Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1958/14.8YLPRT.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
DIPLOMA REGULAMENTAR
INVALIDADE
DESPEJO
ACTUALIZAÇÃO DE RENDA
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO:

1. Impõe-se interpretar o art. 15º F nº 3 do NRAU, aprovado pela Lei 6/2007 de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14-08 no sentido de que o legislador pretendeu isentar o arrendatário que goza do benefício do apoio judiciário da obrigação de demonstrar, aquando da apresentação do articulado de oposição (ao pedido de despejo), que pagou a taxa de justiça devida (responsabilidade perante o Estado) e que pagou a caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso (responsabilidade perante o senhorio);

2. É por isso de afastar a regulação que, em contrário, emana do art. 10º da Portaria n.º 9/2013 de 10 de Janeiro, verificando-se uma invalidade da portaria aludida, porquanto o seu conteúdo é incompatível com a respectiva fonte de produção.

3. O senhorio tem direito à recuperação do aumento do valor da renda quando, encetando procedimento com vista à actualização da renda em 2013, o arrendatário invocou, nesse ano, que o RABC do seu agregado familiar no ano civil de 2012 é inferior a cinco RMNA e o serviço de finanças competente só posteriormente, em 1 de Agosto de 2013, emitiu o documento comprovativo do valor do RABC relativo ao ano de 2012, ponderando o disposto no nº9 do art. 19º -A do Dec. lei 158/2006 de 08-08, aditado pelo Dec. lei 266-C/2012 de 31-12.

4. Não tem consistência o pedido de despejo com base em falta de pagamento de rendas se os valores peticionados pelo senhorio e indicados ao inquilino como correspondendo à renda actualizada não se mostram correctos, tendo o senhorio peticionado renda superior à que era devida e o arrendatário procedeu ao depósito da renda pelo valor vigente à data em que foi encetado o procedimento alusivo à actualização.

(Sumário da relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa  
1. RELATÓRIO
Em 6 de Junho de 2014 a A apresentou contra o R, no BNA, pedido de despejo da fracção correspondente ao 1º esquerdo do prédio sito no nº (...) invocando falta de pagamento da renda actualizada (de 195,32€) referente aos meses de Novembro de 2013 e seguintes, tendo o contrato sido resolvido por notificação judicial avulsa realizada em 27-02-14.
Citado em 01-07-14, o réu deduziu oposição, excepcionando a mora do credor (e/ou abuso de direito) no recebimento de rendas, a inexigibilidade da recuperação do valor da renda calculada e irregularidades do procedimento de actualização da renda.
A autora respondeu às excepções invocando a falta do documento comprovativo do pagamento da caução a que alude o art. 15º-F do NRAU e Portaria nº 9/2013 de 10 de Janeiro (art. 10º).
Realizada audiência de discussão e julgamento, proferiu-se sentença que concluiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julga-se improcedente o pedido de despejo.
Custas pela A. (CPC 527º).
Registe e notifique”.
Não se conformando a autora apelou formulando as seguintes conclusões:
“ 1ª
No Procedimento Especial de Despejo (P.E.D.), previsto nos artigos 15º e seg. do NRAU, aprovado pela Lei nº 6 / 2006 de 27 de Fevereiro, revista e alterada pela Lei n º 31 / 2012 de 14 de Agosto (doravante designada por NRAU), constitui condição de admissibilidade da oposição do requerido a junção aos autos documento comprovativo do pagamento da caução previsto no art. 15º-F, 3 do NRAU.

Não se mostrando paga a caução, a oposição tem-se por não deduzida, nos termos do referido art. 15º-F, 4 do NRAU.

O comprovativo do pagamento do pagamento da caução a que alude o mencionado artigo 15º-F, 3 e 4 do NRAU, deve ser comprovado no P.E.D., independentemente de ter sido ou não deferido ou não o pedido de apoio judiciário, tal como veio a ser regulamentado e esclarecido na Portaria n º 9/2013 de 10 de Janeiro, no seu artigo 10º, 2.

A Portaria nº 9 / 2013 de 10 de Janeiro, apenas regulamentou diversas normas de procedimento, relativas ao P.E.D., nomeadamente o pagamento da caução a que alude o art. 15º-F, 3 e 4 do NRAU, seguindo na esteira do que se encontra previsto, aliás, no referido art. 15º-F, 3 in fine.

Ao contrário do que se afirma na douta sentença recorrida esta Portaria não revogou (nem podia revogar) o NRAU, pois não foi essa a intenção do legislador, outrossim, repete-se, o tão somente de regulamentar diversos procedimentos processuais do referido NRAU.

O pagamento da caução previsto no art. 15º-F, 3 e 4 do NRAU, regulamentado na Portaria 9 / 2013 de 10d e Janeiro, não é um acto administrativo, como se diz na douta sentença apelada, não se podendo confundir tal pagamento, com a concessão do pedido de apoio judiciário, este, sim um processo meramente administrativo.

O documento comprovativo do pagamento da caução deve ser junto com a oposição, independentemente de ter sido concedido o apoio judiciário.

A caução destina-se a garantir a posição do senhorio, requerente, e não se mostrando paga, nem junto o respectivo comprovativo de pagamento com a oposição, esta não poderia ter sido admitida, o que equivale a dizer, que no decorrer do P.E.D. no mínimo, deveria ter sido desentranhada, com as consequências legais que daí adviriam.

