a Strong e que era esta que lhes tinha de resolver o problema;

9. Os A.A. foram de imediato aos escritórios da 1ª Ré, onde as informaram de que a C.S.P. não tinha aceitado a sua transferência e que vinham apresentar-se novamente ao serviço da Strong;

10. A Strong, mantendo o entendimento perfilhado nas cartas que enviara aos A.A., disse-lhes que não lhes dava mais trabalho e que se dirigissem à CSP;

11. A CSP manteve a posição já assumida de não aceitar os A.A. como seus trabalhadores;

12. Desde então, os A.A. encontram-se impedidos de trabalhar e de exercer as suas funções no seu local de trabalho ou outro, ao serviço de qualquer das RR.;

13. A Ré Strong não procedeu à venda ou transmissão por outra via da propriedade da empresa ou estabelecimento, continuando a laborar noutros locais;

14. A prestação de serviços de segurança e vigilância nas instalações do Estádio José Alvalade foi atribuída à CPS (ex-2ª Ré) pela NEJA, S.A.;

15. Os A.A., que vivem exclusivamente do seu trabalho, viram-se privados dos seus vencimentos;

16. Os A.A. requereram, em 15 de Outubro de 2004, procedimento cautelar de suspensão de despedimento contra a R. Strong, requerendo o seu deferimento, no entendimento de se estar perante um comportamento da Strong que manifestamente representava a ruptura da relação laboral com os A.A.;

17. O referido procedimento cautelar correu termos, sob o nº 4300/04.2, da 2ª Secção do 2º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, tendo sido julgado improcedente, por decisão proferida em 28 de Dezembro de 2004;

18. A 1ª Ré, desde 5/10/2002, prestava serviços de vigilância e segurança estática à NEJA, S.A., no Edifício Visconde de Alvalade, sito na Rua Fernando da Fonseca, em Lisboa;

19. Os serviços de vigilância e segurança estática compreendiam, nomeadamente, o controlo e registo de movimento de entradas e saídas de pessoas, materiais e equipamentos no edifício e na garagem afecta ao referido edifício, a gestão do chaveiro, a vigilância do edifício e do parque de estacionamento, procurando manter a segurança das pessoas e bens;

20. Estes serviços eram definidos pela NEJA, S.A., que igualmente definiram o quadro de vigilantes que deveriam prestar serviço nas referidas instalações, bem como o número de horas diárias da prestação de serviço de vigilância e segurança estática;

21. Podendo a NEJA, de acordo com o contratado, pedir à Ré a substituição de funcionários a prestar serviço nas suas instalações;

12. Os serviços de vigilância e segurança estática no Edifício Visconde de Alvalade, eram assegurados pela Ré, vinte e quatro horas por dia, todos os dias do ano;

23. Para assegurar a prestação de serviço no referido local, trabalhavam sob as ordens e direcção da Ré, no Edifício Visconde de Alvalade e na garagem afecta ao edifício, cerca de dez trabalhadores;

24. A NEJA, S.A. assegurava, no Edifício Visconde de Alvalade, aos funcionários da Ré, instalação provida de casa de banho, vestiários individuais, onde os referidos funcionários se fardavam e desfardavam e tomavam refeições ligeiras;

25. A partir de 12 de Outubro de 2004, inclusive, a prestação dos serviços de vigilância e segurança estática, até então contratados com a Ré, foram contratados com a CSP – Companhia de Segurança Privada, Lda, pela NEJA, SA.;

26. Os serviços de vigilância e segurança estática que a CSP, Lda., passou a prestar à NEJA, S.A., no Edifício Visconde de Alvalade e na garagem afecta ao edifício, eram iguais aos que a Ré prestou até 11 de Outubro de 2004;

27. Por carta de 6 de Outubro de 2004, a Ré informou a CSP, Lda., do quadro de trabalhadores afectos aos serviços de vigilância e segurança estática no Edifício Visconde de Alvalade.


