Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GILBERTO JORGE | ||
Descritores: | ACÇÃO INIBITÓRIA CONTRATO DE SEGURO CONTRATO DE ADESÃO CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL NULIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/28/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1 A cláusula geral e especial impondo ao segurado, a fim de poder receber a importância segura, a apresentação de documento que ateste o carácter acidental do falecimento e determine a relação causa/efeito entre o acidente e a morte não é violadora das regras e princípios relacionados com o equilíbrio e lisura na celebração e execução do referido contrato. ( Da Responsabilidade do Relator ) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, na Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa I - Relatório O Ministério Público intentou e fez seguir contra B ( ….Companhia de Seguros, S.A. ) a presente acção declarativa com processo sumário pedindo que a mesma seja julgada procedente e, em consequência: 1. Se declarem nulas as cláusulas 13.ª n.º 2, alínea b) das condições gerais dos contratos: - Seguro B…. Vida Individual; - Seguro B… Vida Dois; - Seguro B…. Vida Individual – 3 Capitais; - Seguro B…. Protecção Vida Individual e Seguro B… Protecção Vida Dois; e, As cláusulas 12.ª n.º 2 alínea b) das condições gerais dos contratos: Seguro B…Prémio Único Individual e Seguro B…Prémio Único Dois. 2. Se declarem nulas as cláusulas 7.ª n.º 1 alínea c) e n.º 2 das coberturas complementares de morte por acidente e por acidente de circulação e de morte por enfarte do miocárdio do contrato: Seguro B… Vida Individual – 3 Capitais; 3. Se declarem nulas as cláusulas 22.ª das condições gerais dos contratos: - Seguro B… Vida Individual; - Seguro B… Vida Dois; - Seguro B… Vida Individual – 3 Capitais; - Seguro B… Protecção Vida Individual; e Seguro B… Protecção Vida Dois; As cláusulas 21.ª das condições gerais dos contratos: - Seguro B… Prémio Único Individual; - Seguro B… Prémio Único Dois; - B… Multimanager e B… Portfolio; A cláusula 16.ª das condições gerais do contrato B… Poupança; A cláusula 18.ª das condições gerais dos contratos: - B… Investimentos; - B… PPR e B… PPR Rendimento; E a cláusula 19.ª das condições gerais do contrato: - B… PPR Rendimento Garantido. 4. Se condene a ré a abster-se de se prevalecer delas em contratos já celebrados e de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (art. 30.º n.º 1 do DL n.º 446/85 de 25 de Outubro). 5. Se condene a ré a dar publicidade a tal proibição e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (art. 30.º n.º 2 do DL n.º 446/85 de 25 de Outubro), de tamanho não inferior a ¼ de página. 6. Se dê cumprimento ao disposto no art. 34.º do aludido diploma, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093 de 6 de Setembro. Para tanto e em síntese alegou que a ré incluiu nos ditos contratos de adesão que celebrou com os seus clientes tais cláusulas gerais, sendo que as respeitantes à revelação de dados de saúde consistem numa invasão da reserva da intimidade da vida privada e na violação da obrigação de confidencialidade imposta pelo sigilo médico profissional. Mais alegou tratar-se de dados classificados como “sensíveis”, cuja divulgação é proibida, sendo esse o entendimento da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), no sentido de não autorizar o acesso a relatórios médicos a beneficiários de segurados, com o referido fundamento. A ré inclui nos respectivos contratos as cláusulas gerais visadas para forçar os beneficiários a demandá-la judicialmente, perante a sua recusa em liquidar as importâncias seguras com fundamento na falta de apresentação dos documentos médicos exigidos. Adianta estar ciente das dificuldades existente para essas pessoas obterem tais documentos, evidenciando, desta forma, a sua posição de superioridade em face do consumidor e o tratamento desigual que lhe confere, com ofensa do princípio da boa-fé e inversão do ónus da prova. Em relação à cláusula geral do foro competente, ao não estipulá-lo de forma expressa, a ré pode induzir em erro o contratante aderente, pois um cliente normal e sem conhecimentos específicos do significado exacto da expressão “local da emissão da apólice” pode confundi-lo com o lugar onde se situa o agente da ré com quem contactou, onde assinou o contrato de seguro e onde paga os prémios. Ao elaborar o clausulado, a ré equacionou de antemão o local que lhe convém para dirimir os conflitos resultantes do contrato, mas expressou de um modo ambíguo tal conveniência, pelo que esta cláusula viola os valores fundamentais do direito defendidos pelo princípio da boa-fé, gerando um desequilíbrio em detrimento do contratante aderente. A ré contestou pugnando pela improcedência por não provada da acção e consequente absolvição do pedido. Para tanto e em síntese alegou ter utilizado um impresso denominado “Proposta de Seguro” em que se declara autorizar o médico indicado pela seguradora a solicitar a qualquer outro médico ou profissional de saúde as informações e documentação que entenda necessária para a análise do risco proposto, bem como para a avaliação de um eventual sinistro que seja participado. Sendo que, logo a seguir à citada declaração, consta o local próprio para a assinatura quer do tomador quer da pessoa segura (terceiro), resultando que o beneficiário consente previamente no fornecimento dos elementos médicos que se mostrarem necessários para a avaliação de um eventual e futuro sinistro que seja participado à ré. Que o referido impresso é utilizado para todos os contratos celebrados pela ré. Mais alegou que, com a junção do atestado/relatório médico, apenas pretende que o beneficiário demonstre o seu direito de accionar o seguro e de receber o correspondente capital, não existindo, com a solicitação de tal relatório, qualquer inversão do ónus da prova, continuando a impender sempre e só sobre a ré a prova da verificação de alguma situação de exclusão. Bem sabendo o beneficiário que, no âmbito do contrato de seguro do ramo vida, tem de demonstrar não só a sua qualidade de beneficiário como também a existência de uma situação de morte enquadrável nas previsões do contrato. A solicitação do relatório sobre as causas da morte de modo algum defrauda quaisquer expectativas do beneficiário, nem abala as relações de confiança. Acresce que, a inexistência de um atestado/relatório médico pode ser justificada perante a ré pelas circunstâncias em que a morte ocorreu (por exemplo, nas situações de morte presumida). Finalmente, adianta que, na cláusula do foro competente, estando expressamente previsto e ressalvado o estabelecido na lei processual civil no respeitante à competência territorial em matéria de cumprimento das obrigações, fica claro que o contratante aderente pode sempre seguir o regime legal em vigor, o qual não ignora nem é ambíguo nos seus termos. Sustenta ainda que, sendo uma empresa bem conceituada no mercado segurador e sendo seu principal objectivo satisfazer adequadamente os seus clientes, está disponível para alterar o clausulado que comprovadamente se considere abusivo ou reconhecidamente nulo, não devendo ser-lhe aplicada a sanção da publicidade peticionada nos autos. Findos os articulados, seguiu-se despacho no qual se dispensou a realização da audiência preliminar, se procedeu ao saneamento do processo e se elaborou a matéria de facto considerada como assente e organizou a base instrutória da qual reclamou o autor sem sucesso, cfr. despacho proferido a fls. 301/304. Posteriormente, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e decidida que foi a matéria de facto controvertida – sem reclamações – proferiu-se sentença cuja parte decisória é do seguinte teor: “(…) Atento o circunstancialismo factual assente e a fundamentação jurídica invocada, o Tribunal julga a presente acção inibitória totalmente procedente e, em consequência: 1 - Declara nulas as cláusulas 13.