Independentemente desta circunstância, a douta sentença apelada, enferma de outro erro, qual seja o de entender que no decurso da actualização da renda mensal, impedir que o senhorio, possa exigir as recuperações de renda a que tem direito.
10ª
O DL nº 158/2006 de 8 de Agosto prevê no seu art. 19º-A, a transitoriedade da admissibilidade do senhorio poder promover a recuperação dos valores da renda mensal actualizada, desde que tais factos decorram durante os anos de 2012 e 2013.
11ª
Com efeito, o art. 19º-A do DL nº 158 / 2006 de 8 de Agosto, nos seus números 3, 4 e 9, admitem, sem qualquer dúvida tal recuperação no valor da nova renda, de acordo com os critérios previstos na referida norma.
12ª
Decorrendo a actualização durante o ano de 2013, tendo em conta que o documento definitivo com o valor do RABC do requerido, inquilino, se refere aos seus rendimentos e do agregado familiar do ano de 2012, está preenchido o condicionalismos previsto, no art. 19º-A, 9 do DL 158 / 2006 de 8 de Agosto, permitindo ao senhorio proceder à recuperação dos valores das rendas.
13ª
Admitindo, por absurdo, sem todavia conceder, que à senhoria lhe era vedada a possibilidade de proceder à recuperação do aumento do valor da renda tal como se encontra previsto no art. 19º-A, 3 do DL 158 / 2006 de 8 de Agosto – o que já vimos que não – é patente e manifesto que o recorrido nem sequer procedeu ao pagamento do valor da nova renda de € 195,25, nem sequer o depositou, estando a depositar na C.G.D. a quantia de € 57,00, referente à renda antiga.
14ª
Não pagando, nem depositando o valor da nova renda, nem sequer tendo depositado a indemnização a que alude o art. 1041º, 1 do C. Civil, o recorrido entrou em mora.
15ª
O equivale a dizer que, não fez caducar o direito de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, como impõe o art. 1048º, 1 do C. Civil.
16ª
A própria sentença apelada aborda esta circunstância, ao afirmar que: «…o contrato se mantém em vigor (sem prejuízo do direito do A.a receber o valor da diferença entre a renda depositada pelo R e a que é devida).». (sublinhado nosso).
17ª
Ora, se assim fosse, fazia-se tábua rasa dos art. 1041º, 1 e 1048º 1 ambos do C.Civil.
18º
Existe, pois, mora do devedor e não do credor.
19ª
A douta sentença apelada violou, pois, entre outros, o artigo 15º-F, 3 e 4 do NRAU, o art.10º, 2 da Portaria n º 9 / 2013 de 10 de Janeiro, o art. 19º-A, 1, 3, 4 e 9 do DL nº 158 / 2006 de 8 de Agosto (alterado pelo DL nº 266-C / 2012 de 31 de Dezembro) e os art. 1041º,1 e 1048º, 1 ambos do Código Civil.
20ª
Deverá, pois, ser revogada e substituída por melhor, qual seja a de julgar procedente o pedido de despejo formulado pelo recorrente ao abrigo do P.E.D., com as legais consequências.
Assim decidindo, Venerandos Desembargadores, uma vez mais se fará a esperada e costumada
JUSTIÇA!”
O réu apresentou contra-alegações.
Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
A primeira instância deu por assente a seguinte factualidade:
1 - Em 9 de Fevereiro de 1966 JR e o ora réu assinaram o “Arrendamento” junto a fls 44-45 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
2 - Em 26 de Janeiro de 1979 JR declarou vender (com reserva de usufruto para si) a JJ o prédio descrito na C.R.P. de Oeiras com o nº (...) - tendo JJ declarado aceitar a venda (fls 49 a 51).
3 - Em escritura pública de “habilitação” outorgada em 10 de Abril de 1987 (fls 53 a 55) foi declarado que JJ faleceu em 16 de Fevereiro de 1986, e que deixou como únicos herdeiros a viúva ora A. e a filha MD.
4 - Em 18 de Maio de 2013 a autora enviou ao réu – que a recebeu em 19-V-13 -, a carta junta a fls 30 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê: “(…) a renda mensal (…) é atualizada dos actuais 57 euros para 206,50 Euros a partir da que se vencer no próximo mês de Julho de 2013 com referência a Agosto de 2013, por aplicação do 1/15 valor do valor patrimonial do locado.
Valor patrimonial do locado 37.170,00 Euros
Valor da renda anual 2.478,00 (…).”.
5 - Em 4 de Junho de 2013 o réu enviou à autora (representante da herança de JJ) a carta junta a fls 31-32 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê: “(…) 1 – Oponho-me ao valor da renda proposto naquela comunicação propondo (…) o valor de renda anual no montante de 960,00 euros; (…).
Aproveito para informar que tenho oitenta e dois anos de idade, conforme Certidão de Nascimento que anexo (…).
Por outro lado o RABC do meu agregado familiar é inferior a cinco RMNA aguardando a emissão do respectivo documento pelos Serviços de Finanças (…).”.
6 - Em 25 de Junho de 2013 a autora enviou ao réu a carta junta a fls 33 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê: “(…) a renda será fixada com base na percentagem do seu rendimento se me entregar a respectiva certidão das Finanças dentro do prazo legalmente estabelecido para esse efeito. (…).”.
7 - Em 2 de Agosto de 2013 o Advogado do réu enviou à autora a carta junta a fls 35-36 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – com cópia da certidão emitida em 1-VIII-13 pela A.T.A., onde refere que o RABC do agregado familiar do R. foi de 13.787,22€ em 2012.
8 - Em 3 de Setembro de 2013 a autora enviou ao réu a carta junta a fls 37 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê: “(…) tendo em conta que o seu rendimento mensal é de € 1148,94, a renda (…) passará a ser de € 195,32 mensais (€1148,94X17%) a partir da que se vencer no dia 1 de Novembro de 2013.
Nos termos do disposto nos artigos 19º-A 3 e 4 do DL nº 266-C/2012 de 31 de Dezembro, o montante a pagar a título de recuperação do aumento do valor da renda calculada, é de 97,66 durante quatro meses, sendo que no quinto mês (Março de 2014) o montante da renda será de € 222,64 (€ 195,32+27,32).
Assim, o montante da nova renda mensal será de € 292,98, referente às que se vencerem no dia 1 de novembro a 1 de Fevereiro de 2014 (inclusive).
A renda que se vencer no dia 1 de Março de 2014, será e € 222,64 e as seguintes serão do montante de € 195,32 durante o período de cinco anos, (…).”.
9 - O réu não pagou os valores supra – tendo depositado mensalmente na C.G.D. a quantia de 57€ (fls 11 a 13).
10 – Desde o início do contrato foi sempre o senhorio, ou um seu procurador, que procedeu ao recebimento da renda junto do ora réu.
11 – Em meados de Novembro de 2013 o representante da autora deslocou-se ao locado para receber a “renda actualizada” – tendo o ora réu. recusado pagar tal valor.
12 – A partir da data supra, ninguém se deslocou ao locado para receber a renda do réu.
13 - Em 13 de Janeiro de 2014 a autora enviou ao réu a carta junta a fls 38 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê: “(…) Aproveito ainda para corrigir o valor da renda que se vencer no dia 1 de Março de 2014, será 219,64 euros (renda nova 195,32+recuperação 24,32) em vez de 222,64 euros (195,32+27,32) conforme carta de 3 de Setembro de 2013 (…).”.
14 - Em 27 de Fevereiro de 2014 o réu recebeu a “notificação judicial avulsa” junta a fls 25 a 57 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo C.P.C. [ [1] ] – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar:
- da obrigação de pagamento da caução prevista no art. 15º F nº 3 do NRAU, aprovado pela Lei 6/2007 de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14-08;
- da recuperação do aumento do valor da renda (art. 19º-A, nº 3 do DL 158/2006 de 8 de Agosto, aditado pelo Dec. lei nº 266-C/2012 de 31-12 (art. 3º) [ [2]  ];
- do pedido de despejo com base na falta de pagamento de rendas.