III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

Como dissemos atrás, a questão fulcral que suscita neste recurso consiste em saber se, no caso em apreço, se verificou, ou não, a transmissão da titularidade ou da gestão de estabelecimento (ou de parte de estabelecimento) da Ré para CSP e se com essa transmissão se transmitiu para esta a posição que aquela ocupava nos contratos de trabalho dos recorrentes.
A sentença recorrida concluiu que não ocorreu qualquer transmissão de estabelecimento (ou de parte dele) da Ré Strong para a CPS.
Diz-se na referida sentença que “empresa ou estabelecimento, no seu sentido objectivo, significa uma organização de meios materiais e humanos (máquinas, edifícios, dinheiro, tecnologia, força de trabalho, etc..), montada por alguém para, através dela, exercer certa actividade económica (...) e que “para ocorrer transmissão, a própria empresa/estabelecimento da Ré teria de ser o objecto de relações jurídicas, ocorrendo mudança de titular, designadamente através de trespasse, fusão, cisão, modificação na titularidade do capital da sociedade ré (...), pois só nestes casos ocorre e se justifica a substituição da entidade patronal, acompanhando os trabalhadores o movimento translativo da organização a que estão ligados. Não foi o que aconteceu manifestamente no caso dos autos porque a Ré Strong continuou a laborar e a prestar a sua actividade, noutros locais, para outros clientes, sem ocorrer qualquer mudança na titularidade da propriedade ou da gestão da empresa da Ré. Especificando ainda mais, não ocorreu qualquer contrato entre a Ré Strong e a empresa C.S.P. relativo à transmissão da titularidade ou da gestão do estabelecimento da Ré que justifique que simultaneamente sejam transmitidos os trabalhadores autores. A Ré Strong pretende sim unilateralmente, contra todas as regras básicas da consensualidade dos contratos, transmitir a outra empresa trabalhadores que são seus, sem qualquer suporte legal. (...) a atribuição da prestação de serviços pela empresa NEJA à empresa CSP, é um negócio entre terceiros, que não acarreta qualquer transmissão dos trabalhadores da ré que ali laboravam.”
Não concordamos minimamente com a forma como a sentença identifica as questões que se suscitam nesta acção nem com os fundamentos invocados no tratamento dessas questões.
O que está em causa nesta acção não é, como se diz na sentença, a questão de saber se houve uma mudança na titularidade da propriedade ou da gestão da empresa Ré ou uma transmissão da empresa Ré para a CPS, mas sim a questão de saber se os serviços de vigilância e segurança estática e os meios necessários para assegurar esses serviços, no Estádio José de Alvalade, podem ser considerados, juridicamente, uma parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica e, na afirmativa, se houve, ou não, transmissão ou transferência dessa unidade económica da Ré Strong para a CPS.
Por outro lado, a sentença recorrida, tal como sucede ainda com alguma da jurisprudência nacional quando aprecia questões como as que se suscitam neste recurso, está muito ligada a considerações de ordem formal em que o estabelecimento e a empresa são encarados de uma forma rígida, civilística ou comercialista e, geralmente, alheada das especificidades do Direito do Trabalho. Para quem entenda que o interesse fundamental tutelado pelo art. 318º do Código do Trabalho (correspondente ao art. 37º da LCT) é o interesse dos trabalhadores, ou seja, a protecção da manutenção dos seus postos de trabalho, na esteira do disposto no art. 53º da Constituição da República Portuguesa, tem de adoptar um critério menos formal e menos exigente de estabelecimento, semelhante ao que tem sido seguido pela jurisprudência do TJCE.
O conceito de entidade económica não se refere apenas a um conjunto organizado envolvendo simultaneamente pessoas e activos, pois tal excluiria da referida protecção sectores inteiros de actividade em que a mão-de-obra constitui o factor principal, apresentando nos mesmos os elementos corpóreos ou incorpóreos um papel pouco relevante.
Mas vejamos o que dizem as disposições legais aplicáveis ao caso em apreço.
A cláusula 13ª do CTT para as Empresas de Vigilância e Prevenção, celebrado entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e Outra e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas e Outros, publicado no BTE n.º 4, de 28/10/1993, aplicável ao caso em apreço, por força da Portaria de Extensão, publicada no BTE n.º 13, de 8/4/1993, estabelece que em caso de transferência de titularidade ou gestão de estabelecimento, seja a que título for, a entidade patronal adquirente assumirá nos contratos de trabalho existentes a posição da entidade transmitente, com a manutenção de todos os direitos e regalias que qualquer das partes tenha adquirido.
Ao contrário do que sucede com as Empresas de Prestações de Serviços de Limpeza e Actividades Similares em que, no caso de perda de um local de trabalho, a entidade que tiver obtido a nova empreitada é obrigada a ficar com os trabalhadores que ali prestavam serviço (cláusula 17ª, n.º 2 do CCT celebrado entre a Associação das Empresas de Prestações de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o STAD - Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Doméstica e Profissões Similares e Actividades Diversas e Outros), nas empresas de vigilância, prevenção e segurança, tal só sucederá “em caso de transferência de titularidade ou gestão de estabelecimento”.
Por sua vez, o art. 318º, n.º 1 do Código do Trabalho estabelece que em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores. O n.º 4 deste artigo considera unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória (n.º 4).
O art. 318º do Código do Trabalho - que corresponde, com alterações, ao art. 37º da LCT – transpôs para o nosso ordenamento jurídico a Directiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12/3/2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos.
Este preceito consagra, por imposição da directiva que transpôs, o princípio da transmissão para o adquirente da empresa ou de estabelecimento de todas as obrigações relativas aos contratos de trabalho abrangidos pela respectiva transmissão. Significa isto que a transmissão da “posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores” a que se refere o n.º 1 não se esgota na “subrogação legal no contrato” (a que se referia Mota Pinto, a propósito do art. 37º da LCT), antes inclui, conforme estabelece o art. 3º, n.º 1 da directiva, quaisquer “direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes antes da data da transferência.
Por seu turno, a noção de “unidade económica” constante do n.º 4 reproduz o art. 1º, n.º 1, al. b) da directiva atrás referida, com origem na directiva n.º 98/50, que, quanto a este ponto, recolheu o ensinamento da jurisprudência do TJCE, segundo a qual é considerada transmissão a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida (esta) como um conjunto de meios organizado, com objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória. Devido ao elevado grau de indeterminação deste conceito, para averiguar a subsistência de uma unidade económica são frequentemente enunciados pelo TJCE os critérios considerados relevantes a atender: o tipo de estabelecimento, a transferência de bens corpóreos, a continuidade da clientela, o grau de semelhança da actividade exercida, antes e depois da transmissão, a assunção de efectivos, a estabilidade da estrutura organizativa, etc.. Mas a ponderação dos critérios varia de acordo com o caso concreto. Nas empresas cuja actividade assenta na mão de obra, o factor determinante para se considerar a existência da mesma unidade económica, pode ser o da manutenção dos efectivos. Para o TJCE, “um conjunto de trabalhadores que executa de forma durável uma actividade comum pode corresponder a uma unidade económica” (cfr. Ac. de 2/12/1999, Proc. C-234/98 – Caso Allen); “um conjunto organizado de trabalhadores que são especial e duradouramente afectos a uma tarefa comum pode, na ausência de outros factores de produção, corresponder a uma entidade económica” (cfr. Ac. de 13/1/1999, Proc. C-127/1996, JO C 71, pág. 1 – Caso Vidal).