ª n.º 2 alínea b) das condições gerais dos contratos Seguro B… Vida Individual, Seguro B… Vida Dois, Seguro B…Vida Individual – 3 Capitais, Seguro B…Protecção Vida Individual e Seguro B… Protecção Vida Dois; e as cláusulas 12.ª n.º 2 alínea b) das condições gerais dos contratos Seguro B…Único Individual e Seguro B…Prémio Único Dois; as quais têm o seguinte teor: “2. O pagamento das importâncias seguras, sempre que a ele houver direito, será efectuado ao Beneficiário da respectiva garantia, no prazo de trinta (30) dias úteis após a entrega dos documentos comprovativos da identidade e qualidade de beneficiário e mediante a apresentação dos documentos indispensáveis à sua regularização, a saber: (…) b) Atestado Médico onde se declare as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte”; por violação do disposto nos arts. 15.º, 16.º e 21.º alínea g) todos do Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de Outubro; 2 - Declara nulas as cláusulas 7.ª n.º 1 alínea c) e n.º 2, e 6.ª n.º 1 alíneas a) e b) das coberturas complementares de morte por acidente e por acidente de circulação e de morte por enfarte do miocárdio do contrato Seguro B… Vida Individual – 3 Capitais; as quais têm o teor seguinte (respectivamente): “1. Em caso de morte por acidente da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários ficam obrigados a remeter ao Segurador: (…) c) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, o carácter acidental do falecimento e determinem a relação causa/efeito entre o acidente e a morte. 2. Incumbe ao Tomador do Seguro ou aos Beneficiários a prova de que a morte resultou de um acidente”; “1. Em caso de morte por acidente de circulação da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador: (…) c) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, o carácter acidental do falecimento e determinem a relação causa/efeito entre o acidente e a morte. 2. Incumbe ao Tomador do Seguro ou aos Beneficiários a prova de que a morte resultou de um acidente de circulação”; “1. Em caso de morte por enfarte do miocárdio da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador: a) Relatório do médico ou médicos assistentes, dando informações sobre antecedentes de dores peitorais típicas, alterações recentes do electrocardiograma, aumento das enzimas cardíacas. b) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, a relação causa/efeito entre enfarte do miocárdio e a morte”; por violação do disposto nos artigos 15.º, 16.º e 21.º alínea g) todos do Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de Outubro; 3. Declara nulas as cláusulas 22.ª das condições gerais dos contratos Seguro … Vida Individual, Seguro B…Vida Dois, Seguro B… Vida Individual – 3 Capitais, Seguro B… Protecção Vida Individual e Seguro B… Protecção Vida Dois; as cláusulas 21.ª das condições gerais dos contratos Seguro B…Prémio Único Individual, Seguro B…Prémio Único Dois, B…Multimanager e B…Portfolio; a cláusula 16.º das condições gerais do contrato B…Poupança; as cláusulas 18.ª das condições gerais dos contratos B…Investimento, B…PPR e B…PPR Rendimento; e a cláusula 19.ª das condições gerais do contrato B…PPR Rendimento garantido; as quais têm o teor seguinte: “O foro competente para dirimir qualquer litígio emergente deste contrato é o do local da emissão da apólice, sem prejuízo do estabelecido na lei processual civil no que respeita à competência territorial em matéria de cumprimento de obrigações”; por violação do disposto nos artigos 15.º e 16.º, ambos do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro; 4. Condena a seguradora ré CNP B… Vida Y Pensiones Companhia de Seguros, S.A. – Agência Geral em Portugal, a abster-se de se prevalecer das identificadas cláusulas em contratos de seguro do ramo Vida já celebrados, bem como de as utilizar em contratos de seguro do ramo Vida que de futuro venha a celebrar (cfr. artigo 30.º n.º 1 do Decreto Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro); 5. Condena a mesma ré a dar publicidade à parte decisória da presente sentença, mediante anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ (um quarto) de página, no prazo de trinta dias a partir do trânsito em julgado da presente sentença, comprovando nos autos o acto da publicidade até dez dias após o termo do prazo fixado (cfr. artigo 30.º n.º 2 do Decreto Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro; e 6. Determina o cumprimento do disposto no artigo 34.º do Decreto Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça certidão da presente sentença, uma vez transitada em julgado, para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093/95, de 6 de Setembro. (…)”. Inconformada com tal decisão dela a ré interpôs recurso que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo condicionado à prestação de caução. A apelante sintetizou as suas alegações de recurso, concluindo nos termos seguintes: 1.ª - A sentença recorrida violou quanto dispõem os artigos 510.º n.º 1 al. b) e 511.º n.º 1 do C.P.C., o artigo 342.º n.º 1 do Código Civil, os artigos 74.º n.º 1, 100.º e 110.º do C.P.C. e o artigo 11.º do Dec. Lei n.º 446/85, de 25.10. 2.ª - Com efeito, ao ter levado à base instrutória matéria que considerava relevante para a boa decisão da causa e ao ter considerado toda a matéria favorável à apelante como provada, com a fundamentação da sua convicção que consta da resposta aos quesitos dos presentes autos, o Tribunal tinha que a considerar aquando da elaboração da sentença o que não aconteceu, antes tendo feito “tábua rasa” de tudo o que ficou demonstrado a favor da apelante, tendo também em consideração que nada ficou provado a favor do apelado, da matéria por este alegada e levada à base instrutória. 3.ª - Independentemente do supra exposto, a verdade é que, nem as cláusulas dos contratos mencionados nos autos que prevêem a apresentação de relatórios médicos por parte dos beneficiários, nem as cláusulas nos mesmos previstas, a propósito do foro são nulas, devendo improceder na totalidade a acção inibitória instaurada. 4.ª - Com efeito, as cláusulas respeitantes à apresentação dos relatórios médicos por parte dos beneficiários para prova do seu direito não violam o preceituado nos artigos 15.º, 16.º e 21.º alínea g) do Dec. Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. 5.ª - O que se pretende com a inclusão de tais cláusulas nos contratos, é que os beneficiários façam prova do direito que invocam, já que não basta a prova da morte, sendo também necessário a prova da inexistência de patologias ou causas não cobertas e a prova das causas da morte, relativamente aos contratos de seguro que cobrem o risco morte por acidente, morte por acidente de circulação e morte por enfarte do miocárdio. 6.ª - Conforme consta e bem da sentença recorrida “Ao beneficiário cabe demonstrar o seu direito, accionando o seguro e à seguradora incumbe fazer a prova da eventual verificação de uma situação de exclusão da apólice”. 7.ª - Não se provou que a inclusão das citadas cláusulas têm por propósito impor ao beneficiário que faça prova de uma causa de exclusão cuja prova, obviamente, cabe à seguradora, 8.ª - Provou-se outrossim que “Com a junção do atestado/relatório médico, a ré apenas pretende que o beneficiário demonstre o seu direito de accionar o seguro e receber o correspondente capital”. 9.