2. A senhoria/autora/apelante considera, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, que se impunha não admitir ao articulado da oposição uma vez que o réu não comprovou nos autos ter procedido ao pagamento da caução.
É o seguinte o raciocínio exposto na sentença:
“A primeira questão a decidir é a relativa à falta de pagamento da caução - dispondo o artigo 15º-F da Lei 6/06 de 27-II que “(…) 3 - Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos nºs 3 e 4 do artigo 1083º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça. 4 – Não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida. (…).”.
Não se ignora que o nº 2 do artigo 10º (‘Caução’) da Portaria 9/13 de 10-I dispõe que “O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.”; no entanto, tratando-se de um mero acto administrativo (C.R.P. 112º/1), as suas disposições não podem alterar regras legais, nos termos do nº 5 do artigo 112º da Constituição da República Portuguesa – pelo que, a entender-se que a regra da portaria (que obriga à junção do comprovativo do pagamento da caução nos casos de apoio judiciário) revoga a regra da Lei (que isenta o pagamento da caução nos casos de apoio judiciário), tal interpretação seria manifestamente ilegal, e não pode ter aqui acolhimento.
Conclui-se, assim, que o R., beneficiário de apoio judiciário (fls 16), está isento do pagamento da caução – motivo por que se julga improcedente a excepção”.
Atentemos nos preceitos em causa.
O artigo 15º-F do diploma citado, sob a epígrafe “[o]posição”, preceitua:
1 – O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.
2 – A oposição não carece de forma articulada, devendo ser apresentada no BNA apenas por via eletrónica, com menção da existência do mandato e do domicílio profissional do mandatário, sob pena de pagamento imediato de uma multa no valor de 2 unidades de conta processuais.
3 – Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 1083o do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
4 – Não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida.
5 – A oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efetue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa e dos demais encargos com o processo.
Por seu turno, o art. 10º da Portaria n.º 9/2013 de 10 de Janeiro, sob a epígrafe “caução”, dispõe:
1 - O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, é efetuado através dos meios eletrónicos de pagamento previstos no artigo 17.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, após a emissão do respetivo documento único de cobrança.
2 – O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário”.
Assentando-se que estamos perante dois diplomas com diferente natureza – a Portaria [ [3] ] traduz o exercício do poder regulamentar, que é uma actividade especificamente administrativa, por confronto com a lei [ [4] ] – e tendo também por seguro que a actividade administrativa ocupa um lugar subalterno relativamente à actividade legislativa [ [5]  ] [ [6] ], afigura-se-nos que o legislador foi particularmente infeliz na redacção do citado diploma e que na Portaria aludida se seguiu igual caminho.
Efectivamente, uma interpretação fundada no texto ou letra do citado artigo 15º-F não comporta outro sentido senão aquele que é indicado na decisão recorrida, isto é, o legislador pretendeu isentar o arrendatário que goza do benefício do apoio judiciário da obrigação de demonstrar, aquando da apresentação do articulado de oposição, que pagou a taxa de justiça devida (responsabilidade perante o Estado) e que pagou a caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso (responsabilidade perante o senhorio) [ [7] ], sendo certo que nem se pode estranhar tal regulação porquanto o legislador, ao longo do tempo, em matéria de arrendamento, sempre foi particularmente sensível a questões sociais, não se alheando da posição económica do arrendatário e legislando muitas vezes com sacrifício do proprietário do bem. Neste contexto, a equiparação das situações (devedor de custas e devedor de rendas), nem sequer é chocante.
Acresce que a interpretação que a apelante sugere consubstancia uma interpretação restritiva da norma, sem que se vislumbre razão para tal [ [8] ]: é particularmente evidente que a parte que goza do benefício do apoio judiciário não é obrigada a pagar a taxa de justiça devida pela apresentação de articulados pelo que seria despiciendo o legislador consagrar expressamente essa solução, que sempre decorreria dos princípios gerais (cfr., nomeadamente, os arts. 552º, nº 3, 558º, alínea f) e 570º e 549º, nº1 do C.P.C.), sendo que na interpretação da lei se deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nº3 do Cód. Civil).
Neste contexto, dificilmente se alcança o sentido da regulação que emana da citada portaria, que aponta em contrário do estipulado na referida norma, o que não pode aceitar-se, verificando-se uma invalidade da portaria aludida, porquanto o seu conteúdo é incompatível com a respectiva fonte de produção [ [9] ] [ [10] ]. 
Em suma, acolhemos o entendimento sufragado pela primeira instância, não se justificando a pretendida rejeição do articulado de oposição.
                                                     *
Ainda que assim se não entendesse, sempre se dirá que, no caso em apreço, em face do depósito de rendas efectuado pelo réu, não teria fundamento a pretensão da apelante [  [11] ].
Efectivamente, a prestação de caução tem em vista salvaguardar o pagamento das rendas em falta, pelo que essa garantia não é necessária quando, como aconteceu no caso, o arrendatário juntou com o articulado de oposição documento comprovativo do depósito das rendas – cfr. a factualidade dada por assente sob o número 9 –, no âmbito da consignação em depósito, considerando-se que com a notificação do articulado de oposição, fica feita a comunicação ao senhorio do depósito de renda – art. 19º do NRAU.
Acrescente-se que se verificam os pressupostos da consignação, atenta a mora do senhorio no recebimento das rendas – art. 841º, nº1, al) b do Cód. Civil e art. 17º, nº1 do NRAU. Não estando as partes de acordo quanto à determinação da renda na sequência da actualização pretendida pelo senhorio – essa foi uma das questões que a primeira instância dirimiu e que não é objecto deste recurso, não discutindo as partes o valor que na sentença se fixou como sendo o devido [ [12]  ] – podia o arrendatário depositar a renda em vigor em face do comportamento do senhorio espelhado nos números 10 a 12 dos factos provados sem prejuízo do direito da autora a receber o valor da diferença entre a renda depositada pelo réu e a que é devida, como se indicou na sentença recorrida, fixado que foi esse valor. Neste contexto, a invocação que consta das conclusões de recurso – cfr. nºs 17º e 18º – não tem sentido.

3. Cumpre agora apreciar se o senhorio tem direito à recuperação do aumento do valor da renda, nos termos do art. 19º-A, nº 3 do DL 158/2006 de 8 de Agosto, aditado pelo Dec. lei nº 266-C/2012 de 31-12 (art. 3º).
A primeira instância respondeu negativamente argumentando como segue:
“Quanto à recuperação do valor da renda calculada, o artigo 19º-A (“Disposições transitórias”) do DL 158/06 de 8-VIII (na redacção do DL 266-C/12, de 31-XII) apenas se aplica nos casos em que o arrendatário proceda a comunicação ao senhorio “durante o ano de 2012” – o que não sucede no presente caso, em que todas as comunicações tiveram lugar no ano de 2013; assim, e conforme notou o R., não há lugar à aplicação das regras dos nºs 3 e 4 deste artigo 19ºA (invocadas pela A., na sua carta de 3-IX-13).
Não havendo “recuperação da renda”, a A. não podia exigir o pagamento mensal de 292,35€ - nem poderia fundar a “notificação judicial avulsa” (ponto 14 da matéria de facto) destinada a resolver o contrato neste incumprimento (artigo 13º da n.j.a.); assim, conclui-se que a resolução é inoperante – e que o contrato se mantém em vigor (sem prejuízo do direito da A. a receber o valor da diferença entre a renda depositada pelo R. e a que é devida), não podendo proceder o pedido de desejo”.
A apelante insurge-se invocando o disposto no nº 9 do art. 19º- A para concluir que esse regime se aplica durante o ano de 2003.
Vejamos.
O procedimento encetado pelo senhorio com vista à actualização de renda teve início em 2013, com a carta expedida em Maio de 2013, resultando dessa comunicação que o senhorio procedeu aplicando o regime que decorre dos arts. 30º a 37º da Lei nº 6/2006 de 27-02, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 31/2012 de 14-08 e não na sua versão originária [ [13] ]. Por outro lado, da subsequente resposta do arrendatário resulta que este, apelando ao disposto no art. 36º, nº3 do mesmo diploma, com a redacção referida:
- Propôs novo valor de renda;
- Informou ter oitenta e dois anos para efeitos de aplicação do “disposto no art. 36º da Lei 31/2012”;
- Informou que o RABC do agregado familiar é inferior a cinco RMNA, referindo já ter pedido a emissão do respectivo documento aos serviços de finanças.
Sendo que por comunicação posterior, em 2 de Agosto de 2013, o arrendatário enviou o aludido documento do qual consta o rendimento do agregado familiar reportado ao ano fiscal de 2012 – e não ao ano de 2013.
A esta comunicação respondeu então o senhorio por carta de 3 de Setembro de 2013, indicando o novo valor da renda e ainda o “montante a pagar a título de recuperação do aumento do valor da renda calculada”.
A recuperação do aumento do valor da renda foi um mecanismo criado pelo legislador com vista a obviar a expedientes dilatórios por parte do arrendatário, como expressamente é assumido no preâmbulo do Dec. Lei 266-C/2012 [ [14] ], salvaguardando o direito do senhorio à recuperação do aumento do valor da renda que seria devida durante o período que medeia entre a invocação, pelo arrendatário, de que opta pela aferição dos elementos relevantes para o apuramento do RABC e a atualização da renda decorrente da obtenção do documento comprovativo desse valor.
Assim, calculado o novo valor de renda, o senhorio tem o direito a recuperar a quantia correspondente ao aumento do valor da renda durante todo o período em que aguardou pela determinação, pelas Finanças, do RABC do agregado familiar do arrendatário, sendo que esse compasso de espera não pode ser imputado a nenhuma das partes.
Ora, esse mecanismo vigora para 2012 e 2013 como decorre do citado preceito (art. 19º -A do Dec. lei 158/2006 de 08-08, aditado pelo Dec. lei 266-C/2012 de 31-12), sob a epígrafe “[d]isposições transitórias”, com a seguinte redacção:
1 - Durante o ano de 2012, o arrendatário pode, na resposta a que se refere o artigo 31.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, comunicar ao senhorio, para efeitos de invocação de que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, que o agregado familiar, a RMNA e os fatores de correção do RAB relevantes para o apuramento do RABC são os existentes no ano de 2012.
2 - No caso previsto no número anterior, o arrendatário remete obrigatoriamente ao senhorio o documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar, no prazo de 60 dias a contar da notificação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares relativo ao ano de 2012, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sob pena de não poder prevalecer-se do regime previsto para o arrendatário que invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA.
3 - Quando for atualizada, a renda é devida no 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção, pelo arrendatário, da comunicação do senhorio com o respetivo valor, havendo lugar à recuperação do aumento do valor da renda que seria devido desde o 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção, pelo senhorio, da comunicação feita nos termos do n.º 1, sendo tal valor calculado:
a) De acordo com os critérios previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 35.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, quando o RABC do agregado familiar do arrendatário for inferior a cinco RMNA;
b) De acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, nos demais casos.
4 - O montante a pagar a título de recuperação do aumento do valor da renda calculado nos termos do número anterior não pode ultrapassar, em cada mês, um valor superior a metade do valor mensal da renda atualizada, salvo acordo entre as partes ou quando se verifique a cessação do contrato, importando esta última situação o vencimento imediato de todo o valor em dívida.
5 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4, o arrendatário responde pelos danos que culposamente causar ao senhorio nos seguintes casos:
a) Se não remeter, ao senhorio, o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar relativo a 2012 no prazo previsto no n.º 2;
b) Se o RABC do seu agregado familiar relativo a 2012 for superior em mais de 20% a cinco RMNA.
6 - Nos casos previstos no número anterior, o valor da indemnização não pode ser inferior a seis meses de renda, calculada de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto.
7 - As sanções previstas na parte final do n.º 2 e na alínea a) do n.º 5 não se aplicam nos casos em que a falta de remessa, ao senhorio, do documento comprovativo do qual conste o valor do RABC, no prazo aí previsto, não seja imputável ao arrendatário.
8 - Quando o ano civil relevante for o de 2012, o RABC é apurado tendo em consideração a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal ou de quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, estabelecida pelo artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro.
9 - O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, ao arrendatário que, durante o ano de 2013, invocar que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, enquanto o serviço de finanças competente não puder emitir o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC relativo ao ano de 2012.
10 - Quando o ano civil relevante for o de 2013 ou outro ano posterior em que vigore a suspensão do pagamento do subsídio de férias ou de quaisquer prestações correspondentes ao 13.º mês, como medida excepcional de estabilidade orçamental no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira, o RABC relativo ao ano civil relevante nos termos do artigo anterior é apurado tendo em consideração a referida suspensão [ [15]  ].
Pese embora a falta de clareza e linearidade dos diplomas pertinentes nesta sede [ [16] ], parece-nos que, no caso, ponderando a factualidade assente e o disposto no nº 9 do preceito, ao contrário do que entendeu a primeira instância, se verificam rigorosamente os pressupostos aí consignados, pelo que o senhorio tem direito à recuperação do aumento do valor da renda.
Assim, encetado pelo senhorio o procedimento da actualização em 2013, o arrendatário invocou, nesse ano, que o RABC do seu agregado familiar no ano civil de 2012 é inferior a cinco RMNA e o serviço de finanças competente só posteriormente, em 1 de Agosto de 2013, emitiu o documento comprovativo do valor do RABC relativo ao ano de 2012 – cfr. o doc. de fls. 36 –, ano a que o arrendatário se reportou.
Em suma, assente que está, como a primeira instância referiu e não é discutido em sede de recurso, o novo valor da renda, de 195,25€ e que “este novo valor de renda é devido a partir de 1 de Novembro de 2013” – quando for actualizada, a renda é devida no 1º dia do 2º mês seguinte ao da recepção, pelo arrendatário, da comunicação com o respectivo valor (cfr. arts. 35º, nº3 e 36º, nº8 do NRAU e o nº 3 do referido art. 19º -A) –, o senhorio tem direito à recuperação do aumento do valor da renda, com referência ao período de tempo decorrido desde Agosto de 2013 inclusive, como decorre do nº 3 do citado art. 19º-A e ponderando que a carta pela qual o arrendatário invocou que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA data de 4 de Junho de 2013.  

4. Daqui não segue que tenha consistência o pedido de despejo e que por isso se imponha a revogação da decisão que julgou improcedente esse pedido, como pretende ao apelante.
Efectivamente, como referiu a Meritíssima Juiz, os valores peticionados pela apelante e indicados ao inquilino como correspondendo à renda actualizada não se mostravam correctos, tendo o senhorio peticionado renda superior à que era devida – inicialmente (Maio de 2013) indicando o valor de 206,50€ mensais, depois (Novembro de 2013), o valor de 195,32€ mensais, quando a renda actualizada se fixou em 195,25€.
 Assim sendo, não sendo exigível ao inquilino o pagamento desses valores e não mais comparecendo o senhorio com vista ao recebimento da renda devida, não estando as partes de acordo quanto ao valor da actualização, que foi afinal definido judicialmente, o locatário não se constituiu em mora, podendo validamente proceder ao depósito da renda pelo valor vigente à data em que foi encetado o procedimento alusivo à actualização.
Tudo sem prejuízo do direito do senhorio a receber os valores depositados no âmbito do incidente de consignação em depósito, os valores correspondentes à diferença entre a renda depositada pelo arrendatário e a que é devida conforme indicado na sentença bem como, acrescentamos agora, o direito à recuperação do valor da renda calculada, nos termos do art. 19º-A e nos moldes supra indicados.
Conclusões:
1. Impõe-se interpretar o art. 15º F nº 3 do NRAU, aprovado pela Lei 6/2007 de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14-08 no sentido de que o legislador pretendeu isentar o arrendatário que goza do benefício do apoio judiciário da obrigação de demonstrar, aquando da apresentação do articulado de oposição (ao pedido de despejo), que pagou a taxa de justiça devida (responsabilidade perante o Estado) e que pagou a caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso (responsabilidade perante o senhorio);
2. É por isso de afastar a regulação que, em contrário, emana do art. 10º da Portaria n.º 9/2013 de 10 de Janeiro, verificando-se uma invalidade da portaria aludida, porquanto o seu conteúdo é incompatível com a respectiva fonte de produção.
3. O senhorio tem direito à recuperação do aumento do valor da renda quando, encetando procedimento com vista à actualização da renda em 2013, o arrendatário invocou, nesse ano, que o RABC do seu agregado familiar no ano civil de 2012 é inferior a cinco RMNA e o serviço de finanças competente só posteriormente, em 1 de Agosto de 2013, emitiu o documento comprovativo do valor do RABC relativo ao ano de 2012, ponderando o disposto no nº9 do art. 19º -A do Dec. lei 158/2006 de 08-08, aditado pelo Dec. lei 266-C/2012 de 31-12.
4. Não tem consistência o pedido de despejo com base em falta de pagamento de rendas se os valores peticionados pelo senhorio e indicados ao inquilino como correspondendo à renda actualizada não se mostram correctos, tendo o senhorio peticionado renda superior à que era devida e o arrendatário procedeu ao depósito da renda pelo valor vigente à data em que foi encetado o procedimento alusivo à actualização.
                                                        *
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em, julgando parcialmente procedente a apelação, decidir manter a sentença recorrida, que julgou improcedente o pedido de despejo, mais decidindo que o senhorio tem direito à recuperação do valor da renda calculada, nos moldes supra assinalados.
 Custas pela apelante e apelado, na proporção de 9/10 para a apelante e 1/10 para o apelado, proporção que se nos afigura equilibrada atento o diminuto significado económico que tem o valor da renda calculada no contexto da pretensão formulada (pedido de despejo).
Notifique.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2015

Isabel Fonseca

Maria Adelaide Domingos

Eurico José Marques dos Reis (Concordo integralmente com o decreto judicial e, salvo no que se segue, também com a fundamentação. Em meu entender o disposto no nº 2 do art.º 10º da Portaria nº 9/2013 é ilegal porque o nº 5 do art.º 15º-F da Lei nº 31/2012 torna claro que o pagamento da taxa em questão pode ser feita posteriormente)


[1] Aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, em vigor desde 1 de Setembro de 2013.
[2] A Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, entrou em vigor 90 dias após a sua publicação e os números 1 e 2 do preceito foram objecto de correcção pela Declaração de Rectificação no 59-A/2012, de 12 de Outubro.
[3] Quando o regulamento é dimanado de um ou mais ministros em nome do Governo, estamos perante uma portaria (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2003 (2ª Reimpressão), Coimbra p. 187). Cfr. o mesmo autor, p. 170-171, na distinção entre regulamento (enquanto norma jurídica) e acto adminstrativo (enquanto acto jurídico).      
[4] Sobre o conceito de Lei, nomeadamente a lei material e a lei formal, cfr. Galvão Teles, Introdução ao Estudo do Direito, vol. I, 11ª edição, Reimpressão, Coimbra Editora, 2001, pp. 65-83.
[5] Dispõe o art. 112º (Actos normativos) da CRP:
1. São actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais.
2. As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos.
3. Têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas.
4. Os decretos legislativos têm âmbito regional e versam sobre matérias enunciadas no estatuto político-administrativo da respectiva região autónoma que não estejam reservadas aos órgãos de soberania, sem prejuízo do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 227.º.
5. Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.
6. Os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes.
7. Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão;
8. A transposição de actos jurídicos da União Europeia para a ordem jurídica interna assume a forma de lei, decreto-lei ou, nos termos do disposto no n.º 4, decreto legislativo regional.
[6] Os actos legislativos prevalecem em termos hierárquicos, sobre os actos regulamentares (Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, 2013 (Reimpressão), Almedina, p. 188.   

[7] As despesas e os encargos são aqueles a que alude o art.1078º do Cód. Civil.
[8]  Como refere Baptista Machado, a propósito da interpretação restritiva (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 19ª Reimpressão, 2011, Coimbra, p. 186), “[t]ambém aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio”. 
[9] A este propósito refere Teixeira de Sousa (obr. cit. p. 195) que a “invalidade de uma fonte pode resultar quer da falta de uma fonte de produção, quer da incompatibilidade do seu conteúdo com a sua fonte de produção”, “situação que pode ser qualificada como se invalidade estática”.     
[10] No Acórdão nº 779/13 do Tribunal Constitucional, de 19-11 – 2013, proferido no processo n.º 915/2013, da 1.ª Secção (Relator: José da Cunha Barbosa), a propósito de despacho proferido pela primeira instância que indeferiu o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, pese embora se tenha decidido “indeferir a reclamação apresentada, e, por conseguinte, confirmar o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, proferido pelo Tribunal Judicial de Oeiras”, não abordando, pois, directamente, a questão que ora se nos coloca, escreveu-se:
“Mesmo concedendo que o despacho prolatado não admite recurso ordinário, caindo por terra o fundamento de não admissão do recurso em que se estribou o tribunal recorrido, sempre os elementos constantes dos autos reforçariam aquele juízo de inadmissibilidade. Com efeito, a questão levantada pela recorrente seja no requerimento de reforma, seja no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, não é subsumível a uma questão de constitucionalidade de que este Tribunal possa e deva conhecer. Como a jurisprudência constitucional vem reiteradamente aduzindo (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 113/88, 247/93 e 404/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), estando em causa um conflito entre duas normas de direito infraconstitucional, mormente a violação de uma lei por um ato regulamentar – como sucede in casu - existe um vício de ilegalidade, pelo que, não se reintegrando tais situações nos casos de ilegalidade por violação de lei com valor reforçado expressamente previstos na Constituição (cfr. o artigo 280.º, n.º 2, alíneas a), b), c), e d), da CRP), não há que delas conhecer no quadro dos recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC”.
Refira-se que a questão colocada era exactamente a mesma que se coloca nestes autos, como decorre do relatório:
“3. A reclamante, que viu ser contra si intentada uma ação especial de despejo, ao abrigo dos artigos 15.º-A e seguintes da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, deduziu oposição, com pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Em despacho com data de 10 de julho de 2013, o Tribunal Judicial de Oeiras, constatando que a ré não juntara à oposição o documento comprovativo do pagamento da caução devida ao abrigo do artigo 15.º-F, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (na sua atual redação), declarou a oposição como não deduzida.
Inconformada, veio a ora reclamante pedir a reforma do despacho, ao abrigo do preceituado no artigo 666.º e 669.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, argumentando do seguinte jeito:
«(…) 6º
Com efeito, o artigo 15º-G, nº 3 da Lei nº 31/2012 de 14/08 dispõe: “Com a oposição, deve o requerido proceder à junção da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos nºs 3 e 4 do artigo 1083º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça” (sublinhado nosso).

Por outro lado, o artigo 10º, nº 1 e 2 da Portaria nº 9/2013 de 10 de janeiro prevê o seguinte:
1 – O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, é efetuado através dos meios eletrónicos de pagamento previstos no artigo 17.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, após a emissão do respetivo documento único de cobrança.
2 – O documento comprovativo referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.

O nº 2 do artigo 10º da Portaria nº 9/2013 de 10 de janeiro contraria o disposto no artigo 15º-E da Lei nº 31/2012 sendo que o Tribunal deu prevalência à primeira.

Ora, uma Portaria não pode contrariar ou revogar uma Lei, mesmo quando se destina a regulamentar a mesma, sob pena de violação da hierarquia das leis tal como esta está plasmada na nossa Lei fundamental (artigo 112º da CRP).
10º
Assim existiu um notório lapso do Tribunal na determinação da norma aplicável pois o artigo 10º, nº 1 e 2 da Portaria nº 9/2013 de 10 de janeiro não pode prevalecer sobre o disposto no artigo 15º-E da Lei nº 31/2012 que prevê a isenção da prestação da caução nos casos em que foi requerido o benefício do apoio judiciário”.
11º
Caso assim não se entendesse a interpretação dada ao artigo 10º, nº 1 e 2 da Portaria nº 9/2013 de 10 de janeiro na aplicação do direito ao caso concreto (indeferimento da oposição ao despejo) padeceria de inconstitucionalidade por violação do artigo 112º da CRP, designadamente os nºs 1, 2, 3, 5 e 6.
(…)»
[11] Regista-se que a apelante, na resposta ao articulado de oposição, alude à matéria dos depósitos exactamente quando suscita a questão da falta de pagamento da caução – cfr. os arts. 38º, 39º e 41º.
 
[12] Lê-se na decisão: “Portanto, o valor da renda tem como limite máximo 1/15 do valor do locado (37.170€:15=2.478€), e, neste caso concreto (atento o RABC do agregado familiar do R.), 17% de 13.787,22€ (= 2.342,98€); assim, o valor da renda (mensal) actualizada é de (2.342,98:12=) 195,25€ (inferior em sete cêntimos ao comunicado ao R.); este novo valor de renda é devido a partir de 1 de Novembro de 2013”.
[13] Para os arrendamentos habitacionais anteriores ao RAU, o legislador tem feito distinção entre a actualização feita em função da Lei nº 6/2006 de 27-02, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 31/2012 de 14-08 e a actualização feita de acordo com a Lei 6/2006 de 27-02 na sua redacção originária, como decorre, nomeadamente do Dec. Lei nº 266-C/2012 de 31-12 (cfr. o preâmbulo do diploma) e do art. 11º da Lei nº 31/2012 de 14-08 (“[d]isposição transitória”).  
[14] Lê-se no preâmbulo:
“Em quarto lugar, estabelece-se um regime transitório que dá execução ao estatuído no n.º 4 do artigo 11.º da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, de acordo com o qual a determinação do RABC durante o ano de 2012, para efeitos do disposto no artigo 35.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela mencionada Lei, deve ter em conta os rendimentos do agregado familiar relativos ao ano de 2012 e a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal ou equivalentes definida no artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro. Do referido n.º 4 do artigo 11.º resultam, assim, especialidades em relação à regra geral que define o ano civil relevante para a determinação do RABC, da qual decorre que, durante o ano de 2012, o RABC a ter em consideração é o existente em 2011.
       Sucede, todavia, que o serviço de finanças competente apenas pode emitir o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC do agregado familiar do arrendatário após a liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) relativo ao ano de 2012.
  Consequentemente, importa consagrar o direito do arrendatário - tenha ou não idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60% a, durante o ano de 2012 e para efeito de invocação de que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, optar pela aferição do agregado familiar, da RMNA e dos fatores de correção do rendimento anual bruto relevantes para o apuramento do RABC que existem em 2012.
  Em todo o caso, o exercício deste direito conferido ao arrendatário é acompanhado dos necessários mecanismos que assegurem a justiça material entre as partes e que evitem a sua utilização abusiva.
 Com efeito, por um lado, o arrendatário que exerça o mencionado direito tem o dever de remeter ao senhorio o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar, no prazo de 60 dias a contar da notificação da liquidação do IRS relativo ao ano de 2012, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sob pena de não poder prevalecer-se do regime previsto para o arrendatário que invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA e, sendo caso disso, de poder vir a responder pelos danos que culposamente causar ao senhorio.
Por outro lado, quando ocorrer a atualização da renda, o senhorio tem direito à recuperação do aumento do valor da renda que seria devido durante o período que medeia entre a invocação, pelo arrendatário, de que opta pela aferição dos elementos relevantes para o apuramento do RABC que existem em 2012 e a atualização da renda decorrente da obtenção do documento comprovativo do valor do RABC. Prevê-se, para o efeito, um limite máximo do valor a recuperar em cada mês, com vista a não sobrecarregar desproporcionadamente o arrendatário, sem prejuízo de as partes poderem acordar livremente em sentido diverso ou de haver lugar ao vencimento imediato de todo o valor em dívida no caso de cessação do contrato.
       O direito ora conferido ao arrendatário permite-lhe acomodar o eventual agravamento da sua situação económica durante o ano de 2012, no contexto da atual conjuntura económica nacional e internacional, aproximando assim o valor da renda atualizada da realidade económica do arrendatário”.
[15] Sublinhado nosso.
[16] No preâmbulo do Dc. Lei 266-C/2012 refere-se que o regime transitório dá execução ao art. 11º nº4 da Lei nº 31/2012 de 14-08, preceito que, constituindo igualmente uma disposição transitória, se reporta apenas às actualizações encetadas pelos senhorios ao abrigo do regime constante dos arts. 30º a 56º da Lei 6/2006 de 27-02 na sua redacção originária, mas o art. 19º-A referido dispõe expressamente sobre o regiume de actualização resultante da redacção da Lei 31/2012.