A importância do tradicional critério da transferência dos activos corpóreos pode ser secundarizada quando o novo empresário “não se limita a prosseguir a actividade em causa, mas também retoma uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efectivos que o seu predecessor afectava especialmente a essa missão”.

No caso Christel Schmidt, em que uma trabalhadora, que assegurava o serviço de limpeza numa dependência bancária, foi despedida e o serviço que a mesma assegurava adjudicado a uma empresa de prestação de serviços de limpeza, sendo depois admitida por esta mesma empresa, mas com uma remuneração inferior, o TJCE considerou como unidade económica aquela única trabalhadora, pertencente a um sector absolutamente periférico à actividade da empresa, e considerou ter havido transmissão, uma vez que, não obstante o despedimento verificado, a empresa a quem o serviço foi adjudicado acabou por retomar o efectivo que o seu predecessor afectava a essa missão (Proc. C-392/92 – CJ do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, Parte I, 1994, pág. 1511).

A este propósito, tem também interesse referir aqui um dos conceitos mais desenvolvidos na apreciação destas questões: o conceito de “parte de estabelecimento” que já figurava no texto da Directiva 77/187/CE e que tem vindo a ser utilizado nos casos de actividades ou serviços tradicionalmente “exterioráveis”. No caso Christel Schmidt, o TJCE considerou que se transmitira “parte do estabelecimento bancário”, constituída pelo serviço de limpeza e pela empregada que o assegurava. Segundo o Tribunal, “a relação de trabalho é essencialmente caracterizada pelo vínculo que existe entre o trabalhador e a parte da empresa (ou do estabelecimento) a que está afectado para o exercício das suas funções” desde que se mantenha a “identidade da unidade económica”. No referido caso, existia essa identidade pelo facto de a actividade ser a mesma e haver “oferta de reemprego feita à trabalhadora”.

Para o TJCE, nas actividades que assentam essencialmente em mão de obra, é mais a actividade e o “capital humano” do que os aspectos materiais que identificam o estabelecimento. O facto de a actividade ou o serviço de “parte do estabelecimento” serem acessórios em relação ao objecto da empresa não impede a aplicabilidade da Directiva, ou seja, que se considere esta (“parte de estabelecimento”) como unidade económica. É isso também que resulta hoje, de forma clara, do n.º 4 do art. 318º do Código do Trabalho, o qual, como já dissemos, se limitou a transpor para o nosso ordenamento jurídico, o disposto naquela Directiva a respeito desta matéria.