ª - Não está aqui em causa uma questão de consentimento relativamente ao acesso a dados sensíveis, já que ficou demonstrado que tal consentimento foi expressamente dado pela Pessoa Segura aquando do preenchimento do questionário de saúde. 10.ª – Está sómente aqui em causa, no entender do Tribunal a quo a obtenção de uma prova, que na errada perspectiva do Tribunal é difícil para os Beneficiários e fácil para a seguradora. Pelo que, no seu entendimento, apenas é exigível aos beneficiários a mera apresentação da certidão de óbito. 11.ª - Ora não podemos estar mais em desacordo, quer no que respeita à dificuldade na obtenção da prova, quer no que respeita aos meios de prova que são necessários para fazer funcionar a cobertura de morte dos contratos de seguro (já que não está apenas aqui em causa a morte só por si). 12.ª - Com efeito, os Beneficiários são, na esmagadora maioria dos casos, familiares da Pessoa Segura, em regra os herdeiros legais. Como tal, são as pessoas que, por excelência, acompanharam o sinistrado antes do seu decesso, conhecem os médicos que o acompanharam e têm acesso fácil ao contacto com os mesmos, por forma a obter o relatório que faça prova da causa da morte para com isso, receberem os capitais contratados (portanto, em seu exclusivo benefício). 13.ª - Ao invés, a seguradora, apesar de estar autorizada a ter acesso a toda a história clínica da pessoa segura, não tem com a mesma qualquer relação ao longo de toda a vida do contrato, não sabendo a identidade ou paradeiro dos seus médicos assistentes ou dos hospitais, clínicas, centros de saúde e especialistas que frequentou antes da morte. 14.ª - Tal informação, que como vimos é essencial para o pagamento dos capitais seguros aos Beneficiários tem necessáriamente que ser por estes fornecida. 15.ª - Sendo inexistente qualquer litigância, caso estes demonstrem dificuldades na obtenção da mesma, conforme resultou provado e consta da fundamentação da resposta à matéria de facto. 16.ª - Não é, nem pode ser suficiente para o accionamento do contrato de seguro, a simples apresentação da certidão de óbito, que não esclarece as causas da morte, quanto o funcionamento da respectiva cobertura está dependente da verificação de morte por acidente, morte por acidente de circulação ou morte por enfarte do miocárdio. 17.ª - Sendo também necessária a prova, por parte dos Beneficiários da inexistência de patologias que afastem o funcionamento da cobertura contratada. 18.ª - Conforme também consta da fundamentação sobre a resposta à matéria de facto, na grande maioria das situações, são os próprios beneficiários que, quando participam o sinistro, já trazem consigo, de motu próprio, os relatórios médicos sobre as causas da morte. 19.ª - A significar que o contrato é perfeitamente transparente e claro para os beneficiários, não exigindo destes uma prova de difícil obtenção e apenas determinando que façam prova do direito que arrogam. 20.ª - Em face do exposto, o clausulado dos contratos de seguro da apelante que abordam a necessidade de apresentação dos relatórios médicos, não viola qualquer das disposições previstas nos artigos 15.º e 16.º do Dec. Lei n.º 446/85, de 25.10. 21.ª - Não existindo, igualmente, e por maioria de razão, qualquer violação do preceituado no artigo 21.º al. g) do citado diploma. 22.ª - Pelo que, o decidir de outro modo, a sentença recorrida violou o preceituado no artigo 342.º n.º 1 do Código Civil, devendo, por conseguinte, ser revogada. 23.ª - Quanto à cláusula do foro, entende igualmente a apelante que não foram violados os artigos 15.º e 16.º do Dec. Lei n.º 446/85, de 25.10. 24.ª - Com efeito, da segunda parte da cláusula resulta claramente que a apelante salvaguardou todo o conteúdo do preceituado no artigo 74.º n.º 1 do C.P.C., prevalecendo tal norma sobre o foro convencionado, conforme se constata pela expressão “sem prejuízo”. 25.ª - Não se pode entender, como fez o Tribunal a quo que a expressão “em matéria de cumprimento de obrigações”, não abrange a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a acção destinada a declarar a resolução do contrato por falta de cumprimento. 26.ª - A expressão utilizada na cláusula tem carácter genérico, pelo que nela entra tudo o que se refere “à matéria de cumprimento de obrigações” – onde obviamente se inclui o incumprimento e o cumprimento defeituoso. 27.ª - Pensar de outro modo seria esvaziar esta parte da cláusula de conteúdo, já que não há litigância quando há cumprimento da obrigação. 28.ª - A cláusula não tem assim, nem pode ter, o sentido restritivo que a sentença lhe atribuiu. 29.ª - Pelo que jamais se poderá considerar nula, na medida em que cumpre o regime legal, imperativo quanto a esta matéria, por força do preceituado no artigo 100.º e 110.º do C.P.C. 30.ª - A tudo o resto, aplica-se o foro convencionado, o que é admissível, também por força do artigo 100.º do C.P.C. 31.ª - No limite, poder-se-á admitir que a expressão “local da emissão da apólice” é vaga, não esclarecendo cabalmente o consumidor final. 32.ª - Estão aqui em causa as dúvidas já sobejamente abordadas pela jurisprudência e pela doutrina sobre qual será, para o consumidor final “o local da emissão da apólice” se a sede da empresa ou se qualquer das suas delegações, concretamente, as delegações da área de residência de cada um dos aderentes, onde estes se deslocaram para subscrever o contrato de seguro. Admite-se a dúvida. 33.ª - Mas, a vingar tal entendimento, há que aplicar o preceituado no art. 11.º do Dec. Lei n.º 446/85, de 25.10, prevalecendo o sentido mais favorável ao aderente. 34.ª - Pelo que a cláusula não está ferida de nulidade, devendo improceder, também nesta parte, a sentença recorrida, por violação do preceituado nos artigos 74.º n.º 1, 100.º e 110.º do C.P.C. e por violação do preceituado no artigo 11.º do Dec. Lei n.º 446/85, de 25.10. 35.ª - Termos em que, deve a sentença recorrida ser revogada em conformidade com as presentes alegações. Nestes termos deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida em conformidade com as presentes alegações. O apelado contra alegou concluindo do seguinte modo: 1. A acção inibitória é uma acção de fiscalização em abstracto. Que se encontra a montante de qualquer celebração em concreto de um contrato com base naquele formulário. Pode inclusivamente nunca ter ainda sido celebrado nenhum contrato com aquele formulário. E esse facto não obsta à propositura da acção inibitória. 2. A classificação de um contrato como de adesão para efeitos de acção inibitória tem de resultar exclusivamente da análise do próprio impresso/minuta que é apresentado pelo proponente aos clientes em geral, apreciado e associado com as regras da experiência comum. A análise desse contrato terá de se basear apenas no seu conteúdo. 3. Partindo deste pressuposto, nesta acção, como em qualquer outra acção inibitória, teremos de nos limitar a analisar as cláusulas em apreço, convocando o seu texto, e o texto de todo o clausulado em que estão inseridas, sem qualquer elemento que lhe seja exterior, designadamente a prova testemunhal produzida em julgamento sobre as intenções (!!??) ou os procedimentos habituais da ré. 4. Não existe certamente por lapso de numeração. 5. A questão reduz-se, assim, no essencial, à existência, nos contratos de seguros em apreço, de cláusulas que fazem impender sobre os beneficiários a obrigação de apresentarem atestados médicos e elementos clínicos sobre as causas, início e evolução da doença ou lesão que causou o falecimento, como condição para receberem as importâncias seguras. 6. As normas constitucionais e a Lei de Protecção de Dados Pessoais – LPDP, aprovada pela Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, proíbem o acesso das seguradoras aos dados pessoais de saúde dos titulares segurados já falecidos, quando não exista consentimento destes para esse efeito. 7. A Lei de Protecção de Dados Pessoais (LPDP) exige que esse consentimento seja expresso e especifico. Que deva ser prestado pelos titulares segurados através de cláusulas contratuais destacadas, separadas e autonomizadas da restante parte do contrato, permitindo-lhes que possam assinar em lugares próprios e autónomos, diferentes até da outorga da restante parte do contrato pré-definido pelas seguradoras. 8. As cláusulas contratuais gerais que exigem dos beneficiários a apresentação de atestado médico e elementos clínicos onde constem as causas e a evolução da doença que causou o falecimento, quando a pessoa segura, em vida, não consentiu especificamente no acesso por parte daqueles aos seus dados médicos, são abusivas, porque contendem com o princípio a boa-fé previsto nos arts. 15.º e 16.º e porque invertem o ónus da prova – art. 21.º al. g) todos do Dec. Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. 9. E são abusivas porque desvirtuam excessivamente o equilíbrio dos interesses das partes contratantes, em prejuízo dos aderentes, já que, por via delas, a ré seguradora impõe aos beneficiários o cumprimento de uma obrigação que pode dificultar (e/ou até mesmo impossibilitar) o recebimento das compensações. Na prática, o acesso aos dados clínicos tem sido vedado pelos médicos, a coberto do segredo profissional e, nessas situações, a Comissão Nacional de Protecção de Dados tem vindo – também – a recusar o acesso a relatórios médicos solicitados por beneficiários quando os titulares segurados, em vida, não tenham autorizado expressamente esse acesso. 10. A prova que o beneficiário tem de fazer é a da existência do seguro e da ocorrência da morte. Sendo que os documentos adequados a fazer prova de morte são o assento de óbito e/ou o certificado de óbito (este é passado por um médico e contém a causa da morte). Documentos que são de acesso público e relativamente aos quais não haverá nenhuma dificuldade para o beneficiário de os obter. 11. É de todo injustificado exigir ao beneficiário, como condição do pagamento da indemnização, a junção de outros documentos, designadamente atestado médico, a que ele muito dificilmente terá acesso, ainda para mais quando a própria ré a ele pode ter acesso por via da autorização que tem do segurado. 12. É à seguradora que incumbe o ónus de provar que se verifica uma causa de exclusão prevista na apólice, não cabendo aos herdeiros fazer a demonstração da inexistência de qualquer das cláusulas de exclusão (cfr. neste sentido, entre outros, o ac. Rel. Porto de 07.11.2005, disponível em www.dgsi.pt citado na sentença). 13. Com efeito, a junção do atestado médico destina-se a excluir duvidas que a ré seguradora tenha sobre a causa da morte dos titulares segurados e sobre o seu dever de indemnizar. Destina-se a fazer prova de um facto impeditivo ou extintivo do direito de indemnizar. E, nos termos gerais de direito, a prova de tais factos é da responsabilidade do réu. 14. Sendo inaceitável que a ré seguradora, por via do funcionamento das cláusulas em apreciação, faça também recair sobre os beneficiários o ónus dessa prova. Ou seja, que transfira para o beneficiário um ónus que só a ela diz respeito, em clara violação do preceituado no art. 21.º alínea g) do Dec. Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. 15. Pelo exposto, resulta à evidência que as cláusulas que obrigam os beneficiários a apresentar atestados dos médicos assistentes sobre as causas, início e duração da doença ou da lesão corporal que provocou a morte das pessoas são abusivas porque contendem com o disposto nos arts. 21.º alínea g) e 15.º e 16.º do Dec. Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. 16. Não se questiona que a cláusula do foro em análise nos contratos da ré está ressalvado o estabelecido na lei processual civil no que respeita à competência territorial em matéria de cumprimento das obrigações, mas todas as situações que extravasem a ressalva final da cláusula, ficam abrangidas pelo foro convencional. 17. E a expressão usada pela ré para fixar o foro convencional: local de emissão da apólice é dúbia como a própria ré admite. 18. Trata-se de uma forma de fixação do foro que não especifica concretamente as questões a que se refere nem designa o tribunal competente com precisão. E, ao não estipular de forma expressa o foro competente (ex.: Lisboa, Porto, etc.) a ré pode induzir o contratante aderente em erro, pois um cliente normal, sem conhecimentos específicos do significado exacto da expressão “local da emissão da apólice”, pode confundi-lo com o local onde se situa o agente da ré com quem contactou, onde assinou o contrato e onde paga prémios. 19. A ré, ao elaborar o clausulado, equacionou de antemão o local que lhe convém para dirimir os conflitos resultantes do contrato, mas expressou de forma ambígua tal conveniência. 20. Pelo que esta cláusula viola os valores fundamentais do direito defendidos pelo princípio da boa-fé (arts. 15.º e 16.º do Dec. Lei n.º 446/85) porque cria um desequilíbrio em detrimento do aderente. 21. Nem é defensável que ela não deverá ser declarada nula por aplicação do art. 11.º n.º 2 do DL 446/85 (LCCG) sobre cláusulas ambíguas que estabelece que na dúvida prevalece o sentido mais favorável ao aderente, dado que esta regra não tem aplicação no âmbito das acções inibitórias, exclusão que resulta expressamente do n.º 3 do mesmo preceito legal. 22. A sentença recorrida não violou qualquer preceito legal, antes tendo feito uma correcta aplicação do direito. Nestes termos deverá ser mantida na íntegra a sentença recorrida. Colhidos os vistos legais das Exm.ªs Juízes Desembargadoras Adjuntas cumpre agora apreciar e decidir ao que nada obsta. II – Fundamentação de facto São os seguintes os factos descritos na sentença impugnada considerados como provados: 1 - A ré encontra-se inscrita na 1.ª Secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, matriculada sob o número 000000000 e procede à celebração de contratos de seguro do ramo Vida – alínea A) da matéria de facto dada como assente. 2 - No âmbito da sua actividade, a ré celebra os contratos de seguro do ramo Vida seguintes: - Seguro B….Vida Individual; - Seguro B…. Vida Dois; - Seguro B… Vida Individual – 3 Capitais; - Seguro B….Protecção Vida Individual; - Seguro B… Protecção Vida Dois; - Seguro B…. Prémio Único Individual; - Seguro B…Prémio Único Dois; - B… Multimanager; - B… Portfolio; - B… Poupança; - B… Investimento; - B…PPR; - B… PPR Rendimento; - B…PPR Rendimento Garantido – alínea B), idem. 3 - Tais contratos regem-se, a par das condições particulares, pelas condições gerais e especiais constantes dos documentos apresentados de fls. 20 a 244 dos autos, cujos clausulados foram previamente elaborados, destinando-se a ser utilizados pela ré, no presente e no futuro, para contratação com quaisquer interessados consumidores – alínea C), idem. 4 - Estabelece o artigo 13.º n.º 2 alínea b) das condições gerais dos contratos Seguro B…Vida Individual, Seguro B….Vida Dois, Seguro B… Vida Individual – 3 Capitais, Seguro B… Protecção Vida Individual e Seguro B… Protecção Vida Dois; e o artigo 12.º n.º 2 alínea b) das condições gerais dos contratos Seguro B…Prémio Único Individual e Seguro B…Prémio Único Dois: “2. O pagamento das importâncias seguras, sempre que a ele houver direito, será efectuado ao beneficiário da respectiva garantia, no prazo máximo de trinta dias após a entrega dos documentos comprovativos da identidade e qualidade de beneficiário e mediante a apresentação dos documentos indispensáveis à sua regularização, a saber: (…) b) Atestado Médico onde se declare as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte” (cfr. documentos de fls. 20 a 136, a fls. 31, 43 e 44, 55, 86, 98 e 99, 120 e 131, respectivamente) – alínea D), idem. 5 – Estabelece o artigo 7.º n.º 1 alínea c) e n.º 2 da cobertura complementar de morte por acidente do clausulado do contrato Seguro B…Vida Individual – 3 Capitais: “1. Em caso de morte por acidente da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador: (…) c) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, o carácter acidental do falecimento e determinem a relação causa/efeito entre o acidente e a morte. 2. Incumbe ao Tomador do Seguro ou aos Beneficiários a prova de que a morte resultou de um acidente” (cfr. documento de fls. 50 a 73, a fls. 60) – alínea E), idem. 6 – Estabelece o artigo 7.º n.º 1 alínea c) e n.º 2 da cobertura complementar de morte por acidente de circulação do contrato Seguro B…Vida Individual – 3 Capitais: “1. Em caso de morte por acidente de circulação da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador: (…) c) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, o carácter acidental do falecimento e determinem a relação causa/efeito entre o acidente e a morte. 2. Incumbe ao Tomador do Seguro ou aos Beneficiários a prova de que a morte resultou de um acidente de circulação” (cfr. documento de fls. 50 a 73, a fls. 62) – alínea F), idem. 7 – Estabelece o artigo 6.º n.º 1 alíneas a) e b) da cobertura complementar de morte por enfarte de miocárdio do contrato Seguro B…Vida Individual – e Capitais: “1. Em caso de morte por enfarte de miocárdio da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador: a) Relatório do médico ou médicos assistentes, dando informações sobre antecedentes de dores peitorais típicas, alterações recentes do electrocardiograma, aumento da enzimas cardíacas; b) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, a relação causa/efeito entre enfarte do miocárdio e a morte” (cfr. documento de fls. 50 a 73, a fls. 64) – alínea G), idem. 8 – Estabelecem os artigos 22.º das condições gerais dos contratos Seguro B…Vida Individual, Seguro B…Vida Dois, Seguro B…Vida Individual – 3 Capitais, Seguro B…Protecção Vida Individual e Seguro B…Protecção Vida Dois, os artigos 21.º das condições gerais dos contratos Seguro B…Portfolio; o artigo 16.º das condições gerais do contrato B…Poupança; os artigos 18.º das condições gerais dos contratos B…Investimento, B…PPR, B…PPR Rendimento; e o artigo 19.º das condições gerais do contrato B…PPR rendimento Garantida: “O foro competente para dirimir qualquer litígio emergente deste contrato é o local da emissão da apólice, sem prejuízo do estabelecido na lei processual civil no que respeita à competência territorial em matéria de cumprimento de obrigações” (cfr. documentos de fls. 20 a 244, a fls. 34, 46, 58, 89, 101, 122, 133, 155, 185, 193, 210, 220, 230 e 243 respectivamente) – alínea H), idem. 9 – No final da primeira página do impresso denominado “Proposta de Seguro” consta a expressão seguinte, a preceder o local próprio para a assinatura do tomador e da pessoa segura (terceiro): “Declaro autorizar o Médico indicado pelo Segurador a solicitar a qualquer outro Médico ou profissional de saúde as informações e documentação que entenda necessária para a análise do risco proposto bem como para a avaliação de um eventual sinistro que seja participado” (cfr. documentos de fls. 245 a 247 e 260 a 263) – alínea I), idem. 10 – O impresso identificado em 9), é utilizado para todos os contratos celebrados pela ré – resposta ao quesito 3.º da base instrutória. 11- Com a junção do atestado médico, a ré apenas pretende que o beneficiário demonstre o seu direito de accionar o seguro e receber o correspondente capital – resposta ao quesito 4.º, idem. 12 – A inexistência de atestado/relatório médico pode ser justificada perante a ré pelas circunstâncias em que a morte ocorreu – resposta ao quesito 5.º, idem. * O Tribunal recorrido deu como provada matéria referente às condições particulares, gerais e especiais, dos contratos de seguro do ramo Vida, identificados no ponto 2 da fundamentação de facto, constantes dos documentos juntos, a fls. 20 a 244 dos autos, cujos clausulados foram previamente elaborados, destinando-se a ser utilizados pela ré, no presente e no futuro, para contratação com quaisquer interessados consumidores (cfr. ponto 3 da fundamentação de facto). Como é sabido, os documentos são meios de prova e não factos. Ao julgador incumbe discriminar na sentença os factos que considera provados – art. 659.º n.º 2 do C.P.C. – nomeadamente por documentos, cabendo-lhe por isso interpretar o seu teor e expressamente individualizar os factos que por eles considera provados. A alusão a tais documentos, de fls. 20 a 244 dos autos, não esclarece quais os factos o que o julgador expressamente considerou provados com tal documento. O Tribunal da Relação, no acordão que julga a apelação, deve fixar a factualidade provada, não estando sujeito ao julgamento da 1.ª instância quanto a esta matéria, salvo os limites estabelecidos no art. 712.º do C.P.C. Cumpre pois explicitar, aditando os factos que se consideram provados pelos documentos mencionados na sentença recorrida e que se não encontrem já expressamente contemplados na matéria assente. Assim sendo e tendo em conta apenas o que agora nos ocupa, adita-se a seguinte matéria de facto provada, por se nos afigurar pertinente para a apreciação e decisão do presente recurso. 13 – (Condições Gerais e Especiais – Seguro B…Vida Individual), documento de fls. 60/68. “(…) Artigo 6.º Riscos Excluídos 1. – Não está coberto pelo presente contrato o risco de morte resultante de: a) Acções ou omissões dolosas ou grosseiramente negligentes do Tomador do Seguro, da Pessoa Segura, dos Beneficiários ou de quaisquer herdeiros destes quando co-autores ou cúmplices do acto; b) Suicídio ou tentativa de suicídio da Pessoa Segura ocorrido até dois (2) anos após o início do seguro ou da sua reposição em vigor ou do aumento de capital, caso este aumento não esteja previamente previsto em Condições Particulares, sendo que a exclusão respeita somente ao acréscimo de cobertura relacionado com as referidas circunstâncias, salvo convenção em contrario constante das Condições Particulares; c) Condenação judicial (aplicável nos países onde ainda vigora a pena de morte); d) Situação de guerra, esteja ou não mobilizada a Pessoa Segura, terrorismo ou de perturbações da ordem pública; e) Condução ou utilização de aeronaves, excepto como passageiro a bordo de carreiras comerciais autorizadas; f) Exercício de ocupações ou práticas manifestamente perigosas, tais como corridas ou competições de velocidade para veículos de qualquer natureza; g) Incapacidade, lesão ou doença preexistentes, bem como suas consequências ou agravamentos, excepto se a situação preexistente for conhecida do Segurador antes da celebração do contrato e por aquele expressamente aceite; h) Reacções nucleares e contaminações radioactivas; i) Cataclismos da natureza; j) Acções ou omissões da pessoa segura quando esta acuse consumo de produtos tóxicos, estupefacientes ou outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 g/l. 2. – As exclusões previstas nas alíneas d), e) e f) do número anterior, podem ser derrogadas mediante as condições que para o efeito sejam estabelecidas com o Segurador e o pagamento do respectivo sobreprémio, e nos termos estabelecidos para o efeito nas Condições Particulares da apólice ou documentos adicionais emitidos pelo Segurador para a completar ou alterar. 3. Em caso de morte da Pessoa Segura excluída da cobertura da apólice por força do disposto no número um e sem prejuízo do disposto no número dois, o contrato resolve-se sem que haja lugar a estorno de prémios. (…)”. 14 – (Condições Gerais e Especiais – Seguro Barclays Vida Dois), documento de fls. 72/80. “(…) Artigo 6.º Riscos Excluídos Idem do ponto 13). (…)”. 15 – (Condições Gerais e Especiais – Seguro Barclays Vida Individual – 3 Capitais), documento de fls. 84/92. “(…) Artigo 6.º Riscos Excluídos Idem do ponto 13). (…)”. 16 – (Cobertura Complementar de Morte por Acidente), documento de fls. 93/96. “(…) Artigo 4.º Riscos Excluídos Para além das exclusões constantes nas Condições Gerais do Seguro Principal, fica ainda excluído o risco de morte por acidente resultante de: a) Prática profissional de qualquer desporto ou provas desportivas integradas em campeonatos ou respectivos treinos e passatempos de notória perigosidade tais como caça, desportos de inverno, boxe, alpinismo, tauromaquia, espeleologia, pára-quedismo, asa delta, parapente, surf, windsurf e caça submarina. b) Utilização de veículos motorizados de duas ou três rodas ou motoquatro. c) Acidentes ocorridos quando a pessoa segura acuse consumo de bebidas alcoólicas que determinem grau de alcoolémia igual ou superior a 0,5 gramas por litro de sangue ou uso de produtos tóxico, drogas ou de estupefacientes sem prescrição médica. d) Acidentes resultantes de estado de loucura ou epilepsia. e) Doenças, acidentes ou quaisquer eventos que tenham ocorrido ou dado origem a tratamento médico antes da data de entrada em vigor deste Seguro Complementar, e suas eventuais consequências, desde que tais doenças, acidentes ou eventos não sejam mencionados em documentos específicos de avaliação do estado de saúde da Pessoa Segura, quando expressamente fornecidos pelo Segurador para o efeito. (…)”. 17 – (Cobertura Complementar de Morte por Enfarte de Miocárdio), documento de fls. 97/98. “(…) Artigo 4.º Cessação da Garantia 1 - As garantias do presente Seguro Complementar cessam os seus efeitos: a) Em caso de denúncia, anulação, declaração de nulidade, resolução ou caducidade do Seguro Principal, de que este seguro é complementar; b) No termo da anuidade em que a Pessoa Segura atinge sessenta e cinco (65) anos, salvo indicação em contrário estipulada nas Condições Particulares. 2. Em caso de pagamento do Capital Seguro exigível por este Seguro Complementar, cessam as garantias do Seguro Principal, bem como dos demais Seguros Complementares mencionados nas Condições Particulares. (…)”. III – Fundamentação de direito Para se decidir pela procedência da presente acção inibitória, o Mm.º Juiz a quo discreteriou do modo seguinte: “(…) No caso em apreço, provou-se que a ré, sociedade anónima, procede à celebração de contratos de seguro do ramo Vida. (…) Tais contratos regem-se, a par das condições particulares, pelas condições gerais e especiais constantes dos documentos apresentados de fls. 20 a 244 dos autos, cujos clausulados foram previamente elaborados, destinando-se a ser utilizados pela ré, no presente e futuro, para contratação com quaisquer interessados consumidores. (…) Por outro lado, é liquido e sabido que o contrato de seguro é um contrato de adesão, em que as seguradoras propõem aos destinatários cláusulas contratuais gerais que não resultam de negociação prévia entre as partes, limitando-se aqueles a subscrevê-las ou a aceitá-las (cfr. Ac. Rel. Porto de 03.07.2003, relatado por Saleiro de Abreu). (…) Ora, sendo aquela a factualidade apurada, é forçoso concluir que estamos perante verdadeiras cláusulas contratuais gerais (questão que a ré não contrariou), no que concerne às condições gerais dos diversos contratos em presença. As cláusulas gerais vazadas nos impressos cujas cópias se encontram a fls. 20 a 244 dos autos reger-se-ão pelo regime do Decreto Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (alterado pelo Decreto Lei n.º 220/95 de 31 de Agosto e pelo Decreto Lei n.º 249/99 de 7 de Julho), o qual se aplica às cláusulas contratuais gerais elaboradas sem uma prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a subscrever ou a aceitar, respectivamente. (…) Quando estejam em questão “dados sensíveis”, nomeadamente relativos à saúde de uma pessoa, não basta o consentimento do titular dos dados para que o seu tratamento seja possível: é sempre necessária a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), a menos que alguma disposição legal autorize tal tratamento, sem mais. (…) Ocorre, objectivamente, uma posição de superioridade da seguradora ré em face do consumidor aderente e uma relação contratual não paritária, tratando-se de cláusulas que provocam um desequilíbrio em desfavor do aderente e que põem em crise a confiança suscitada nas partes pelo sentido global das cláusulas contratuais gerais (cfr. artigos 15.º e 16.º do Decreto Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro). Analisadas ex ante, são cláusulas gerais passíveis de ofender o princípio da boa-fé, consagrado no art. 15.º do mesmo diploma. (…) E sempre numa análise apriorística do clausulado em apreço, é manifesto que a ré faz depender o pagamento do capital seguro ao beneficiário da entrega por este de dados legalmente considerados como “sensíveis”. (…) Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 21.º al. g) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, são absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que modifiquem os critérios de repartição do ónus da prova ou restrinjam a utilização de meios probatórios legalmente admitidos. (…) Daí que sobre ela, seguradora, recaia o ónus de alegação e prova no sentido de demonstrar toda uma factualidade susceptível de conduzir, com segurança, à convicção de que uma pessoa segura está numa situação de exclusão (ocorrência de um risco excluído). Assim sendo, concluir se pode que sobre o beneficiário aderente impende apenas o ónus da prova da celebração do contrato de seguro (do ramo vida) e do falecimento da pessoa segura. (…) Também por essa razão se poderá verificar que as cláusulas gerais sob apreciação são absolutamente proibidas, por violação do disposto no artigo 21.º al. g) do Decreto-lei n.º 446/85, de 25.10 e o consequente desequilíbrio criado na relação contratual. (…)”. Salvo melhor entendimento, parece-nos que o Mm.º Juiz a quo não ajuizou correctamente a situação sub judice, ou seja e, em síntese, não se nos afigura que exista um desequilíbrio significativo e/ou desproporcionalidade dos direitos e obrigações dos contraentes, ou que tenha sido colocada em crise a confiança suscitada, nas partes, ou ainda que tenha havido modificação dos critérios de repartição do ónus da prova, ao ponto de tais cláusulas contratuais gerais e especiais constantes dos contratos de seguro do ramo Vida serem consideradas proibidas por violação das regras estabelecidas nos artigos 15.º, 16.º e 21.º alínea g), todos do Dec. Lei n.º 446/85, de 25.10, segundo as quais: - São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé. - Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente, a confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; - Sendo em absoluto proibidas as cláusulas contratuais gerais que modifiquem os critérios de repartição do ónus da prova. No caso sub judice, estamos perante contratos de seguro de vida mediante os quais o segurador recebe do tomador do seguro (o segurado), por uma ou mais vezes, certa quantia (prémio) e promete pagar àquele ou a outrem (beneficiário), em caso de vida ou de morte de uma pessoa (pessoa segura). Neste tipo de contratos, o segurado e a pessoa segura podem ser a mesma, ou seja, uma única pessoa pode desempenhar os papéis de tomador, de segurado e de pessoa segura, sendo beneficiário um terceiro. Sendo o contrato de seguro um contrato bilateral ou sinalagmático, formal, de adesão e aleatório, na medida em que a prestação da seguradora fica dependente de um evento futuro e incerto. Entendendo-se o contrato de seguro como contrato de adesão porquanto um dos contraentes (o cliente) não tem qualquer participação na preparação e elaboração do contrato e respectivas cláusulas, apenas se limitando a aceitar o teor do contrato que o outro contraente lhe oferece, contrato esse que é igual, isto é, standartizado, ao que é oferecido a todos os outros interessados. Estes contratos contêm cláusulas cujo teor o destinatário não pode influenciar. São estas as chamadas cláusulas contratuais gerais. Subjacente à noção de cláusula contratual geral está, pois, a estipulação pré-formulada, para uma pluralidade de contratos ou generalidades de pessoas para ser aceite sem negociação ou possibilidade de alteração individual. Em tais casos, a liberdade contratual cinge-se, de facto, ao dilema da aceitação ou rejeição desses esquemas predispostos unilateralmente por entidades sem autoridade pública, mas que desempenham na vida dos particulares um papel do maior relevo – cfr. preâmbulo do DL n.º 446/85, de 25.10. No entanto, porque a liberdade contratual constitui um dos princípios básicos do direito privado, exigindo negociações preliminares íntegras, ao fim das quais as partes, tendo ponderado os respectivos interesses e os diversos meios de os prosseguir, assumem com discernimento e liberdade determinadas estipulações, é que se atravessou o legislador pretendendo criar situações contratuais minimamente equilibradas que obstem ao desaparecimento do contrato, desejando, ao invés, o seu desenvolvimento e cumprimento no âmbito de uma relação o mais equilibrada e harmoniosa possível. Neste sentido, aponta Almeno de Sá, in “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, Almedina, pág. 261, quando refere que “… Na avaliação do conteúdo proibido das cláusulas, a utilizar no domínio das proibições relativas, não pode deixar de se ter em conta, ainda aqui, a cláusula geral da boa-fé, enquanto princípio reitor do controlo do conteúdo, em íntima articulação com o escopo que com este se intenta alcançar. A consecução de um adequado equilíbrio contratual de interesses aparece como o objectivo último desse controlo, objectivo que seguramente não será atingido se o utilizador procura garantir, de antemão os seus exclusivos propósitos negociais, sem atender, de forma minimamente adequada, aos interesses da parte contrária …”. Acontece que, in casu, a actuação da seguradora, ora apelante, na elaboração das cláusulas gerais e especiais em causa dos referidos contratos, não é susceptível de censura, antes se pautando e norteando pelo princípio da boa fé. Aliás, a própria sentença recorrida de certo modo aponta nesse sentido ao dizer: “(…) É certo que também se provou que, com a junção do atestado/relatório médico, a ré apenas pretende que o beneficiário demonstre o seu direito de accionar o seguro e receber o correspondente capital. E que a inexistência de atestado/relatório médico pode ser justificada perante a seguradora ré pelas circunstâncias em que a morte ocorreu. Não ficou demonstrado nos autos que a ré incluísse nos respectivos contratos as mencionadas cláusulas para forçar os beneficiários a demandá-la judicialmente, perante a sua recusa em liquidar as importâncias seguras com fundamento na falta de apresentação dos documentos médicos exigidos nos contratos, estando ela ciente das dificuldades existentes para essas pessoas obterem tais documentos (factos não provados). (…)”. Acresce que perante o tipo de contrato em causa, os elementos que o caracterizam, nomeadamente as condições gerais e especiais do mesmo, os interesses típicos das pessoas que normalmente contratualizam, não nos parece que as cláusulas gerais e especiais nelas contidas e que impõem ao segurado/beneficiário, a fim de poder receber a importância segura, a apresentação de documentos, tais como: - atestado médico onde se declare as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte; - documento que ateste, de forma inequívoca, o carácter acidental do falecimento e determinem a relação causa/efeito entre o acidente e a morte; - relatório do médico ou médicos assistentes, dando informações sobre antecedentes de dores peitorais típicos, alterações recentes do electrocardiograma, aumento das enzimas cardíacas; - e documentos que atestem, de forma inequívoca, a relação causa /efeito entre enfarte do miocárdio e a morte, sejam violadoras das regras e princípios relacionados com a razoabilidade, equilíbrio e lisura na celebração e execução dos contratos e com o encargo de fazer prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga o contraente. No nosso caso, como vimos, antes da celebração dos contratos de seguro do ramo vida, o tomador preenche uma proposta de seguro e a pessoa segura um questionário de saúde onde declara qual o seu estado de saúde à data da proposta. Sendo que no final da primeira página do impresso denominada “Proposta de Seguro” consta a expressão seguinte, a preceder o local próprio para a assinatura do tomador e da pessoa segura (terceiro): “Declaro autorizar o Médico indicado pelo Segurador a solicitar a qualquer outro Médico ou profissional de saúde as informações e documentação que entenda necessária para a análise do risco proposto bem como para a avaliação de um eventual sinistro que seja participado”. Como refere a apelante, a citada declaração consubstancia um consentimento expresso da pessoa segura no sentido de autorizar a seguradora a indagar junto dos médicos que acompanharam, qual a causa da morte perante um eventual sinistro que seja participado. Assim ficando prejudicada a questão do consentimento do tomador no que respeita à obtenção de dados considerados sensíveis pela CNPD. Para além de que, ao invés do entendimento do Tribunal recorrido, a obtenção de tais documentos (atestado/relatório médico) é, por regra, mais fácil para os beneficiários do que para a seguradora. Como salienta a apelante “… os Beneficiários são, na esmagadora maioria dos casos, familiares da Pessoa Segura, em regra os herdeiros legais. Como tal, são as pessoas que, por excelência, acompanharam o sinistrado antes do seu decesso, conhecem os médicos que o acompanharam e têm acesso fácil ao contacto com os mesmos, por forma a obter o relatório que faça prova da causa da morte para com isso, receberem os capitais contratados (portanto, em seu exclusivo benefício), ao invés, a seguradora, apesar de estar autorizada a ter acesso a toda a história clínica da pessoa segura, não tem com a mesma qualquer relação ao longo de toda a vida do contrato, não sabendo a identidade ou paradeiro dos seus médicos assistentes ou dos hospitais, clínicas, centros de saúde e especialistas que frequentou antes da morte…”. O que vale por dizer que tal clausulado geral e especial, em causa, não exige o cumprimento de uma obrigação de difícil ou impossível concretização, não evidenciando uma posição de superioridade em face do consumidor, nem desequilibrador da relação contratual em desfavor do aderente. Por outro, também não se concorda com a sentença sob censura quando defende, em síntese, que tais cláusulas contratuais alteram as regras do ónus da prova porquanto, na sua perspectiva, sobre o beneficiário impende apenas o ónus da prova da celebração do contrato de seguro do ramo Vida e do falecimento da pessoa segura através da certidão de óbito. Sustentando a apelante que se pretende, com a inclusão de tais cláusulas nos contratos, é que os beneficiários façam prova do direito que invocam, já que não basta a prova da morte, sendo também necessário a prova da inexistência de patologias ou causas não cobertas e a prova das causas da morte, relativamente aos contratos de seguro que cobrem o risco morte por acidente, morte por acidente de circulação e morte por enfarte do miocárdio. Como é sabido, ónus é um poder ou faculdade de desenvolver e executar livremente certos actos ou adoptar ou não certa conduta prevista para benefício e interesse próprio sem qualquer sujeição ou coacção e sem que seja possível outro agente exigir a sua observância, comportando a omissão do comportamento ou o incumprimento, um risco gerador de consequências desfavoráveis e desvantagens. Ou seja, trata-se de um encargo que sofre a parte de fazer a prova do facto que lhe aproveita, sob pena de suportar a desvantagem de tal omissão. Escreveu-se, na sentença recorrida, que ao beneficiário cabe demonstrar o seu direito, accionando o seguro e à seguradora incumbe fazer a prova da eventual verificação de uma situação de exclusão da apólice. Tendo-se provado que, com a junção do atestado médico, a ré apenas pretende que o beneficiário demonstre o seu direito de accionar o seguro e receber o correspondente capital, sendo que a inexistência de atestado/relatório médico pode ser justificada perante a ré pelas circunstâncias em que a morte ocorreu (cfr. pontos 11 e 12 d fundamentação de facto). Compulsando as cláusulas contratuais gerais e especiais, em causa, delas não consta o propósito de impor ao beneficiário que faça prova de uma causa de exclusão cuja prova, esta sim, incumbe à seguradora. Em suma, ao aderente, na qualidade de tomador do seguro e beneficiário do mesmo, cabe o ónus da participação da morte da pessoa segurada. Sendo este facto do seu conhecimento, ainda que não a respectiva causa de morte, deverá diligenciar no sentido de suprir tal falta de comunicação junto da seguradora. Sendo, pois, a existência de contrato de seguro, o óbito do segurado e a doença ou causa da morte elementos constitutivos do direito a receber a indemnização, caberá ao segurado e ou beneficiário que invoca o direito à indemnização fazer prova deles. Pois, só assim se pode determinar se a seguradora é responsável pelo risco ou pode invocar cláusula de exclusão prevista no contrato. Assim, apontam as regras plasmadas no art. 342.º n.º 1 do Cód. Civil e inclusivé o art.516.º do C.P.C. quando preceitua que a dúvida sobre quem tem o ónus de prova se deve resolver contra a parte a quem o facto aproveita. O que vale por dizer que tais cláusulas contratuais colocadas em crise que se reportam à necessidade de apresentação dos relatórios médicos, necessários para prova da inexistência de patologias que afastem o funcionamento da cobertura contratadas, não violam o disposto no art. 21.º alínea g) do Dec. Lei n.º 446/85, de 25.10. Finalmente, fazendo a leitura das condições gerais e sendo elas que constituem o quadro negocial padronizado a que se refere o art. 19.º alínea g) a par do art. 11.º n.º 1 ambos do Dec. Lei n.º 446/85, de 25.10, não se nos afigura, ao invés do entendimento do Tribunal recorrido, que a cláusula inserta nas condições gerais e especiais, em causa, segundo a qual “o foro competente para dirimir qualquer litígio emergente deste contrato é o local da emissão da apólice, sem prejuízo do estabelecido na lei processual civil no que respeita à competência territorial em matéria de cumprimento de obrigações” contenha elementos que fundamentem a sua proibição. Como salienta a apelante, “…. A segunda parte da cláusula do foro salvaguardou todo o conteúdo do preceituado no artigo 74.º n.º 1 do C.P.C., prevalecendo tal norma sobre o foro convencionado, conforme se constata pela expressão “sem prejuízo”, …, não se pode entender, como fez o Tribunal a quo, que a expressão “em matéria de cumprimento de obrigações”, não abrange a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a acção destinada a declarar a resolução do contrato por falta de cumprimento, …, a expressão utilizada na referida cláusula tem carácter genérico, pelo que nela entra tudo o que se refere “à matéria de cumprimento de obrigações” – onde obviamente se inclui o incumprimento e o cumprimento defeituoso, …, pensar de outro modo seria esvaziar esta parte da cláusula de conteúdo, já que não há litigância quando há cumprimento da obrigação…”. Dito isto, não se vê, salvo melhor entendimento, por um lado qualquer impedimento para que a escolha do foro competente seja exercida mediante simples adesão a cláusula contratual geral e, por outro, in casu, não se alcança que tal cláusula coarcte o exercício dos direitos das partes ou que lhes cause graves inconvenientes, designadamente aos aderentes. Como refere a apelante “… no limite, poder-se-á admitir que a expressão “local da emissão da apólice” é vaga, não esclarecendo cabalmente o consumidor final, …, estão aqui em causa as dúvidas já sobejamente abordadas pela jurisprudência e pela doutrina sobre qual será, para o consumidor final “o local da emissão da apólice” se a sede da empresa ou se qualquer das suas delegações, concretamente, as delegações da área de residência de cada um dos aderentes, onde estes se deslocaram para subscrever o contrato de seguro. Admite-se a dúvida, …, mas, a vingar tal entendimento, há que aplicar o preceituado no art. 11.º do Dec. Lei n.º 446/85, de 25.10, prevalecendo o sentido mais favorável ao aderente…”. Sucede que o n.º 3 do art. 11.º do citado diploma legal preceitua que o disposto no numero 2 (na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente), não se aplica no âmbito das acções inibitórias – norma introduzida pelo Decreto – Lei n.º 249/99 – pois que, como escreve Almeno de Sá, na obra acima citada, pág. 40, “… se se optasse, na acção inibitória, pela variante de sentido directamente mais favorável ao cliente, correr-se-ia o risco de não poderem ser combatidas, pela via do controlo abstracto, cláusulas intrinsecamente abusivas, prejudicais ao cliente, tão só porque, na interpretação imediatisticamente mais vantajosa para a contraparte do utilizador, não ultrapassariam os limites da não-contrariedade à boa-fé, tal como resultam dos artigos 15.º e seguintes da lei das cláusulas contratuais gerais…”. O certo é que o mencionado n.º 3 daquele preceito legal sobre a epígrafe “Clausulas ambíguas” nada adianta em termos positivos sobre o princípio que, em substituição da regra plasmada no n.º 2, deve vigorar no domínio do processo de controlo abstracto. Para o mesmo autor, “… a solução correcta traduzir-se-á em partir, face a uma cláusula ambígua, da variante de sentido mais prejudicial ao cliente, a fim de determinar se, com tal sentido, a cláusula “resiste” ao controlo do conteúdo. Com isto se conseguirá uma mais eficaz e substantivamente mais justa aplicação das normas que regulam a fiscalização do conteúdo…”. Ora, no caso vertente, nada consta do quadro factual provado de modo a poder-se concluir num ou noutro sentido, designadamente, que a cláusula do foro competente, como anteriormente referimos, restrinja o exercício dos direitos das partes ou que lhes cause graves inconvenientes, em especial, aos aderentes. Por tudo quanto se deixou dito, procedem as conclusões da alegação da apelante, não podendo pois a sentença recorrida subsistir. IV – Decisão. Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e em consequência revoga-se a sentença recorrida. Sem custas. Lisboa, 28 de Junho de 2012 Gilberto Martinho dos Santos Jorge Maria Teresa Batalha Pires Soares Ana Lucinda Mendes Cabral |