Em relação à exigência de que a transmissão se verifique na sequência de um acordo entre cedente e cessionário, ou se verifique no quadro de uma “cessão convencional”, o TJCE tem vindo também a seguir uma interpretação muito flexível. Considera cessão convencional “qualquer alteração num quadro de relações contratuais da pessoa singular ou colectiva responsável pela exploração da empresa/estabelecimento e que constitua a entidade patronal dos trabalhadores que nela trabalham”. Exige uma cessão efectuada “num quadro de relações contratuais” e não a transmissão da propriedade do estabelecimento, pois “a directiva visa garantir a continuidade das relações de trabalho existentes no âmbito de uma entidade económica, independentemente da mudança de proprietário”. Os empregados de um estabelecimento, ou de parte de um estabelecimento ou de uma unidade económica que muda de empresário sem transferência de propriedade encontram-se na mesma situação dos de uma empresa alienada, tendo portanto necessidade de protecção equivalente (cfr. Ac. de 10/2/1988, Proc. 324/86, CJ do Tribunal de Justiça, 1988, pág. 738).

Finalmente, o facto de não ter havido qualquer acordo ou negócio translativo nem qualquer relação directa entre a Ré Strong e a CPS também não tem a relevância que a sentença recorrida lhe atribui, pois é admissível a transmissão em duas fases, concretizada através de relações triangulares, nas quais é a mediação de uma terceira parte que torna a relação jurídica completa. Como se diz no Acórdão Daddy’s Dance Hall (Proc. 324/86), quando a empresa é primeiro transferida do cessionário ou locatário inicial para o proprietário que a transfere, numa segunda fase, para um novo cessionário ou locatário, os trabalhadores estão numa situação idêntica à decorrente de uma transferência directa, tendo pois direito a uma protecção equivalente. Verificados os critérios que indiciam a manutenção da unidade económica da empresa (transmissão dos efectivos ou de parte desses efectivos, similitude da actividade prosseguida antes e depois da transmissão, continuidade dessa actividade) conclui-se que a não participação do anterior empregador na segunda transferência não impede a aplicação da directiva e consequentemente do disposto no art. 318º, n.º 1 do Código do Trabalho.

No caso em apreço, a Ré Strong prestava serviços de vigilância e segurança estática à NEJA, S.A., no Edifício Visconde de Alvalade, desde 5/10/2002. Esses serviços eram assegurados vinte e quatro horas por dia, todos os dias do ano, e compreendiam o controlo e registo de movimento de entradas e saídas de pessoas, materiais e equipamentos no edifício e na garagem afecta ao referido edifício, a gestão do chaveiro, a vigilância do edifício e do parque de estacionamento. Para assegurar a prestação desse serviço, trabalhavam sob as ordens e direcção da Ré, no Edifício Visconde de Alvalade e na garagem afecta ao edifício, cerca de dez trabalhadores. Estes dispunham, no edifício, de uma instalação, cedida pela NEJA, provida de casa de banho, vestiários individuais, onde se fardavam e desfardavam e tomavam refeições ligeiras. A partir de 12/10/2004, a NEJA adjudicou à CSP – Companhia de Segurança Privada, Lda., a prestação dos serviços de vigilância e segurança estática, até então assegurados pela Ré.
Este conjunto de meios organizados ou esta organização de meios humanos que tem como objectivo assegurar, de forma durável, a actividade de vigilância e segurança estática no Edifício Visconde de Alvalade (instalações do Sporting Clube de Portugal) consubstancia uma verdadeira unidade económica, nos termos do disposto no n.º 4 do art. 318º do Código do Trabalho; contudo, neste caso, só poderia falar-se em transmissão ou em transferência desta “parte de estabelecimento” da Ré Strong para a CPS se, após o dia 12/10/2004, continuasse a manter-se a sua identidade, ou seja, se após aquela data, além da actividade de vigilância e segurança, se mantivessem os efectivos ou uma parte essencial dos efectivos que antes asseguravam aquela actividade. Poderia falar-se em transmissão ou transferência da referida unidade económica da Ré Strong para a CPS se, além da continuação da referida actividade, se mantivessem a assegurar essa actividade os colegas dos AA. ou uma parte substancial desses colegas. Como isso não se provou (nem sequer foi alegado) e como ficou apenas demonstrada a verificação de uma mera sucessão no exercício de uma actividade, não podemos falar em transmissão de um estabelecimento ou de parte deste e, consequentemente, não podemos concluir que os contratos de trabalho dos AA. e os direitos e obrigações emergentes desses contratos se transmitiram para a CPS.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso interposto pela Ré, devendo manter-se a sentença recorrida, embora por razões diferentes das que nela foram invocadas.

IV. DECISÃO

Em conformidade com os fundamentos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se, embora com fundamentação diferente, a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2006

Ferreira Marques
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes